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Pluricentrismo e heterogeneidade

2022
978-3-8233-9487-7
Gunter Narr Verlag 
Cornelia Döll
Christine Hundt
Daniel Reimann
10.24053/9783823394877

A aquisição do português como língua pluricêntrica com as variedades de Portugal e do Brasil, as variedades linguísticas da África Lusófona e da Ásia, e como língua estrangeira e língua de herança ensinadas na Alemanha, Áustria e Suíça apresenta aos professores e aprendentes desafios complexos. As contribuições neste volume emergiram do diálogo interdisciplinar de investigadores e professores das áreas da linguística e da pesquisa em aquisição de línguas, língua segunda, línguas estrangeiras / didática. Combinam perspetivas lusófonas de diferentes continentes e perspetivas europeias sobre o português como língua primeira e segunda, língua de herança e língua estrangeira. Nesse quadro, os autores lançam luz sobre uma grande variedade de contextos de ensino-aprendizagem, refletindo, por um lado, a inserção institucional do ensino e, por outro, as diferentes línguas de partida e de referência, biografias, motivação e níveis de competência linguística dos atores.

Romanistische Fremdsprachenforschung und Unterrichtsentwicklung 20 Cornelia Döll / Christine Hundt / Daniel Reimann (Ed.) Pluricentrismo e heterogeneidade O Ensino do Português como Língua de Herança, Língua de Contato e Língua Estrangeira Pluricentrismo e heterogeneidade Romanistische Fremdsprachenforschung und Unterrichtsentwicklung Herausgegeben von Daniel Reimann (Duisburg-Essen) und Andrea Rössler (Hannover) Band 20 Cornelia Döll / Christine Hundt / Daniel Reimann (Ed.) Pluricentrismo e heterogeneidade O Ensino do Português como Língua de Herança, Língua de Contato e Língua Estrangeira DOI: https: / / www.doi.org/ 10.24053/ 9783823394877 © 2022 · Narr Francke Attempto Verlag GmbH + Co. KG Dischingerweg 5 · D-72070 Tübingen Das Werk einschließlich aller seiner Teile ist urheberrechtlich geschützt. Jede Verwertung außerhalb der engen Grenzen des Urheberrechtsgesetzes ist ohne Zustimmung des Verlages unzulässig und strafbar. Das gilt insbesondere für Vervielfältigungen, Übersetzungen, Mikroverfilmungen und die Einspeicherung und Verarbeitung in elektronischen Systemen. Alle Informationen in diesem Buch wurden mit großer Sorgfalt erstellt. Fehler können dennoch nicht völlig ausgeschlossen werden. Weder Verlag noch Autor: innen oder Herausgeber: innen übernehmen deshalb eine Gewährleistung für die Korrektheit des Inhaltes und haften nicht für fehlerhafte Angaben und deren Folgen. Diese Publikation enthält gegebenenfalls Links zu externen Inhalten Dritter, auf die weder Verlag noch Autor: innen oder Herausgeber: innen Einfluss haben. Für die Inhalte der verlinkten Seiten sind stets die jeweiligen Anbieter oder Betreibenden der Seiten verantwortlich. Internet: www.narr.de eMail: info@narr.de CPI books GmbH, Leck ISSN 2197-6384 ISBN 978-3-8233-8487-8 (Print) ISBN 978-3-8233-9487-7 (ePDF) ISBN 978-3-8233-0291-9 (ePub) Bibliografische Information der Deutschen Nationalbibliothek Die Deutsche Nationalbibliothek verzeichnet diese Publikation in der Deutschen Nationalbibliografie; detaillierte bibliografische Daten sind im Internet über http: / / dnb.dnb.de abrufbar. www.fsc.org MIX Papier aus verantwortungsvollen Quellen FSC ® C083411 ® www.fsc.org MIX Papier aus verantwortungsvollen Quellen FSC ® C083411 ® 9 I. 15 67 85 107 129 165 181 Índice Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Português como Língua de Herança e Língua Estrangeira no espaço de língua alem- - empiria, teoria e prática da sala de aula Daniel Reimann Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português. Resultados de um estudo piloto de pesquisa qualitativa . . . . . . . . . . . . . . . . . Henrick Stahr Heterogeneidade linguística e cultural no ensino bilingue na Escola Europeia Oficial de Berlim: Como é tratada a heterogeneidade no ensino da língua portuguesa como língua parceira e nas disciplinas ministradas em português? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Irene Fally, Christina Märzhäuser “Para n-o perder a minha língua” - Motivos para a aprendizagem do Português como Língua de Herança em Viena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Maria de Lurdes Gonçalves Ensinar Português Língua de Herança na Suíça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Juliane Costa Wätzold O papel das Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como Língua de Herança: um estudo de caso . . . . . . . . . . . . . . . . Leonor Paula Santos “Viajar pela língua”- Heterogeneidade e diferenciaç-o nas aulas de Português como Língua Estrangeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Rosane Werkhausen O aprendizado informal no desenvolvimento das competências linguísticas do português como língua estrangeira pluricêntrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II. 207 235 249 261 293 311 325 III. 349 363 O Português como L1, L2 e língua de contato no espaço lusófono - empiria, teoria e prática da sala de aula Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro A língua de origem, a que cresci a falar, a que me faz feliz só de ouvir: imagens das línguas e ensino-aprendizagem do Português L2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Isidro António Samo Chongola O perfil sócio-linguístico e motivacional dos estudantes que escolheram o curso de Licenciatura em Ensino de Português na Universidade Pedagógica de Nampula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . José Rafael Maússe O ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa num contexto multilingue de Moçambique: o professor como foco de mestria e conflitos quanto à integraç-o de novas estruturas sintáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Karin N. R. Indart Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Manfred F. Prinz Estilos de aprendizagem no triângulo lusófono. Proposta de uma didática intersticial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Ana Teresinha Elicker, Débora Nice Ferrari Barbosa, Rosemari Lorenz Martins Os gêneros digitais em um contexto formal de aprendizagem . . . . . . . . . . . Claudete Beise Ulrich, Edineia Koeler, Erineu Foerste Professora Marineuza Plaster Waiandt: guardi- da língua e da cultura pomerana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Português como Língua Estrangeira pluricêntrica no espaço internacional - norma, uso e consciência da linguagem Isabel Margarida Duarte Português, língua pluricêntrica. Variaç-o e ensino: diferentes variedades, diferentes públicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange Os pronomes oblíquos no ensino do Português como Língua Estrangeira a alunos adultos - a quest-o do Português Europeu e do Português Brasileiro 6 Índice 415 443 Christian Koch Acessos ao português como língua terciária (L3) - falada por poliglotas em línguas românicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Benjamin Meisnitzer Divergências no domínio dos tempos verbais entre o Português Europeu e o Português Brasileiro como desafio no ensino do Português como Língua Estrangeira e Língua N-o Materna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Índice Prefácio A sala de aula de uma língua é influenciada pelos mais diversos tipos de con‐ textos que se refletem nos motivos de aprendizagem e nos níveis de competência de alunos e professores, mas também nas línguas de partida dos protagonistas, na sua inserç-o cultural e nas suas biografias individuais. A língua aprendida, por seu lado, pode ainda criar uma maior diversificaç-o, na medida em que pode n-o só exibir a estratificaç-o “usual” em uma norma padr-o e formas de falar dialetais, sociais e situacionais, mas também possuir várias línguas-padr-o com várias sub-estratificações. O Português, ao lado de outras línguas europeias, é uma dessas línguas chamadas pluricêntricas que, devido à sua história de língua colonial, formaram núcleos normativos num espaço supranacional. As diversas situações de aquisiç-o escolar do português, como língua es‐ trangeira pluricêntrica - com as duas variedades dominantes de Portugal e do Brasil, como língua de contato pós-colonial - com as jovens variedades linguísticas emergentes da África Lusófona e da Ásia, mas também como língua de herança ensinada, por exemplo, na Alemanha - com as exigências de um ensino adequado para jovens alunos e alunas com passados migratórios lusófonos multinacionais, apresenta desafios complexos tanto para discentes como para docentes no âmbito discursivo, cultural, comunicativo e linguístico que importa aprofundar. Desse modo, o foco temático do presente volume incide sobre estratégias de lidar com fenómenos de heterogeneidade nas aulas de Português para falantes n-o-nativos nas suas diversas formas concretas de Português como Língua de Herança (PLH), Português como Língua de Contato ou Língua Segunda (PL2) e Português como Língua Estrangeira (PLE). As contribuições emergiram do diálogo interdisciplinar de professores de língua e investigadores das áreas da linguística e da pesquisa em didática e aquisiç-o de línguas. Combinam perspetivas lusófonas de diferentes continentes e perspetivas europeias sobre o português como língua de herança no espaço de língua alem-, como primeira e segunda língua em Moçambique, em Timor Leste e no Brasil, e como língua pluricêntrica estrangeira num enquadramento internacional. Os autores lançam luz sobre uma grande variedade de contextos, refletindo fatores de inserç-o institucional e curricular do ensino e de contex‐ tualizaç-o cultural do ensino-aprendizagem, incluindo a discuss-o de materiais didáticos apropriados, bem como formas de motivaç-o didática, socioemocional e sociolinguística. Também ser-o considerados, dentro do conceito de língua terciária, processos de transferência psicolinguística e da aquisiç-o do PLE num contexto multilingue românico e, ainda, desafios da pluri-normatividade gramatical encontrada na aula do PLE e de uma gramaticografia didática atualizada correspondente. Estruturamos o livro em três secções que circunscrevem - grosso modo - a divis-o temática já sugerida em PLH, PL2 e PLE. No entanto, várias das contribuições entrelaçam-se em dois tópicos principais comuns que atravessam as linhas entre os três capítulos: Uma quest-o considerada particularmente pertinente e investigada, embora com abordagens teóricas diversas, por seis dos autores aqui reunidos, é a da motivaç-o para se aprender ou estudar o português, tendo em conta a perspetiva de estudantes universitários, maioritariamente falantes de PL2 no norte de Moçambique, como também de alunos e alunas com fundo migratório lusófono em aulas de PLH na Alemanha, na Áustria e na Suíça. Um segundo núcleo temático é o de se delinearem as necessidades de adequaç-o das situações de ensino-aprendizagem e materiais didáticos ao contexto vivencial real das turmas aprendentes. Esta quest-o é colocada e desenvolvida por três professoras-investigadoras do ensino do PLH na Ale‐ manha, que se defrontam com grupos heterogéneos em numerosíssimos aspetos. É igualmente abordada por cinco autores que tratam da aprendizagem do Português como língua n-o-materna num contexto pós-colonial global ou de um enquadramento específico de ensino-aprendizagem do PL2 virado para a prática profissional de aprendentes adultos em Timor Leste ou, mesmo ainda, do aproveitamento de novos meios técnico-discursivos para a aprendizagem do Português como L1, adaptados às experiências de jovens alunos brasileiros. Uma caraterística importante deste livro é que foi redigido em português, conjuntamente por falantes nativos que adquiriram e aprenderam o idioma como língua primeira e por falantes n-o-nativos que o aprenderam como língua segunda, terceira ou quarta, juntando-se a esta situaç-o o caráter pluricêntrico da língua, ou seja, a existência de normas e usos divergentes na grafia, nas escolhas lexicais e na gramática. Dessa forma e em analogia com o título do livro, a colaboraç-o dos autores e das autoras, representa, na nossa opini-o, um exemplo conseguido de se lidar com a heterogeneidade e o pluricentrismo na prática editorial. Gostaríamos de agradecer a todos os contribuintes por terem dedicado tempo, esforço e paciência ao trabalho em conjunto - em paralelo com a rotina diária 10 Prefácio na escola e na universidade e a par das dificuldades que a pandemia nos impôs a todos nos últimos meses. Gostaríamos especialmente de agradecer à Editora Gunter Narr, representada pela sua responsável, Kathrin Heyng, pelo excelente conselho e apoio concedidos na finalizaç-o do livro. Cornelia Döll, Christine Hundt, Daniel Reimann 11 Prefácio I. O Português como Língua de Herança e Língua Estrangeira no espaço de língua alem- - empiria, teoria e prática da sala de aula 1 O autor gostaria de agradecer, pela valiosa ajuda na elaboraç-o da vers-o portuguesa do manuscrito, ao senhor Gianluca Campos Sardo, M. A. (Universidade de Mangúncia e Universidade de Duisburg-Essen) e à professora Maria Margarida de Lima Mendes da Fonseca. Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português Resultados de um estudo piloto de pesquisa qualitativa Daniel Reimann Após uma breve introduç-o à tipologia da aquisiç-o multilingue simultânea e sucessiva e a diferentes classificações de competência multilingue, o artigo apresenta a situaç-o especial, na sala de aula de língua estrangeira, de alunos que vivem num meio cotidiano multilingue. Realça-se a situaç-o especial de alunos que têm um passado linguístico de língua-alvo (com caraterísticas diferentes). S-o apresentados os resultados de estudos-piloto qualitativos (entrevistas orientadas) com professores e estudantes que têm antecedentes lusófonos e que est-o integrados no ensino do português como língua estrangeira nas escolas secundárias da Alemanha. 1 Contexto social, prático e teórico 1 Ao lado do francês, do espanhol e do italiano, o português é desde os anos 80 a quarta língua românica estabelecida na Alemanha como língua escolar estrangeira até ao nível do Abitur, exame final do 12°/ 13°ano. O português é oferecido como língua de herança no chamado ensino da língua materna (para uma vis-o geral atual, ver Mediendienst Integration 2020), como atividade complementar / clube de língua ou seja de oferta adicional de construç-o de perfil nas escolas europeias e, por último, mas n-o menos importante, como língua regular (estrangeira) nas escolas secundárias. Para além da Escola Oficial Europeia de Berlim (Staatliche Europaschule Berlin), s-o especialmente duas escolas secundárias em Dortmund e em Estugarda que, desde os anos 80, têm vindo a oferecer o português como língua estrangeira até ao 12° / 13° ano parcialmente como disciplina “nuclear” / curso intensivo (Leistungskurs). É bastante óbvio que o português como língua estrangeira nas escolas na Alemanha está muito menos espalhado do que as outras três línguas românicas acima mencionadas, o que está em flagrante contradiç-o com o número de falantes - com mais de 260 milhões de falantes primários em todo o mundo, o português (por exemplo Reto / Machado / Esperança 2016, 52) é a segunda língua românica mais falada depois do espanhol como língua principal - e a expans-o da língua portuguesa por quatro continentes (para uma introduç-o à língua portuguesa a partir de uma grande variedade de perspetivas, ver Reto / Machado / Esperança 2016; para uma introduç-o a partir de uma perspetiva didática da língua alem--estrangeira, ver Reimann 2014, Melo-Pfeifer 2016a). A presença lusófona na Alemanha deve-se principalmente ao chamado acordo de recrutamento da República Federal da Alemanha, tal como da Repú‐ blica Democrática Alem- com vários estados, com base no qual os chamados “Gastarbeiter” têm vindo a ser convidados a emigrar para a Alemanha desde os anos 50. Tais acordos de recrutamento existem, por exemplo, da parte da República Federal com Portugal desde 1964 (ver Acordos de Recrutamento com Itália: 1955, com Espanha: 1960), na República Democrática Alem- com Moçambique (1979) e com Angola (1984) (por exemplo Berretta Soares 2010, Neves 2020, 25, Bundeszentrale für politische Bildung 2016). Particularmente nos anos 70, a quota da populaç-o portuguesa na República Federal aumentou acentuadamente, de modo que os portugueses foram temporariamente o sexto maior grupo de estrangeiros (Neves 2020, 25). Com cerca de 140.000 cidad-os portugueses na República Federal (cf. DES‐ TATIS 2020a), vive hoje na Alemanha a quarta maior comunidade portuguesa na Europa (depois da França com cerca de 550.000 pessoas, da Suíça com mais de 260.000 pessoas e da Gr--Bretanha com cerca de 230.000 pessoas) (cf. Statista 2020a e 2020b, sobre a situaç-o na Suíça cf. o relatório global do Gabinete Federal para as Migrações 2010). Um total de aproximadamente 166.000 pessoas a viver na República Federal da Alemanha têm origens portuguesas (DESTATIS 2020b, outras regiões lusófonas de origem n-o est-o aí especificamente identificadas). Além disso, vivem atualmente cerca de 50.000 brasileiros, 5.500 angolanos e cerca de 2.000 moçambicanos na Alemanha (Statista 2020c, DESTATIS 2020c, 27). Isto significa que os portugueses, tal como as comunidades lusófonas em geral, n-o pertencem aos grandes grupos linguísticos presentes na Alemanha. No entanto, a presença do português é t-o notória em alguns centros urbanos 16 Daniel Reimann (por exemplo Hamburgo, zona do Reno-Meno, zona do Ruhr, Estugarda) que as aulas de português das escolas acima mencionadas, oficialmente concebidas como aulas de língua estrangeira, s-o também frequentadas por alunos com an‐ tecedentes familiares lusófonos em diferentes graus de manifestaç-o. Coloca-se, portanto, a quest-o de como estes alunos com antecedentes familiares lusófonos s-o e devem ser tratados numa aula de língua estrangeira que frequentam conjuntamente com alunos sem quaisquer antecedentes na língua-alvo. Para que se possa situar melhor as ofertas de formaç-o em português (esquema simplificado para escolas gerais, a oferta exata difere entre os diversos estados federais e os diferentes tipos de escolas) deve ser recordada introduto‐ riamente a forma como o ensino de línguas estrangeiras está estruturado na Alemanha, ou seja, a partir de que anos de escolaridade s-o oferecidos cursos de formaç-o em línguas estrangeiras e línguas de herança: Idade Anos de escolari‐ dade Língua estrangeira Língua de Herança 6-8 1 / 3 Língua estrangeira antecipada (na maioria das vezes inglês) Ensino na Língua de Herança (voluntário) 10 5 1° língua estrangeira (na maioria das vezes inglês) 11 6 2° língua estrangeira (por exemplo, latim, francês, cada vez mais espanhol, cada vez menos italiano) 13 8 3° língua estran‐ geira (por exemplo, francês, espanhol, italiano, português, russo, grego (antigo)) Como alternativa: ciências naturais, educaç-o artís‐ tica / música etc. 15 10 2°, 3° ou 4° língua estrangeira de iniciaç-o no Ensino Secundário (ou no 10° / 11° ano de escolaridade) (na maioria de vezes espa‐ nhol, italiano, também francês, português, latim, grego (antigo), hebraico (antigo)) A base teórica do estudo sobre a presença de alunos lusófonos nas aulas de português é a chamada didática do plurilinguismo. Embora o conceito original de plurilinguismo se tenha centrado desde os anos 90 principalmente na criaç-o de uma rede de interligações entre as línguas estrangeiras lecionadas nas escolas, o potencial das línguas de herança para o ensino de línguas estrangeiras passou 17 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português a estar cada vez mais no centro da investigaç-o desde o ano 2000 e, mais ainda, desde os anos 2010 (síntese introdutória, por exemplo, Reimann 2018b, e concisa, com outras referências bibliográficas, García García / Reimann 2020, esp. 12-15). Para integrar estas duas dimensões, bem como outros aspetos nos quais elas se espalham, foi apresentado num outro lugar o modelo de um “plurilinguismo esclarecido” (“aufgeklärte Mehrsprachigkeit”) (cf. Reimann 2015, 2016, 2018b) que propõe focar em particular os seguintes aspetos de uma aprendizagem e de um ensino de dimens-o plurilingue em aula de língua: • uma maior ênfase no desenvolvimento de competências produtivas em línguas aprendidas mais tardiamente • a integraç-o de outras línguas escolares estrangeiras, especialmente o inglês, para além das línguas românicas (incluindo as línguas antigas) • a consideraç-o do alem-o como língua materna, língua segunda e língua estrangeira (“o alem-o como língua-alvo”) • a consideraç-o das línguas de herança e da língua falada no contexto familiar • o desenvolvimento das competências recetivas relativas às variedades na língua-alvo • a promoç-o de uma abordagem plurilingue no ensino de matérias cientí‐ fico-humanísticas • o desenvolvimento da competência comunicativa transcultural. Esta abordagem fornece o quadro teórico para o presente estudo. 2 Notas sobre o estado da investigaç-o O caso especial em que os falantes de origem escolhem a sua língua de herança como língua-alvo para o ensino de línguas estrangeiras n-o foi ainda nem muito estudado pela investigaç-o de língua alem- em línguas estrangeiras (por 18 Daniel Reimann exemplo, García García 2019 para o ensino bilingue de espanhol de conteúdos científico-humanísticos, Reimann 2020 para o ensino básico e geral de espanhol) nem modelado teoricamente. Em Reimann 2020 (esp. 213-221) e em Reimann 2021 (no prelo), revi o estado da investigaç-o sobre o complexo “Alunos com antecedentes linguísticos”, com particular referência às áreas “didática do plurilinguismo e línguas de herança”, “Alunos com antecedentes linguísticos no ensino das línguas eslavas”, “Investigaç-o sobre a situaç-o dos alunos com antecedentes familiares lusófonos nos Estados Unidos”, “Ensino na língua de herança românica” (Reimann 2020, 213-221), bem como sobre requisitos de aprendizagem e abordagens metodoló‐ gicas para “mixed classes”, ou seja, grupos de aprendizagem mistos em que alunos com e sem antecedentes linguísticos aprendem oficialmente uma língua como língua estrangeira (Reimann 2021, em impress-o). Bastará pois afirmar aqui que, embora existam na Alemanha estudos sobre a aquisiç-o linguística (bilingue) de falantes de língua de herança lusófona num contexto de língua alem- a partir de uma perspetiva de investigaç-o principalmente linguística ou de aquisiç-o linguística (por exemplo, Rinke / Flores / Santos 2019), bem como estudos sociológicos, educativos e sociolinguís‐ ticos relacionados com jovens de origem portuguesa (por exemplo, Fürstenau 2004, Melo-Pfeifer 2018) e jovens adultos (Monjour 2013), ainda n-o foram realizados estudos sobre alunos lusófonos no ensino do português como língua estrangeira de uma perspetiva didática de língua estrangeira no sentido mais restrito. O estado da investigaç-o em didática de línguas estrangeiras a nível internacional é também visivelmente menos pronunciado do que no caso do espanhol, uma vez que o português, especialmente nos EUA, desempenha um papel significativamente menor n-o só como língua de herança mas também como língua escolar do que o espanhol, que aí está a ser investigado de forma muito mais intensiva no que diz respeito às questões aqui abordadas (cf. para uma introduç-o, por exemplo, Reimann 2020, 218-220). É significativo, por exemplo, que na contribuiç-o fundamental “Who Are Our Heritage Language Learners? ” de Hornberger / Wang 2009 o português n-o seja sequer mencionado - embora existam grandes comunidades lusófonas em Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, New Jersey, Florida e Califórnia (ao todo cerca de 200.000 cidad-os portugueses e aproximadamente 1,5 milhões de pessoas de origem por‐ tuguesa (Campos Soares 2016, 156, en.wikipedia.org, s.v. português-americanos, 22.09.2020), bem como aproximadamente 500.000 pessoas de origem brasileira, também com focos regionais na Florida, Massachusetts, Califórnia e Nova Jersey (Blizzard / Batalova 2019). Um relatório de experiência prática no contexto da 19 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português didática do ensino superior relacionado com um curso “Portuguese for Heritage Speakers” foi apresentado por Campos Soares em 2016. O ensino da língua de herança na Alemanha, estabelecido predominante‐ mente no contexto primário, tem sido em geral muito pouco investigado (para uma introduç-o em relaç-o ao estado da investigaç-o de uma perspetiva românica, ver Reimann 2020, 220 f). No que diz respeito ao português, existem pelo menos estudos isolados que analisam aspetos parciais do ensino da língua de herança, particularmente nas escolas primárias (entre outros, o papel das famílias na preservaç-o da língua, as representações e as atitudes em relaç-o à língua e ao ensino da língua de herança mesmo entre as crianças, os professores de ensino da língua de herança e os membros da comunidade portuguesa na Alemanha, por exemplo, Melo-Pfeifer 2015, Melo-Pfeifer / Schmidt 2016, Pinho 2016), apresentando Duarte Soares 2019 um relatório de pendor histórico sobre a prática do ensino do português na Alemanha nas últimas décadas. Melo-Pfeifer 2016b é um valioso volume que reúne vários estudos empíricos sobre o ensino do português como língua de herança em todo o mundo, inclusivamente na Alemanha. Com base nos dados de alunos dos 6 aos 12 anos de idade do ensino do português como língua de herança, esta obra tenta integrar a um nível epistemológico a perspetiva linguística e a da didática de línguas estrangeiras (Flores / Melo-Pfeifer 2016), examinando as atitudes linguísticas dos jovens dos 10 aos 17 anos no contexto do ensino do português como língua de herança em quatro escolas alem-s (Silva / Lamas 2016). Além disso, uma consulta no Centro de Informaç-o para a Investigaç-o de Línguas Estrangeiras (IFS) em Marburg no dia 18.09.2020, utilizando a palavra-chave combinada “português, língua de herança” e “português, língua materna”, facultou um total de quatro resultados, dos quais nenhum provou ser relevante após exame atento. Uma pesquisa correspondente, mais ampla, realizada em 30.08.2019 sob as palavras-chave “ensino da língua nativa” e “língua de herança” n-o revelara da mesma forma qualquer resultado relevante para o português. 3 Pergunta de investigaç-o, design do estudo, amostra e método A quest-o de investigaç-o central subjacente ao estudo aqui apresentado e considerando o contexto social, de prática escolar e teoria, bem como o estado atual da investigaç-o, é, portanto, a seguinte: Como s-o tratados e apoiados (e como poderiam ser melhor apoiados) os alunos com antecedentes familiares na língua-alvo no ensino das línguas românicas 20 Daniel Reimann a nível secundário I e II nas escolas secundárias do tipo Gesamtschulen e Gymnasium (liceu)? A quest-o de investigaç-o para o subprojeto aqui apresentado é concretamente: Como s-o tratados e apoiados (e como poderiam ser melhor apoiados) os alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português como língua estrangeira nas Gesamtschulen e no liceu? No total, est-o disponíveis no projeto-piloto os seguintes conjuntos de dados relativos às línguas espanhol, português e italiano, recolhidos entre 2017 e 2018: • um inquérito escrito a estudantes do ensino superior (110 questionários com perguntas fechadas e abertas) • onze entrevistas semidirigidas com gui-o (cerca de 30 minutos cada) • cinco entrevistas semidirigidas com gui-o (cerca de 30-45 minutos cada). A parte especificamente relacionada com a língua portuguesa e o ensino do português inclui: • quatro entrevistas semidirigidas com gui-o com alunos • uma entrevista semidirigida com gui-o com uma professora. A (sub)amostra relacionada ao português pode ser descrita em mais pormenor da seguinte forma: Alunos: 4 alunos (11 o ano e 12 o ano) num liceu de uma grande cidade na Renânia do Norte-Vestefália, 20 de março de 2018, tempo total de gravaç-o 105: 05 minutos Professora: 1 professora num liceu de uma grande cidade na Renânia do Norte-Vestefália, 20 de março de 2018, tempo de gravaç-o 29: 40 minutos. As entrevistas basearam-se num gui-o desenvolvido pelo autor, sendo condu‐ zidas por Kathrin Ermisch, M.Ed., após uma formaç-o em entrevista, e trans‐ critas pela entrevistadora e por Melek Kaya, M.Ed. Uma revis-o das transcrições foi realizada pelo autor apoiado por Gianluca Campos Sardo, M. A. A transcriç-o das entrevistas foi feita segundo Kuckartz 2016, 167-171, a avaliaç-o de acordo com os princípios da análise qualitativa do conteúdo segundo Mayring 2015. Os alunos foram questionados sobre as suas biografias linguísticas, os motivos para escolherem o português como língua estrangeira na escola, a sua atitude em relaç-o ao ensino do português, a autoavaliaç-o da sua participaç-o nas 21 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português aulas de português, as pontos fortes e fracos por si sentidos em português, a percepç-o das diferenças em relaç-o aos seus colegas em termos do desempenho e participaç-o na aula, os seus desejos e conselhos dirigidos aos professores sobre como envolver os alunos com antecedentes linguísticos tal como suas perceções sobre as variedades linguísticas por si introduzidas nas aulas e sobre o potencial de transferência entre as línguas. O professor também foi questionado sobre os mesmos aspetos, do seu ponto de vista de docente. 4 Resultados 4.1 Entrevistas com as alunas As entrevistas semidirigidas com as alunas com antecedentes familiares lusó‐ fonos foram realizadas a 20.03.2018 numa escola secundária de uma grande cidade na Renânia do Norte-Vestefália. As alunas entrevistadas frequentavam os seguintes anos de escolaridade e cursos de formaç-o em português como língua estrangeira: S 01 = 11 o ano, português como língua-ponte desde o 5 o ano / como 3ª língua estrangeira desde o 8 o ano S 02 = 11 o ano, português como língua-ponte desde o 5 o ano / como 3ª língua estrangeira desde o 8 o ano S 03 = 11 o ano, português como língua-ponte desde o 5 o ano / como 3ª língua estrangeira desde o 8 o ano S 04 = 12 o ano, português como 2° ou 3° língua estrangeira. S 01 a S 03 puderam ter, a partir do 5 o ano, aulas de português paralelamente com o inglês como 1ª língua estrangeira e depois, a partir do 8 o ano, escolheram o português oficialmente como “3ª língua estrangeira”. 4.1.1 Biografias linguísticas complexas e situações linguísticas familiares Devido ao fenómeno da transmigraç-o (cf. por exemplo, Gogolin 2006, Sievers 2010, Reimann 2018a, 253 f.), as biografias linguísticas dos jovens inquiridos s-o t-o heterogéneas e individuais que as tentativas tradicionais de classificaç-o, como por exemplo o desenvolvimento do bilinguismo em termos de idade de aquisiç-o ou ao nível da competência, s-o difíceis de concretizar (cf. Reimann 2018b, 30-37). Mostra-se que o modelo ecológico do plurilinguismo de Aronin / O’Laoire 2004 fornece uma base teórica adequada para a descriç-o do bilin‐ guismo e do plurilinguismo no contexto escolar atual. Por um lado, s-o descritos casos quase prototípicos em que os pais s-o lusófonos e uma criança cresceu inicialmente com português monolingue, mas 22 Daniel Reimann em que, por exemplo, o momento da migraç-o dos pais difere e, portanto, também o grau do seu bilinguismo (cf. S01, 268-272): (1) also mein Vater ist mit vier Jahren hier rüber gekommen (.)und meine Mutter mit 29. Also, nachdem sie mit meinem Vater geheiratet hat und ja ich bin halt in Dortmund geboren, also in Deutschland geboren. Meine erste Sprache war trotzdem Portugiesisch, ich hab halt Deutsch eher aus Krabbelgruppe und andere Freunde. #-17: 57# (S01, 418-432) [ent-o o meu pai veio para cá quando tinha quatro anos e a minha m-e veio para cá quando tinha 29. Ent-o depois de ela ter casado com o meu pai e eu nasci em Dortmund, na Alemanha. A minha primeira língua mesmo assim foi o português e o alem-o, mais de grupos de crianças pequenas e outros amigos. #-17: 57# (S01, 418-432)] Além disso, esta aluna relata que ao longo do tempo, o seu alem-o se tornou melhor do que o seu português devido à socializaç-o num ambiente de língua alem-: (2) Ich würde schon sagen, dass mein Deutsch bisschen stärker ist. Dass man halt das Portugiesische einfach verliert (.) im Laufe (.) seines Lebens, würde ich jetzt sagen. Dass äh Deutsch natürlich auch mehr gefördert wird durch die Schule halt #-19: 00# (S01, 450-453) [Eu já diria que o meu alem-o é um pouco mais forte. Eu diria que se perde simplesmente o português ao longo da sua vida. Que o alem-o é naturalmente também mais promovido pela escola #-19: 00# (S01, 450-453)] Uma outra inquirida descreve a migraç-o repetida de uma família portuguesa entre Portugal e a Alemanha subsequentemente a aprendizagem sucessiva primeiro do português e depois do alem-o: (3) Also, meine Eltern kommen beide aus Portugal ehm und sie sind dann halt von Deutschland nach Portugal gezogen und dann bin ich hier in Deutschland geboren, aber dann sind wir nach Portugal gezogen, so dass ich dann erst Portugiesisch gelernt habe und relativ spät, also im Vergleich zu den anderen, erst spät Deutsch gelernt habe. Ich habe dann, dann sind meine Eltern von Portugal mit mir und meinem Bruder wieder nach Deutschland gezogen, dann hab 23 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português ich hier erstmal mit fünf, glaub ich dann angefangen Deutsch zu lernen und dann ja, dann bin ich ganz normal zur Schule gegangen. #-13: 06# (S03, 311-320) [Ent-o, os meus pais s-o ambos de Portugal e mudaram da Alemanha para Portugal e depois nasci aqui na Alemanha, mas depois mudámo-nos para Portugal, por isso só aprendi português, e o alem-o aprendi relativamente tarde em comparaç-o com as outras línguas. Depois os meus pais voltaram de Portugal comigo e com o meu irm-o para a Alemanha, depois vim para cá e comecei a aprender alem-o aos cinco anos, e depois fui para a escola como de costume. #-13: 06# (S03, 311-320)] Uma outra aluna descreve, por exemplo, o crescimento numa família alem--por‐ tuguesa em Portugal que, devido à situaç-o económica durante a adolescência, levou a uma transferência residencial para a Alemanha: (4) Also, ich bin in Portugal geboren, war da auch 15 Jahre lang. Vor zwei anderthalb, drei Jahren sind wir jetzt nach Deutschland gezogen, weil in Portugal gibt es ja auch die Krise und die finanzielle Situation ist nicht so gut da und ehm mein Papa ist ja Deutscher, also haben wir diese Möglichkeit hierher zu ziehen und das haben wir gemacht. Papa vorgekommen, schon anderthalb Jahre vorher und ehm ich hab dann mein neunte Klasse Abschluss gemacht und wir sind dann hierher gezogen. #-00: 51# (S04, 16-24)] [Bem, eu nasci em Portugal, estive lá durante 15 anos. Há dois anos e meio, três anos atrás mudámo-nos para a Alemanha, porque em Portugal também existe a crise e a situaç-o financeira n-o está t-o boa e o meu pai é alem-o, por isso tivemos a oportunidade de nos mudar para cá e foi o que fizemos. O meu pai foi um ano e meio antes para a Alemanha e eu acabei o nono ano e depois mudámo-nos para cá. #-00: 51# (S04, 16-24)] A complexa situaç-o linguística no seio da família é também conscientemente refletida pelas alunas do ensino secundário. Assim, ao lidar com membros individuais da família, uma das línguas serve como língua dominante, sendo que na maioria dos casos as possibilidades de code mixings e code switchings bem como a polifonia no sentido de Tracy s-o consideráveis para todos os destinatários (cf. por exemplo Jeuk 2015, 44, Müller et al. 2015, 24 f., Tracy 2014, 26, cf. Reimann 2018b, esp. 34 f.). 24 Daniel Reimann (5) […] also meine Mutter spricht (.), wie vorher auch, mit mir Portugiesisch und mit meiner Schwester spreche ich natürlich Deutsch. Also es ist halt, ich weiß nicht also, das kommt halt einfach, dass man mit seinen Geschwister irgendwie nicht wirklich (.), also ich spreche halt nicht mit meinem Geschwistern, also mit meiner Schwester Deutsch, äh, Portugiesisch, halt eher Deutsch, aber natürlich auch manchmal Portugiesisch und mit meinem Vater ist es so gemischt. #-19: 35# (S01, 459-466) (vgl. z. B. S02, 559-561) [[…] por isso a minha m-e fala português comigo, como antes, e com a minha irm- eu falo alem-o, claro. Bem, isto é porque, n-o sei, vem apenas do facto de n-o falar realmente alem-o com os seus irm-os, eu n-o falo realmente alem-o com a minha irm-, uh, português, falo antes alem-o, mas claro que por vezes português e com o meu pai falo numa maneira misturada. #-19: 35# (S01, 459-466) (ver, por exemplo, S02, 559-561)] Também é descrita a situaç-o em que os pais, depois de uma educaç-o mono‐ lingue desde o nascimento até à idade do jardim de infância, continuam a falar português com os seus filhos, respondendo estes em alem-o (“Respondo sempre em alem-o. N-o sei, é hábito”, S02, 552 f., cf. 230 f.) ou aquela em que um dos pais fala português, falando o outro alem-o ou português, dependentemente da situaç-o, ou misturando os códigos “polifonicamente”, possivelmente até combinando as línguas de forma criativa em nova criaç-o de palavras: (6) Immer unterschiedlich, ich glaub ich würde sagen, ehm wenn ich mit meinem Vater bin, tendiere ich eher dazu Portugiesisch zu antworten, keine Ahnung wieso und mit meiner Mutter, kommt drauf an, wo wir uns grade befinden, also wenn wir in der Schule sind, dann antworte ich meistens auf Deutsch, ehm aber wenn wir Zuhause sind, so unter uns, dann ist es immer ganz unterschiedlich. Manchmal fallen mir die Wörter auch nicht direkt auf Deutsch ein oder nicht direkt auf Portugiesisch und dann ist dann so ne Mischung aus beiden, wo dann ein Satz auf Deutsch anfängt und Portugiesisch endet oder ehm was die Portugiesen ganz gerne machen, ist glaub ich so deutsches Wort nehmen und Portugiesisch aussprechen sozusagen. Also sowas wie (..), 25 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português wie man also, wie man die Vokale betont dann einfach das deutsche Wort nehmen und Portugiesisch aussprechen. #-16: 30# […] Beispielsweise, wenn man jetzt sagt, Heizung heißt auf Portugiesisch aquecimento, aber aquecimento ist ein relativ langes Wort, deswegen tendieren sehr viele, irgendwie Immigranten dazu zu sagen, Heizung. Also anstatt Heizung ganz normal zu sagen, versuchen sie es einfach portugiesisch auszusprechen, damit sich das im Satz besser anhört. Aber es ist halt immer noch nicht Portugiesisch und deswegen, es ist manchmal seltsam, wenn man dann, wenn andere Leute, die kein Portugiesisch können oder kein Deutsch können sich dann den Satz anhören, dann verstehen sie ein Wort nicht #-17: 10# (S03, 389-403, 407-416) [Depende, penso que diria que quando estou com o meu pai tendo a responder em português, n-o sei porquê e com a minha m-e depende onde estamos, por isso quando estamos na escola costumo responder em alem-o, mas quando estamos em casa, entre nós, é muito diferente. Às vezes as palavras n-o me vêm diretamente à cabeça em alem-o ou por vezes n-o em português e depois é uma mistura de ambas línguas, de forma que uma frase começa em alem-o e termina em português ou o que os portugueses gostam de fazer, penso eu, é pegar na palavra alem- e pronunciá-la em português. Assim, algo como enfatizar as vogais. #-16: 30# […] Por exemplo Heizung é aquecimento em português, mas como aquecimento é uma palavra relativamente longa muitas pessoas tendem a dizer Heizung com uma pronúncia portuguesa. Em vez de dizer Heizung de forma normal, os imigrantes tentam pronunciá-la em português, assim soa melhor. Mas isso ainda n-o é português e por isso é por vezes estranho quando outras pessoas que n-o sabem falar português ou alem-o ouvem a frase, ent-o n-o compreendem uma palavra #-17: 10# (S03, 389-403, 407-416)] Além disso, torna-se igualmente claro como o grau de utilizaç-o linguística bilingue pode variar dentro de uma geraç-o, por exemplo, no caso de irm-os. Uma inquirida descreve, por exemplo, que ela própria falava apenas português até entrar no jardim de infância, uma vez que esta era a língua falada no contexto familiar nas suas relações com os seus pais, e que só aprendeu alem-o quando entrou no jardim de infância (S02, 229 f., ver 411-421, 512-520). No entanto, a irm- mais nova por sua vez, entre outras causas devido à sua influência, tinha adquirido mais cedo mais alem-o e menos português: (7) Dann hab ich, also ich habe eine kleinere Schwester, dann hab ich Zuhause immer Deutsch gesprochen so, weil wenn man 26 Daniel Reimann das im Kindergarten lernt, ist etwas Neues und ziemlich Aufregendes, hab ich Zuhause auch immer bisschen Deutsch gesprochen äh und ich würde sagen bei ihr ist es jetzt äh,(lacht) also sie spricht echt halt noch gut Portugiesisch, wirklich sehr gut, aber ich glaube, dadurch, dass sie den Einfluss von mir hatte, dass ich dann schon bisschen Deutsch gesprochen habe und sie dann halt weniger Portugiesisch, weil sie dann auch angefangen hat, Deutsch zu sprechen, ist es bei ihr ein bisschen Nachteil auch, also wirklich nur ein kleines bisschen, von der Aussprache her, merkt man einen Unterschied. #-20: 19# (S02, 522-534) [Bem eu tenho uma irm- mais nova, ent-o falava sempre alem-o em casa, porque é o que se aprende no infantário, é algo novo e bastante excitante, eu falava sempre um pouco de alem-o em casa e ela agora, eu diria que ela fala ainda bem português, mesmo muito bem, mas penso que por causa do facto de ela ter tido a minha influência, de eu falar mais alem-o e ela menos português, porque ela ent-o também começou a falar alem-o, é também uma pequena desvantagem para ela, mas realmente só um pouco, pela pronúncia, pode-se notar uma diferença. #-20: 19# (S02, 522-534)] Também é descrito repetidamente que o contacto com a língua portuguesa é mantido ou promovido adicionalmente através dos meios de comunicaç-o (livros, Internet): (8) Also, ich habe angefangen zu lesen und dann hab ich irgendwie so eine kleine Leidenschaft dann halt entwickelt fürs Lesen (.) und dann lese ich auch abwechselnd mal ein portugiesisches Buch, mal Deutsch oder mal Englisch. #-21: 26# (S01, 507-510) [Bem, comecei a ler e depois desenvolvi uma paix-o pela leitura e depois li alternada‐ mente um livro português, às vezes alem-o, às vezes inglês. #-21: 26# (S01, 507-510)] (9) Mhm, ja halt portugiesische Youtuber, aber auch ehm also, auf so (.) Gedichte auf Portugiesisch, äh ja einfach nur, weil ich finde, dass es sich auf Portugiesisch generell besser anhört.#-23: 14# (S03, 553-555) [Mhm, sim, Youtuber portugueses, mas também, poemas portugueses, simplesmente porque penso que soa melhor em português. (S03, 553-555)] 27 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português Por último, mas n-o menos importante, as aulas de português na escola s-o também explicitamente vistas como uma espécie de compensaç-o para a situaç-o linguística familiar em que o português desempenha um papel cada vez menos importante: (10) […] Ich bin es halt ziemlich gewöhnt und ich spreche auch echt gerne. Ich äußere mich gerne ehm und ich freue mich immer so ein bisschen auf den Portugiesischunterricht, weil ich dann wieder Portugiesisch sprechen kann, weil ich zuhause, meine Eltern sprechen Portugiesisch mit mir, aber ich antworte immer auf Deutsch, ich glaube, das ist so ein Ding in unserer Generation, also alle meine Freunde sind so, also wirklich 99 % ehm und dann ich weiß auch gar nicht warum, weil ich freue mich echt immer, wenn Portugiesisch reden kann, aber irgendwie (.) ich mache es zuhause nicht und dann freue ich mich aber hier ehm, wenn ich mal sprechen kann, deswegen, ich würde sagen, das fällt mir auch weil es mir glaube auch so leicht fällt. #-09: 24# (S02, 225-237) [[…] Estou muito habituado a isso e gosto muito de falar. Gosto de expressar-me e também estou um pouco ansioso pelas aulas de português, porque posso falar português novamente, porque posso falar português em casa, os meus pais falam português comigo, mas respondo sempre em alem-o, acho que isso é uma coisa da nossa geraç-o, todos os meus amigos s-o assim, quer dizer 99 % e n-o sei porquê, estou sempre contente quando posso falar português, mas de alguma forma n-o o faço em casa e depois fico feliz quando posso falar aqui na escola, porque acho que é muito fácil para mim. #-09: 24# (S02, 225-237)] 4.1.2 Percepç-o da consciência inter e transcultural Ao longo dos conjuntos de dados encontra-se a afirmaç-o de que uma abertura básica ao plurilinguismo e ao multiculturalismo pode possivelmente ser favo‐ recida pela situaç-o pessoal, mas que a abertura cultural é basicamente uma quest-o da educaç-o e da formaç-o. Uma formulaç-o exemplar diz o seguinte: (11) Also, ich glaube, dass kommt immer auf den Menschen an. Ich persönlich ehm bin für alles offen. Ich hab keine Vorurteile gegenüber halt keiner Kultur (.). Halt, Ich habe auch viele Freunde, die aus anderen Kulturen kommen 28 Daniel Reimann (..). Also ich würde jetzt nicht sagen, also ich kann das jetzt nicht beurteilen, ob ich gegenüber anderen Leuten, die halt nicht zweisprachig aufgewachsen sind oder in zwei Kulturen, halt offener bin. Würde ich jetzt nicht sagen, ich würde halt einfach sagen, dass es von der Erziehung halt herkommt, ob man jetzt gegenüber anderen offen ist oder nicht. Das halt gar nix mit der eigenen Kultur halt zusammenhängt. #-25: 27# (S01, 609-619, vgl. z. B. S02, 701-714) [Bem, penso que isso depende sempre da pessoa. Pessoalmente, estou aberto a tudo. N-o tenho preconceitos contra qualquer cultura. Também tenho muitos amigos que vêm de outras culturas. Por isso n-o diria agora que estou mais aberto a outras pessoas que n-o cresceram bilingues ou em duas culturas. Diria simplesmente que tem a ver com a minha educaç-o, se eu estou aberto aos outros culturas ou n-o. N-o tem nada a ver com a própria cultura. #-25: 27# (S01, 609-619, ver por exemplo S02, 701-714)] 4.1.3 Motivos para escolher o português como língua (estrangeira) Um motivo importante para escolher o português como língua estrangeira é a relaç-o familiar com a língua e com Portugal. Ocasionalmente, a participaç-o nas aulas de português é também vista como uma espécie de tradiç-o familiar e é explicitamente mencionada como um motivo de escolha: (12) Ja, also generell meine Familie war hier schon vorher drauf [sc. auf dieser Schule], also meine Tanten und meine Schwester, und ehm aber auch wegen dem Portugiesisch halt. Weil ich wohne halt am anderen Ende von Dortmund und ehm da wären eigentlich andere Schulen besser gewesen, also näher, aber halt wegen dem Portugiesisch bin ich hier hin gekommen, weil ehm das halt besser war als der Nachmittagsunterricht. Halt das war schon integriert, ich musste dann nicht noch ´ne Sprache lernen, also ich muss halt dann nicht Französisch oder Latein wählen, also ich hatte dann Portugiesisch als Fremdsprache. #-02: 30# (S01, 58-67) [Sim, em geral a minha família já lá estava [sc. nesta escola], as minhas tias e a minha irm-, mas também por causa do português. Vivo no outro lado da cidade de Dortmund e outras escolas teriam sido melhores, s-o mais próximas, mas vim para cá por causa do português, porque era melhor do que as aulas da tarde. Já estava integrado no currículo, assim n-o tinha de aprender outra língua, por isso n-o tinha de escolher 29 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português entre francês e latim, por isso tinha o português como língua estrangeira. #-02: 30# (S01, 58-67)] Também a motivaç-o extrínseca de uma economia de esforços de aprendizagem através dos conhecimentos prévios da língua de herança que é ao mesmo tempo a língua-alvo do ensino da língua estrangeira, bem como uma boa nota fácil de atingir, s-o mencionadas como motivos: (13) Ich habe die Schule genommen, weil ich einfach dachte, dass es dann ein Vorteil dann für mich wäre, weil sozusagen, dann hätte ich ja einfach, wo ich sofort wüsste, dass ich nicht so schlecht darin sein würde. Also, es ist auf jeden Fall vorteilhafter als jetzt komplett ne neue Sprache anzufangen, so wie die meisten anderen. #-01: 54# (S03, 58-64) [Eu escolhi esta escola porque pensei que seria uma vantagem para mim, porque, saberia logo que n-o seria t-o mau nisso. Bem, é definitivamente mais vantajoso do que iniciar uma língua completamente nova como é o caso da maioria dos outros alunos. #-01: 54# (S03, 58-64)] Constantemente s-o indicadas principalmente a relaç-o pessoal com a língua e uma percepç-o positiva, “bela”, “melodiosa” da língua, por exemplo: (14) […] weil die Sprache gefällt mir halt ziemlich gut. Ist ja meine Muttersprache und ich habe mir eigentlich so gar keine Gedanken über die Noten gemacht, aber die kamen dazu. #-02: 23# (S02, 76-78) [[…] porque gosto muito desta língua. É claro a minha língua materna e n-o pensei na verdade nas notas, mas elas aconteceram naturalmente. #-02: 23# (S02, 76-78)] (15) Ich finde, sie [sc. die portugiesische Sprache] hört sich sehr schön an auch. Ja, ich finde es ganz schön. #-02: 13# (S03, 71 f., vgl. 555) [Penso que [sc. a língua portuguesa] também soa muito bem. Sim, acho-a muito bonita. #-02: 13# (S03, 71 f., ver 555)] 4.1.4 Percepç-o das variedades de origem Uma quest-o central para a inclus-o de alunos com antecedentes familiares lusófonos no respetivo ensino de línguas estrangeiras é a sua consciência de 30 Daniel Reimann que n-o dominam a variedade padr-o ensinada na aula, mas sim, por exemplo, uma variedade regional da sua língua de herança. Alunos avançados viveram, por exemplo, durante os intercâmbios escolares, experiências de aprendizagem da língua em que tiveram oportunidade de tomar consciência da variedade da língua de origem que trouxeram consigo. Uma aluna do 12º ano que estuda português como 2. a ou 3. a língua estrangeira formula isto de forma clara: (16) Ich bin ganz oben im Norden. Ganz in der Nähe von Spanien und letztes Jahr hatten wir auch, letztes Jahr, ja letztes Jahr. Da hatten wir Austausch mit Deutschland nach Lissabon und alle Portugiesen da aus Lissabon haben sofort gesagt, du kommst aus dem Norden, obwohl ich mir das gar nicht, vielleicht reden die genauso wie ich, aber die merken das irgendwie. Ich versteh das gar nicht. #-11: 19# (S04,336-343) [Sou mesmo do norte. Muito perto de Espanha e no ano passado também tivemos, sim no ano passado, um intercâmbio com a Alemanha para Lisboa e todos os portugueses de Lisboa disseram imediatamente: “Vocês s-o do norte, embora eu n-o pense assim, talvez eles falem da mesma maneira como eu, mas eles notam de alguma forma. N-o compreendo mesmo como. #-11: 19# (S04, 336-343)] Uma outra aluna descreve como uma variedade do Norte também é por vezes vista como perturbante pelos professores e colegas de turma na aula: (17) Die [sc. meine Eltern] kommen beide aus dem Norden (lacht). Ich merke es, ich merke es auch an mir. #-16: 45# Vor allem, wenn wir auch im Urlaub sind. Da besuchen wir unsere Familie in Portugal und die reden ja alle so, d. h. ich bin dann so voll drin und äh hier paar Lehrerinnen kommen halt aus anderen Regionen und das der Unterschied ist manchmal echt. Also ich glaub, die Leute, die Portugiesisch ab der achten haben, merken das nicht, aber ein paar von uns stört das so. #-17: 09# (S02, 439-440, 444-450) [Ambos [sc. meus pais] vêm do norte. Noto isso, também noto isso em mim. #-16: 45# Especialmente quando estamos de férias. Visitamos a nossa família em Portugal e todos eles falam assim e eu estou completamente dentro e aqui algumas professoras vêm de outras regiões e a diferença por vezes é real. Por isso penso que as pessoas que têm aulas de português a partir do oitavo ano n-o notam isto, mas alguns de nós acham isso irritante. #-17: 09# (S02, 439-440, 444-450)] 31 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português A mesma aluna retrata também como as variedades da língua de origem (e em geral, por exemplo, a competência linguística a nível da escrita) se podem também desenvolver ao longo das gerações da sua própria família: (18) Und ja meine Eltern sprechen halt beide so aus dem Norden und in Portugal ist es ja halt auch ein bisschen üblich, dass die Leute aus dem ländlichen Verhältnis kommen. Das heißt bei meiner Oma, bei meinem Opa, das ist halt noch ein bisschen krasser und da ist halt so die Grammatik und manchmal wenn ich deren Einkaufszettel lese ich mir so Aua. (lacht) Soll ich mal den roten Stift rausholen und korrigieren. #-17: 45# (S02, 462-468) [Os meus pais têm um sotaque do norte e em Portugal é costume virem de um meio rural. Quer dizer no caso da minha avó, do meu avô, é ainda um pouco mais extremo e a gramática… às vezes quando leio a lista de compras deles penso Ai! (ri) É preciso tirar o lápis vermelho e corrigir? #-17: 45# (S02, 462-468)] 4.1.5 Potencial de transferência com outras línguas românicas e outras línguas Tendo em vista um plurilinguismo “esclarecido”“ e uma integraç-o das duas dimensões línguas de herança e línguas estrangeiras na escola (cf. Reimann 2015 f., Reimann 2018b, 29 f.), os alunos também foram inquiridos se e em que forma podem reconhecer potencial em si próprios e/ ou nos seus colegas relativamente a conhecimentos e competências em outras línguas românicas e outras línguas estrangeiras. Uma inquirida menciona competências em uma outra língua de herança românica e competências linguísticas noutra língua românica escolar (estran‐ geira) em relaç-o direta entre si, ou seja, parecia consciente de que tanto as competências na língua de herança como as competências linguísticas noutra língua românica escolar poderiam ser conducentes à aquisiç-o do português. Neste caso específico, trata-se de uma colega de turma sem antecedentes familiares lusófonos em português que apresenta o italiano como língua de herança e o francês como língua estrangeira na sua biografia linguística: (19) Also, ehm ich weiß nicht, ob recht, ob sie einen Vorteil hat, aber man merkt, dass sie leicht vom Italienischen mit dem Portugiesischen verbinden kann. Dass es halt, aber ich glaube, die beiden hatten auch Französisch und Französisch und Portugiesisch sind ja auch ein bisschen ähnlich 32 Daniel Reimann und dann können sie auch aus dem Französischen ableiten. #-10: 12# (S01, 241-247) [Bem, n-o sei se ela tem uma vantagem, mas pode ver-se que ela pode facilmente combinar o italiano com o português. Penso que os dois também tinham francês, e o francês e o português s-o um pouco semelhantes e assim podem derivar com base no francês. #-10: 12# (S01, 241-247)] Em geral, o francês e o italiano s-o sempre vistos como línguas úteis, indepen‐ dentemente de serem línguas escolares ou línguas de herança: (20) Also die hatten Französisch, aber Französisch hilft dabei auch ein bisschen, weil die Sprache, die haben ja auch den selben Herkunft ungefähr. Italienisch, das würde auch helfen. Die andere Mitschülerin ist Italienerin. Ich glaub, ich weiß jetzt nicht genau, ob sie Italienisch spricht, ehm ich meine die kann paar Wörter, aber ich würde sagen, dass hilft auf jeden Fall. #-07: 22# (S02, 180-186) [Bem, eles tinham o francês, mas o francês também ajuda, porque ambas as línguas têm a mesma origem. O italiano também ajudaria. A outra colega de turma é italiana. N-o sei se ela fala italiano, quer dizer, ela sabe algumas palavras, mas eu diria que isso ajudaria em qualquer caso. #-07: 22# (S02, 180-186)] Também é explicitamente referido pelas alunas que o inglês oferece numerosos pontos de partida para a aprendizagem das línguas românicas devido à sua elevada componente românica quanto ao vocabulário (por exemplo, Bähr 1997, 73-78, cf. Reimann 2018b, esp. 51-53, há também outras referências, cf. Franzö‐ sisch heute 2, 2009, Leitzke-Ungerer / Blell / Vences 2012), tal como devido à existência de fenómenos semelhantes na gramática (cf. p. ex. Mertens 2009). Repetidamente é enunciado em especial o potencial de transferência no contexto do vocabulário como o seguinte exemplo ilustra: (21) Also mit dem Deutschen fand ich das interessant, dass viele Sprachen [Wörter] aus dem Portugiesischen mit dem Englischen ähneln und dann könnte ich die Sprachen [Wörter] aus dem Englischen mit dem Deutschen so einige, einige und dann konnte ich das auch so ein bisschen verbinden, also und einige Wörter, die ich nicht auf Deutsch konnte aber auf Englisch so ähnlich klangen, waren für mich dann einfacher. #-13: 24# (S04, 394-401) 33 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português [Bem, com o alem-o achei interessante que muitas palavras do português e do inglês fossem semelhantes e assim pude combinar as palavras de ambas línguas. Algumas palavras alem-s que n-o conhecia, mas que tinham semelhança com as palavras de inglês eram mais fáceis para mim. #-13: 24# (S04, 394-401)] (22) Englisch zum Beispiel finde ich ziemlich einfach, weil ich glaube man kann mehr Wörter auf die portugiesischen Wörter beziehen als deutsche. Das heißt, wenn mir im Englischunterricht die Wörter nicht einfallen, was ist das Portugiesische und von Portugiesische komm ich aufs Englische. #-26-06# (S02, 686-694) [O inglês, por exemplo, acho bastante fácil, porque penso que se pode relacionar mais palavras com as palavras portuguesas do que com as alem-s. Isso significa que, se eu n-o me lembrar das palavras inglesas nas aulas de inglês, penso em português e assim posso derivar as palavras inglesas. (S02, 686-694)] Enquanto a primeira declaraç-o descreve os potenciais de transferência entre o inglês e o português, é descrita explicitamente no segundo exemplo a ajuda dos conhecimentos em português como língua de herança na aprendizagem do inglês. Por outro lado, também há casos em que o potencial de transferência n-o é reconhecido. Isto é, por exemplo, o caso de uma aluna que se descreve explicitamente neste contexto como “mais do tipo científico” (S01, 576 f.), e que depois conclui: “Bem, eu n-o diria que o português e o inglês têm tanto em comum” (S01, 594 f.). Num caso, é também recordado que, por exemplo, no caso de uma educaç-o lusófona inicialmente monolingue após o nascimento na Alemanha e da pri‐ meira infância em Portugal, as primeiras lições de inglês do primeiro ano escolar, que tiveram lugar paralelamente à aquisiç-o do alem-o, levaram inicialmente a uma situaç-o de exigências excessivas, que mais tarde diminuíram: (23) […] also auch wenn ich jetzt Englisch LK habe. Am Anfang war Englisch mein komplettes Hassfach, also ich habe es wirklich so sehr gehasst, ich glauben einfach weil ich einfach am Anfang komplett überfordert war, weil ich ja noch Deutsch lernen musste und dann gleichzeitig auch noch Englisch lernen war dann einfach viel zu viel, aber das hat sich dann auch irgendwann mal geändert. Ich glaube, ich hab dann einfach mehr Englisch auch zu hören durch Youtube 34 Daniel Reimann beispielsweise ehm und ja, ich glaube die Tatsache, dass halb Portugiesin und halb Deutsche bin hat mir jetzt nicht wirklich geholfen Englisch zu lernen. Ich glaube am Anfang hat es wahrscheinlich noch erschwierigt, weil ich noch Deutsch lernen musste, aber mittlerweile schaffe ich es eigentlich glaube ich ganz gut alle drei Sprachen gleichzeitig zu können. #-24: 27# (S03, 569-583) [[…] mesmo que tenha agora inglês como curso intensivo. No início o inglês era a minha disciplina mais odiada, odiava-a tanto, porque no início estava completamente sobrecarregada, porque tinha ainda de aprender o alem-o e o inglês ao mesmo tempo. Era demasiado para mim, mas numa certa altura a situaç-o mudou-se. Acho que comecei a ouvir mais inglês através do YouTube, por exemplo. Acho que o facto de ser metade portuguesa e metade alem- n-o me ajudou realmente a aprender inglês. Penso que no início foi provavelmente mais difícil porque ainda tinha de aprender o alem-o, mas agora consigo falar as três línguas ao mesmo tempo. #-24: 27# (S03, 569-583)] 4.1.6 Ensino do português como língua de herança Foram também elicitadas declarações sobre o pouco estudado ensino da língua de herança, especialmente no que diz respeito ao português (ver Secç-o 2). A percepç-o do ensino da língua de herança é heterogénea, por um lado devido à concepç-o heterogénea deste ensino e, por outro lado, devido à individualidade dos alunos. Assim, é destacado por um lado que, no ensino da língua de herança, têm lugar uma alfabetizaç-o e uma literalizaç-o que é semelhante ao ensino da escola primária na disciplina de alem-o. (24) Ja, das war halt ehm generell erstmal die Basis, also Basis, Grundlagen halt, lernen halt, wie man das in der Grundschule halt im Deutschunterricht macht. #-01: 03# (S01, 30-32) [Sim, foi apenas a base, ou seja os princípios básicos, tal como se faz nas aulas de alem-o na escola primária. #-01: 03# (S01, 30-32)] O ensino da língua de herança, na percepç-o da mesma aluna, parece promover menos que o ensino do alem-o um confronto com textos criativos ou a produç-o de textos próprios, entre outros, permanecendo mais fortemente limitado, na sua memória, a um nível da aquisiç-o de meios linguísticos básicos. (25) Ja, also es ist halt schon anders als der Deutschunterricht. Man, natürlich macht man Grammatik aber da das 35 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português ist halt (…) man könnte das vergleichen mit dem Französischunterricht. Dass man halt eher Vokabeln lernt halt Verben konjugieren lernt und halt ja der Fokus mehr auf der Sprache liegt und nicht halt auf äh so eine Art Textanalyse, halt eher. #-01: 41# (S01, 41-46) [Bem, é diferente das aulas de alem-o. Claro que se aprende gramática, mas isso é (…) poder-se-ia comparar isso com as aulas de francês. Aprende-se vocabulário, aprende-se conjugar verbos, e o foco é mais na língua e n-o na análise de texto. #-01: 41# (S01, 41-46)] Também é descrita a atmosfera familiar [existente] nas aulas de língua de he‐ rança, que obviamente resultou da composiç-o heterogénea do grupo discente: (26) ich erinnere mich echt eigentlich ganz gut an meinen Lehrer. Das war eigentlich ziemlich witzig. Also, da waren ehm mehrere Leute. Wir saßen alle in einem Raum, aber alle bisschen verteilt, so eher in Gruppen, weil wir nicht alle gleich alt waren. Und ehm ja dann war´s quasi so, die erste Klasse saß ungefähr da, die zweite Klasse da. Es war alles so ein bisschen verteilt. Das war alles ziemlich witzig und ja, es kam gar nicht so rüber wie normaler Unterricht. #-01: 26# (S02, 41-48) [Lembro-me muito bem do meu professor. Na verdade, foi bastante engraçado. Bem, havia várias pessoas. Estávamos todos sentados numa sala, mas estávamos todos um pouco dispersos, mais em grupos, porque n-o éramos todos da mesma idade. E depois foi assim, a primeira classe sentou-se ali e a segunda classe sentou-se ali. Estava tudo um pouco espalhado. Foi tudo muito engraçado, e sim, n-o se parecia bem a aulas normais. #-01: 26# (S02, 41-48)] Neste caso, também é relatada a concepç-o agradável do curso, por exemplo, através de canções (“Às vezes cantamos. Ent-o cantamos todos juntos canções portuguesas numa sala. Foi mesmo divertido.”, S02, 53-55). 4.1.7 Comparaç-o com os alunos sem antecedentes familiares lusófonos Existem diferenças na (auto)percepç-o relatada pelos alunos com antecedentes familiares lusófonos em relaç-o aos alunos sem antecedentes familiares lusó‐ fonos em áreas diferentes, sendo que s-o enunciados tanto os pontos fortes como os fracos dos dois grupos. As vantagens dos alunos com antecedentes familiares lusófonos s-o relatadas particularmente nas áreas da pronúncia e prosódia, o falar especialmente em situações do dia-a-dia (especialmente 36 Daniel Reimann wilingness to communicate e fleuncy, cf. McIntyre 1998, Leeson 1975, Hammerly 1991). Por outro lado, s-o também vistas vantagens dos alunos sem antecedentes familiares lusófonos nas áreas da correç-o gramatical, consciência meta-linguís‐ tica, semântica de texto, uso da linguagem académica e nas estratégias de produç-o escrita, tal como e sobretudo - talvez de forma algo estereotipada - na responsabilidade em termos de atitude de trabalho. Na área da pronúncia, as vantagens est-o claramente localizadas entre os alunos com antecedentes familiares lusófonos: (27) Die Aussprache. Halt das ist das größte, man merkt das bei dem Mädchen, das in Brasilien gelebt hat. Die Aussprache ist sehr anders und natürlich auch zu den, die einen deutschen Hintergrund haben, die das erst später gelernt haben. Weil ehm halt, die so anders aufgewachsen ist. Man weiß, wie man es ausspricht und man hat auch, ich weiß nicht diesen Untergrundton. #-08: 40# (S01, 202-207) [A pronúncia. Esta é a maior vantagem, nota-se isso na rapariga que viveu no Brasil. A pronúncia é muito diferente e naturalmente também relativamente aos [alunos] que têm um contexto familiar alem-o e, que aprenderam a falar mais tarde português. A rapariga cresceu de forma t-o diferente. Sabe como pronunciar as palavras e tem um certo tom de fundo #-08: 40# (S01, 202-207)] Noutro lugar, a mesma aluna refere, com terminologia n-o científica, a prosódia: (28) diesen Klang in der Stimme und die haben es halt einfach nicht und es kommt auch darauf an, halt (.) wie man, es kommt darauf an, dass man es halt neu gelernt hat und es nicht weiß, dass man es nicht zuhause nicht hat. #-8: 58# (S01, 212-215) [este tom na voz n-o o têm e também depende do facto de o ter aprendido de novo e de n-o o ter e de n-o o ter em casa. #-8: 58# (S01, 212-215)] Em relaç-o ao menos desenvolvido willingness to communicate e fluency, uma estudante também articula que é mais difícil ajudar os seus colegas nesta área do que na área do vocabulário (ver exemplo (43) abaixo): (29) Ich würde sagen, dass die Leute, die mitkommen quasi und das auch lernen und so, ehm die sind dann halt auch so gut, wie wir und die können das halt auch. Ich würde sagen, die 37 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português melden sich mündlich nicht so sehr und ehm sie sind auch nicht so offen, wenn es darum geht zu improvisieren und die Leute, die nicht mitbekommen ist es halt dann schwer, weil wir wissen dann halt nicht so richtig, wie wir die unterstützen können, weil halt, wir können halt nicht so nachvollziehen, wieso sie nicht mitkommen, weil wir sind halt Muttersprachler. #-05: 24# (S03, 131-139) [Eu diria que as pessoas que avançam e aprendem, etc., s-o t-o boas como nós e sabem fazer isso. Eu diria também que elas n-o levantam a m-o tanto e n-o s-o t-o abertos quando se trata de improvisar; e as pessoas que n-o avançam é difícil porque n-o sabemos realmente como podemos apoiá-las, porque n-o conseguimos compreender porque n-o conseguem acompanhar-nos, nós somos falantes nativos. #-05: 24# (S03, 131-139)] Na área dos conhecimentos metalinguísticos morfossintáticos e da precis-o gramatical, uma aluna reflete sobre as causas das vantagens dos alunos sem antecedentes familiares lusófonos: (30) Ich würde sagen die Grammatik, weil anders als die, die neu anfangen, also die Deutschen sage ich jetzt mal, die lernen ja die Grammatik von Anfang an. Das heißt, sie müssen es ja auch sozusagen können, sowie ich jetzt in Englisch die Grammatik neu gelernt habe, aber wenn man Muttersprachler ist, dann macht man das ja alles so von sich aus schon ohne, dass man jetzt großartig drüber nachdenkt, ehm was für eine Zeitform oder so man benutzt oder wie die jetzt gebildet wird oder so. #-07: 09# (S03, 173-181) (cf. S02, 574-646, S03, 509-515) [Eu diria a gramática, porque ao contrário daqueles que começam do zero, os alem-es diria eu, eles aprendem a gramática desde o início. Isso significa que deviam saber a gramática como eu aprendi a gramática de inglês, mas se se for um falante nativo, ent-o faz-se tudo sozinho, sem se ter de pensar no tempo que se usa ou como se forma ou algo do género. #-07: 09# (S03, 173-181) (cf. S02, 574-646, S03, 509-515)] Uma outra aluna aponta com precis-o o aspeto de como as vantagens dos alunos com antecedentes familiares lusófonos nas áreas do vocabulário e da pronúncia contrastam com as vantagens dos alunos sem antecedentes familiares lusófonos nas áreas da precis-o na utilizaç-o de recursos linguísticos (especialmente na gramática), da consciência e, portanto, de uma semântica e produç-o de texto mais elaboradas: 38 Daniel Reimann (31) Die sprechen halt natürlich mit Akzent und äh kennen nicht so viele Vokabeln, v. a., weil wir Muttersprachler wir kennen das ja auch aus dem, also so privat. Meine Eltern reden ja auch Portugiesisch mit mir. Kennt man viele Wörter und auch so Umgangssprachliches eher, aber ich würde sagen, ehm wenn es um Texte schreiben geht, haben die meistens einen Vorteil, weil die halt, die lernen halt Grammatik so viel genauer und wenn wir die Grammatik anwenden dann ist eher aus dem Kopf und was ich im Privaten dann höre. Das heißt ich denke dann nicht wirklich nach. Das ist dann wie im Deutschen. Ich denke dann nicht nach. Nutze ich Präsens, Vergangenheitsformen oder was auch immer. Ehm da denke ich halt nicht wirklich drüber nach. Die machen sich eher Gedanken und wenn man dann Texte von ihnen liest, sind die teilweise auch echt besser, weil sie sich auch mehr Gedanken machen und wir das manchmal bisschen mehr hin klatschen so. (lacht) #-06: 35# (S02, 148-164) [Eles falam com sotaque e n-o conhecem tantas palavras, porque nós, falantes nativos, conhecemos isso da nossa vida privada. Os meus pais também falam português comigo. A gente conhece muitas palavras da linguagem quotidiana, mas eu diria [que], quando se trata de escrever textos, eles normalmente têm uma vantagem, porque aprendem a gramática muito mais precisamente e que nós, quando usamos a gramática, é mais da cabeça e o que eu ouço ent-o a nível do privado. Quer dizer que eu n-o penso realmente nisso. Isto é ent-o como no alem-o. Utilizo o tempo presente, passado, o que quer que seja. N-o reflito nisso. Os alem-es pelo contrário sim. E quando lemos textos deles, por vezes s-o melhores, porque pensam mais nisso e nós por vezes aplaudimos. (risos) #-06: 35# (S 02, 148-164)] Uma aluna reflete mais profundamente sobre a linguagem quotidiana e o uso da linguagem académica e técnica movendo-se intuitivamente nas áreas de BICS de Cummins - Basic interpersonal communicative skills e/ ou conversational language e CALP - cognitive academic language proficiency e/ ou academic language (Cummins 1979, Cummins 1991), e vendo vantagens na primeira área para os alunos com antecedentes familiares lusófonos e na segunda área para os alunos sem antecedentes familiares lusófonos: 39 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português (32) Also, halt die Alltagssprache natürlich ist einfach, aber wir müssen natürlich auch lernen halt ehm die Sachen, wie äh die Fachsprache. Das ist ja nicht, wir lernen ja halt von klein auf diese Alltagssprache, die ist dann natürlich einfach. Sachen, die wir neu hören aufzuschreiben. Wir wissen halt einigermaßen, wie die geschrieben werden, weil die so halt ausgesprochen werden. Das ist natürlich einfacher, aber sonst würde ich auch nicht sagen, dass halt die Sachen einfacher für uns sind. #-10: 53# (S01, 254-262) [Ent-o, a linguagem quotidiana é fácil, claro, mas também temos de aprender a linguagem técnica. Aprendemos esta linguagem quotidiana desde pequeno, o que é, naturalmente, simples. Escrever as coisas que aprendemos de novo. Sabemos até certo ponto como s-o escritas, porque é assim que s-o pronunciadas. É claro que isso é mais fácil, mas de outra forma n-o diria que as coisas s-o mais fáceis para nós. #-10: 53# (S01, 254-262)] Por outro lado, ela descreve a abordagem bastante “intuitiva” dos alunos com antecedentes familiares lusófonos como uma desvantagem porque os fenómenos gramaticais s-o menos refletidos, mas também a aprendizagem da produç-o escrita n-o é t-o conscientemente bem sucedida e internalizada como no caso dos alunos sem antecedentes familiares lusófonos: (33) Ja, also das einzige, was mir halt eher so, was ich halt mir wünschen würde, wäre, dass äh der Unterricht halt mehr, weil oft haben wir halt Schwierigkeiten so zu analysieren im Portugiesischen, weil das uns nie beigebracht wurde, was das Gegenteil ist zu den halt die das seit der achten haben, die haben sich mehr auf das Grammatikalische spezialisiert und wir eher so auf das Inhaltliche, kann man das so sagen, eher das Inhaltliche und wir haben nicht durchgenommen, wie man so richtig Grammatik macht, weil das so Voraussetzung war. Natürlich haben wir Grammatik und die Zeiten durchgenommen. Wir haben nie so wirklich gesagt, wie man eine Zusammenfassung schreibt, sowas wie eine Analyse oder so ein Kommentar. Wir haben halt nur immer so dieses Außen, diese äußerlichen Aspekte. #-14: 57# (S01, 333-346) 40 Daniel Reimann [Sim, ent-o a única coisa que eu desejaria, seriam mais lições, porque muitas vezes temos dificuldades em analisar em português, porque nunca nos ensinaram isso, é a diferença entre nós e aqueles que já fazem isso desde o oitavo ano, é que eles s-o mais especializados em gramática e nós mais no conteúdo. Isso é assim porque a gramática era um pressuposto. Claro que tratamos a gramática e os tempos. Mas nunca nos disseram realmente como escrever um resumo, uma análise ou um comentário. Apenas temos este exterior, estes aspetos externos. #-14: 57# (S01, 333-346)] A consciência estratégica e as capacidades metacognitivas também desempe‐ nham um papel: (34) Dass wir halt unsere Klausuren wirklich halt strukturierter haben, weil das meistens das was unsere Lehrerin kritisiert, dass wir halt nicht so strukturiert in der Klausur sind, dass wir halt vieles wissen, aber nicht wissen wie es anwenden sollen. #-15: 31# (S01, 357-361) [Nós deveriamos estruturar mais os nossos textos, porque na maioria das vezes o que a nossa professora critica, é que n-o somos t-o estruturados no exame, que sabemos muito mas n-o sabemos como aplicá-lo. #-15: 31# (S01, 357-361)] 4.1.8 Comparaç-o com os alunos com uma estadia mais longa no estrangeiro numa zona linguística de destino Num caso, é também feita uma comparaç-o com uma colega de turma cujo antecedente linguístico n-o se deve a uma língua de herança, mas a uma estadia mais longa no estrangeiro numa regi-o da língua-alvo (aqui o Brasil): (35) […] die hat in Brasilen gelebt, die ist so eine Art Muttersprachler. Die hat halt drei Jahre lang da gelebt und war auch dort zur Schule gegangen und deshalb kann sie auch Portugiesisch und es ist sowas wie ihre Muttersprache.#-07: 57# […] Die Aussprache halt. Das ist das größte, man merkt man bei dem Mädchen, das in Brasilien gelebt hat. Die Aussprache ist sehr anders zu den, die einen deutschen Hintergrund haben, die das erst später gelernt haben. Weil halt die so anders aufgewachsen ist. Man weiß, wie man es ausspricht und man einen bestimmten Untergrundton. #-08: 40# […] diesen Klang in der Stimme und die haben es halt einfach nicht und es kommt auch darauf an, wie man, es kommt darauf an, dass man es neu gelernt 41 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português hat und es nicht hat und dass man es nicht zuhause hat. #-8: 58# (S01, 190-194, 202-207, 212-215) [Viveu no Brasil, é uma espécie de falante nativa. Ela viveu lá durante três anos e é por isso que sabe falar português e é algo como a sua língua materna. #-07: 57# […] A pronúncia. Nota-se que a rapariga viveu no Brasil. A pronúncia dela é muito diferente em comparaç-o com os que tendo um contexto familiar alem-o aprenderam [português] mais tarde. Porque ela cresceu de forma t-o diferente. Sabe como pronunciar e tem um certo tom de fundo. #-08: 40# […] esta sonoridade na voz e eles simplesmente n-o o têm e também depende do facto de o terem aprendido de novo e de n-o o terem e de n-o o terem em casa. #-8: 58# (S01, 190-194, 202-207, 212-215)] A aluna é apresentada pela sua colega de turma com antecedentes familiares na língua-alvo como bastante comparável ao grupo aqui examinado; a área da pronúncia é referida como a maior vantagem em relaç-o aos alunos sem quaisquer antecedentes familiares lusófonos. 4.1.9 Perceber os próprios pontos fortes e fracos Como complemento às conclusões sobre a autopercepç-o dos alunos com antecedentes familiares lusófonos, como demonstrado pelas comparações com os seus colegas sem antecedentes familiares lusófonos (ver especialmente 4.1.7), podem ser anotados os seguintes pontos fortes e fracos autopercebidos pelos alunos com antecedentes familiares lusófonos: a pronúncia e o vocabulário, bem como a compreens-o oral, a fala e também a leitura s-o repetidamente mencio‐ nados como pontos fortes (por exemplo, S03, 545 f.), enquanto a gramática e a produç-o da linguagem escrita, especialmente a produç-o a nível culto de língua, também em termos de semântica de texto (por exemplo, S03, 543 f., ver acima, 4.1.7) s-o mencionados como áreas mais fracas. A seguinte declaraç-o de uma aluna pode servir de exemplo: (36) Ich würde schon sagen, Aussprache ist bei mir mit am stärksten. Aussprache und Wortschatz würde ich sagen. Ehm ich glaube, das kommt auch dadurch, dass ich echt viel höre, also auch sowohl zuhause, als auch wenn ich in dann Portugal bei meinen Cousins Portugiesisch spreche. Ehm Grammatik dann halt eher weniger, weil es eher höre und spreche, weniger schreibe. In der Schule halt schon ziemlich viel, ehm aber man befasst sich ja auch nicht wirklich viel mit der Grammatik so im Privaten. Lesen, Lesen ist für 42 Daniel Reimann mich eigentlich ziemlich einfach. #-21: 45# (S02, 574-582, vgl. 599-607, 620 f.) [Eu diria que a pronúncia é um dos meus pontos mais fortes. Pronúncia e vocabulário, diria eu. Penso que isso se deve também ao facto de ouvir realmente muito, tanto em casa como em Portugal quando falo português com os meus primos. Mas menos gramática, porque é mais de ouvir e de falar e menos de escrever. Na escola bastante, mas no contexto privado [uma pessoa] n-o se ocupa muito com a gramática. Ler, ler é bastante fácil para mim. #-21: 45# (S02, 574-582, comparar 599-607, 620 f.)] A ortografia da língua portuguesa é considerada como pouco problemática pelas alunas entrevistadas (por exemplo, S02, 590-593, S03, 520-528). Embora a área do vocabulário seja geralmente percebida como um dos pontos mais fortes (ver 4.1.7 acima), as alunas identificam dificuldades na área da “express-o”, o que obviamente se refere a lexemas na linguagem técnica e académica, especialmente nas fases avançadas de aprendizagem: (37) Ich würde sagen eher, dass ehm halt meistens (.) die Ausdruck, also der Ausdruck ist meinstens eher eine Schwierigkeit als halt (.)diese Bereiche, als die anderen Bereiche. Dass der Ausdruck, weil wir halt diese diese Alltagssprache eher gelernt haben. #-20: 33# (S01, 487-490) [Diria que a express-o é mais uma dificuldade do que estas áreas, do que as outras áreas, porque aprendemos principalmente a língua do quotidiano. #-20: 33# (S01, 487-490)] Uma outra aluna também formula: (38) Also, manchmal fehlt es einem wirklich an Vokabeln. Man merkts, weil man halt weniger Portugiesisch spricht und mehr Deutsch. Also manchmal denke ich echt über die simpelsten Vokabeln nach und. #-22: 42# (S02, 605-607) [Bem, às vezes falta realmente vocabulário. Nota-se porque se fala menos português e mais alem-o. Por vezes reflito no vocabulário mais simples e #-22: 42# (S02, 605-607)] De facto, uma aluna que só veio de Portugal para a Alemanha com cerca de 15 anos pode realmente detetar défices a nível lexical nos colegas de turma com um antecendente lusófono mais afastado. 43 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português (39) Die können es sprechen. Die haben auch praktisch keinen Akzent, aber es fehlt viel an Vokabular und so, also diese sprachspezifische Wörter können die jetzt nicht so gut, aber Akzent merkt man, dass die Portugiesen sind, also wie die Deutschen die das von Anfang an lernen. Man merkt, dass sie nicht aus Portugal kommen, sag ich jetz mal. #-07: 10# (S04, 205-210) [Eles sabem falar. Praticamente n-o têm sotaque, mas falta-lhes muito vocabulário, sobretudo n-o conhecem estas palavras específicas da língua, mas por causa do sotaque nota-se que s-o portugueses, tal como os alem-es que o aprendem desde o início. Nota-se que eles n-o s-o de Portugal, diria agora. #-07: 10# (S04, 205-210)] 4.1.10 Participaç-o no ensino do português No que respeita à sua própria participaç-o nas aulas de português, é repetida‐ mente mencionada uma certa contenç-o relativa a um tratamento respeitoso dos colegas de turma sem antecedentes linguísticos. Sendo possível que a tendência para respostas socialmente desejáveis seja particularmente pronunciada neste contexto, é no entanto bastante considerável a sensibilidade das várias alunas para esta problemática e a sua observaç-o diferenciada. Por um lado, é dada ênfase a uma produç-o oral lenta e compreensível: (40) Weil man muss sich halt, ehm, es ist halt nicht so, dass sie vom Niveau würde ich jetzt sagen weiter unter liegen als wir. Die sind echt gut und alles, das Problem ist natürlich, wir müssen darauf achten, dass wir langsamer reden, dass wir halt wirklich achten, dass sie alles verstehen natürlich und ja, die lernen ja auch die Grammatik, wie wir und das sind ja für uns wie halt der Deutschunterricht, wie für andere Leute.#-03: 45# (S01, 90-96) [N-o é que eles estejam num nível mais abaixo que nós. Eles s-o realmente bons, mas, o problema é claro, temos de prestar atenç-o. Temos de falar mais devagar, prestamos atenç-o a que eles compreendam tudo. E eles também aprendem a gramática, tal como nós aprendemos e isso é para nós como as aulas de alem-o. #-03: 45# (S01, 90-96)] Com isto associa-se também uma sensaç-o da própria subcarga, uma vez que os alunos que aprendem português como língua estrangeira a partir do 8. o ano, têm normalmente competências menos pronunciadas: 44 Daniel Reimann (41) Mein größtes Problem wär sogar, würde ich sagen, dass wir, ehm, also dass die Muttersprachler, die Portugiesisch haben mit denen zusammen getan wurden, die Portugiesisch erst seit der achten haben und dass is dann für uns immer so (.), ja zu einfach, sag ich jetzt mal. Also, die die sind jetzt nicht schlecht oder so. Aber wir müssen halt unser Sprachniveau etwas weiter nach unten setzen, damit alles auch verständlich für die anderen Mitschüler ist. #-03: 22# (S03, 89-96) [O meu maior problema seria mesmo se nós, os falantes nativos, que têm português, fossem colocados juntos com aqueles que só têm português desde o oitavo ano. Isso é ent-o para nós demasiado fácil. Bem, eles n-o s-o maus nem nada. Mas temos de baixar um pouco o nosso nível linguístico, para que tudo seja compreensível para os outros alunos. #-03: 22# (S03, 89-96)] A mesma aluna afirma mais tarde que a subcarga leva a uma completa desmo‐ tivaç-o (“Isto significa que já n-o me apetece, porque penso que posso fazer isso de qualquer maneira”, S03, 647-650). Por vezes é também mencionado que a contenç-o foi exigida pelos professores: (42) Also damit das ne Eins reicht, ne. Nicht mehr, weil unsere Lehrerin hat auch gesagt, ehm, wir sollten ich sollte nicht so viel reden, sonst können die anderen, werden die anderen ein bisschen verunsichert und reden auch nicht viel mit, aber damit es für ne Eins reicht, ne Eins gut reicht, mach ich mit, ja. #-04: 57# (S04, 148-153) [Que isto chegue para um “muito bom”, n-o. Porque a nossa professora também nos disse que, ehm, n-o devemos falar tanto, sen-o os outros ficam um pouco inseguros e por isso n-o falamos muito, mas para ter a certeza de que chega para um “muito bom”, participo, sim. #-04: 57# (S04, 148-153)] Também é descrito que os alunos com antecedentes familiares lusófonos s-o procurados pelos seus colegas de turma como ajudantes, especialmente na área do vocabulário: (43) Ja, also (.) manchmal ist es wirklich so, dass halt die zwei Mädchen uns fragen, ob wie das heißt natürlich oder sowas, weil die haben einfach weniger Vokabeln, würde ich 45 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português auch sagen. Wir haben jetzt mehr Vokabeln und größeren Wortschatz, was ja auch wirklich natürlich normal ist. #-17: 15# (S01, 404-409) [Sim, por vezes é realmente assim, que as duas raparigas nos perguntam, como se diz isso em português, claro, porque têm menos vocabulário, diria eu. Temos agora mais vocábulos e um maior vocabulário, o que é normal. #-17: 15# (S01, 404-409)] 4.1.11 Tratamento por professores Os estudantes também foram questionados sobre a sua percepç-o do tratamento por parte dos professores. Os alunos têm a impress-o de que podem receber menos atenç-o do que os seus colegas de turma sem conhecimentos da língua-alvo. Entre outras coisas, têm a impress-o de que s-o chamados com menos frequência do que os seus colegas de turma sem antecedentes familiares lusófonos (“Bem, eu diria que seria chamado menos do que os meus colegas”, S03, 216 f.). Mas também percebem que s-o utilizados pelos professores como ajudantes para os outros alunos, também em termos motivacionais: (44) Ich glaube schon so ehm, ich würde auch sagen, dass Lehrer bisschen mehr Rücksicht auf ehm die ohne portugiesischen Hintergrund nehmen müssen, weil die sagen auch echt viel weniger, die haben echt nicht so viel Vokabular und die brauchen echt ein bisschen länger und dann zwischendurch nutzen sie uns schon so ein bisschen als Hilfe, um die anderen dann bisschen anzuspornen so, hab ich schon so bisschen das Gefühl, ja. #-10: 54# (S02, 276-282) [Penso que os professores têm de dar mais atenç-o às pessoas sem contexto familiar lusófono porque dizem muito menos, porque n-o têm tanto vocabulário e precisam realmente um pouco mais tempo e assim os professores usam-nos um pouco como apoio para encorajar um pouco os outros. Pelo menos tenho a sensaç-o disso. #-10: 54# (S02, 276-282)] Entre outras coisas, é mencionada como medida a distribuiç-o específica de alunos com antecedentes lusófonos em diferentes grupos durante o trabalho de grupo (S02, 290-293). Além disso, é abordada, neste contexto e entre outros aspetos, a problemática da avaliaç-o justa, ou seja, os alunos expressam por vezes a impress-o de serem avaliados de forma mais rigorosa do que os alunos sem antecedentes familiares lusófonos. Por um lado, isto é descrito no sentido de se ter a impress-o 46 Daniel Reimann de se receber a mesma nota que os outros alunos mesmo tendo um melhor desempenho: (45) Ja, das ist meistens halt auch ein Problem, dass wir halt nicht so, dass es halt Schwierigkeiten gibt uns halt gleichmäßig, also gleich zu bewerten, würde ich sagen. Das es wirklich eine Schwierigkeit ist, weil natürlich sie kann uns nicht vom sprachlichen her aus, also von der Aussprache nicht gleich bewerten, was halt auch schwierig ist und dann denkt man sich vielleicht manchmal so, ja aber wir haben halt mehr gesagt, wir sagen halt viel bessere Sachen aber dann hat man trotzdem dieselbe Note #-05: 23# (S01, 127-135) [Sim, isso também é muitas vezes um problema, que haja dificuldades no modo de nos avaliar de forma igual, diria eu. É claro que ela (a professora) n-o nos pode avaliar igualmente do ponto de vista linguístico, ou seja, da pronúncia. É muito difícil. Por vezes pensa-se, eu disse mais e muito melhores coisas e depois recebe-se apesar de tudo a mesma nota #-05: 23# (S01, 127-135)] Noutro lugar, a mesma aluna formula esta impress-o de forma explícita: (46) also ich glaub, wir haben es sogar bisschen schwieriger, weil wir halt Muttersprachler sind und ich glaube auch, dass die Lehrerin von uns mehr erwartet. #-12: 18# (S01, 290-292) [por isso penso que somos ainda mais prejudicados porque somos falantes nativos e penso que a professora espera mais de nós. (S01, 290-292)] No que respeita ao tratamento das variedades de origem trazidas para a sala de aula, os alunos apercebem uma abordagem sensibilizada e, se necessário, corretiva, mas basicamente aberta por parte dos professores: (47) […] Also, die verbessern das auf jeden Fall, aber ich würde sagen, die gehen relativ gelassen damit um. Ich glaube, die kennen das selber auch von Zuhause. Ja, es ist relativ. Der Fehler wird halt korrigiert und dann wird paar Mal drüber gelacht, weil wir dann so kurz darüber reden, dass alle so den Fehler machen würden und dann ist aber auch gut so. #-19: 12# (S02, 499-505) 47 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português [[…] Bem, em todo o caso eles corrigem isso, mas eu diria que levam as coisas com relativa calma. Penso que também o conhecem de casa. O erro é corrigido e algumas vezes rimos sobre isso, porque depois dizemos que todos cometem este erro e depois fica tudo bem. #-19: 12# (S02, 499-505)] 4.1.12 Desejos em relaç-o ao tratamento nas aulas de português Em seguida os alunos foram também questionados sobre os desejos que formu‐ lariam em relaç-o ao tratamento por parte dos professores. Do ponto de vista dos alunos surgiram as seguintes sugestões: conteúdos motivantes, um apoio mais forte na área da escrita, n-o só aspetos de diferenciaç-o interna, como também a diferenciaç-o a nível dos grupos de aprendizagem no sentido de uma instruç-o separada de alunos com ou sem antecedentes familiares lusófonos. Por um lado, s-o exigidos conteúdos motivadores. Entre estes contam-se, por exemplo, temas históricos ou literários. Temas geográficos e económicos mais simplesmente percebidos, tais como retratos de cidades ou questões do turismo, bem como a repetiç-o de temas em vários anos de escolaridade, s-o descritos como especialmente aborrecidos, pelo menos do ponto de vista do grupo de alunos com antecedentes familiares lusófonos: (48) Halt ich mag es persönlich lieber, wenn man halt sowas über Literatur halt und über Geschichte, halt weniger über halt wirklich dieses Thema Tourismus, halt (.) Städte und sowas, was man natürlich auch dran nimmt, besonders halt der Tourismus in Portugal bzw. in Brasilen oder halt generell die Geschichte halt mit Brasilien. Das ist auch immer das immer wieder kommt, wo man dann irgendwann gelangweilt ist. #-04: 38# (S01, 109-116) [Pessoalmente, gosto mais de falar sobre literatura ou sobre história, n-o tanto de turismo, cidades e coisas do género, o que é claro, especialmente o turismo em Portugal ou no Brasil ou, em geral, a história do Brasil. Isso também é sempre o que se repete vezes sem conta, isso é aborrecido. #-04: 38# (S01, 109-116)] De acordo com os perfis de competência percebidos na comparaç-o com alunos sem antecedentes familiares lusófonos (ver Secç-o 4.1.7) e com as próprias fraquezas percecionadas na escrita, os alunos desejariam ter mais oportunidades de produç-o escrita de textos: (49) Ich würde sagen, vielleicht mehr Texte schreiben, weil das Sprechen an sich fällt mir nicht wirklich schwer, weil 48 Daniel Reimann ich ja auch zuhause mit meinen Eltern Portugiesisch rede als Texte schreiben. Das mache ich ja generell nur in der Schule und nicht Zuhause ehm und dass wir in der Schule ehm halt das Sprechen beibehalten, aber auch dass wir ehm auch mehr Texte schreiben und die auch vergleichen, weil das auch vorteilhaft ist für die Klausur. #-11: 26# (S03, 281-289) [Eu diria talvez escrever mais textos, porque a fala em si n-o é realmente difícil para mim, porque falo mais português com os meus pais em casa do que escrever textos. Geralmente só escrevo na escola e n-o em casa e [desejo] que continuemos a falar na escola, mas também que escrevamos mais textos e os comparemos, porque isso também é vantajoso para o exame. #-11: 26# (S03, 281-289)] Num caso, é sugerida a separaç-o dos grupos em alunos com antecedentes familiares lusófonos e alunos sem antecedentes familiares lusófonos, a fim de promover as potencialidades de ambos os grupos: (50) ich glaube, dass wird halt helfen, wenn wird die Gruppen unter, also die Gruppen bisschen einteilen, von wegen Muttersprachler und Leute, die Portugiesisch erst seit der achten haben, weil dadurch würde auch unser Sprachniveau verbessert werden und die Lehrer könnten quasi auch von uns mehr fordern und es wäre gerechtfertigter, würde ich sagen. Also, ja das würde ich jetzt mal #-10: 51# (S03, 269-275) [Penso que deveríamos dividir os grupos em grupos de falantes nativos e pessoas que só têm português desde o oitavo ano, porque isto também melhoraria o nosso nível linguístico e os professores poderiam exigir mais de nós e seria mais justificado, diria eu. #-10: 51# (S03, 269-275)] Esta sugest-o também pode ser entendida no contexto da situaç-o especial na escola, que originalmente visava precisamente integrar falantes de língua de herança lusófona (cf. por exemplo Becker 1988, 1994) e ainda tem uma elevada proporç-o de alunos com antecedentes familiares lusófonos. No mínimo, a aluna desejaria ver mais diferenciaç-o interna, que n-o deveria, no entanto, seguir os esquemas estereotipados bem gastos de atribuiç-o de papéis: (51) […] und dass man vor allem versucht ehm (.) dafür zu sorgen, beispielsweise bei Gruppenarbeiten oder bei ehm 49 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português Partnerarbeiten, dass nicht der Portugiese dann alles vorstellt, sondern dass vielleicht die deutsche Person dann die Sachen vorstellen muss, einfach nur damit ehm mehr Selbstbewusstsein entsteht. #-28: 03# (S03, 645-658) [[…] e que, acima de tudo, se tente assegurar, por exemplo, no trabalho em grupo ou em parceria, que n-o é a pessoa portuguesa que apresenta tudo, mas sim a pessoa alem-, simplesmente para que desenvolva mais autoconfiança. #-28: 03# (S03, 645-658)] 4.2 Entrevista com a professora 4.2.1 A problemática ligada à língua falada no contexto familiar O docente também aborda em particular a problemática da variedade da língua portuguesa falada nas famílias, que pode ser caraterizada n-o só a nível regional, mas também pela longa (por vezes vitalícia) estadia dos pais num meio de língua alem- (sobre o conceito da língua falada no contexto familiar como complemento da língua de herança, ver Lüttenberg 2010). (52) man muss auch dazu nicht vergessen, dass die Eltern (.), wenn die seit Jahrzehnten hier wohnen, dass sie viele Wörter von der deutschen Sprache nehmen und das mit portugiesischen Akzent (lacht) dann sagen und die Schüler denken, dass das Wort tatsächlich existiert. #-02: 33# (L01, 61-65) [Também n-o se pode esquecer que os pais que vivem aqui já há décadas, pegam em muitas palavras da língua alem- e dizem-nas com sotaque português e os alunos pensam que a palavra existe realmente. #-02: 33# (L01, 61-65)] (53) Zum Beispiel Apothka. Wohin musst du? Apothka. Hä? Kenne ich gar nicht. Eigentlich wollen sie sagen farmácia. Aber im Deutschen sagt man Apotheke oder Bahñhofe, aber Bahñhofe ist Bahnhof, aber auf Portugiesisch ist wäre es eigentlich es‐ taç-o. Das heißt, die Schüler die reden so wie, sie es wie es zuhause gelernt haben und manchmal ist es lustig. #-03: 05# (L01, 69-75) [Por exemplo, Apothka. “Para onde tens de ir? ” / “Apothka”./ “H-? N-o conheço esta palavra”. Na verdade, os pais querem dizer farmácia. Mas em alem-o diz-se Apotheke… Ou Bañhofe, mas Bañhofe é Bahnhof, mas em português seria antes estaç-o. Quer dizer 50 Daniel Reimann que os alunos falam como ouvem as palavras em casa e por vezes é divertido. #-03: 05# (L01, 69-75)] Para além da variedade regional da língua de herança, a variedade linguística familiar é, portanto, um factor que deve ser tido em conta ao ensinar uma língua de herança como língua-alvo no ensino de línguas estrangeiras. 4.2.2 Mudança de geraç-o no corpo discente A professora entrevistada constatou já uma mudança geracional ocorrida entre os alunos nos últimos 10 anos desde 2010. Enquanto em 2010 muitos alunos de uma segunda geraç-o ainda possuíam competências lusófonas acentuadas, a maioria dos alunos s-o hoje alunos para quem o contacto linguístico com o português está mais distante - o que também levou a mudanças na concepç-o de ensino: (54) Das ist die 3. Generation. Das heißt, die Eltern haben noch fließend Portugiesisch gesprochen. Die waren noch hier in der Schule und jetzt kommen noch die Kinder und das ist jetzt die 3. Generation. Die sind noch in Kontakt mit der Sprache, aber ja. #-05: 44# […] Weil die Schüler fangen hier an in der 8. Klasse. Was ich mache ist, dass ich nehme die Schüler, die (..) die mehr Portugiesisch können und die helfen dann die anderen, die gerade anfangen. Aber ich kann nicht, weil ich ja gemischte Klassen habe, dann mach ich nicht Unterricht für Muttersprachler, sondern äh für Portugiesisch als 2. oder 3. Sprache. Mit den anderen, ersten Kursen, die ich hier hatte, das war natürlich anders. Da hab ich mehr geschrieben und so weiter. Das war anders. Aber jetzt hat sich das geändert. #-07: 36# (L01, 123-128, 156-16) [Esta é a 3ª geraç-o. Quer dizer que os pais ainda eram fluentes em português. Eles ainda estiveram aqui na escola e agora vêm os filhos sendo esta a 3ª geraç-o. Ainda est-o em contacto com a língua, sim. #-05: 44# […] Porque os alunos começam aqui no 8º ano. O que faço é pegar nos alunos que (…) sabem mais falar português sendo eles que ajudam os outros alunos que est-o a começar a aprender o português. Mas n-o posso, porque tenho aulas mistas, eu n-o ensino português como língua de herança, mas sim português como segunda ou terceira língua estrangeira. Com os outros cursos, os primeiros cursos que tive aqui, foi diferente. Escrevi mais e assim por diante. Foi diferente. Mas agora mudou. #-07: 36# (L01, 123-128, 156-16)] 51 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português 4.2.3 Curva de desempenho prototípica de alunos com antecedentes familiares lusófonos A professora descreve a curva de desempenho prototípica dos alunos com antecedentes familiares lusófonos na disciplina de português como língua estrangeira. Uma vez que estes alunos acham particularmente fácil “o início” ou porque a progress-o no início do curso de línguas estrangeiras n-o os tem em consideraç-o, existe o perigo de que se tornem negligentes. Na sua percepç-o, isto conduz rapidamente, muitas vezes após um ano de aprendi‐ zagem, no máximo, a uma relativa queda de desempenho, uma vez que muitos alunos com antecedentes familiares lusófonos permanecem numa espécie de planalto (“Penso que n-o est-o conscientes de que os outros se desenvolvem t-o fortemente e que basicamente permanecem num determinado nível”, L01, 265-267). Particularmente na área da produç-o escrita, ela vê ent-o alunos sem antecedentes familiares lusófonos, pelo menos ao mesmo nível, se n-o em vantagem - esta observaç-o coincide com as autoavaliações dos alunos com antecedentes familiares lusófonos referidos acima em 4.1.7 e 4.1.9. A professora resume estas observações da seguinte forma: (55) Und sie denken dann, okay ich muss das dann nicht üben. Sie machen keine Vokabelarbeit, auch wenn sagt, bitte die Vokabeln lernen. Alle anderen kommen nach Hause, setzen sich hin, schreiben die Vokabeln, einmal, zweimal bis sie die können. Oh das kann ich und äh spätestens nach einem Jahr oder sogar (unv.) eines Schuljahres, man merkt schon, dass sogar Kinder, die äh Portugiesisch nicht als Muttersprache haben, besser schreiben als Kinder, die Portugiesisch als Muttersprache haben. #-11: 09# (L01, 221-229) [E eles pensam, está bem, que n-o terei de praticar. Eles n-o fazem os exercícios de vocabulário, mesmo que se diga, por favor, aprendam o vocabulário. Todos os outros chegam a casa, sentam-se, escrevem o vocabulário uma vez, duas vezes até saberem. Oh já sei fazer e o mais tardar após um ano ou mesmo (incompr.) de um ano letivo, nota-se que as crianças que n-o têm o português como língua materna escrevem melhor do que as crianças que têm o português como língua materna. #-11: 09# (L01, 221-229)] As suas observações sobre o desenvolvimento divergente de competências nas áreas da linguagem do dia-a-dia versus linguagem académica (ver acima) podem ser resumidas da seguinte forma: mesmo na área do vocabulário (técnico), há um certo descuido em comparaç-o com os alunos sem antecedentes familiares 52 Daniel Reimann lusófonos, n-o mais sendo feito trabalho de vocabulário - mesmo quando é possível utilizar dicionários como material de apoio, há uma tendência para a criaç-o de novo vocabulário numa base ad hoc, que muitas vezes n-o pode ser aceite como correto. Tal como os alunos (ver acima, 4.1.7, 4.1.9), a professora também nota que, especialmente na área das estruturas de texto na escrita produtiva, se pode constatar mais défices por parte dos alunos com antecedentes familiares lusófonos em comparaç-o com aqueles sem antecedentes familiares lusófonos: (56) das liegt häufig daran, dass einige das tatsächlich üben und andere nicht. Dasselbe mit äh Textstrukturen. Wir sagen immer jeder Text muss seine Struktur haben, man muss die verschiedenen Teile auch verbinden und dann machen wir also wir beide, für alle natürlich Verbindungsausdrücke, nicht nur und, und, und, und, sondern außerdem, und da sieht man auch schon wieder, dass äh (.) häufig bei, sie denken, oh ich kann das ja alles, muss ich nicht üben. Die üben nicht zuhause, die können es nicht anwenden und dann kommt noch etwas hinzu, wenn man glaubt, dass man diese den Wortschatz gut beherrscht. Man sieht auch nicht die Notwendigkeit nochmal Wörter nachzuschlagen, ob sie tatsächlich existieren. Und dann gibt’s ganz viele Neologismen. (lacht) #-12: 26# (L01, 233-246) [muitas vezes tem a ver com o facto que alguns o praticam realmente enquanto outros n-o. É a mesma coisa com a estrutura de texto. Diz-se sempre que cada texto tem a sua estrutura e que também se tem de ligar as diferentes partes e depois fazemos expressões de ligaç-o para todos, n-o só, mas também, além disso, e lá se vê de novo que muitas vezes os alunos portugueses pensam eu sei fazer isso tudo, n-o tenho de praticar. N-o praticam em casa e n-o os sabem usar. E ainda por cima eles pensam que têm um bom domínio do vocabulário. Os alunos n-o veem a necessidade de procurar as palavras no dicionário para ver se elas existem realmente. E depois há muitos neologismos. (risos) #-12: 26# (L01, 233-246)] (57) Und dann steht man da und denkt sich, was ist das. Und Schüler, die kein Portugiesisch ehm zuhause gelernt haben, die gucken schon Wörterbuch nach und deswegen am Ende, haben die schriftlich viel bessere Noten als dann die, 53 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português die Portugiesisch als Muttersprache hatten. #-12: 52# (L01, 251-256) [E depois uma pessoa fica ali parada e pensa, o que é isto. E os estudantes que n-o aprenderam português em casa, procuram num dicionário e é por isso que, no final, têm notas muito melhores a nível escrito do que aqueles que tinham o português como língua materna. #-12: 52# (L01, 251-256)] No entanto, a professora também nota que entre os alunos com antecedentes familiares lusófonos, que inicialmente sofrem uma queda no desempenho, também há aqueles que subsequentemente voltam a fazer um esforço e, conse‐ quentemente, voltam a alcançar bons e muito bons resultados (L01, 364-367). 4.2.4 Pontos fortes e fracos percebidos A autopercepç-o dos alunos com antecedentes familiares lusófonos de ter maiores dificuldades na escrita do que na fala coincide com a avaliaç-o da professora, que nota grandes divergências em alguns casos: (58) Also, ich kann mich erinnern, dass ehm man mehr erwartet, weil sie eigentlich gut sprechen. Und wenn sie dann schreiben, dass es was anderes entspricht, ne. Beziehungsweise es entspricht nicht, was man erwartet hätte, wenn man so fließend spricht und dann beim Schreiben so viele Schwierigkeiten hat. #-01: 22# (L01, 35-39) [Bem, posso lembrar-me que ehm que se espera mais deles porque na realidade falam bem. E quando escrevem já n-o corresponde à espetativa, ne. Tantas dificuldades a escrever n-o correspondem ao que seria de esperar de uma pessoa que fala t-o fluentemente. #-01: 22# (L01, 35-39)] Em vários pontos na entrevista é levantado o problema da sobrestimaç-o de competências - tanto em forma de sobrestimaç-o por parte dos alunos como em forma de sobrestimaç-o por parte dos pais: (59) […] ich versuche ihnen das klar zu machen, dass sie da Schwierigkeiten haben und die Schüler sehen das nicht so wirklich ein. Man kann sehen, dass sie haben natürlich einen großen Wortschatz und sie lernen natürlich von zuhause, aber sie lernen beim Hören. Und, die Weise, wie man spricht, entspricht nicht immer die Weise, wie man schreibt […] #-02: 33# (L01, 55-60) 54 Daniel Reimann [[…] Tento tornar-lhes claro que têm dificuldades aí, mas os alunos n-o veem realmente isso. Nota-se que eles têm um grande vocabulário e aprendem em casa, mas aprendem ouvindo. E, a maneira de falar n-o corresponde à maneira de escrever […] #-02: 33# (L01, 55-60)] A sobrestimaç-o por parte dos pais manifesta-se frequentemente no contexto da avaliaç-o, que, dada a curva de desempenho acima descrita ou a persistência frequente de uma espécie de planalto, por vezes n-o contribui para a satisfaç-o dos pais: (60) Was ich gesehen habe, ich habe selber nicht so die Erfahrung gehabt, aber ich weiß, dass die Eltern sich ex‐ tremst aufgeregt haben und dann gesagt haben, wie kann das sein, dass deutsche Schüler bessere Noten haben als meine Kinder, meine Kinder können viel besser Portugiesisch und sie können viel besser kommunizieren und so weiter. Und es stimmt auch, die können viel besser kommunizieren, weil kommunizieren ist nicht, sind nicht nur Wörter, aber äh das ähm du hast diese Gestik und um gut zu kommunizieren, muss man nicht eine Sprache richtig beherrschen, man muss sich nur verständigen. Das bedeutet nicht, dass es korrekt ist. #-14: 20# (L01, 280-290) [O que vi, eu próprio n-o tive a experiência, mas sei que os pais ficaram extremamente irritados e disseram ent-o como pode ser que os alunos alem-es tenham melhores notas do que minhas crianças, minhas crianças falam português muito melhor e que podem comunicar muito melhor e assim por diante. E também é verdade que podem comunicar melhor, porque comunicar n-o é, n-o s-o apenas palavras, mas também tem a ver com gestos e para comunicar bem, n-o é preciso conhecer bem uma língua, só é preciso comunicar. Isso n-o significa que seja correto. #-14: 20# (L01, 280-290)] 4.2.5 Medidas de apoio para os alunos com antecedentes familiares lusófonos Na opini-o da professora, é essencial responder às necessidades especiais dos alunos com antecedentes familiares lusófonos, diferenciando dentro da sala de aula e durante as aulas regulares, e n-o através de tarefas adicionais no contexto de um trabalho de casa prolongado. Esta opini-o tem como fundo razões de ordem temporal e (também subsequentemente) motivacional, com base nas quais tende a ser improvável que tais ofertas adicionais sejam aceites por alunos com antecedentes familiares lusófonos: 55 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português (61) Meistens ist es dann im Unterricht und nicht zuhause, weil man muss auch denken, dass viele Schüler schon zu lange in der Schule sind (lacht) und am Nachmittagsunterricht ist auch etwas nicht etwas nicht so angenehm. Und in der Sek. 1 die haben die eine Stunde mehr als die anderen Schüler und das heißt, sie bleiben schon einen Nachmittag (.) länger als alle anderen Schüler und wenn die dann noch dazu extra Aufgaben bekommen würden,(lacht)… #-09: 18# (L01, 187-194) [A maior parte do tempo os alunos est-o nas aulas e n-o em casa, também tem se ter em mente que muitos deles já est-o demasiado tempo na escola e as aulas da tarde também n-o s-o agradáveis. E a nível do Sek I [correspondente ao 2° e 3° do ensino básico em Portugal] os alunos têm uma aula mais do que os outros estudantes, quer dizer que já ficam uma tarde a mais e se houver ainda exercícios extra a fazer … (risos) #-09: 18# (L01, 187-194)] 5 Resumo e discuss-o dos resultados 5.1 Resumo e discuss-o dos resultados no contexto do estudo Reimann 2020 Dos dados avaliados até agora no projeto “Alunos com antecedentes familiares na língua-alvo no ensino de línguas românicas” (ver Secç-o 3. acima) pode-se concluir, num primeiro passo, os resultados resumidos em seguida. Os resultados do subprojeto relativo ao português confirmam no essencial os resultados alcançados no subprojeto sobre o espanhol (ver Reimann 2020). Tanto dentro dos conjuntos de dados individuais (estudantes, alunos, profes‐ sores) como através dos conjuntos de dados em espanhol e português, emerge uma imagem consistente das percepções dos atores envolvidos. Estes podem, portanto, ser registados como resultados centrais num estudo-piloto, consti‐ tuindo a base para a formulaç-o de hipóteses com vista ao desenvolvimento de outros inquéritos quantitativos, bem como de estudos futuros, por exemplo, com base em observações em sala de aula e dados linguísticos. Pode afirmar-se que a presença de alunos com antecedentes linguísticos na regi-o do estudo (Renânia do Norte-Vestefália) é uma realidade tangível em todos os grupos de aprendizagem. No que diz respeito às variáveis individuais de aprendizagem dos jovens em quest-o, pode afirmar-se que 56 Daniel Reimann 1. se trata de biografias linguísticas altamente individuais 2. o ensino na língua de herança parece ser importante no sentido de um desenvolvimento plurilingue da literacia no período que antecede a aprendizagem de línguas estrangeiras 3. a motivaç-o como variável afetivo-emocional desempenha um papel central, estando intimamente ligada aos sentimentos de aprendizagem de alegria e frustraç-o / aborrecimento segundo a apresentaç-o das pessoas envolvidas. Além disso, podem ser formulados perfis de desempenho prototípicos e curvas de desempenho com base nos conjuntos de dados disponíveis tal como podem ser definidos os pontos fortes e fracos dos alunos com antecedentes linguísticos em certas áreas - sendo em grande parte coincidentes as declarações dos alunos (retrospetiva), alunos e professores a este respeito. Das declarações feitas pelos alunos, os professores e os estudantes emergem os três seguintes complexos de problemas que dever-o estar no centro de projetos de investigaç-o e desenvolvimento subsequentes: 1. Área problemática 1: subcarga vs. fraquezas específicas 2. Área problemática 2: auto-sobrestimaç-o / arrogância (também dos pais) 3. Área problemática 3: inclus-o no ensino / cooperaç-o / ativaç-o e avalia‐ ç-o. A terceira área problemática representa certamente o desafio central e maior, cujo domínio resultaria também em soluções para as primeiras áreas (cf. Reimann 2020, 241 f.). Entre outras coisas, dos conjuntos de dados podem ser concluídos os desejos dos alunos em causa relativamente às medidas de apoio do seu desenvolvimento (cf. Secç-o 4.1.12): tendo em vista a diferenciaç-o (interna) e a individualizaç-o no ensino do português, s-o exigidas tarefas exigentes e atrativas, e assim motivadoras, sendo explicitamente desejadas medidas de apoio particularmente na área da escrita. No estudo sobre espanhol, foi também claramente expresso o desejo de acesso a atividades e materiais de diferenciaç-o (por exemplo, é explicitamente desejado o seu envolvimento nas aulas com o papel de assistentes ou peritos), tal como o desejo de igualdade de tratamento na participaç-o (aqui foi repetidamente observado que os alunos com antecedentes linguísticos n-o s-o chamados quando levantam a m-o) e de consideraç-o da variedade de origem. Além disso, os vários conjuntos de dados facultam uma vis-o de conjunto das formas de inclus-o e de promoç-o de alunos com antecedentes linguísticos 57 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português atualmente praticadas (que, evidentemente, também teriam de ser examinados em estudos de seguimento, em particular através da observaç-o na sala de aula). Devido à sua importância para a investigaç-o e o desenvolvimento futuros, essa vis-o de conjunto vai ser apresentada aqui de forma resumida. As medidas atualmente praticadas na apresentaç-o dos atores envolvidos est-o localizadas nas seguintes áreas: • Oferta de material diferenciador (também para a variedade na língua de herança) • Envolvimento como peritos (pronúncia [especialmente leitura em voz alta], tendo também em conta a variedade da língua de herança, léxico [es‐ pecialmente semantizaç-o], conhecimentos de orientaç-o sociocultural) • Inclus-o quando os resultados s-o assegurados (fixaç-o no quadro, re‐ sumo oral como “texto espelho” em vez de “eco do professor”) • Envolvimento como ajudante e consultor de aprendizagem / coach de aprendizagem, especialmente para formas cooperativas de aprendizagem • Assumir as funções de professor (ver “LdL”) • Moderaç-o das reuniões de correç-o de trabalho de casa, mas também de discussões / debates • Exibiç-o de limites, também no que diz respeito a variedades (especial‐ mente dialetos) • Tarefas adicionais (palestras, entrevistas) (ver Reimann 2020, 243 f.). 5.2 Resultados específicos do estudo parcial sobre alunos com antecedentes lusófonos em aulas de português As avaliações sobre o espanhol (Reimann 2020, cf. Secç-o 5.1) e os resultados suplementares, que em parte dizem respeito a especificidades do português e do ensino do português, mas que também podem ser considerados complementares aos resultados anteriores, ser-o seguidamente resumidos de forma curta: • As notas sobre a variedade na língua de herança referem-se em particular às variedades portuguesas do Norte, que é uma zona fortemente marcada pela emigraç-o (ver 4.1.4). • A entrevista com a professora também destacou a problemática das línguas faladas no contexto familiar (ver 4.2.1). • Foram também incluídos dados adicionais sobre o ensino da língua de herança (cf. 4.1.6). • Este conjunto de dados demonstra claramente a existente sensibilizaç-o dos alunos para o potencial da interligaç-o das línguas escolares estran‐ geiras e outras línguas de herança românicas com o português (cf. 4.1.5). 58 Daniel Reimann • A (auto-)avaliaç-o das alunas, também em comparaç-o com os alunos sem antecedentes linguísticos, enfoca-se mais claramente nos seus pró‐ prios pontos fortes e fracos, particularmente nas áreas da linguagem técnica/ educativa, na produç-o de texto escrito e nas estratégias metacog‐ nitivas (ver 4.1.7, 4.1.9, 4.2.2, 4.2.4) (em espanhol, é apenas documentado no inquérito dos professores). • Nas entrevistas tanto com as alunas como com a professora torna-se evi‐ dente que, na área da língua avançada e educativa, o vocabulário também pode ser uma área problemática no desenvolvimento de competências dos alunos com antecedentes linguísticos (cf. 4.1.9, 4.2.3). 6 Reflex-o sobre o método e perspetivas Os resultados relatados est-o sujeitos a todas as limitações de uma pilotagem qualitativa, que trata de perceções, convicções subjetivas e atitudes em relaç-o a um fenómeno. No entanto, o acesso multi-perspetivante - considerando dados da perspetiva dos estudantes afetados, dos professores e de antigos colegas (es‐ tudantes em retrospetiva) - e a inclus-o de diferentes tipos de dados - inquéritos escritos e entrevistas baseadas em guiões - permite uma vis-o triangular do fenómeno. Torna-se visível que os conjuntos de dados fornecem uma imagem relativamente consistente e abrangente da percepç-o do fenómeno por parte dos atores envolvidos no ensino. Os diferentes conjuntos de dados confirmam-se reciprocamente em muitos aspetos, complementam-se mutuamente nos pontos em que um dos três grupos pode ser considerado um “grupo de peritos” no que diz respeito à percepç-o de um aspeto particular. Seria desejável desenvolver-se mais investigaç-o, incluindo abordagens quantitativas, mas sobretudo tendo em conta outras perspetivas - as dos atuais colegas de turma e as dos pais - e condições do contexto linguístico alvo, bem como a integraç-o de outros tipos de dados - tais como diários de aprendizagem durante um período de tempo mais longo - a fim de se poder descrever e analisar o fenómeno com mais pormenor. Em particular, os dados da observaç-o na sala de aula, a análise dos dados linguísticos dos alunos e os produtos relacionados com a sala de aula devem também ser incluídos numa análise mais aprofundada da situaç-o dos alunos com antecedentes linguísticos. Poder-se-ia também ter em conta os grupos de aprendentes multilingues com uma origem românica diferente da língua-alvo e os que n-o têm uma origem românica, mas com uma estadia mais longa no estrangeiro numa regi-o linguística-alvo. Ao mesmo tempo, seria desejável uma investigaç-o empírica mais aprofundada sobre o ensino da língua de herança, a fim de se chegar a um desenvolvimento final, 59 Alunos com antecedentes familiares lusófonos no ensino do português baseado em provas, de medidas de apoio e à sua implementaç-o e avaliaç-o através de investigaç-o de acompanhamento apropriada. Por último, mas n-o menos importante, é de notar que a investigaç-o sobre os recursos e as opções de apoio aos estudantes com antecedentes linguísticos poderia também ser uma área interessante de investigaç-o numa perspetiva didática universitária românica (ver, por exemplo, as referências específicas feitas em Budach 2006, e a correspondente investigaç-o norte-americana, ver Secç-o 2). Para o desenvolvimento de instrumentos de apoio aos alunos envolvidos, as sugestões desenvolvidas por Kagan / Dillon Source 2001, Mehlhorn 2016 e Brehmer / Mehlhorn 2018 (esp. 85-98) para as línguas eslavas, bem como as contribuições dos EUA (por exemplo Fairclough / Beaudrie 2016, Carreira 2016a e b), que est-o cada vez mais orientadas para métodos de ensino, poder-o ser examinadas quanto à sua transferibilidade. Isto poderia levar a um conhe‐ cimento mais aprofundado do grupo específico de alunos com antecedentes linguísticos nas línguas românicas (neste caso o português) e poderiam ser posteriormente desenvolvidos instrumentos de apoio adequados. Referências Aronin, Larissa / O´Laoire, Muriel. 2004. “Exploring multilingualism in cultural contexts: towards a notion of multilinguality”, in: Charlotte Hoffmann / Jehannes Ytsma (ed.). Trilingualism in family, school, and community. Clevedon et al.: Multilingual Matters, 11-29. Bähr, Dieter. 4 1997. Einführung ins Mittelenglische. 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O artigo trata da heterogeneidade como fator onipresente e determinante da praxe de ensino na SESB em vários aspetos: heterogeneidade na composiç-o dos alunos, quanto a sua origem ou a origem dos pais; heterogeneidade das variedades linguísticas do português; heterogeneidade ao nível de aprendizagem, no domínio lin‐ guístico; heterogeneidade fixada ao nível curricular a respeito da separaç-o entre português como “língua materna” e “língua parceira” e nas disciplinas n-o linguísticas ministradas em português (Sachfächer). Reflete-se a quest-o como as heterogeneidades confluem e s-o refletidas nos conteúdos, temas, mas também nos métodos de ensino e na integraç-o de aspetos da formaç-o linguística (Sprachbildung) nas aulas. O desafio na prática do ensino na SESB consiste na pluralidade de heterogeneidades em vários níveis. Contudo, falta ainda uma pesquisa sistemática para fornecer um fundamento mais sólido da didática de ensino da “língua parceira” como definida no modelo da SESB. A Escola Europeia Oficial de Berlim (“Staatliche Europa-Schule Berlin”, SESB) é um modelo de ensino bilingue único na Europa. Iniciou-se com três combinações 1 Nos primeiros anos, a grande maioria dos professores do modelo foram pagos pelo Estado português e receberam apoio constante da coordenaç-o de ensino da Embaixada de Portugal. Ainda hoje, o apoio do Instituto Camões à SESB é um fator importante para a sua atratividade e qualidade. 2 Reflexões da noç-o da literacia (Literalität) e sugestões para a praxe de ensino escolar também em: Montanari / Panagiotopoulou 2019, 113-129. de línguas em 1992, e hoje abrange, como modelo descentralizado, 33 escolas com cerca de 7200 alunas e alunos, em 9 combinações de línguas com o alem-o, isto é inglês, francês, espanhol, italiano, polaco, russo, turco, grego moderno e - last, but not least - português com atualmente cerca de 300 alunas e alunos na Escola Primária “Neues Tor”, do 1. o ano de escolaridade até ao 6. o ano, e cerca de 190 alunos na Escola Secundária, “Kurt-Schwitters-Schule”, do 7. o ano até ao 13. o ano. O ensino na combinaç-o português-alem-o começou em 1998. Em 2011 os alunos daquele ano pioneiro fizeram seu Abitur. Desde ent-o, a SESB portuguesa ganhou cada vez mais estabilidade e atratividade, n-o somente na comunidade lusófona, mas também entre pais de língua alem-. 1 A SESB é projetada como “escola de encontro” (Begegnungsschule), possibili‐ tando uma formaç-o bilingue integral do primeiro ano até ao Abitur tanto para crianças monolingues na língua portuguesa ou bilingues em alem-o e português, quanto para crianças monolingues alem-s. A SESB segue o modelo da imers-o dual intensiva. As aulas s-o ministradas por professores de língua materna ou bilingues, metade da carga horária e das disciplinas em português, metade em alem-o (Möller et al. 2017, 11-14). A oferta da SESB dirige-se ao mesmo tempo a pais alem-es com uma orientaç-o internacional (Möller et al. 2017, 311) e a migrantes interessados em garantir para seus filhos um alto grau de escolaridade na Alemanha, ao mesmo tempo preservando a herança linguística e cultural, e em fazê-los chegar ao nível padr-o - em alem-o: bildungsprachliches Niveau - e à literacia 2 (Gogolin / Duarte 2018, Lengyel 2018, Gogolin 2018) em ambas as línguas (Möller et al. 2017, 306-307). A noç-o “heterogeneidade” é, no contexto do debate pedagógico, como explicam Paul Mecheril e Andrea Vorrink (Mecheril / Vorrink 2018), uma palavra que refere a uma multiplicidade de temas, questões e aspetos de caráter analítico e normativo. Sendo a noç-o vinculada a muitos discursos diferentes, uma definiç-o estreita é impossível e inútil: Vielmehr kann die Vokabel Heterogenität vielgestaltig als eine fluide und flexible Chiffre vor verschiedenen gesellschaftstheoretischen, erziehungswissenschaftlichen und bildungspolitischen Hintergründen und Interessen für unterschiedliche Anliegen herangezogen, in verschiedenen Bedeutungskonstellationen beansprucht und im 68 Henrick Stahr Horizont diverser Zielsetzungen und impliziter, zuweilen auch expliziter präskriptiver Ansätze verortet und eingebracht werden. (Mecheril / Vorrink 2018, 34). O aspeto mais debatido e mais pesquisado de heterogeneidade dentro de discursos científicos ligados ao sistema escolar e educativo é, sem dúvida, o das diferenças entre os níveis de sucesso escolar de alunos; o segundo é provavelmente o da pluralidade cultural. Heterogeneidade existe no dia-a-dia da SESB em várias formas: 1. A heterogeneidade na composiç-o dos alunos, quanto a sua origem ou a origem dos pais (portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos, alem-es e outros). 2. A heterogeneidade das variedades linguísticas do português. 3. A heterogeneidade social, influenciada pelo nível de formaç-o, renda, nível de vida dos pais etc.- este aspeto muito importante n-o será tratado nesta intervenç-o. 4. A heterogeneidade ao nível de aprendizagem, no domínio linguís‐ tico, nas competências adquiridas, definidas no plano curricular e ex‐ pressas em notas - certamente o aspeto que mais interessa o/ a professor/ a na prática de ensino de cada dia. 5. A heterogeneidade fixada ao nível curricular: No caso da SESB, significa a separaç-o entre português como língua materna e língua parceira, a um lado, e, no caso das disciplinas n-o linguísticas ministradas em português (Sachfächer), refere-se à quest-o, como as heterogeneidades acima mencionadas confluem e s-o refletidas nos conteúdos, temas, mas também nos métodos de ensino e na integraç-o de aspetos da formaç-o linguística (Sprachbildung) nas aulas. No seguinte, tratarei alguns dos aspetos acima alistados. 1 Composiç-o dos alunos Entre as nove combinações de alem-o com uma outra língua parceira, pode-se distinguir entre dois grupos de línguas: • As “línguas globais” - inglês, francês, espanhol, e também, de medida mais fraca, português. Essas línguas s-o interessantes para pais com uma orientaç-o internacional, sendo eles alem-es ou de outras origens, e para pais das respetivas comunidades linguísticas residentes em Berlim e interessados em manter e preservar a sua herança linguística e cultural para os filhos. Entre eles há, obviamente, já muitas famílias bilingues 69 Heterogeneidade linguística e cultural no ensino bilingue na SESB 3 Com efeito a partir do ano escolar 2020/ 21, entra em vigor uma reforma das regras de admiss-o às escolas SESB, importante para a composiç-o das novas turmas do primeiro ano nas escolas primárias. Como consequência da avaliaç-o científica de 2017, haverá três grupos de admiss-o, um grupo monolingue da língua parceira n-o-alem-, um grupo monolingue alem-o, um grupo bilingue. Esta reforma facilita a entrada de alunas/ as ainda sem conhecimentos da outra língua parceira e dispensa os pais de uma preparaç-o linguística das crianças. Aufnahmeverordnung Schulen besonderer pädagogischer Prägung - § 3 Staatliche Europa-Schule Berlin (SESB) (https: / / www.schulgesetz-berli n.de/ berlin/ schulen-besonderer-paedagogischer-praegung/ teil-ii-schulspezifische-best immungen/ kapitel-1/ sect-3-staatliche-europa-schule.php) que combinam os dois interesses: garantir as oportunidades de um certo “internacionalismo” e conservar as raízes culturais. • O outro grupo de línguas (grego, italiano, polaco, russo, turco) que n-o s-o, em geral, atraentes para pais alem-es e cuja oferta, portanto, se dirige quase exclusivamente aos membros das respetivas minorias linguísticas. As escolas SESB destas combinações linguísticas quase n-o s-o frequen‐ tadas por alunos monolingues alem-es e, em grau muito menor do que no grupo primeiro, por filhos de casais biculturais. Reflete-se, nisto, também uma certa hierarquia no status cultural destas línguas, do ponto de vista da sociedade dominante. O Português pertence, ainda que em grau menor, às línguas globais atraentes também para pais alem-es. Mas, na grande maioria, os alunos têm uma relaç-o de origem familiar com um país de língua portuguesa, como mostra a composiç-o das/ os alunas/ os. 3 A composiç-o dos alunos reflete todas as possibilidades de combinações biculturais, bilingues, até trilingues e mais, de relações entre os pais. A língua portuguesa como língua global, presente em quase todos os continentes, n-o é somente uma oferta aceita pela comunidade lusófona em Berlim, mas atrai também, como já dito, pais de língua alem-. Significa que crianças monolingues alem-s ou bilingues de pais alem-es-portugueses (ou melhor: lusófonos), mas nascidas e crescidas em Berlim (a chamada “segunda geraç-o”), estudam juntas com crianças de origem lusófona e de uma história de migraç-o recente (a primeira geraç-o). Portanto, as alunas e os alunos têm origens familiares portuguesas, brasileiras, angolanas, moçambicanas, mais raramente também cabo-verdianas ou guineenses. Atualmente, os números para as turmas nos anos de escolaridade 7 e 9 da “Kurt-Schwitters-Schule”, para tomar um exemplo, mostram essa diversidade de origens linguísticas: De um total de 79 alunas e alunos em quatro turmas, 17 têm a nacionalidade alem-, 17 a portuguesa, 22 a brasileira, 7 a angolana, 2 a moçambicana. Além disso, há outros alunos vindo de 70 Henrick Stahr 4 O manual escolar “Saber Português hoje” (Oliveira / Sardinha 2006, 17-27) trata deste tema de forma abrangente. No Brasil, nos debates nacionais, o aspeto da heterogenei‐ dade da linguagem, nas diferenças dialetais, encontra normalmente uma atenç-o maior, na perspetiva da crítica a um ensino orientado somente em uma norma-padr-o e marcado pelo “preconceito linguístico”, hierárquico e desprezador às variedades vistos como “inferiores” (cf. Bagno 2015). Para Angola, cf. p. ex. Bernardo 2017, para o Brasil, p. ex. Figueiredo / Almeida / Oliveira 2014. famílias binacionais portuguesas/ alem-s, brasileiras/ alem-s, angolanas/ alem-s, moçambicanas/ alem-s e uma moçambicana/ portuguesa. E há também uma aluna cabo-verdiana e uma finlandesa. E isto só se refere aos passaportes, pois entre os alem-es nacionalizados encontram-se várias famílias de origens diversas. A essa pluralidade de combinações de origens culturais e linguísticas correspondem certas influências culturais heterogéneas presentes na vida das crianças. Apesar do facto que as experiências principais e os interesses das crianças se dirijam primeiramente à sua vida cotidiana na Alemanha, quer dizer em Berlim, as origens culturais diversas possam expressar-se em diferentes acessos a conteúdos do ensino escolar, tradições de aprendizagem, formas de relacionamento com o pessoal pedagógico etc. 2 Variedades do português As crianças com origem em famílias lusófonas, ou monolingues ou bilingues, representam todo o leque de variedades linguísticas do português. O ensino nas disciplinas ministradas em português e o ensino da língua e literatura em especial, têm que tomar em conta esta heterogeneidade linguística do português, n-o somente as diferenças entre o português europeu, brasileiro, angolano, mo‐ çambicano, cabo-verdiano etc., mas, na medida do possível, também fomentar conhecimentos e uma consciência da igualdade do valor de diferenças regionais (dialetais) e sociais (socioletos) do emprego da linguagem no vasto espaço da lusofonia. 4 Lógico é que o tratamento destes temas nas aulas encontra limites, n-o somente no tempo disponível, mas também no enfoque que pode ser dedicado a estes. 3 Heterogeneidade ao nível curricular A separaç-o dos alunos no ensino das duas línguas parceiras da SESB entre as categorias Muttersprache (língua materna) e Partnersprache (língua parceira) até o final do oitavo ano é uma especificidade da SESB. Ela é regulamentada, a partir do ano escolar 2019/ 20, pela introduç-o de dois planos curriculares 71 Heterogeneidade linguística e cultural no ensino bilingue na SESB 5 O termo “língua parceira” é, no contexto da SESB, algo ambíguo: A língua parceira é, ao mesmo tempo, uma disciplina própria - p. ex. português ou alem-o para as crianças lusófonas - e a língua de ensino na metade das disciplinas e aulas. E quando se fala das “línguas parceiras da SESB / SESB-Partnersprachen”, comumente refere-se às línguas n-o-alem-s no sistema SESB. Os planos curriculares de Muttersprache e Partnersprache s-o publicados na internet (https: / / www.berlin.de/ sen/ bildung/ unterricht/ faecher-rah menlehrplaene/ rahmenlehrplaene/ ). separados para a disciplina, em dois Rahmenlehrpläne: O Rahmenlehrplan (RLP) Muttersprache SESB 1-10 e o Rahmenlehrplan (RLP) Partnersprache SESB 1-8. 5 Até ao fim do oitavo ano de escolaridade, o ensino das línguas (alem-o e português) é organizado em grupos separados segundo as categorias “língua materna” (Muttersprache) e “língua parceira” (Partnersprache). Estas noções algo problemáticas designam a primeira língua adquirida (L1) e a segunda língua (L2), adquirida e/ ou praticada já na família num contexto de um bilinguismo dos pais, ou numa relaç-o marcada pelo bilinguismo entre os pais e o meio social que envolta a criança, ou como língua adquirida numa creche já bilingue ou mesmo somente a partir do primeiro ano de escolaridade na Escola Europeia SESB. Na categoria de “Português como Língua Parceira” subsomem-se, portanto, todos os alunos que começam a aprender português como L2 somente na SESB, mas também aquelas crianças bilingues em cujo caso a língua nitidamente mais fraca é o português. É óbvio que esta categorizaç-o nem sempre é fácil, uma vez que por razões de organizaç-o, se tenta estabelecer uma divis-o dos grupos pela metade, na relaç-o de 50/ 50 porcento. 72 Henrick Stahr A partir do nono ano, todos os alunos da SESB est-o administrados juntos em ambas as línguas da SESB. N-o vamos esquecer aqui que o alem-o é uma dessas línguas parceiras, presente em todas as escolas SESB, em combinaç-o com as referidas 9 outras línguas. O RLP Muttersprache 1-10, válido para todas as línguas parceiras n-o-alem-s da SESB, orienta-se intensamente no RLP para a disciplina Deutsch; n-o vou me referir a esse plano. O RLP Partnersprache 1-8 é um plano geral, sem referência concreta a uma língua, e precisa ser concretizado e adaptado, em todas as escolas SESB, às estruturas, exigências e conteúdos de cada uma das línguas parceiras SESB, seja o inglês, o francês etc. e afinal também do português, na forma de um currículo escolar interno (chamado “Schulinternes Curriculum”) que define concretamente os temas, projetos, leituras, materiais a usar, tipos de provas etc. Especialmente nos anos de escolaridade 7 e 8, integra-se o português no ensino da língua parceira, numa progress-o crescente, atingindo-se cada vez mais as competências definidas no RLP para a Língua Materna. Os alunos devem adquirir até ao fim do 8. o ano uma competência linguística suficiente para capacitá-los a seguirem com êxito as aulas ministradas em português num nível de língua materna (por professores de língua materna portuguesa). 73 Heterogeneidade linguística e cultural no ensino bilingue na SESB 6 Significado das abreviações: BOA (Berufsorientierender Abschluss für Schüler mit sonderpädagogischem Förderbedarf, 10° ano), BBR (Berufsbildungsreife, 9° ou 10° ano), EBBR (Erweiterte Berufsbildungsreife, 10° ano), MSA (Mittlerer Schulabschluss, 10° ano). 7 Na época, os currículos desenvolvidos ainda n-o tomaram em consideraç-o os materiais desenvolvidos para a concretizaç-o do QECR para crianças e adoles‐ centes: COLLATED REPRESENTATIVE SAMPLES OF DESCRIPTORS OF LANGUAGE COMPETENCES DEVELOPED FOR YOUNG LEARNERS www.coe.int/ lang-cefr. RE‐ SOURCE FOR EDUCATORS, 2018. Dois volumes: 7-10, 11-15 anos (https: / / rm.coe.int/ c ollated-representative-samples-descriptors-young-learners-volume-1-ag/ 16808b1688, e https: / / rm.coe.int/ CoERMPublicCommonSearchServices/ DisplayDCTMContent? doc umentId=0900001680697fc9). (Ambas as fontes: data de acesso 08.09.2020). 8 O “Rahmenlehrplan Teil C Staatliche Europa-Schule Berlin Partnersprache, Jahrgangs‐ stufen 1-8”, como é o título oficial do documento, é um plano curricular orientado no critério de competências (https: / / www.berlin.de/ sen/ bildung/ unterricht/ faecher-rahm enlehrplaene/ rahmenlehrplaene/ rlp_teil_c_ps_sesb-2019.pdf, 08.09.2020). A definiç-o dos níveis de competência das/ dos alunas/ os é, de certo modo, uma mistura entre critérios de proficiência linguística segundo o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECR) (Níveis A1-C2), e entre os critérios para a descriç-o de competências, definidas nos currículos (RLP) do Estado de Berlim (Níveis A-H) para as Escolas Primária e Secundária até o 10. o ano, nas disciplinas de Alem-o e das Línguas Estrangeiras Modernas, como mostra a ilustraç-o. 6 ´ Os critérios do QECR, porém, só podem ser aplicados com alguma dificuldade, já que s-o critérios descritivos do processo de aquisiç-o de uma língua estrangeira por adultos, enquanto em caso de crianças o processo da aquisiç-o da língua n-o é separável do desenvolvimento inteletual. 7 O procedimento foi o resultado de trabalho de um grupo de professoras e professores experientes, fruto da praxe cotidiana de muitos anos. 8 Os grupos de aprendizagem da “Língua Parceira” s-o, per definiç-o, hetero‐ géneos. Eles abrangem vários tipos de alunos, seguindo a definiç-o dada pelo 74 Henrick Stahr Instituto Camões, referindo-se a “perfis linguísticos [que] s-o fruto de diásporas e contextos diversos, o que leva a língua portuguesa a assumir diferentes estatutos: língua de herança (PLH), língua segunda (PLS), língua estrangeira (PLE) e língua materna (PLM)” (Camões 2012, 4). O processo de aquisiç-o da língua portuguesa no contexto da SESB acontece num modo complexo. Há o grupo daqueles, para os quais aprender português é um processo de aquisiç-o de uma língua estrangeira (aprender português num meio alem-o) (PLE). Mas, no contexto específico da SESB, este processo de aprendizagem se transforma numa aquisiç-o de português como segunda língua (PLS) na medida em que o processo de aprendizagem é intensificado pelo facto que o meio de aprendizagem da SESB é especial. Já a partir do primeiro ano a metade do tempo de aula disponível é ministrada em português, e os colegas de turma, a metade dos professores, até o pessoal pedagógico s-o lusófonos - o que significa que português e alem-o s-o duas línguas de mesmo peso dentro e fora da aula, na comunicaç-o no cotidiano escolar. O contato com a língua na escola - e além dela - ultrapassa em pouco tempo os limites estreitos de um ensino escolar convencional de uma língua estrangeira - eis o que significa “imers-o dual”. Além disso, nas aulas de Português como língua parceira participam essas crianças parcialmente bilingues, já mencionadas, que já dispõem de conhecimentos da língua, como resultado de um processo de aquisiç-o n-o-formal num contexto familiar “natural”. Há ainda o grupo de falantes de português como língua de herança (PLH). Normalmente, esse grupo encontra-se na disciplina de “língua materna”, aqui n-o tratada. Como todas as turmas de língua parceira têm uma composiç-o diferente, depende muito da habilidade e experiência da/ o professor/ a, ajustar as aulas às precondições heterogéneas, às velocidades, aos tipos de alunos etc., através de métodos de diferenciaç-o. N-o existe, para estes casos, uma didática fixa. Infelizmente, falta até hoje também uma pesquisa acompanhante que podia ajudar a refletir e aperfeiçoar o conceito parcialmente pragmático de “Língua Parceira”. O novo plano curricular RLP Partnersprache é o resultado e tira as consequên‐ cias da primeira avaliaç-o científica da SESB, pela Universidade de Kiel e pelo Instituto Max-Planck de Berlim (“Max-Planck-Institut für Bildungsforschung”) (Möller et al. 2017, 49-73), realizada entre os anos 2014 e 2016 e publicada em 2017. Um dos resultados mais importantes foi a identificaç-o do bilinguismo já existente entre os alunos. O conceito inicial da SESB previu uma composiç-o equilibrada dos alunos entre monolingues da língua alem- e monolingues da 75 Heterogeneidade linguística e cultural no ensino bilingue na SESB 9 RLP Moderne Fremdsprachen (https: / / bildungsserver.berlin-brandenburg.de/ filead min/ bbb/ unterricht/ rahmenlehrplaene/ Rahmenlehrplanprojekt/ amtliche_Fassung/ Tei l_C_Mod_Fremdsprachen_2015_11_16_web.pdf, 16.2.2020). respetiva língua parceira n-o-alem-. Porém, esta construç-o ideal se mostrou, em certas combinações de línguas, inadequada à realidade. O RLP Partnersprache distingue, entre as seguintes competências linguísticas mais estreitas (referentes a “competência funcional-comunicativa”): • a compreens-o oral / oral-visual • a compreens-o de leitura • a competência de escrita • a competência de fala • a competência de mediaç-o (Sprachmittlung) • a dominaç-o sobre meios linguísticos (gramática, ortografia) e sobre estratégias comunicativas. (RLP Partnersprache 2019, 15-28) Para dar um exemplo: No caso da “compreens-o de leitura“, há uma diferen‐ ciaç-o entre os níveis D, E ,F, como definidas no currículo (RLP Partnersprache 2019, 16-20): • Leitura em voz alta (contos, poemas). • Compreens-o de leitura, emprego de estratégias, métodos de fixaç-o de resultados (palavras-chave, títulos, glossários, uso de dicionários, transformaç-o de textos em gráficos, desenhos, saber formular perguntas, técnicas de leitura seletiva ou orientadora, análises de frases complexas, análises de estruturas de textos, tomar notas, saber identificar as intenções da/ do autor/ a). • Análises e interpretações de textos literários (romances, textos épicos, líricos, dramáticos, descriç-o de personagens, relações entre as persona‐ gens, assumir a perspetiva de uma personagem, analisar constelações, perspetivas do/ da autor/ a, empregar técnicas de análises de textos, saber usar citações, identificar e entender metáforas, formular hipóteses pró‐ prias de interpretaç-o, empregar a terminologia específica corretamente). • Análises de textos n-o-literários e n-o-lineares. • Análises de textos em outras formas mediais (filmes, audiobooks etc.). Já nesta pequena lista pode-se ver que as competências exigidas a serem desenvolvidas na língua parceira n-o s-o idênticas ao plano curricular da língua estrangeira (RLP Moderne Fremdsprachen  9 ) onde a leitura e compreens-o de textos literários n-o faz parte das competências exigidas. 76 Henrick Stahr No RLP Partnersprache (RLP Partnersprache 2019, 39) é exigida também a leitura de textos variados, desde contos de fada, mitos, anedotas, fábulas etc., até romances juvenis modernos, mas também contos clássicos, peças de teatro, poemas etc., adequados para alunos do 7. o e 8. o ano. Até s-o alistados, para os níveis D, E, F, os Wissensbestände, isto é, os temas e conteúdos que os alunos do respetivo grau devem saber (RLP Partnersprache 2019, 42-44), em forma de uma lista de palavras-chave. Deve ser facilmente compreensível que este plano curricular exigente en‐ contra certas dificuldades na aplicaç-o concreta em grupos reais dos alunos de língua parceira, cuja composiç-o heterogênea acabamos de descrever em seus traços principais. 77 Heterogeneidade linguística e cultural no ensino bilingue na SESB 2º Semestre Unidades Temáticas / Conteúdos Competências Estratégias Avaliaç-o Leitura Gramática Os preconceitos morais e sociais: (Específico para o 7º ano )  Narrativa de autor lusófono. (Específico para o 8º ano )  Texto expositivo  Textos Biográficos (Biografias de autores antologiados)  Narrativa  advérbio  determinante: artigo (definido e indefinido), demonstrativo, possessivo, indefinido, relativo  pronome pessoal: demonstrativo, possessivo, indefinido, relativo  quantificador numeral  preposiç-o  interjeiç-o  funções sintáticas: Sujeito (simples e composto), predicado, vocativo, complemento direto e indireto  tipos de sujeito: subentendido indeterminado  unidades sintáticas unidades morfológicas Língua, variaç-o e mudança: - Variedades linguísticas. Reconhecer propriedades das palavras e formas de organizaç-o do léxico: Oralidade: GR Interpretar discursos orais com diferentes graus de formalidade e complexidade: - Identificar o tema. - Identificar os tópicos. - Registar e reter a informaç-o. - Identificar ideias-chave. - Tomar notas. - Reproduzir o material ouvido. Participar oportuna em situações de interaç-o oral: - Estabelecer relações com outros conhecimentos. Produzir textos orais corretos, usando vocabulário e estruturas gramaticais diversificados e recorrendo a mecanismos de coes-o discursiva: - Utilizar informaç-o de diferentes contextos. - Usar a palavra com correç-o, utilizando recursos verbais e n-o verbais com um grau de complexidade elementar. - Diversificar o vocabulário e as estruturas utilizadas no discurso. Reconhecer a variaç-o da língua. - Identificar, em textos orais, a variaç-o nos planos fonológico. ER Interpretar discursos orais com diferentes graus de formalidade e complexidade: - Identificar o tema e explicitar o assunto. - Identificar os tópicos. - Distinguir diferentes intencionalidades comunicativas em diversas sequências textuais (informar, narrar, descrever, explicar e persuadir). - Manifestar ideias e pontos de vista pertinentes relativamente aos discursos ouvidos. Registar, tratar e reter a informaç-o. - Identificar ideias-chave. - Tomar notas, organizando-as. - Reproduzir o material ouvido, recorrendo à síntese. Participar oportuna e construtivamente em situações de interaç-o oral: - Solicitar informaç-o complementar. - Estabelecer relações com outros conhecimentos. - Debater e justificar ideias e opiniões. Produzir textos orais corretos, usando vocabulário e estruturas gramaticais diversificados e recorrendo a mecanismos de coes-o discursiva: - Utilizar informaç-o pertinente, mobilizando conhecimentos pessoais ou  Express-o verbal em interaç-o  Comunicaç-o oral regulada por técnicas  Compreens-o de enunciados orais  Oficina de escrita  Escrita expressiva e lúdica  Escrita para apropriaç-o de técnicas e de modelos de aperfeiçoamento de texto  Prestações de oralidade  Comportamentos e cumprimento de regras na aula  Projeto de leitura. Ilustraç-o: Trecho do plano curricular interno (Schulinternes Curriculum) para Português como língua parceira, descriç-o de competências e diferenciaç-o de níveis de exigência. 78 Henrick Stahr 10 Escola Europeia do Senado de Berlim, Schulinternes Curriculum - Kurt-Schwit‐ ters-Schule, PLANIFICAÇÃO ANUAL DE LÍNGUA PORTUGUESA, Ano letivo 2019/ 2020, Fachbereich Portugiesisch 7º/ 8º (https: / / www.kurt-schwitters.schule/ wp-c ontent/ uploads/ 2019/ 12/ Schic-Port-7u-8.pdf, 8.9.2020). O que complica ainda mais a situaç-o s-o dois fatores: • O sistema SESB obriga distinguir entre níveis de empenho dos alunos (Leistungsdifferenzierung), entre um nível GR básico e um nível ER supe‐ rior (a ilustraç-o em cima mostra a diferenciaç-o de níveis ao exemplo das competências exigidas no tratamento de textos literários, no 7. o ano), além da diferença entre língua materna e parceira, dentro dos grupos. ER é o nível padr-o de exigência, nas formas de trabalho, no grau de complexidade das tarefas e no sistema de avaliaç-o em notas (Noten). Esta diferenciaç-o em quatro níveis pode sobrecarregar os professores na prática cotidiana. • Há um fluxo constante de alunas/ os imigrantes que vêm de países lusó‐ fonos e entram no sistema SESB somente no 5. o , 6. o ,7. o , 8. o , 9. o e até ainda no 10. o ano de escolaridade, normalmente com os seus conhecimentos escolares de português adquiridos nos países de origem, às vezes mais avançados do que os alunos da SESB, em geral com um ou dois anos de vida mais do que os “nossos”. A heterogeneidade na composiç-o étnica e cultural e a diversidade das varie‐ dades do português encontra a sua resposta, por um lado, na tentativa de tratar os temas didáticos de maneira universal e acessível para todos, possibilitando, por outro lado, o uso de materiais linguísticos específicos e relevantes para cada grupo. Tenta-se oferecer possibilidades de integrar perspetivas múltiplas e leituras de origens diferentes, para que cada grupo / cada aluno possa achar um ponto de identificaç-o. Por exemplo, entre os temas e as leituras tratados no ensino da disciplina “Português como língua parceira” encontram-se “O conto tradicional africano”, e como leituras extensivas no 7. o ano “O Cavaleiro da Dinamarca” de Sophia de Mello Breyner Andresen e “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá” de Jorge Amado; e no 8. o “O Pequeno Príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry e “Aquilo que os olhos veem ou O adamastor” de Manuel António Pina, além de vários outros textos tirados de manuais ou de pesquisas próprias. 10 Nos manuais modernos editados em Portugal para o ensino de Língua Portuguesa, no 7. o e 8. o ano, encontram-se vários exemplos de temas e textos que v-o muito além do horizonte europeu e que s-o aplicáveis às necessidades dos alunos da SESB. Estes manuais têm, porém, seus limites quanto à aplicabilidade nas aulas de língua parceira, já que s-o às vezes difíceis demais para a capacidade 79 Heterogeneidade linguística e cultural no ensino bilingue na SESB de compreens-o ou demasiado próximo ao português europeu para alunos de origens de outros países lusófonos. Os manuais portugueses atuais para o ensino da Língua e Literatura Portuguesa integram intensamente temáticas e textos de toda a lusofonia. No manual “(Para)Textos 8”, por exemplo, encontram-se textos de Machado de Assis, Mia Couto, Luís Fernando Veríssimo, Manuel Rui, Vinicius de Moraes - os autores africanos s-o aliás anunciados como textos “de autor de país de língua oficial portuguesa” (Paiva et al. 2017). Apesar disso, é necessário um trabalho lexical e idiomático intenso, precisa-se de muita contextualizaç-o cultural - especialmente textos na linguagem juvenil de Portugal nem sempre s-o compreensíveis para jovens de origem brasileira, por exemplo. Também na escolha de leituras nas turmas da SESB tenta-se integrar n-o somente autores portugueses, mas também exemplos do Brasil, de Angola, Moçambique etc. 4 Disciplinas n-o-linguísticas ministradas em português A heterogeneidade marca também o ensino nas disciplinas n-o-linguísticas ministradas em português: Biologia, História, Geografia, Política, Ética, Música. Também nestes casos, os planos de ensino internos da escola (SchiC) têm como alicerces os Rahmenlehrpläne (RLP), que precisam ser adaptadas, integrando conteúdos, temas, materiais etc. especialmente de Portugal, mas também do Brasil, e, na medida do acessível e disponível, também dos PALOP. Em geral, os próprios professores desenvolvem e aplicam materiais de ensino, fichas etc. na base de pesquisas próprias - possíveis, aliás, somente graças à internet. Nestes materiais e nos planos didáticos, tem-se que tomar em conta outra vez a heterogeneidade dos alunos. O mais adequado para corresponder à necessidade de diferenciaç-o s-o projetos interdisciplinares que, no caso ideal, até integram as turmas paralelas “alem-s” (Regelklassen). Projetos a respeito de temas como “as favelas”, “a floresta tropical” ou “o colonialismo“ s-o organizados em coo‐ peraç-o com os colegas alem-es, até por parte em alem-o. Projetos exclusivos das/ dos alunas/ os da SESB tiveram como temáticas “a escravid-o na história do império colonial português”, “emigraç-o / imigraç-o”, “comparaç-o de ditaduras na Alemanha, em Portugal e no Brasil” e outros. Estes temas s-o orientados primeiramente em problemas, n-o em meras cronologias, por isso s-o chamados temas “transversais” (Querschnittsthemen) em História, Política, Geografia, até em Ética. A importância para as/ os alunas/ os é evidente. Alguns percebem por primeira vez como, pela história comum, embora nada pacífica, se criou o conexo entre eles, quer dizer a língua comum (a lusofonia) que faz a conex-o entre o passado e o presente e até é a justificaç-o da existência de uma escola especial para falantes de português na capital da Alemanha. 80 Henrick Stahr 11 Josef Leisen é, na Alemanha, o representante mais conhecido da didática do ensino sensibilizado para diferenças nas línguas de origem dos alunos. Atualmente, há uma oferta grande de literatura didática para o uso nas escolas tratando desta temática. 12 EBBR significa “Erweiterte Berufsbildungsreife”, é o diploma no Estado Federal de Berlim após o 10.° ano de escolaridade que dá direito a uma formaç-o profissional, mas n-o a uma continuaç-o nos anos de escolaridade 11 a 13 para terminar com o Abitur (conclus-o do 13.° ano e permiss-o de acesso nas universidades). O MSA (Mittlerer Schulabschluss) existe em dois níveis: O nível mais baixo é acima do eBBR, mas ainda n-o possibilita a entrada no 11.° ano. O nível superior permite a continuaç-o da carreira escolar até o Abitur. O ensino nas disciplinas variadas chamadas Sachfächer é fortemente carateri‐ zado, atualmente, pela integraç-o de elementos e métodos de uma sensibilizaç-o linguística para os problemas de alunos n-o-alem-es, com uma língua L1 dife‐ rente do alem-o (Heloury 2000). O conceito do “sprachsensibler Fachunterricht” (Leisen 2017) 11 , cuja introduç-o e aplicaç-o atualmente s-o promovidas nas escolas por programas de treinamento profissional, abrange a aprendizagem da Fachsprache (linguagem específica das disciplinas) n-o somente pela aquisiç-o da terminologia técnica específica de cada disciplina (em ambas as línguas) em forma de glossários, mas tem como desafio também a reflex-o e a dominaç-o ativa de um estilo específico de cada disciplina e a promoç-o de um padr-o de linguagem, caraterizado por combinações típicas de substantivo e verbo (promulgar uma lei, proferir um discurso, abdicar do trono), pela nominalizaç-o, estruturas de frases complexas, uso do passivo e de particípios e de uma idiomática específica. A avaliaç-o científica da SESB pela Universidade de Kiel e pelo Instituto Max-Planck em 2017 mostrou através de testes comparativos do empenho de alunos no 4. o e no 9. o ano que a SESB é um modelo escolar com êxito. Os resultados dos testes de competência nas línguas n-o-alem-s da SESB foram comparados com os resultados dos testes PISA nos países de referência, no nosso caso, com os de Portugal. Os resultados mostraram que o nível de competência linguística (aqui reduzida à competência de compreens-o de leitura) no 9. o ano está, aqui, um pouco em baixo do nível médio em Portugal, o que era de esperar (para alunos vivendo na Alemanha). Contudo, os alunos atingem um nível de competência nitidamente mais alto do que no ensino de uma língua estrangeira “normal” no sistema escolar (Möller et al. 2017, 307-308). Nas provas para os diplomas no final do 10. o ano (em Berlim: EBBR, MSA 12 ) e no Abitur, os alunos da SESB regularmente chegam a ter resultados (notas) boas ou muito boas na disciplina de Português. O ensino nos cursos de Português nos anos 11, 12 e 13 de escolaridade é ministrado ao nível da língua materna, exigindo dos alunos uma produç-o oral e escrita aos níveis C1 e, no último ano, 81 Heterogeneidade linguística e cultural no ensino bilingue na SESB C2. As provas do EBBR e do MSA no final do 10. o ano, como provas centrais, orientam-se ao nível da prova para o Inglês, ou seja ao nível B1, e a prova escrita para o Abitur segue a mesma regra, portanto se orientando ao nível B2/ C1. Isto é um certo paradoxo e uma falta de consequência dentro da lógica do sistema da SESB, devido às regras jurídicas, porque a disciplina de Português na SESB é categorizada como a primeira língua estrangeira, igual ao Inglês. O MSA e o Abitur s-o provas centrais, iguais para todos, e n-o se quer abdicar do princípio da isonomia e criar provas e diplomas finais diferentes somente para a SESB. Resumindo, podemos dizer que a confrontaç-o com o desafio da heteroge‐ neidade linguística e cultural é elemento integral do conceito e da realidade cotidiana da SESB. Falta ainda, todavia, uma pesquisa sistemática da didática de ensino de língua (estrangeira) dentro do contexto da SESB e uma reflex-o da noç-o de “língua parceira”, tal como um fundamento mais sistemático da didática de ensino da “língua parceira”. Sem dúvida - a SESB funciona muito bem, como mostram os resultados e as experiências das/ dos alunas/ os. Mesmo assim, a prática de ensino no contexto de uma rede complexa de n-o somente uma heterogeneidade, mas de uma pluralidade de heterogeneidades em vários níveis, como era a nossa intenç-o de demonstrar, é um desafio muito grande, aliás n-o somente no caso do português, mas para todas as 10 línguas “parceiras”, incluso o alem-o. Há aqui um campo fértil de mais pesquisas e de reflex-o linguística e didática. Referências Bagno, Marcos. 2015. 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Por isso, existem cada vez mais falantes de Português como Língua de Herança (PLH) neste país. Para assegurar a manutenç-o do português por parte de crianças da segunda ou da terceira geraç-o de migrantes, existem várias ofertas, entre outras as aulas de PLH, organizadas e financiadas pelo Ministério Austríaco do Ensino. O presente estudo empírico concentra-se na situaç-o dos falantes de língua de herança em Viena que frequentam estas aulas. Baseando-nos em questionários preenchidos pelos alunos, investigamos os fatores que levam os alunos a frequentar as aulas e a vontade de saberem falar português, tendo em conta a natureza facultativa dos mesmos. O objetivo do estudo é identificar os motivos dos alunos para estudar o PLH e saber que fatores externos influenciam a decis-o de manter o PLH. Os resultados da análise demonstram que os alunos têm motivos internalizados, como a vontade de n-o perder o contacto com as próprias raízes, assim como motivos de caráter mais prático, por exemplo saber falar português para encontrar trabalho, ou para frequentar as aulas. Uma causa de peso para o desenvolvimento de motivos internalizados parece ser a integraç-o do conceito de Lusofonia nas aulas de PLH. 1 Introduç-o Para uma criança nascida num contexto familiar multilingue numa sociedade com ideologia monolingue, a riqueza e o potencial que derivam de competências avançadas em todas as ‘suas’ línguas nem sempre é aparente. Durante a idade pré-escolar e escolar, e mais marcadamente na adolescência, a integraç-o 1 Outras abreviações no texto: LH = língua de herança 2 Agradecemos às professoras Daniella Ringhofer e Tatiana Surer pela sua disponibilidade e pelo seu interesse no nosso trabalho. 3 cf. Kerschhofer-Puhalo / Mayer (2020) sobre biografias linguísticas multilingues de crianças com pais que imigraram para a Áustria. em contexto extra-familiar ganha cada vez mais importância. Desde alguns anos, o paradigma ideológico-político do ‘bilinguismo infantil como obstáculo’ definitivamente mudou para uma situaç-o social global em que o multilinguismo é entendido como uma mais-valia. Porém, muitas vezes n-o s-o as competências linguísticas adquiridas em contexto familiar, mas certas línguas de prestígio internacional ou local que contam - tanto na percepç-o das crianças e dos seus pais, como no sistema educativo. N-o surpreende que o Inglês jogue um papel principal na promoç-o do multilinguismo infantil em muitos países, inclusive na Áustria. As línguas de imigrantes n-o-anglófonos muitas vezes n-o se valorizam da mesma forma, e isso reflete-se na (des)motivaç-o das crianças de famílias biou multiculturais para aprender a(s) sua(s) língua(s) de herança em contexto mais formal, i.e., na sala de aula (cf. Hägi-Mead 2016; Smit / Schwarz 2019). No presente estudo sobre o Português como Língua de Herança (PLH 1 ), verificamos essa interaç-o entre valorizaç-o da herança linguística e motivaç-o para uma aprendizagem formal da LH. Baseado em dados empíricos levantados entre 2017 e 2019 com alunos e professores das aulas oficiais de PLH em Viena 2 , as seguintes três questões s-o investigadas: 1. Qual é a motivaç-o de alunos de origem lusófona para estudar o Português em aulas de PLH na cidade austríaca de Viena? 2. Quais s-o os fatores (des)motivantes nesta aprendizagem formal do PLH numa sociedade predominantemente germanófona? 3. Que influencia sobre a motivaç-o dos alunos tem o conceito sociocultural de Lusofonia, usado pelas professoras de PLH a) para integrar grupos de alunos de origens diferentes (neste caso: Brasil e Portugal) e b) para ampliar a vis-o dos alunos sobre as realidades linguísticas lusófonas? Enquanto existem diversos estudos sobre PLH em outros contextos, inclusive sobre o Português como LH na Alemanha, estudos sobre o contexto austríaco até agora n-o incluem, em mais detalhe, os falantes-aprendentes de herança lusófonos 3 . Constata-se na literatura uma lacuna, além de palestras de Re‐ zende-Fohringer (2019) em que relata os seus projetos em cooperaç-o com professoras de PLH, e a participaç-o dessas mesmas professoras em encontros 86 Irene Fally, Christina Märzhäuser 4 Simpósios Europeus sobre o Ensino de Português como Língua de Herança (SEPOLH), I.: 24.-25.10. 2013, Londres; II.: 16.-18.10.2015, Munique; 19.-20.10.2017, Genebra; 24-26.10.2019, Florença/ Pisa; https: / / eloeuropeu.org. (19.09.2019) 5 Cummins (2005) propôs o termo heritage speaker/ language, e encontra-se o uso do termo traduzido ao Português, ‘língua / falante de herança’, desde Barbosa / Flores (2011). da rede europeia dos professores de PLH 4 . Fernandes (2016), na sua tese O comportamento linguístico dos emigrantes portugueses na Áustria se foca na primeira geraç-o de migrantes portugueses. A nossa intenç-o é começar a fechar essa lacuna na pesquisa linguística e didática, um trabalho que entendemos tanto como valorizaç-o do empenho das professoras de PLH em Viena, como um estudo de interesse para outros contextos em que a ideologia da sociedade vacila entre a promoç-o da abertura ao multilinguismo e um monolinguismo dogmático (além da valorizaç-o dos dialetos autóctones, que na Áustria s-o valorizados como herança linguística local), em que as línguas de migrantes sofrem uma estigmatizaç-o num discurso político de ‘fechar fronteiras’. Nesta contribuiç-o, abordamos brevemente no parágrafo 2 o conceito de língua de herança, e introduzimos detalhes importantes do contexto estudado, i.e., das aulas de PLH em Viena. Sob ponto 3 segue o enquadramento teórico sobre o papel da motivaç-o na aprendizagem duma LH. Em 4 apresentamos a base de dados empíricos e a metodologia do nosso trabalho de campo, e seguimos em 5 com uma análise quantitativa e qualitativa dos dados, e uma discuss-o. As considerações finais em 6 tornam visíveis os múltiplos fatores que influenciam uma aprendizagem da LH em contexto formal. 2 Português como língua de herança - conceitos de base e aulas de PLH na Áustria 2.1 O conceito de língua der herança O termo língua de herança  5 , por definiç-o, aplica-se ao idioma L1 de um ou ambos os pais adquirido no ambiente familiar pelos filhos de imigrantes da primeira e das gerações subsequentes, i.e., de ‘2a e 3 a geraç-o’ (cf. Cummins 2005; Flores / Melo-Pfeifer 2014). Trata-se de uma língua diferente da língua dominante (oficial) na sociedade local, e de um contexto de língua minoritária alóctone - comparável, em muitos aspetos cruciais para a aquisiç-o de um idioma, com outras situações de menorizaç-o linguística: O input na LH é, em geral, mais limitado em termos de frequência de uso e número de pessoas com quem serve para fins comunicativos e em termos dos domínios comunicativos. 87 Motivos para a aprendizagem do Português como Língua de Herança em Viena Muitas vezes, um processo de aprendizagem mais formal, em sala de aula, e a aquisiç-o de registos escritos, técnicos e formais, é dificultada significativamente para estas línguas. Ao nível individual, a coexistência da LH com a língua dominante no quotidiano das crianças tem um impacto fundamental no processo de aquisiç-o, dado que na maioria dos casos “falantes de herança […] s-o expostos à língua de herança no contexto familiar e à língua maioritária nas interações diárias fora de casa” (Flores 2013: 39). Discutem-se as implicações disto para os processos de aquisiç-o (n-o-guiada formalmente) e aprendizagem (formal) no parágrafo seguinte. 2.2 Aquisiç-o e aprendizagem da língua de herança Grande parte da transmiss-o das línguas de herança realiza-se no âmbito familiar. No entanto, como observam Flores / Melo-Pfeiffer (2014), a aquisiç-o da língua pode também ser dividida entre o espaço familiar e o espaço social fora da família, incluindo contatos sociais com outros falantes da LH, assim como contextos de aprendizagem formalizados, como no presente estudo sobre as aulas de PLH em Viena. Existem muitos estudos que descrevem o ciclo de manutenç-o / perda da LH nas três gerações a partir do momento de imigraç-o (cf. Portes / Rumbaut 2001), e considera-se a segunda e terceira geraç-o como central para a manutenç-o e transmiss-o subsequente da herança linguística dentro da família. Repara-se, muitas vezes, que as atitudes e a motivaç-o para transmitir / adquirir a LH divergem significativamente entre a geraç-o dos pais e dos filhos. Uma transmiss-o bem-sucedida depende de fatores diversos, como as relações entre pais e filhos, laços dos filhos ao(s) país(es) de origem dos pais, mas também da comunidade falante da, além disso depende do suporte institucional e da infraestrutura pedagógica para o processo de aprendizagem, de fatores socioeconómicos e do tempo disponível para apoiar o processo de aprendizagem. Adicionalmente, n-o se podem ignorar a importância do prestígio da língua em quest-o e o seu ‘valor no mercado linguístico’ (no sentido de Bourdieu), dos quais se deduz - nos olhos de crianças e pais - uma ideia sobre a futura utilidade da LH, e portanto a decis-o se ‘vale a pena’ adquirir esse idioma, ou atémesmo investir em percebê-lo, é quase sempre ponto de discuss-o, tanto para as famílias como para as sociedades (cf. Flores / Kupisch / Rinke 2016). Em relaç-o às competências nas línguas das gerações dos pais e dos avós, nas crianças e jovens nascidos com mais de uma língua familiar nota-se uma significante heterogeneidade entre os conhecimentos de línguas faladas oficialmente na sociedade de residência, e línguas faladas somente em casa ou 88 Irene Fally, Christina Märzhäuser 6 Em 2018, os números estatísticos apontam 7166 residentes nacionais de um país lusófono, 3555 de nacionalidade portuguesa e 3298 de nacionalidade brasileira. Os números n-o representam as pessoas naturalizadas na Áustria (Statistik Austria 2019). na comunidade ‘de migrantes’. Como observado antes, a aquisiç-o de uma LH se realiza sobretudo no seio da família, ou seja, com pai ou m-e que têm experiência migratória e uma L1 ‘estrangeira’. Em famílias bi-culturais em que uma das L1 paternais corresponde à língua dominante do país de residência, os filhos, na maioria dos casos, tornam-se dominantes nesta. Para a língua n-o-dominante as competências obtidas podem variar consideravelmente, como observa Montrul (2013, 18): For the non-dominant language, attainment can range from fully native, as in mono‐ lingual native speakers, or near-native, as in many highly fluent second language speakers, to clearly non-native, as in the case of most L2 learners. Resulta ent-o importante distinguir estes grupos (cf. Carreira 2004). Usam-se aqui os termos falantes de herança (heritage language speakers), com níveis de competência similares aos dos falantes L1, e aprendentes de herança (heritage language learners), com níveis de competência parecidos aos aprendentes L2, para os diferentes níveis e percursos linguísticos que se encontram nas salas de aula de LH - com todas as consequências que uma turma heterogénea traz para ambos professores e alunos. 2.3 Comunidade lusófona e Português como LH em contexto austríaco Como mencionado em cima, a comunidade dos falantes tem um papel impor‐ tante para a transmiss-o e a manutenç-o da LH. Sobretudo quanto ao ensino, tudo depende do estatuto e da extens-o da comunidade se se estabelecem redes de ensino e aprendizagem formalizados. Como sublinham Moroni / Gomes (2015, 22), “é […] no contexto de uma diáspora cada vez mais organizada e estruturada que o movimento pelo PLH se consolida.” Nos últimos decénios, o número de imigrantes lusófonos na Áustria aumentou significativamente (Statistik Austria 2019), e há cada vez mais falantes do português na Áustria, tanto da variedade brasileira como da portuguesa. S-o estes dois grupos que figuram no nosso estudo, as variedades dos PALOP sendo menos presentes na Áustria. A maioria (cerca de 60 %) dos lusofalantes 6 está concentrada em Viena. Porém, n-o formam uma comunidade coerente, nem existe ‘uma comunidade’ entre pessoas de origens lusófonas em Viena. Entretanto, crianças com cultura de herança portuguesa e brasileira partilham a sala de aula de PLH. 89 Motivos para a aprendizagem do Português como Língua de Herança em Viena Para assegurar a manutenç-o do português para crianças da segunda o da ter‐ ceira geraç-o pós-migratória, existem várias ofertas educacionais organizadas por instituições privadas, e desde 2010, jovens com raízes lusófonas em Viena, na Baixa Áustria e no Tirol podem também participar gratuitamente nas aulas de PLH organizadas e financiadas pelo Ministério Austríaco do Ensino. No entanto, nem todos os descendentes de países lusófonos aproveitam a oferta de aulas de português extracurriculares: visto que o sistema escolar austríaco promove em primeiro lugar o alem-o e o inglês, o valor do português - tanto profissional como biográfico - é percebido como inferior, e uma parte dos alunos ou renuncia a manutenç-o da LH ou opta para n-o aprofundar as suas competências. 2.4 Ensino-aprendizagem formalizado de LH A organizaç-o deste ensino formalizado de LH varia em funç-o do país de acolhimento e do tamanho da comunidade, mas em geral existem três modelos (cf. Reich 2016, 221): O ensino pode ser organizado e pago pelo governo do país de acolhimento, pode tratar-se de uma cooperaç-o entre o governo do país de acolhimento e o governo do país de origem, ou pode ser organizado pela comunidade de migrantes (indivíduos ou associações culturais ou religiosas). Independentemente do modelo adotado, o que carateriza o ensino formalizado das línguas de herança é a sua natureza extracurricular, regra geral sem currículo nacional definido. Significa também que as aulas n-o s-o integradas no dia-a-dia escolar oficial, mas ocorrem à tarde ou no fim de semana em lugares reservados para tal. Em consequência, o ensino das LH é menos intensivo comparado com o ensino na/ da língua maioritária e das línguas estrangeiras na escola. A inscriç-o é voluntária, e a participaç-o regular nas aulas depende muito do interesse dos alunos (ou dos seus pais). Na Áustria, repetem-se constelações já observadas em outros países relativo ao lugar de Português como LH (cf. Flores / Kupisch / Rinke 2016; Reich 2016). Na Áustria, por lei todos os alunos que frequentam uma escola pública têm a possibilidade de assistir a ‘aulas de língua materna’ (muttersprachlicher Unterricht), financiadas e organizadas pelo Ministério da Educaç-o. Estas aulas extracurriculares s-o abertas unicamente aos alunos com L1 outra que o alem-o (BMBF 2014). Realizam-se nas tardes durante a semana e aos sábados. Precon‐ diç-o para a participaç-o n-o s-o uma nacionalidade especifica ou pertença a um grupo étnico, mas que a língua dos pais seja a língua falada em casa. Atualmente, oferecem-se aulas em 26 línguas diferentes. Esta oferta varia em funç-o da demanda por parte dos pais, e dos números de inscrições. Certas aulas de LH limitam-se ao ensino básico, enquanto outras levam os alunos 90 Irene Fally, Christina Märzhäuser 7 Mais informações sobre a sociedade e as suas atividades podem ser consultadas aqui: www.portugalaustria.at/ pt/ (14.07.2020). 8 Mais informações sobre a sociedade e as suas atividades podem ser consultadas aqui: https: / / vanenoronha.wixsite.com/ papagaio (14.07.2020). interessados desde a escola primária até ao fim da escola secundária, caso das aulas de PLH em Viena. A oferta varia também regionalmente: as línguas alóctones minoritárias mais comuns, p. ex. o turco, existem em todo o país. Aulas para línguas menos frequentemente faladas em família, como o português, limitam-se a centros urbanos e regiões com comunidade ativa. As aulas de PLH existem desde 2010 para alunos de escolas primárias e secundárias. A partir do ano letivo 2017/ 18 as aulas de PLH foram organizadas em Viena, na Baixa Áustria e no Tirol, com a maioria das inscrições em Viena (94 de 131 alunos em 2017/ 18, 105 de 160 alunos em 2018/ 19) (Garnitschnig 2019; Gouma 2020). S-o organizadas em cursos de duas horas semanais lecionados por quatro professoras de origem brasileira, dois em Viena, uma na Baixa Áustria e uma no Tirol. Embora as professoras sejam de origem brasileira a participaç-o nas aulas é aberta a todos os lusodescendentes, independentemente da nacionalidade e do país de origem. Mesmo se as aulas sejam extracurriculares, a participaç-o regular é mencionada no relatório escolar com nota opcional. Além das aulas organizadas pelo governo, existem também ofertas privadas. Há duas instituições que organizam aulas de português para lusodescendentes na Áustria desde alguns anos: A Sociedade Austro-Portuguesa 7 oferece ateliers de língua e cultura para crianças e aulas para lusodescendentes dos 10 aos 20 anos, com enfoque no português europeu. A Sociedade austro-brasileira de Educaç-o e Cultura - Papagaio 8 oferece aulas para lusodescendentes com um enfoque no Brasil. Esta forma de ensino pode ser considerada complementária ao ensino formalizado nas escolas, e inclui também atividades de tempo livre como arte ou jogos em língua portuguesa. Esta oferta mostra um certo interesse por parte da comunidade, mas a motivaç-o das crianças e jovens joga um papel central no êxito destas ofertas de aprendizagem. 3 Motivaç-o no ensino das línguas de herança - considerações teóricas Em geral o interesse pela aprendizagem da LH, assim como a transmiss-o das LH mencionadas em cima, dependem do contexto social dos aprendentes: Por um lado, depende de fatores socias tais como a valorizaç-o da língua no seio da comunidade, assim como o prestígio atribuído à língua pela sociedade de acolhimento (cf. Flores / Melo-Pfeifer 2014, 22). Por outro lado, existem fatores 91 Motivos para a aprendizagem do Português como Língua de Herança em Viena afetivos que est-o interligados com as atitudes dos aprendentes face à própria língua e que determinam por consequência a vontade de participar no ensino formal (cf. Carreira / Kagan 2011). A vontade de participar nas aulas está intrinsecamente ligada com a noç-o de motivaç-o: Há um consenso na literatura sobre a aprendizagem das línguas que aprendentes motivados têm maiores chances de êxito na aprendizagem. Isto pode ser explicado pelo fato que a motivaç-o determina quanto esforço os alunos fazem na aprendizagem duma língua, até que ponto perseveram no melhoramento das próprias competências e até que ponto est-o dispostos a dirigir o próprio processo de aprendizagem (Csizér 2017, 419). Quais s-o os parâmetros que governam a motivaç-o no processo de aprendizagem, é sujeito de debate desde os anos 70. Existem vários modelos teóricos que tentam explicar os parâmetros intrínsecos e externos que governam a motivaç-o. Em geral, as teorias preveem um conjunto de variáveis incluindo fatores e motivos internos e pessoais do aprendente, assim como fatores e motivos externos (cf. MacIntyre / MacMaster / Baker 2001). O modelo mais influente nos últimos anos é o do Sistema Motivacional Auto Identitário da Língua Estrangeira de Dörnyei (2009) e Dörnyei / Al-Hoorie (2017). Segundo este modelo há três dimensões da motivaç-o: A primeira é a do eu ideal, quer dizer a autoimagem ideal com a qual o aprendente se identifica e cujas caraterísticas e competências o aprendente quer atingir. O segundo é a do eu que deveria ser que é um conjunto de expetativas e pressões sociais externas com as quais o aprendente é confrontado. E a terceira dimens-o é constituída pelas experiências de aprendizagem as quais incluem a situaç-o de aprendizagem atual, assim como experiências passadas em diversos contextos. Este modelo se diferencia de modelos precedentes, nomeadamente do modelo socio-educacional de Gardner / Lambert (1972) e de Gardner (2010), que focaliza motivos integrativos, ou seja, as atitudes dos aprendentes face às comunidades de falantes da língua e a sua vontade de integrar-se nestas comunidades, e motivos instrumentais, quer dizer a utilidade da língua no futuro, juntamente com o contexto de aprendizagem. Enquanto Gardner (2010) prevê a interaç-o com as comunidades de falantes como aspeto central, o modelo de Dörnyei (2009) carateriza-se pela sua centralizaç-o da autoimagem e da marginalizaç-o das comunidades dos falantes. Isto explica-se pelo fato que a teoria de Dörnyei (2009) foi desenvolvida para a aprendizagem de línguas estrangeiras, sobretudo o inglês como língua franca global. No entanto, para poder investigar a motivaç-o no contexto da aprendizagem das línguas de herança, é necessário também considerar o contexto social e sobretudo o contacto com grupos de falantes da LH e da língua maioritária 92 Irene Fally, Christina Märzhäuser (cf. Comanaru / Noels 2009; MacIntyre / Baker, / Sparling 2017). Por isto, no contexto da aprendizagem das línguas de herança, é necessário combinar as duas abordagens da motivaç-o e ter em conta a autoimagem dos aprendentes, assim como os motivos integrativos e instrumentais. Daí as duas primeiras questões centrais do nosso estudo, que investiga os motivos dos alunos para frequentar as aulas de PLH e os fatores (des)motivantes nesta aprendizagem formal. 4 Metodologia Para estudar os motivos dos alunos adotamos uma combinaç-o de vários métodos para o levantamento de dados. O acesso ao campo de investigaç-o realizou-se no âmbito do seminário “Comunidades lusófonas na diáspora & português língua de herança” lecionado na Universidade de Viena em 2017. Em colaboraç-o com as duas professoras de PLH em Viena era possível aceder diretamente às aulas oficiais para uma observaç-o participante em sala de aula em 2017, e depois outra em 2019 nas turmas para alunos da escola secundária. O nosso desenho de investigaç-o combina métodos quantitativos e qualita‐ tivos, e segue as instruções básicas de Schlobinski (1996). Uma base metodológica para a observaç-o participante em sala de aula é descrita em Wragg (1999), e em Rymes (2015), que considera também as dimensões das ações linguísticas na escola. Também gravámos entrevistas semi-estruturadas com três alunos do 2° ciclo em 2017, e quatro entrevistas livres com professoras de PLH (1° e 2° ciclo) entre 2017 e 2019. As entrevistas livres com as professoras e a participaç-o observante na aula produziram muito mais dados do que possivelmente aqui discutidos, e surgiram diversas temáticas para futuros estudos. O levantamento de dados de 41 alunos inscritos (2° ciclo) através de um questionário com questões abertas e questões de escolha múltipla ou com escalas sobre as práticas linguísticas (Português, Alem-o, Inglês) e sobre as motivações e atitudes linguísticas em relaç-o à aprendizagem do PLH serve como base da presente contribuiç-o. Neste caso, escolhemos o questionário como instrumento de levantamento de dados principal pelos seguintes motivos: Do ponto de vista metodológico o questionário é um instrumento habitualmente usado para investigar a moti‐ vaç-o, o que permitiu a adaptaç-o de diferentes questionários já em uso (cf. Dörnyei 2010). Do ponto de vista prático o uso do questionário permitia colher as opiniões de todos os 41 alunos do secundário, o que foi importante para ter uma vis-o geral das motivações e experiências subjetivas dos aprendentes de herança. Além disto, assim foi possível a administraç-o durante o tempo da aula 93 Motivos para a aprendizagem do Português como Língua de Herança em Viena o que assegurou que todos os alunos dedicaram bastante tempo à completaç-o do questionário (Carreira / Kagan 2011). As entrevistas com as professoras e a observaç-o participante em sala de aula ajudaram a completar esta primeira imagem com uma percepç-o mais diferenciada das dinâmicas linguísticas e da participaç-o na sala de aula, e do empenho das professoras em ultrapassar fatores desmotivantes e obstáculos ideológicos-sociais no processo de aprendizagem. Os 41 informantes de idades entre 11-19 anos, entre eles 21 raparigas e 20 rapazes, maioritariamente (61 %) nasceram na Áustria, comparado com 26,8% nascidos num país lusófono, e alguns que nasceram em outros países. Nas turmas investigadas, para a maioria dos alunos (85,6%) pelo menos um dos pais é de origem brasileira, só 14,4% dos alunos tem pelo menos um dos pais de origem portuguesa. Todos os alunos frequentavam escolas secundárias, com treino formal avançado em língua alem- e aulas de Inglês, a primeira língua estrangeira ensinada na Áustria. A análise qualitativa das respostas dos alunos segue o enquadramento teórico da análise do conteúdo seguinte Mayring (2015). Seguindo este método de análise, estabelecemos um sistema de categorizaç-o para as respostas às perguntas abertas que reflete as distinções e motivos identificados pela literatura secundária apresentada em 3, assim como os motivos mencionados pelas professoras. Este sistema de categorias foi revisado várias vezes, criando-se subcategorias, seguindo os princípios delineados por Kuckartz (2019). A análise quantitativa e qualitativa dos dados levantados em 2017 também era a base para a tese de licenciatura de Irene Fally (2017). 5 Fatores (des-)motivantes para a aprendizagem do PLH em contexto formal Um dos objetivos do presente estudo é de identificar os motivos dos alunos para a aprendizagem do PLH no contexto formal das aulas de PLH na Áustria. É importante abordar esta quest-o porque como explicado antes, a manutenç-o da língua é dependente da contínua motivaç-o dos alunos e ainda há poucos estudos investigando os motivos de aprendizagem das línguas de herança num contexto europeu (cf. Hägi-Mead 2016). Para obter uma imagem mais completa possível dos motivos, o enfoque aqui está nos itens do questionário que abordam os motivos de participar nas aulas, as espetativas sobre o uso futuro das línguas e os sentimentos e crenças dos alunos frente ao português. No nosso estudo, quase todos os alunos indicam que usam a língua portuguesa na família, mas só 20 % também comunicam em português fora da família. 94 Irene Fally, Christina Märzhäuser 9 Alguns alunos elencaram vários motivos pela sua aprendizagem. Na análise, respostas que contiveram mais de um motivo foram contadas uma vez em cada categoria, o elemento mínimo de análise sendo o sintagma verbal (cf. Mayring 2015, 90sqq.). 10 Traduç-o própria de “Weil es peinlich ist das ich nicht Portugiesisch ordentlich sprechen kann.” 5.1 Motivos dos alunos para aprender o PLH Em primeiro lugar discutimos os motivos para frequentar as aulas e continuar a aprender (mais) português mencionados no questionário (cf. Figura 1). Como se trata de uma pergunta aberta, as respostas dos alunos foram analisadas usando o método da análise do conteúdo qualitativo e foram estabelecidas cinco categorias. Três mais gerais que englobam todas as respostas dos alunos - a utilidade (imediata), o enriquecimento pessoal e a falta de motivaç-o - e dois mais concretos que resultam importantes na literatura e que s-o os mais citados pelos alunos - os laços familiares e considerações para o futuro 9 . Metade dos alunos afirma estudar português por sua utilidade imediata (“Weil es praktisch ist”). Alguns deles qualificam esta resposta, dando os contextos nos quais usam o português. O contexto mais citado, por isso também incluído na categorizaç-o, é a comunicaç-o com a família. Um quarto dos alunos menciona explicitamente membros da família, sobretudo pais e avós, mas também outros parentes morando num país lusófono, como motivo para aprender português. O fator de ter uma parte da família que só fala português cria uma obrigaç-o de saber falar português, o que pode resultar como motivo externo, assim como motivo integrativo. De um lado causa uma certa press-o social em aprender a língua dos parentes, como ilustra a resposta seguinte: “Porque tenho vergonha que n-o posso falar o português de maneira correta” 10 , mas de outro pode também nascer a vontade de fazer parte da família (“quero falar com minha m-e e as pessoas no Brasil”). Confirma-se ent-o o papel central da família na continuaç-o da aprendizagem da LH já observado por estudos focando contextos informais (Braun 2012; Melo-Pfeifer 2015). 95 Motivos para a aprendizagem do Português como Língua de Herança em Viena Figura 1: Motivos indicados pelos alunos à pergunta porque aprendem português nas aulas de PLH. Um total de 40 alunos respondeu a esta pergunta, mencionando um total de 48 motivos. Além desta utilidade imediata no contexto social atual, uma minoria dos alunos (10 %) também reconhece no português uma mais-valia para o futuro. Assim os alunos chegando ao fim da carreira escolar mencionam planos concretos de prosseguir estudos num país lusófono, outros citam de maneira mais geral a proficiência linguística como fator importante “para o currículo [sic] do meu trabalho futuro”. Mostra que sobretudo os alunos mais velhos reconhecem o português como uma língua útil também fora da família e do seu contexto social atual. Dito isto, das respostas dos alunos resultam igualmente motivos além da pers‐ petiva instrumental: Um quarto dos alunos explica que o português é uma língua importante para eles mesmos (“Pois português é uma língua muito importante para mim”) e que consideram o melhoramento das próprias competências como enriquecimento pessoal. Isto é um sinal de que pelo menos este grupo de alunos tem integrado a proficiência em português como caraterística desejável para si mesmos. Quer dizer que além de pressões e exigências sociais e integrativas, os alunos querem aprender português porque faz parte do eu ideal que querem atingir. Esta forte ligaç-o à língua que serve de motor para a continuaç-o da aprendizagem do português torna-se aparente quando os alunos identificam o português como “língua m-e” (e também “língua pai”) ou como uma das “suas” línguas. 96 Irene Fally, Christina Märzhäuser Finalmente, há também um pequeno grupo de alunos (10 %) que professam n-o querer assistir às aulas, mas frequentam-nas por press-o dos pais (“Minha m-e diz que eu tenho”). Alguns deles consideram já ter as competências linguís‐ ticas necessárias em português (“já sei falar”), outros lamentam o esforço que têm de fazer para participar nas aulas (trânsito para chegar à escola, exercícios e deveres a fazer, etc.). Isto é um exemplo de como pressões externas podem ter um efeito desmotivante para os alunos. Ao mesmo tempo sublinha que nem todos os alunos que participam nas aulas est-o necessariamente motivados para a aprendizagem, um facto também descrito para o ensino-aprendizagem formal noutras línguas (cf. Comanaru / Noels 2009, 139sqq). As respostas dos alunos mostram ent-o quanto s-o complexas as razões para aprender a LH num contexto formalizado: embora os motivos pareçam ser maioritariamente instrumentais, uma análise mais aprofundada revela que a distinç-o dos motivos já n-o é t-o fácil, pois um único fator pode influenciar diversos tipos de motivaç-o (cf. MacIntyre / Baker / Sparling 2017). Como discutimos em cima, a necessidade comunicativa de interagir com a própria família pode ser um motivo instrumental, assim como integrativo, mas ao mesmo tempo as exigências da família podem-se tornar um fator desmotivante. Da mesma forma a apreciaç-o da língua pode influenciar a autoimagem dos alunos, e ent-o funcionar como fator intrínseco. No entanto, o facto de os alunos se identificarem com a língua pode resultar no desejo de estudar num país lusófono, o que em torno seria um novo motivo instrumental. Por isso também nos interessamos por dois outros fatores para entender os motivos dos alunos de maneira mais indireta. Um destes fatores é o uso futuro das línguas: perguntámos aos alunos que línguas pensam falar no futuro. Assim se pode saber mais sobre o eu ideal, a projeç-o dos alunos de si mesmos no futuro. Como para a pergunta sobre os motivos para a aprendizagem, trata-se de uma pergunta aberta, sem especificações quais ou quantas línguas devem indicar. O que resulta da análise do item é que as línguas mais citadas s-o o inglês, mencionado por 79 % dos alunos, e o alem-o, citado por 77 % dos alunos. Isto é pouco surpreendente, considerando que o alem-o é a língua maioritária na Áustria, e que embora n-o tenha um estatuto oficial, o inglês é uma língua de prestígio. É vista e promovida como língua de comunicaç-o internacional e no contexto escolar é a língua mais prominente, com algumas exceções é a primeira língua estrangeira estudada, desde o primário (cf. de Cillia / Krumm 2010; Smit / Schwarz 2019). O que é interessante é que o português é a terceira língua na classificaç-o mencionada por 47 % dos alunos. Significa que um pouco menos de metade do grupo dos alunos pensa que o português vai ter um papel no seu futuro, muitas vezes lado a lado com o inglês ou o alem-o; poucos s-o os 97 Motivos para a aprendizagem do Português como Língua de Herança em Viena alunos que indicam unicamente o português. Este resultado mostra que uma parte substancial dos alunos projeta um futuro incluindo o português, e vê-se também que na maioria dos casos o português faz parte de um conjunto de línguas que pensam usar no futuro. Se comparamos estes resultados com aqueles obtidos pela pergunta sobre os motivos discutidos em cima, resulta que mesmo que todos n-o mencionem explicitamente a ligaç-o ao português como fator motivante, quase metade entre eles tem internalizado o português como uma das “suas” línguas. Este facto de o português figurar neste repertório linguístico futuro é ent-o um sinal de que este grupo de alunos tem integrado o português na sua projeç-o do eu ideal. 5.2 Sentimentos e crenças como fatores influentes Como explicam Masgoret / Gardner (2003), a motivaç-o dos alunos para conti‐ nuar a aprendizagem duma língua depende também das atitudes, quer dizer dos sentimentos e crenças dos alunos frente à língua. Por isso, pedimos também aos alunos para avaliar com uma escala Likert seis afirmações sobre a língua portuguesa, para conhecer a relaç-o dos alunos com a sua LH. As afirmações inspiram-se no questionário de Dörnyei (2010, 139sqq). Na Figura 2 reportámos as afirmações, assim como a percentagem dos alunos que concordam com estas. Para a análise as afirmações s-o condensadas em três grupos: afirmações quanto à situaç-o de aprendizagem e ao uso atual da língua (1 e 5), afirmações quanto ao alcance comunicativo da língua (2, 3 e 4) e afirmaç-o sobre o acesso à cultura lusófona (6). Por primeiro interessámo-nos pelos sentimentos quanto à aprendizagem e ao uso da língua. Das respostas dos alunos resulta que 68 % dos alunos se sentem bem ou natural falando português, o que sugere que quase um terço dos alunos n-o se sentem completamente seguros quando falam português. Este sentimento de insegurança resulta também da pergunta sobre os motivos de aprendizagem discutida em cima: muitos alunos querem aprender mais, porque percebem que n-o podem comunicar em português da mesma maneira que em alem-o, e exprimem uma certa insegurança na comunicaç-o em português - o medo de n-o falar “corretamente”. É em parte esta insegurança que os alunos querem combater frequentando as aulas. Em relaç-o à aprendizagem é notável que só 58 % dos alunos concordam que o português é uma língua fácil de aprender. Esta resposta sugere que para um grande grupo de alunos aprender português é uma tarefa exigente, mas continuam a sua aprendizagem na mesma, o que mostra que investem na aprendizagem da língua de herança. 98 Irene Fally, Christina Märzhäuser Figura 2: Sentimentos e crenças dos alunos frente ao português. Percentagem dos alunos que concordam com as afirmações presentadas. Um total de 42 alunos avaliou estas afirmações. No que toca o alcance comunicativo, é interessante ver que a maioria dos alunos percebe o português como uma língua que “permite falar com muita gente” (73 %), o que n-o se traduz automaticamente para o português ser uma língua de comunicaç-o internacional. Efetivamente parece que reconhecem o alcance comunicativo do português em geral, mas menos como língua de comunicaç-o internacional (59 %). Aqui se podem ent-o distinguir dois aspetos: Os alunos sabem que existe o mundo lusófono, e alguns certamente reconhecem que saber falar português é sinónimo de uma certa mobilidade internacional. Contemporaneamente s-o também conscientes de que num mundo globalizado a proficiência em inglês tem mais prestígio e mais “valor” no senso económico. Assim, menos de metade dos alunos (46 %) considera saber falar português importante para encontrar trabalho. Em parte, esta avaliaç-o é devida ao facto de os alunos terem com única referência o mercado laboral austríaco: as relações comerciais e económicas entre empresas austríacas e lusófonas ainda s-o relativamente escassas, e para a maioria dos empregos o domínio do alem-o, o do inglês como língua franca s-o mais importantes do que a proficiência em outras línguas. O facto de eles continuarem os seus estudos de português embora considerem o valor económico da língua como inferior à outras línguas também é um sinal que este fator económico n-o tem para eles um papel t-o importante. 99 Motivos para a aprendizagem do Português como Língua de Herança em Viena 11 Para uma abordagem detalhada do que o conceito de Lusofonia implica para comuni‐ dades de migrantes, cf. Lourenço (2014). O último fator que considerámos é a riqueza cultural à qual quem sabe falar português pode aceder. Uma grande maioria dos alunos (88 %) concorda com a afirmaç-o que saber falar português permite conhecer culturas interessantes. Isto sublinha que os alunos sabem da extens-o do português no mundo e se interessam n-o só pela cultura do país dos pais, mas demostram uma curiosidade pelos outros países lusófonos. Os resultados revelam ent-o que nem todos os alunos se sentem naturais falando o português, e as aulas de PLH representam uma oportunidade para eles desenvolverem as suas competências. Quanto ao alcance comunicativo, os resultados mostram que os alunos n-o preveem no português necessariamente uma língua importante no mercado laboral, mas isto n-o é por si um fator desmotivante, porque reconhecem que é uma língua espalhada pelo mundo e dá acesso a uma variedade de culturas. 5.3 A Lusofonia como conceito motivador nas aulas de PLH Esta riqueza e diversidade cultural no ‘mundo lusófono’ é explicitada na sala de aula de PLH através da Lusofonia  11 em vários níveis. As professoras apresentam aspetos culturais dos diferentes países lusófonos para integrar e alargar os conhecimentos dos alunos com respeito aos diferentes espaços lusófonos. Promovem o conceito de Lusofonia para estabelecer uma ligaç-o com as culturas de herança, mas também para incluir o máximo de alunos lusodescendentes nas suas aulas. Na percepç-o dos alunos, reflete-se este interesse pelas diferentes culturas dos países lusófonos. Em outro nível, mais instrumental, o conceito de Lusofonia é usado para convencer os alunos da utilidade dos conhecimentos linguísticos formais na LH, explicitando o valor comunicativo em relaç-o ao grande número de falantes e contextos de uso (numa vis-o global), e em relaç-o à utilidade dos conhecimentos mais formais para os percursos educativos e profissionais dos alunos. Como já referimos, os alunos, no questionário, reconhecem o alcance comunicativo do Português em geral, porém, só o 46 % consideram o Português importante para a sua futura vida profissional, e o espaço lusófono n-o é percebido como ‘mercado de trabalho’ relevante. Significa que menos de metade dos alunos estipulam que falar-o o Português em contextos profissionais no futuro. Estes dados sugerem que os alunos tendem a estudar português para motivos integrativos, a instrumentalidade, o uso prático da língua, têm um papel secundário. 100 Irene Fally, Christina Märzhäuser Ainda a outro nível, o conceito de Lusofonia ajuda a integrar as diferentes variedades do Português na sala de aula, que se revelam um fator complicador tanto para a organizaç-o como para a realizaç-o das aulas de PLH: Inicialmente, as professoras (de origem brasileira) observaram uma forte relutância de pais portugueses frente a aulas de PLH em Português Brasileiro (PB) - ou seja, lecionadas por uma professora de origem brasileira. Dadas as boas competências linguísticas da atual professora de PLH, integram-se as duas variedades (Português Europeu e PB) nas aulas em muitas ocasiões, por exemplo através de enunciados contrastivos ou quando a professora se dirige aos alunos explicitamente como falantes de PB ou PE. A noç-o da heterogeneidade linguística na Lusofonia ajuda aos alunos a perceber as diferentes variedades presentes nas suas aulas de PLH. Eles identificam-se (a si próprio e aos outros alunos) como falante do PB ou PE, inclusive observações metalinguísticas de correç-o, mas realiza-se a integraç-o de todos os alunos com as suas variedades através do conceito unificador de ‘mundo lusófono’ ou Lusofonia. 6 Considerações finais Neste contributo tentámos esclarecer a situaç-o atual do ensino e da aprendi‐ zagem do PLH em Viena. Os resultados obtidos mostram que os motivos para uma aprendizagem formal do PLH observados s-o bastante complexos. Resultam claramente de um posicionamento dos alunos frente à comunidade lusófona, além do contexto familiar como contexto primordial do uso da LH. Muitos alunos têm internalizado o Português como uma das suas próprias línguas, e uma grande parte deles projetam um futuro em que o português ainda fica no seu repertório linguístico. Os resultados sugerem ent-o que para os alunos, a instrumentalidade do Português, no sentido de um valor comunicativo e económico imaginado, é menos significativa do que a ligaç-o afetiva e o poder integrativo da língua. Daí, assume-se que o modelo socio-educacional proposto por Gardner / Lambert (1972) e Gardner (2010) pode ser aplicado para estudos de línguas de herança porque projeta o aprendente como individuo no contexto social, e n-o só como ser isolado. Isto é o caso de outros modelos desenhados para estudar a motivaç-o no contexto da aprendizagem de línguas estrangeiras que em primeiro lugar foram concebidos para estudar a aprendizagem do inglês, como o de Dörnyei (2009) (cf. Dörnyei / Al-Hoorie 2017). No caso do PLH em Viena, a preferência dos alunos pelo aspeto integrativo da língua está claramente ligada ao uso do conceito de Lusofonia pelas professoras em Viena, embora este conceito contribua para a promoç-o tanto da ideia 101 Motivos para a aprendizagem do Português como Língua de Herança em Viena 12 Tese de doutoramento de Schörghofer-Queiroz (trabalho em curso) na Universidade de Viena sobre as experiências de pais brasileiros com a educaç-o dos seus filhos na Áustria. da integratividade no mundo lusófono ‘global’ como da instrumentalidade do português. Afinal, constata-se que o caso do PLH na Áustria é um campo de estudo profícuo para estudar a diversidade na Lusofonia em contexto de diáspora. Isso inclui a quest-o da escolha e do contato das variedades do Português em sala de PLH. Uma comparaç-o das diferentes ofertas de aulas de PLH na Áustria, além de Viena, poderia lançar luz sobre os vínculos entre as famílias lusófonas com filhos a quem querem passar o português 12 , a coes-o da(s) comunidade(s) lusófona(s) na diáspora austríaca, e a oferta de aulas de PLH. Como para o presente estudo, em futuros estudos o uso de um desenho de investigaç-o que enquadra tanto dados quantitativos como dados qualitativos levantados por métodos complementares (participaç-o observante, entrevistas e questões abertas no questionário) e que inclui os diferentes atores (professores, alunos, e em futuros estudos preferivelmente também os pais dos alunos) é indispensável para captar a complexidade socio-psicológica da transmiss-o de uma língua de herança. Referências BMBF. 2014. “Gesetzliche Grundlagen schulischer Maßnahmen für SchülerInnen mit anderen Erstsprachen als Deutsch. Gesetze und Verordnungen”. 1. Informa‐ tions-blätter des Referats für Migration und Schule. 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Com efeito, na atualidade, o Ensino Português no Estrangeiro (EPE) continua a ter como miss-o “afirmar e difundir a língua e a cultura portuguesas no mundo, permitindo a sua aprendizagem junto das comunidades luso-descendentes” (Camões 2017, 1), mas assume também como finalidade o desenvolvimento de competências em língua portuguesa, numa perspetiva plural e intercultural, de apoio à construç-o da identidade de crianças e jovens plurilingues e pluriculturais (Grosso et al. 2011). Este texto apresenta o entendimento de educaç-o em Língua de Herança (LH) que tem orientado o trabalho docente na Suíça, de modo a responder aos perfis e expetativas dos alunos na diáspora, bem como aos desafios da sociedade atual, cada vez mais diversificada, complexa e multilingue. Apresenta também, através de dois exemplos concretos, o modo como os professores respondem à complexa tarefa de ensinar Português Língua de Herança (PLH) na Suíça, atendendo à composiç-o heterogénea de grupos, a necessidades individuais, a vários contextos sociais e escolares e, ainda, à motivaç-o que é preciso gerar e alimentar para que os alunos continuem a frequência do EPE até à obtenç-o do nível mais elevado, nível C1. 1 Introduç-o Desde o final da década de 60 do séc. XX que o governo português investe no ensino da língua e cultura portuguesas para os luso-descendentes na diáspora. A Constituiç-o da República Portuguesa 1 refere-se a esta responsabilidade do 2 Lei 46/ 86, 1986-10-14 - DRE, 10/ 12/ 2020 estado português no seu Artigo 74º, número 2. Na realizaç-o da política de ensino incumbe ao estado: i) Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa; j) Assegurar aos filhos dos emigrantes apoio adequado para a efetivaç-o do direito ao ensino. O Ensino Português no Estrangeiro (EPE) é considerado uma modalidade especial de educaç-o escolar que se rege por disposições especiais, previstas na alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei de Bases do Sistema Educativo  2 , aprovada pela LBSE Lei n.º 46/ 86, de 14 de outubro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 115/ 97, de 17 de setembro, e 49/ 2005, de 30 de agosto. A primeira rede escolar portuguesa na Suíça data de 1977 (Cirne 2000) no cant-o de Neuchâtel e, no início da década de 1980, os primeiros professores foram recrutados pelo Ministério da Educaç-o Português. Mais cursos de Por‐ tuguês começaram a aparecer na Suíça francófona, nomeadamente em Friburgo e depois em Lausana. Um pouco depois, em Zurique, surgiram também as primeiras aulas para crianças e jovens portugueses, sendo estes os primeiros passos informais para o início dos cursos de Português na Suíça de express-o alem-. Desde a sua génese que o EPE tece a sua configuraç-o de forma interdepen‐ dente com as caraterísticas da migraç-o portuguesa, seus contextos e evoluç-o. Na atualidade, o EPE continua a ter como miss-o “afirmar e difundir a língua e a cultura portuguesas no mundo, permitindo a sua aprendizagem junto das comunidades luso-descendentes” (Camões 2017, 1). Porém, os objetivos e os conceitos orientadores s-o diferentes, uma vez que os contextos mudaram e o próprio paradigma de migraç-o também sofreu alterações significativas (Grosso et al. 2011). Assim, as mudanças no perfil e nas expetativas do público-alvo do EPE conduziram gradualmente a uma reconfiguraç-o do ensino na diáspora, adap‐ tando-se este à atualidade de falantes de herança com repertórios linguísticos bastante diversos. Aprender a língua do país de origem deixou de ter como objetivo exclusivo a possível posterior reintegraç-o no sistema de ensino do país de origem. Neste contexto, para além do desenvolvimento das competências na língua de herança (LH), o EPE assume também uma responsabilidade na construç-o da identidade, com vista à integraç-o bem sucedida no país de acolhimento. Portanto, o EPE do séc. XXI tem como finalidade o desenvolvimento de competências em língua 108 Maria de Lurdes Gonçalves portuguesa, numa perspetiva plural e intercultural de apoio à construç-o da identidade de crianças e jovens plurilingues e pluriculturais. No âmbito deste trabalho adotamos o conceito de LH enquanto língua minoritária (cf. Polinsky / Kagan 2007) numa dada sociedade. Deste modo, o falante de língua de herança é alguém que nasceu e foi criado numa família, cuja língua utilizada difere da língua do ambiente circundante e da língua de escolarizaç-o (Valdés 2001; Schader 2016). Este texto começa por esclarecer o entendimento da educaç-o em língua de herança (ELH), apresentando se seguida os documentos de referência que têm orientado o trabalho docente na Suíça, de modo a responder aos desafios e exigências da sociedade atual, cada vez mais diversificada, complexa e multi‐ lingue. Faz-se depois uma apresentaç-o sucinta do contexto do EPE na Suíça. Partilhamos ainda dois exemplos de trabalho docente que ilustram o modo como os professores respondem à complexa tarefa de ensinar Português Língua de Herança (PLH) na Suíça, atendendo à composiç-o heterogénea de grupos, a necessidades individuais, a vários contextos sociais e escolares e, ainda, à motivaç-o que é preciso gerar e alimentar para que os alunos continuem a frequência do EPE até à obtenç-o do nível mais elevado, nível C1. Termina com um comentário geral sobre o ensino de língua de herança na Suíça. 2 Ensinar Português Língua de Herança 2.1 Construç-o da identidade Na sociedade atual do séc. XXI, caraterizada pela mobilidade entre espaços físicos e virtuais, linguísticos, sociais e culturais, o ser humano é um indivíduo em trânsito, um indivíduo com várias pertenças, sendo a partir delas que se pode compreender e definir, na sua individualidade, como propõe Taiye Selasi. Esta fotógrafa e escritora adota um modo específico para se falar de identidade de uma “geraç-o transnacional”: “Don’t ask me where I’m from, ask where I’m local. To me, a country - this thing that could be born, die, expand, contract - hardly seemed the basis for understanding a human being” (Selasi 2014). “Nasci na Suíça mas sou de Viseu” (localidade exemplificativa) é uma resposta muito comum dos alunos do EPE à pergunta “De onde és? ”. Esta resposta, que identifica claramente o local de pertença em Portugal, poderá parecer uma contradiç-o ou apontar para um conflito de identidade. Porém, esta é a forma como muitos jovens portugueses na diáspora expressam o modo como se entendem enquanto seres humanos, ou seja, enquanto cidad-os de um mundo onde as fronteiras est-o diluídas e o conceito de nacionalidade é uma construç-o (Gonçalves 2020a; Selasi 2014). 109 Ensinar Português Língua de Herança na Suíça Com efeito, as identidades n-o s-o estáticas, transformam-se de acordo com as mudanças na vida de cada indivíduo, com as experiências e situações vividas e os falantes de LH tendem a desenvolver o sentimento de pertença a vários locais, no mínimo ao local de origem da sua família e ao local onde vivem. E, por isso, a afirmaç-o “nasci na Suíça mas sou de Viseu” n-o é uma contradiç-o, como as palavras de Stuart Hall em The Question of Cultural Identity nos ajudam a compreender: There are people who belong to more than one world, speak more than one language (literally, metaphorically), inhabit more than one identity, have more than one home; who have learned to negotiate and translate between cultures, and who, because they are irrevocably the product of several interlocking histories and cultures, have learned to live with, and indeed to speak from, difference. They speak from the in-between of different cultures, always unsettling the assumptions of one culture from the perspective of the other, and thus finding ways of being both the same and different from the others amongst whom they live… They represent new kinds of identities. (Hall 1996, apud Maher 2017, 95) A língua é algo que se constrói e se vive, consubstanciando, portanto, uma atividade e um modo de ser, porque a língua é parte integral e indispensável do que é ser humano (Phipps e Gonzalez, 2004). A noç-o de língua que assumimos para o trabalho no âmbito do ensino da língua de herança (ELH) assenta num “way of thinking about languages, as an embodied activity, whose value lies in expressing and enriching human beings in all of their dimensions” (Phipps e Gonzalez 2004, xii). Por conseguinte, é a partir do conhecimento das caraterísticas específicas dos falantes de herança, que melhor se pode perspetivar a aç-o didática no ELH, de forma a sustentar a construç-o da sua identidade, uma vez que “(…) identities are about questions of using the resources of history, language and culture in the process of becoming rather than being: not “who we are” or “where we are from” so much as what we might become” (Hall 2015, 4). 2.2 Educar em línguas de herança Os contextos de educaç-o em línguas de herança fornecem um espaço no seio do qual os alunos podem desenvolver e afirmar as suas próprias identi‐ dades multiculturais, aprendendo mais sobre as suas línguas e culturas de herança num ambiente seguro (Seals 2018, 330). Este espaço inscreve-se na conceptualizaç-o de educaç-o em línguas apresentada por Gonçalves (2011), que se organiza em torno de três dimensões enquadradoras da aç-o pedagógica, nomeadamente: i) dimens-o formativa, dedicada à formaç-o do caráter e ao 110 Maria de Lurdes Gonçalves Dimens-o formativa Dimens-o pragmáticoutilitária Dimens-o político-social eu outro línguas mundo línguas línguas línguas línguas mundo mundo mundo mundo Figura 1- Dimensões da educaç-o em línguas (Gonçalves 2011, 127) desenvolvimento de capacidades e atitudes no relacionamento com os outros que ultrapassam o domínio do linguístico; ii) dimens-o pragmático-utilitária, relacionada com o caráter instrumental da aprendizagem de línguas, uma aprendizagem capaz de permitir ganhos de tipo económico, académico ou social; iii) dimens-o político-social, de consciencializaç-o do poder associado às línguas na (re)construç-o das sociedades pelas possibilidades que criam de intervenç-o, regulaç-o, negociaç-o e desenvolvimento. No contexto do ELH, esta dimens-o assume relevância particular, dado que influencia decisivamente a construç-o de atitudes positivas de autoconfiança em relaç-o ao background linguístico dos falantes de herança, nomeadamente em situações de baixo prestígio da LH. Estas dimensões articulam-se, entrecruzam-se e complementam-se entre si (Fig. 1), fundamentando e possibilitando uma educaç-o em línguas de herança que aspira dotar cada falante de herança de atitudes e valores respeitadores da diferença, conscientes da sua capacidade de intervenç-o e comprometidos na construç-o de mundo mais plural, em que cada um tenha espaço na sua diversidade. Na confluência destas três dimensões, situa-se um espaço de relaç-o entre o eu e o outro, numa perspetiva de encontro entre o semelhante e o diferente, o longínquo e o próximo. Este espaço é potenciador do desenvolvimento de com‐ petências que ultrapassam o domínio do linguístico pela funç-o estruturadora que a interaç-o verbal e n-o verbal desempenha na formaç-o do sujeito, ou seja, 111 Ensinar Português Língua de Herança na Suíça um espaço de interaç-o constante entre o eu e o outro assente numa relaç-o dialógica de construç-o de significados do mundo, - em especial do país de origem e do país de acolhimento - e de compreens-o de si e do outro. O círculo que envolve estas três dimensões diz respeito às diferentes línguas e culturas do mundo (nas quais se incluem as línguas e culturas do país de acolhimento), n-o excluindo nenhuma, pela necessidade de se valorizar a identidade e o espaço de cada falante, por si e na relaç-o com os outros, numa perspetiva plural e intercultural procura de intercompreens-o, o que se inscreve nas finalidades gerais da educaç-o em línguas (Gonçalves 2011). Em suma, a educaç-o em línguas de herança valoriza a diversidade e enfa‐ tiza o plurilinguismo como valor e competência, enriquecendo os repertórios linguístico-comunicativos e culturais dos falantes de herança, num processo de construç-o e recriaç-o de significado sobre si na relaç-o com o outro e sobre o mundo e, apoiando a construç-o coesa de uma identidade plural (Gonçalves 2020a). 2.3 Documentos de referência Os documentos de referência para o ELH est-o alinhados com os instrumentos orientadores para o ensino de línguas, nomeadamente o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECR) (CE 2001). Tal é o caso do instrumento orientador da aç-o educativa para o EPE, o Quadro de Referência Para o Ensino Português no Estrangeiro (QuaREPE) (Grosso et al. 2011), que sublinha a riqueza da heterogeneidade para a construç-o da competência plurilingue e pluricultural, O ensino e a aprendizagem das línguas, numa sociedade em transformaç-o, multi‐ lingue e multicultural, gerem a heterogeneidade como riqueza, apontando para a construç-o de uma competência plurilingue e pluricultural. É neste contexto que surge o QuaREPE, documento que apresenta linhas de orientaç-o para elaboraç-o de conteúdos de ensino e aprendizagem numa perspetiva de abertura e flexibilidade suficientemente abrangentes para que a grande diversidade de públicos e de contextos possa ser contemplada. O reconhecimento da variedade linguística e cultural implica compreender a língua no seu continuum, língua materna - língua estrangeira, redesco‐ brindo diversas abordagens e renovados processos de ensino-aprendizagem. (Grosso et al. 2011, 7-8) Este instrumento descreve e orienta o desenvolvimento de competências em língua portuguesa, tendo em conta o largo espetro que o ensino de PLH abarca - desde língua materna a língua estrangeira - nomeadamente: competências gerais, competências relacionadas com outras áreas curriculares, consciência 112 Maria de Lurdes Gonçalves 3 Giudici, Anja / Bühlman, Regina. Les cours de langue et de culture d’origine (LCO). Un choix de bonnes pratiques en Suisse Etudes + rapports 36B. Berne: CDIP 2014; Moret, Joëlle. / Fibbi Rosita. Enfants migrants de 0 à 6 ans: quelle participation pour les parents? Berne, CDIP 2010. (https: / / edudoc.ch/ record/ 112079/ files/ StuB36B.pdf e http: / / www.e dk.ch/ dyn/ 17236.php, 10.12.2020). 4 Rahmenlehrplan - “Quadro de Referência para o Ensino de Língua e Cultura de Herança (LCH)” do cant-o de Zurique traduzido em 20 línguas e recomendado nos cantões de BL, BS, BE, FR, GL, TG, ZG. (www.vsa.zh.ch/ hsk, 10.12.2020). 5 Todos os volumes est-o traduzidos para português e encontram-se disponíveis na internet Fundamentos e quadros de referência; Vol. 1 Desenvolver a escrita na língua primeira; Vol. 2 Desenvolver a leitura na língua primeira; Vol. 3. Desenvolver a oralidade na língua primeira; Vol. 4 Desenvolver a competência intercultural; Vol. 5 Transmiss-o de estratégias e técnicas de aprendizagem. (https: / / myheritagelanguage.c om/ , 10.12.2020). intercultural, competências comunicativas em língua, e uso da língua. Os níveis do QuaREPE - A1, A2, B1, B2 e C1 - descrevem os graus de proficiência oral e escrita de recepç-o e produç-o/ interaç-o e refletem a progress-o em diferentes domínios sociais de comunicaç-o. O trabalho pedagógico e didático dos professores orienta-se por estes níveis, bem como os exames de certificaç-o das aprendizagens. A par destes documentos orientadores, também a Suíça tem elaborado e publicado instrumentos para o ELH, numa clara tentativa de harmonizaç-o de práticas e de estabelecimento de padrões de qualidade. Neste contexto, a Conferência Suíça dos Diretores Cantonais de Instruç-o Pública (CDIP) é responsável por várias publicações de divulgaç-o 3 e de apoio às práticas docentes. Além destas publicações, foram desenvolvidos outros materiais para o ELH, nomeadamente o Quadro de Referência para o Ensino de Língua e Cultura de Herança (Rahmenlehrplan) elaborado pelo departamento de educaç-o do cant-o de Zurique, em articulaç-o com a Escola Superior de Educaç-o de Zurique (PH-ZH). Este documento foi traduzido em vinte línguas e é recomendado em sete cantões 4 . Também a PH-ZH produziu, em articulaç-o com vários professores do ELH, a coleç-o “Materiais para o Ensino de Língua de Herança” (Schader 2016), composto por um livro introdutório com conceitos didáticos relevantes para o ELH e por cinco cadernos com exemplos práticos para o desenvolvimento das variadas competências no âmbito do ELH. 5 A par das competências linguístico-comunicativas e interculturais, o ensino de PLH também envolve o desenvolvimento de competências de mediaç-o, descritas na publicaç-o do Volume Complementar do QECR/ VC (CE 2018). Neste documento, entende-se o aprendente enquanto um ator social que cria pontes e ajuda a construir significado, por vezes dentro da mesma língua, outras vezes de uma língua para outra(s): 113 Ensinar Português Língua de Herança na Suíça (…) the user/ learner acts as a social agent who creates bridges and helps to construct or convey meaning, sometimes within the same language, sometimes from one language to another. The focus is on the role of language in processes like creating the space and conditions for communicating and/ or learning, collaborating to construct new meaning, encouraging others to construct or understand new meaning, and passing on new information in an appropriate form. The context can be social, pedagogic, cultural, linguistic or professional. (QECR/ VC; CE 2018, 103) Em foco está o papel da linguagem em processos de criaç-o de espaços e condições de comunicaç-o e/ ou de aprendizagem, ou seja, modos de colaboraç-o para construç-o de novos significados, encorajando os interlocutores a construir ou entender novos significados, passando nova informaç-o de uma forma apropriada em contextos diversos: social, pedagógico, cultural, linguístico ou profissional. S-o estes os documentos orientadores do ELH na Suíça que o EPE assume como referenciais para as práticas, cujo conteúdo diz respeito às línguas e culturas - a língua portuguesa nas suas variantes, e também as línguas do país de acolhimento - alem-o, francês, italiano e todas as outras eventualmente presentes nos repertórios linguísticos dos nossos alunos e que, por essa raz-o, devem integrar o espaço educativo. Com efeito, o EPE é um espaço educativo caraterizado pelo contato entre várias línguas e várias culturas, sendo um espaço propício ao desenvolvimento das competências de mediaç-o por excelência, que aliás muitos alunos já desenvolvem e aplicam sem terem consciência disso mesmo. Neste espaço, os conteúdos do ELH s-o a língua e a cultura, tendo como objetivo desenvolver a competência plurilingue e intercultural: língua, cultura e sociedade s-o indissociáveis, cabendo à língua o papel de transmissor da cultura e de representaç-o de uma imagem do mundo em que se espelham diferentes realidades. Neste sentido, a história de um país, as normas sociais e os fundamentos históricos da sociedade n-o s-o somente factores necessários para compreender a cultura, mas possibilitam também que o público-aprendente use a língua de forma mais adequada. (…) A abordagem da cultura coloca a problemática complexa da relaç-o entre indivíduos e entre culturas, implicando uma dialética da afirmaç-o de si próprio, da sua identidade, o (re)conhecimento do outro, independentemente de terem ou n-o a mesma língua materna ou a mesma nacionalidade. (QuaREPE, Grosso 2011, 11) No desenvolvimento destas competências e claramente inscrito nos programas de Português Língua de Herança (PLH) do Camões, I.P., “é necessário que os alunos de PLH valorizem e estabeleçam laços afetivos com a sua identidade, como cidad-os portugueses, ou de origem portuguesa, para que a integraç-o 114 Maria de Lurdes Gonçalves harmoniosa do domínio das línguas dos países de acolhimento e da língua de herança seja uma realidade” (Camões 2017, 22). 3 EPE na Suíça 3.1 CEPE A Coordenaç-o do Ensino Português no Estrangeiro (CEPE) na Suíça, estrutura sob a alçada do Camões, I.P., é responsável pela organizaç-o e gest-o do ensino dos cursos de PLH na Suíça e no Liechtenstein. Tem uma coordenadora, em Berna, e um adjunto de coordenaç-o, em Genebra. A CEPE conta ainda com a colaboraç-o de docentes de apoio pedagógico (DAP) para as várias tarefas de gest-o e organizaç-o do trabalho, sendo a componente letiva destes docentes redimensionada de acordo com as horas de trabalho prestadas na CEPE. Os cursos de PLH, de frequência voluntária, s-o frequentados por crianças e jovens com idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos, dos níveis A1 a C1, de acordo com os níveis descritos no QECR (CE 2001) e no QuaREPE (Grosso et al. 2011). A partir de 2013, começou a ser obrigatório o pagamento de uma taxa anual de frequência, que inclui a oferta do manual escolar e a realizaç-o do exame de Certificaç-o no final de cada nível de competência linguística. Os grupos têm um número mínimo de 12 alunos, s-o maioritariamente multinível e incluem diversas faixas etárias. As aulas têm a duraç-o de duas ou três horas semanais e funcionam nas escolas suíças, em regime paralelo, ou seja, após o final do ensino regular suíço. Embora extracurricular, a avaliaç-o final do curso de PLH é incluída na caderneta escolar dos alunos, possuindo um caráter formativo e informativo. 3.2 Alunos Conhecer os nossos alunos é vital para a operacionalizaç-o e otimizaç-o do trabalho docente. Em 2017, o Camões, I.P. desenvolveu um estudo no sentido de traçar um perfil dos alunos do EPE, no qual se destaca a Suíça (incluindo o Liechtenstein) com a maioria dos alunos inscritos no EPE (58 %). A figura 2 apresenta um perfil-modelo, ou seja, um quadro genérico do aluno do EPE no ano letivo 2016/ 2017. Assim, podemos dizer que esse aluno tipo nasceu em Portugal, bem como o seu encarregado de educaç-o, vive na Suíça, tem 11 anos e n-o frequentou o sistema de ensino no seu país de nascimento, ou se frequentou, foi apenas o 1.º ciclo do ensino básico. Verifica-se a frequência de um curso do EPE no ano letivo anterior e a renovaç-o da sua inscriç-o no ano letivo em curso, para a frequência 115 Ensinar Português Língua de Herança na Suíça do nível B1. Em família, a língua de comunicaç-o utilizada é o português e com os amigos o francês (Camões 2017). Figura 2 - Perfil do aluno EPE A grande maioria dos nossos alunos situa-se na faixa etária 7-15 anos, uma vez que o ensino obrigatório na Suíça vai apenas até aos 15 anos, sendo a partir desta idade mais difícil conjugar a frequência do EPE com estágios profissionais e/ ou outros estudos. De cerca de mil alunos e dez professores em 1984, as taxas de frequência aumentaram muito e, em 1997, cerca de 50 % dos alunos portugueses residentes na Suíça frequentavam os cursos de LH. O número de alunos atingiu o pico de 15.365 (cerca de 70 % dos alunos portugueses na Suíça) em 2011. Porém, devido à grande crise económica, o EPE sofreu cortes orçamentais. Desde ent-o, o número de alunos e professores vem diminuindo progressivamente, conforme mostrado na figura 3. 116 Maria de Lurdes Gonçalves 6 https: / / www.bfs.admin.ch/ bfs/ de/ home/ statistiken/ bevoelkerung/ migration-integrati on/ integrationindikatoren/ indikatoren/ meisten-verbreitete-nichtlandessprachen.html, 22.11.2020). Dokumentvorlage • Narr Verlage | C 3.2 12 Figura 3: Alunos EPE Suíça de 1999 a 2000 Esta diminuiç-o poderá ser entendida à luz do fenómeno da terceira geraç-o, que se começa a distanciar da LH, como aliás se constata nas estatísticas suíças sobre a diferença de percentagem de utilizaç-o da língua portuguesa pela segunda e terceira gerações de imigrantes. Concretizando: na Suíça, 4,8% da populaç-o usa o português pelo menos uma vez por semana; na populaç-o de origem migrante de primeira geraç-o, 13% usa regularmente o português e na segunda geraç-o ou superior, a proporç-o reduz para 6%. Na populaç-o sem histórico de migraç-o é de 1%. De sublinhar também que o saldo entre entradas e saídas de imigrantes portugueses na Suíça regista valores negativos desde 2017, sendo -2,9 em 2019 6 . 2.3 Professores Os professores do EPE s-o recrutados em Portugal, exige-se-lhes formaç-o académica e profissional para o exercício de funções docentes e ainda a realizaç-o de uma prova da responsabilidade do Camões, I.P.. É-lhes também exigido o nível B2 de conhecimento da língua, consoante a zona linguística na 6 https: / / www.bfs.admin.ch/ bfs/ de/ home/ statistiken/ bevoelkerung/ migrationintegration/ integrationindikatoren/ indikatoren/ meisten-verbreitete-nichtlandessprachen.html, 22/ 11/ 2020 5000 7000 9000 11000 13000 15000 17000 Alunos - Ensino Português no Estrangeiro - Suíça Figura 3: Alunos EPE Suíça de 1999 a 2000 Esta diminuiç-o poderá ser entendida à luz do fenómeno da terceira geraç-o, que se começa a distanciar da LH, como aliás se constata nas estatísticas suíças sobre a diferença de percentagem de utilizaç-o da língua portuguesa pela segunda e terceira gerações de imigrantes. Concretizando: na Suíça, 4,8% da populaç-o usa o português pelo menos uma vez por semana; na populaç-o de origem migrante de primeira geraç-o, 13 % usa regularmente o português e na segunda geraç-o ou superior, a proporç-o reduz para 6 %. Na populaç-o sem histórico de migraç-o é de 1 %. De sublinhar também que o saldo entre entradas e saídas de imigrantes portugueses na Suíça regista valores negativos desde 2017, sendo -2,9 em 2019 6 . 3.3 Professores Os professores do EPE s-o recrutados em Portugal, exige-se-lhes formaç-o académica e profissional para o exercício de funções docentes e ainda a reali‐ zaç-o de uma prova da responsabilidade do Camões, I.P.. É-lhes também exigido o nível B2 de conhecimento da língua, consoante a zona linguística na qual lecionam (alem-o, francês, italiano). Para além da licenciatura, no universo de docentes do EPE na Suíça entre 2013 e 2020, verifica-se a existência de outros graus académicos nomeadamente: pós-graduaç-o, mestrado e doutoramento (Gonçalves, 2020b). O corpo docente da Suíça carateriza-se pela sua heterogeneidade e dispers-o geográfica. Embora com uma elevada taxa de estabilidade, tem-se vindo a renovar gradualmente. Integra ainda docentes que desde os anos 80 do séc. XX acompanham 117 Ensinar Português Língua de Herança na Suíça 7 https: / / www.instituto-camoes.pt/ activity/ o-que-fazemos/ ensinar-portugues/ professorad o/ programas-epe, 10.12.2020. a evoluç-o do EPE na Suíça, o que constitui uma mais valia, tanto para o conhecimento profissional específico, como para o conhecimento do contexto de trabalho. Os horários s-o, em geral, completos, com 22 a 25 horas letivas semanais. No seu dia a dia, os professores deslocam-se a várias localidades, frequentemente uma em cada dia da semana. Só nos grandes centros urbanos é possível constituir grupos de um nível apenas e horários que incluam uma única localidade. A diminuiç-o do número de alunos reflete-se no número de professores, contando a CEPE na Suíça com 75 docentes em 2020 (Gonçalves 2019; 2020b). 4 Operacionalizaç-o 4.1 Abordagens pedagógicas Em geral, a literatura recomenda que uma pedagogia eficaz para o ELH deve mesclar métodos de ensino de língua materna (LM), língua segunda (L2) e língua estrangeira (LE) (Lynch 2003) ou dar um passo à frente e adotar abordagens plu‐ rilingues que valorizam a multiplicidade de experiências linguísticas presentes numa sala de aula típica do século XXI (Hélot / Frijns / van Gorp / Sierens 2018). Neste contexto, as abordagens pedagógicas recomendadas para o ensino de PLH, e no caso do EPE (Grosso et al. 2011), caraterizam-se por uma grande abertura e flexibilidade, de modo a possibilitar respostas adequadas a uma ampla variedade de contextos, ambientes e públicos. Por conseguinte, s-o abordagens que entendem a diversidade linguística e cultural como uma mais-valia e uma riqueza. Como referido nos programas do EPE, “Devem ser privilegiadas abordagens interculturais que perspetivem o ensino e a aprendizagem como um meio e um processo de conhecimento do outro e, simultaneamente, de si próprio.” 7 As estratégias, metodologias e abordagens didáticas do ELH têm necessaria‐ mente que ser muito específicas. Assim, importa ter presente que os falantes de herança est-o expostos a diferentes padrões de aquisiç-o da língua, que variam consoante os contextos familiares. Aspetos como: o tipo e frequência de contato com a língua (em ambiente exclusivamente familiar ou mais diversificado); o tempo de exposiç-o à língua; a frequência da mudança de língua ou alternância de códigos linguísticos; as oportunidades e situações de uso da língua; o nível de competências lexicais, gramaticais e comunicativas; entre outros, s-o muito importantes para que se possa efetivamente ajudar estes falantes a desenvolver as suas competências, no que se refere à sua língua e cultura de herança. Por conseguinte, conhecendo as caraterísticas dos nossos alunos do EPE, na Suíça 118 Maria de Lurdes Gonçalves 8 1. Intercompreens-o: estratégias de transfer, de negociaç-o, co-construç-o do signifi‐ cado nas interações plurilingues) 2. Diversidade linguística: mobiliza as vivências e repertórios linguísticos dos alunos, para desempenhar tarefas com valor metacognitivo, metalinguístico, metacomunicativo) 3. Didática integrada: construç-o e rentabilizaç-o das sinergias linguísticas curriculares e processuais, todas as aprendizagens linguís‐ ticas participam no desenvolvimento da consciência de aprendente dos sujeitos 4. Abordagem intercultural: diversidade cultural integrando as questões da diversidade linguística (Candelier 2012) em particular, aconselham-se abordagens ecléticas, abordagens plurais, numa perspetiva plurilingue e intercultural, Pluralistic approaches to languages and cultures” refers to didactic approaches that use teaching/ learning activities involving several (i.e. more than one) varieties of languages or cultures. This is to be contrasted with approaches that might be called “singular, in which the didactic approach takes account of only one language or a particular culture, and deals with it in isolation.” (Candelier 2012, 6) De referir que na sequência de um estudo efetuado sobre práticas plurais junto do corpo docente do EPE na Suíça (Gonçalves 2016), das quatro variantes das abordagens plurais 8 , a abordagem intercultural, que trata da diversidade cultural (com referência maioritariamente às culturas portuguesa e suíça) é a mais explorada. O trabalho no âmbito da diversidade linguística desenvolve-se sobretudo em torno da língua de herança e da(s) língua(s) de escolarizaç-o. Os resultados deste estudo apontam para um caminho ainda a percorrer no sentido de aprofundar as práticas no âmbito das abordagens plurais no seio do corpo docente da Suíça. Pensando ainda nas particularidades dos nossos alunos, nomeadamente na heterogeneidade de níveis e desempenhos resultantes dos diferentes perfis linguísticos e socioculturais dos alunos (Camões, I.P. 2017), os docentes têm investido numa gest-o e flexibilizaç-o do ensino que diferencia as práticas (Gonçalves 2020), seguindo “uma metodologia que diversifica e multiplica a gest-o das aprendizagens por conteúdos, processos, produç-o e ambientes de aprendizagem numa lógica de democratizaç-o e promoç-o do acesso ao saber” (Moreira 2020). Tendo ainda em conta o contexto específico da vivência dos nossos alunos, convivendo diariamente entre uma diversidade de línguas e culturas, como já mencionado, as competências de mediaç-o s-o constantemente ativadas. Este trabalho tanto se desenvolve no âmbito das primeiras descrições da mediaç-o do QECR (CE 2001), que colocam a ênfase na mediaç-o linguística “mediaç-o como ponte linguística”, como no âmbito da mediaç-o tratada no Volume Complementar do QECR, “Mediation (…) has assumed even greater importance 119 Ensinar Português Língua de Herança na Suíça with the increasing linguistic and cultural diversity of our societies” (CEFR/ CV; CE 2018, 22), entendendo os alunos enquanto agentes sociais no centro do processo de ensino e aprendizagem: Seeing learners as social agents implies involving them in the learning process possibly with descriptors as a means of communication. It also implies recognising the social nature of language learning and language use, the interaction between the social and the individual in the process of learning. Seeing learners as language users implies extensive use of the target language in the classroom - learning to use the language rather than just learning about the language (as a subject). Seeing learners as plurilingual, pluricultural beings means allowing them to use all their linguistic resources when necessary, encouraging them to see similarities and regularities as well as differences between languages and cultures. Above all, the action-oriented approach implies purposeful, collaborative tasks in the classroom, whose primary focus is not language. If the primary focus of a task is not language, then there must be some other product or outcome (e.g. planning an outing, making a poster, creating a blog, designing a festival, choosing a candidate, etc.). Descriptors can be used to help to design such tasks and also to observe, and if desired, (self-) assess the language use of learners during the task! (CEFR/ CV 2018, 27) Neste contexto e acreditando que o ELH é um espaço privilegiado para trabalhar a mediaç-o de uma forma significativa, onde os alunos podem desenvolver e reforçar as suas competências de mediaç-o, n-o só linguística/ textual, mas também social/ cultural, esta também é uma orientaç-o para o trabalho dos professores do EPE. Os resultados de um projeto desenvolvido com docentes do EPE na Suíça e no Luxemburgo (Bastos / Gonçalves, no prelo) apontam para a tomada de consciência da importância das tarefas de mediaç-o, seja ao nível da planificaç-o de tarefas adequadas, seja em relaç-o ao modo de observar e de orientar os alunos durante as atividades. Também é sublinhada a importância de sensibilizar os alunos para as diferenças entre as culturas, concluindo que a mediaç-o social/ cultural, associada à mediaç-o linguística/ textual, se revela crucial nas aulas de LH, podendo contribuir para um desenvolvimento mais aprofundado da competência plurilingue e intercultural. Selecionamos dois exemplos de operacionalizaç-o das práticas de ELH na Suíça no âmbito da diferenciaç-o pedagógica e mediaç-o, que apresentamos a seguir. 120 Maria de Lurdes Gonçalves 4.2 Exemplos da prática a) Diferenciaç-o pedagógica O exemplo de planificaç-o da unidade didática (Moreira 2020) orientou-se pela diferenciaç-o ao nível dos conteúdos, processos e produções, através de diferentes hipóteses de trabalho (A, B, C), tendo em conta os objetivos de aprendizagem gizados à partida e, naturalmente, o perfil dos alunos. A temática escolhida para trabalhar com alunos de nível A2 e B1 incidiu sobre figuras e personalidades históricas, nomeadamente o Infante D. Henrique, o navegador, ao longo de três aulas de cento e vinte minutos, como apresentado na tabela abaixo (Tabela 1). De salientar que a professora trabalha com este grupo de alunos há quatro anos e, por isso, conhece bem os seus perfis e estilos de aprendizagem, o que facilita a tarefa de diferenciaç-o pedagógica. A distribuiç-o das versões A, B e C, das atividades, segundo os padrões e perfis de aprendizagem, foi efetuada pela professora, o que garante que os objetivos de aprendizagem pudessem ser alcançados por todos os alunos de acordo com as suas zonas de desenvolvimento próximo (Vygotsky 1978). Nas fases finais de implementaç-o do plano didático, os alunos puderam selecionar a vers-o da tarefa de aprendizagem propriamente dita, na sequência dos resultados e avaliaç-o do processo de aprendizagem efetuado. Projeto de diferenciaç-o pedagógica Participantes: 18 alunos, Nível B1 (5 o ano), Nyon, Suíça Tema: Personalidades históricas - Infante D. Henrique, o navegador Duraç-o das aulas: 3/ 4 aulas de 120 minutos Conteúdos: Descobertas Marítimas, Infante D. Henrique; texto narrativo; conjugaç-o verbal (Presente e PPS do Modo Indicativo) Avaliaç-o: formativa Descritores QuaREPE: Leitura / Compreens-o escrita Compreender informaç-o, em textos, ou partes de textos, selecionando-os para cumprimento de uma tarefa específica Explicitar o sentido global do texto Identificar os elementos que constituem argumentos num texto Operacionalizaç-o: 1. Texto selecionado para trabalhar a temática, com três níveis de complexi‐ dade: A: texto longo e de maior complexidade linguística e lexical B: transformaç-o da vers-o numa espécie de mapa (resumo) de correspon‐ dência pergunta/ resposta 121 Ensinar Português Língua de Herança na Suíça C: texto com linguagem mais simplificada e resumida, apresentado sob a forma de mapa de correspondência pergunta/ resposta 2. Questionário de compreens-o do texto: A: questionário de maior grau de exigência e compreens-o do enunciado, de tipologia mista: perguntas abertas e fechadas (V e F) B: questionário com formulaç-o mais simples (vocabulário); maior número de afirmações verdadeiras (perguntas abertas, fechadas e de V/ F) C: questionário do tipo escolha múltipla 3. Tarefas de escrita A: texto livre, seguindo as instruções do enunciado B: texto lacunar/ completamento de frases que procuram responder ao enun‐ ciado C: resposta ao desafio sob a forma de desenho e legenda (recurso a dicionários para a quest-o lexical e ortográfica) 4. Tarefa de funcionamento da língua A: trilho e dados para responderem aos desafios de conjugaç-o nela impressos B: “grelha de conjugaç-o verbal“, com as terminações dos verbos nas 1ª, 2ª e 3ª conjugações C: “grelha de conjugaç-o verbal“, + cartelas com as respostas às questões impressas para uma consequente associaç-o/ verificaç-o e correç-o Tabela 1: Unidade didática: figuras e personalidades históricas - Infante D. Henrique, o navegador (a partir de Moreira 2020) Os resultados do estudo desenvolvido por Moreira (2020) indicam que os alunos revelaram interesse em arriscar e trabalhar versões de trabalho mais complexas, tendo realizado as tarefas com níveis de interesse e autonomia muito satisfatórios, uma vez que os alunos solicitaram a ajuda da professora com menos frequência, o que se refletiu positivamente na fluidez, gest-o de comportamentos e ritmo da aula. Os resultados evidenciam ainda atitudes favoráveis face à utilizaç-o de estratégias de diferenciaç-o pedagógica pela maioria dos alunos, afirmando estes que aprendem mais e melhor com esta metodologia de trabalho, porque os incentiva a experimentar novos desafios. 122 Maria de Lurdes Gonçalves b) Mediaç-o Nas atividades para desenvolver a competência de mediaç-o (Bastos / Gonçalves no prelo; Reimann 2016) foram trabalhados conteúdos de mediaç-o social/ cul‐ tural e de mediaç-o linguística/ textual, maioritariamente através de tarefas que colocam os alunos em situações de negociaç-o, obrigando-os a estabelecer acordos para realizar a tarefa. Com o objetivo de desenvolver a competência plurilingue e intercultural dos alunos de PLH, os professores planificaram, implementaram e avaliaram uma sequência didática dedicada à “Mediaç-o da comunicaç-o”, no âmbito dos seguintes macro-descritores: • Estabelecer um espaço pluricultural; • Agir como intermediário em situações informais com amigos e colegas; • Facilitar a comunicaç-o em situações delicadas e casos de desacordo. A tabela abaixo (Tabela 2) apresenta, de forma sucinta, 4 sequências didáticas implementadas pelos professores na Suíça para desenvolver a competência de mediaç-o, segundo as orientações do QECR/ VC (CE 2018). A experiência já adquirida no trabalho com a diferenciaç-o pedagógica proporcionou aos professores a capacidade de a incluir na planificaç-o das sequências didáticas para desenvolver a mediaç-o, tendo estes planificado atividades que englobam vários níveis de proficiência em simultâneo. Níveis Macro descritores Sequências didáticas A2 B1 • Estabelecer um espaço pluricul‐ tural • Facilitar a comu‐ nicaç-o em situa‐ ções delicadas e em casos de desa‐ cordo Título: Património português: as origens árabes (Chaves e Mértola) Atividade: pesquisa de informaç-o sobre 3 aspetos do património português (arquitetura, objetos, pa‐ lavras) de origem ou influência árabe; apresentaç-o ao grupo; discuss-o sobre esta presença cultural Língua(s): português Forma social: trabalho de grupo Avaliaç-o: lista de palavras de origem árabe; iden‐ tificaç-o de marcas da presença árabe na arquite‐ tura portuguesa; predisposiç-o para expandir os seus conhecimentos com outras informações sobre a presença da cultura árabe em Portugal e na Suíça e a sua influência no quotidiano 123 Ensinar Português Língua de Herança na Suíça B2 C1 • Estabelecer um espaço pluricul‐ tural • Agir enquanto in‐ termediário em si‐ tuações informais com os amigos e colegas • Facilitar a comu‐ nicaç-o em situa‐ ções delicadas e em casos de desa‐ cordo Título: Errando entre carnavais Atividade: Pesquisa sobre as caraterísticas do Car‐ naval na Suíça, no Brasil e em Portugal; decidir em grupo qual o país onde celebrar o carnaval Língua(s): alem-o e português (variantes europeia e brasileira) Forma social: trabalho de grupo Avaliaç-o: observaç-o direta do professor; autoavaliaç-o com base numa escala (nunca - às vezes - quase sempre - sempre) em relaç-o às competên‐ cias de mediaç-o ativadas / desenvolvidas A2 B1 • Facilitar a comu‐ nicaç-o em situa‐ ções delicadas e em casos de desa‐ cordo Título: Visita de estudo à fábrica de vidro Glasi Atividade: Planificaç-o da visita de estudo, utili‐ zando meios de transporte diversificados (decidir os horários, quais os meios de transporte a utilizar em que parte do trajeto) - informaç-o em alem-o Forma social: trabalho de grupo Língua(s): alem-o e português Avaliaç-o: observaç-o direta focada nas com‐ petências de compreens-o, de argumentaç-o e mediaç-o dos alunos; reflex-o escrita orientada sobre o trabalho desenvolvido e reflex-o oral sobre o que é a mediaç-o A2 B1 B2 C1 • Facilitar a comu‐ nicaç-o em situa‐ ções delicadas e em casos de desa‐ cordo Título: Visita de estudo de Lugano a Melide (A2 et B1) e a Portugal (B2 et C1) Atividade: Planificaç-o de uma visita de estudo utilizando meios de transporte diversificados (de‐ cidir os horários, quais os meios de transporte a utilizar, as atividades a realizar - informaç-o em italiano) Língua(s): português e italiano Forma social: trabalho de grupo Avaliaç-o: observaç-o direta focada nas compe‐ tências de compreens-o, de argumentaç-o e medi‐ aç-o dos alunos; reflex-o escrita orientada sobre o trabalho desenvolvido e reflex-o oral sobre o que é a mediaç-o Tabela 2: Resumo de sequências didáticas para trabalhar a competência de mediaç-o A implementaç-o destas sequências didáticas possibilitou a tomada de con‐ sciência da importância do trabalho ao nível da mediaç-o, tendo as seguintes implicações diretas no trabalho docente: planificaç-o de tarefas adequadas ao desenvolvimento orientado da competência de mediaç-o, modo específico de observar e orientar os alunos durante as atividades; trabalho de conteúdos de mediaç-o social/ cultural e de mediaç-o linguística/ textual maioritariamente 124 Maria de Lurdes Gonçalves 9 Afirmaç-o enunciada por Sónia Melo, professora do EPE, Suíça, 2018. através de atividades que colocavam os alunos no seio de situações de nego‐ ciaç-o; atividades de sensibilizaç-o dos alunos para as diferenças entre as culturas. Os resultados evidenciam que trabalhar a mediaç-o social e cultural, bem como a mediaç-o linguística/ textual/ cultural no ELH promove o fortalecimento do desenvolvimento da competência plurilingue e intercultural. A mediaç-o, em qualquer uma das suas dimensões pode desempenhar um papel central no ensino e aprendizagem da LH, uma vez que envolve um conjunto de atitudes, estratégias e competências voltadas para promover a compreens-o social, cultural e individual da composiç-o diversificada dos nossos contextos de aprendizagem e também de trabalho. 5 Palavras finais Neste texto sublinhámos que o ELH do séc. XXI se constitui como um espaço de mediaç-o entre línguas e culturas, no qual os professores gerem o equilíbrio entre “cuidar” e “ensinar”. Por um lado, cuidam os afetos dos alunos, no que os liga de uma forma particular à LH, que se inscreve na matriz identitária de cada um. Por outro lado, ensinam conteúdos linguísticos e culturais, com vista ao desenvolvimento de competência plurilingue e intercultural. Mais, o ELH atua como um suporte à construç-o da identidade dos falantes de herança, visto que a língua é um ingrediente essencial da identidade, como refere Eduardo Lourenço: “a identidade é-nos dada pela língua. O resto é identidade humana, normal, genérica. A identidade no sentido em que a tomamos, como qualquer coisa de particular, uma voz que é só nossa, que escutamos, é dada pela língua”. Este apoio pode ainda contribuir decisivamente para a construç-o de uma identidade plural, transnacional, no seguimento do pensamento de Eduardo Lourenço “há pessoas muito dotadas que podem ter várias pátrias porque têm várias línguas” (2003). No que se refere ao corpo docente da Suíça, consideramos que é experiente e disposto a desenvolver-se e a envolver-se em diferentes projetos e atividades de desenvolvimento profissional. Neste seguimento, tem vindo a desenvolver uma compreens-o mais aprofundada do trabalho no âmbito da LH em que é necessário “constantemente ajustar práticas numa tentativa de afinar uma ideia conjunta do que é afinal ensinar ou educar neste contexto EPE” 9 . As práticas pedagógicas sugeridas e o apoio dado aos professores pela CEPE pretendem 125 Ensinar Português Língua de Herança na Suíça estimular uma reflex-o sustentadora de uma atitude que impulsione a aç-o docente no encalço de uma didática do PLH mais inclusiva e transformadora. Finalmente, o EPE na Suíça garante n-o só importância e visibilidade da LH, mas também a valoriza e legitima, dando-lhe um lugar no processo de formaç-o educacional e de construç-o da identidade de crianças e jovens com background migratório. O trabalho desenvolvido neste âmbito promove a consciencializaç-o de que o plurilinguismo é um recurso (inter)cultural pessoal, social e do mercado de trabalho que deve ser cuidado e mantido. A concluir, salientamos que o trabalho diário de um professor de PLH no âmbito do EPE é apenas uma gota de água, que em interaç-o com outras gotas de input, nas mais variadas situações do quotidiano e vivência da língua e cultura portuguesas abre a possibilidade de viver e sentir o significado das palavras de Vergílio Ferreira (1999, 83) da minha língua vê-se o mar. Referências Bastos, Mónica / Gonçalves, Maria Lurdes. no prelo. “Les discours des enseignants à propos d’activités relevant de la médiation dans le Volume Complémentaire du CECR - une étude empirique”, in: Brian North / Enrica Piccardo / Tim Goodier / Daniela Fasoglio / Rosanna Margonis / Bernd Rüschoff (ed.). Enriching 21st century language education: The CEFR Companion Volume, examples from practice. Strasbourg: Council of Europe Publishing. Camões, Instituto da Cooperaç-o e da Língua. 2017. Perfil dos alunos da rede de EPE do Camões, I. P., nos ensinos básico e secundário: os primeiros traços. 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A presente investigaç-o consiste em um estudo de caso baseado numa abordagem etnográfica. Os dados foram recolhidos a partir de questionários e entrevistas semiestruturadas junto aos pais das cri‐ anças que frequentam a iniciativa MH, bem como junto à(s) coordenadora(s) do(s) projeto(s), e foram interpretados por meio da análise de conteúdo. Os resultados permitem concluir que a MH é uma CP e apontam para sua eficácia na transmiss-o do PLH. Constatou-se a valorizaç-o de práticas informais para a aquisiç-o e manutenç-o da LH que visem à formaç-o do indivíduo bi/ multilingue. 1 Introduç-o A temática abordada no presente estudo situa-se na área do ensino de Português como Língua de Herança (PLH), especificamente em um contexto n-o-formal/ informal para a transmiss-o intergeracional. Independente do status peculiar da LH, de um modo geral, como afirma Fishman (1972, 189), quando as sociedades se tornam complexas, a língua se torna, ent-o, “algo separado, reconhecido, valorizado, amado, protegido, cultivado e ideologizado” - como se a língua pudesse manter separado o “nós” do “eles”, independentemente de usá-la ou n-o. Pode-se afirmar que em torno das escolhas linguísticas das pessoas existem questões mais profundas relacionadas à busca e afirmaç-o identitárias. A língua passa a ser valorizada tanto como instrumento de construç-o como de manutenç-o da identidade, tal qual argumentam Creese / Blackledge (2015, 25): if languages and identities are socially constructed, we nevertheless need to account for the fact that at least some language users, at least some of the time, hold passionate beliefs about the importance of a particular language to their sense of identity. Essa crença sobre a importância que se atribui à língua materna (e, por conseguinte, à LH) pode, em certa medida, ser explicada pelo viés da dimens-o afetiva, que justifica os esforços de famílias com background migratório na manutenç-o da LH. No campo do multilinguismo, Pavlenko (2012) destaca a relevância da língua como um meio para manifestar emoções: these affective repertoires are not, however, switched `on´ and `off´, rather as seen in instances of codeswitching or multilingual wordplay, multilingual speakers draw on the full range of their repertoires and “do emotions” in more than one language. (Pavlenko 2012, 462) (grifo da autora) A língua pode, portanto, ser vista como o veículo capaz de dar vaz-o às emoções, podendo existir, dentro desta perspetiva multilingue individual, preferências. Ademais, o desejo de transmitir a cultura e manter os laços familiares ou com o país de origem, é a principal raz-o por que os sujeitos, educadores e educandos, “se investem” no aprendizado. No caso dos aprendentes de LH, dado o contexto familiar destas crianças, como pontuado nas definições abaixo - o do deslocamento geográfico - a identidade híbrida que vir-o a ter é (quase sempre) uma consequência inevitável. No tocante ao status sociolinguístico e educacional das LH, considerando-se as especificidades didático-pedagógicas caraterísticas de seu contexto, pode-se constatar que elas ocupam um lugar sui generis: uma língua vista como minoritária, à qual os aprendentes s-o expostos primeiramente no ambiente familiar, e que convive com a língua majoritária do país de acolhimento (Faneca / Araújo e Sá / Melo Pfeifer 2016, 6). (…) se caraterizaria por derivar de deslocamento geográfico e por ser língua minori‐ tária em contato com as línguas majoritárias da sociedade de acolhida. Seu aprendizado 130 Juliane Costa Wätzold é intermitente e costuma se dar no interior da família, de modo informal e, em geral, pouco sistematizado. (Moroni 2017, 9) Em geral, os atributos ligados à LH denotam um aspeto de desfavorecimento, como o próprio adjetivo indica - minoritária, cujo aprendizado é pouco siste‐ matizado. Sua própria natureza, o fato de emergir no contexto de deslocamento, implica questões a serem consideradas para o contexto de ensino que v-o muito além da mera transmiss-o de conhecimento de estruturas linguísticas. O empenho das famílias na transmiss-o da LH pode ser explicado a partir do conceito de investment, proposto por Norton, segundo a qual, The notion of investment (…) presupposes that when language learners speak, they are not only exchanging information with target language speakers, but they are constantly organizing and reorganizing a sense of who they are and how they relate to the social world. Thus an investment in the target language is also an investment in a learner´s own identity, an identity which is constantly changing across time and space. (Norton 2013, 50) If learners `invest´ in the target language, they do so with the understanding that they will acquire a wider range of symbolic and material resources, which will in turn increase the value of their cultural capital. (Norton 2010, 2013) No caso dos aprendentes de PLH como os do presente estudo, nomeadamente um caso de transmiss-o intergeracional em um contexto informal, pode-se afirmar que o investment parte sobretudo dos pais destes aprendentes, haja vista as circunstâncias em que o aprendizado ocorre e o esforço que isso demanda. Há um conjunto de variáveis que confluem para compor este quadro: a situaç-o de deslocamento geográfico e a consequente (e natural) busca da construç-o/ manutenç-o de uma identidade linguística bem como a falta de oferta institucionalizada de ensino capaz de suprir essa necessidade (Reimann 2014, Woerfel 2014, Costa Wätzold / Melo Pfeifer 2020). Além desses fatores, como é pontuado na própria definiç-o, a LH é língua minoritária e convive com a língua da sociedade de acolhimento - em alguma medida, guardadas as devidas proporções, trata-se de uma batalha de forças desiguais. Do ponto de vista educacional, o cenário diante do qual o aprendente se encontra é o de dificuldades e desafios para o desenvolvimento linguístico da sua LH. Com base no conceito de CP proposto por Wenger (2000) e Wenger / McDermott / Snyder (2002) e que abordaremos na primeira secç-o teórica deste trabalho, o presente estudo busca compreender como acontece e pode ser avaliado o ensino/ aprendizado do PLH no contexto específico de transmiss-o in‐ tergeracional n-o-formal e informal. Apoiado nessa abordagem teórica, busca-se responder às seguintes questões: 131 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH 1. Que dinâmicas para a construç-o da identidade cultural e linguística s-o promovidas pela MH? 2. Qual o valor pedagógico dessas práticas e como s-o avaliadas segundo as representações dos pais que frequentam o projeto? 3. Em que medida essas práticas e o modo de funcionamento da MH permitem considerá-la uma CP? Num primeiro momento, abordaremos a noç-o de CP e os seus pressupostos, elementos e caraterísticas. Num segundo momento, será apresentado o contexto do estudo bem como os demais aspetos da metodologia de pesquisa. O estudo termina com a apresentaç-o dos resultados, que pretende responder às questões de investigaç-o anteriormente formuladas, e da conclus-o, nas quais vislum‐ bramos desenvolvimentos futuros para esta investigaç-o. 2 Comunidades de prática: conceito, elementos e dinâmicas A noç-o de Comunidade de Práticas (CP) é, como declarado por Wenger (1998) e Wenger / McDermott / Snyder (2002), um termo novo para uma prática já antiga. CPs s-o grupos de pessoas que compartilham uma preocupaç-o comum ou uma paix-o por alguma coisa que fazem e querem aprender a fazer de forma melhor a partir de suas interações regulares (Wenger, 2006). Seus pressupostos básicos s-o: o empenho (compromisso/ comprometimento) recíproco; objetivo/ empreendimento comum; e repertório comum (Wenger 2006, 87). A comunidade compartilha um interesse e um domínio particular, mas os membros n-o necessariamente precisam estar juntos ou se encontrar com frequência. CPs s-o tipicamente organizadas em torno de um grupo central, com um núcleo de membros ativos e um núcleo mais amplo ou menos ativo de participantes, que poderá apenas dar feedback. Wenger cita os impressionistas como exemplo - eles se encontravam regularmente, mas n-o com frequência. A comunidade tem mais do que apenas interesse em comum: eles assumem uma responsabilidade coletiva e desenvolvem a shared repertoire of resouces: experiences, stories, tools, ways of addressing recur‐ ring problems - in short: a shared practice. This takes time and sustained interaction (Wenger 2006, 2). A CP tem uma estrutura informal, mas um facilitador determinado, e precisa de motivaç-o de seus membros com relaç-o a um mandado claro. Wenger cunhou o termo com Jean Lave (Lave / Wenger 1991) com relaç-o a aprendizados, porquanto eles perceberam que os aprendentes juniores, na verdade, aprendem 132 Juliane Costa Wätzold 1 Vygotsky identifica dois níveis de desenvolvimento: um se refere às conquistas já efetivadas, que ele chama de conhecimento real ou efetivo, e o outro, o nível de desen‐ volvimento potencial, que se relaciona às capacidades em vias de serem construídas. O nível de desenvolvimento potencial também se refere àquilo que a criança é capaz de fazer, só que mediante a ajuda de outra pessoa (adultos ou crianças mais experientes). É a isso que se refere um de seus principais conceitos, o de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) , que se destaca como a distância entre o desenvolvimento real de uma criança e aquilo que ela tem o potencial de aprender - potencial que é demonstrado pela capacidade de desenvolver uma competência com a ajuda de um adulto. Em outras palavras, a ZDP é o caminho entre o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela está perto de fazer. “A ZDP é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da soluç-o independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da orientaç-o de um adulto ou em colaboraç-o com companheiros mais capazes.” (Vygotsky 1989, 97) muito mais com os aprendentes mais experientes do que diretamente com o instrutor. As CPs podem ser cultivadas, n-o podendo, todavia, ser externamente impostas ou instaladas, seguindo processos preordenados e estratégias: é neces‐ sário que haja um certo grau de espontaneidade, propriedade e investimento de identidade para que as CPs obtenham sucesso. As CPs surgem mais dos processos transpessoais de pensar junto do que de uma instalaç-o externa (Piccardo / North 2019, 91). Segundo Wenger (2006), as CPs podem ser vistas como um simples sistema social, tal como um sistema social complexo pode ser considerado um conjunto interrelacionado de CPs (como um número de pequenos grupos em uma classe). CPs evidenciam caraterísticas de (complexos) sistemas, como estrutura emergente, complexas relações, auto-organizaç-o, limites dinâmicos, negociações contínuas de identidade, e significado cultural (Wenger, 2000). Wenger introduziu o conceito de “social definition of learning” e coloca que in a social learning system, competence is historically and socially defined. Knowing, therefore, is a matter of displaying competences defined in social communities. (…) Our experience of life and the social standards of competence of our communities are not necessarily, or even usually, congruent. Socially defined competence is always in interplay with our experience. It is in this interplay that learning takes place. (Wenger 2000, 226). Essa noç-o se aproxima bastante da abordagem sociointeracionista proposta por Vygotsky 1 (1989) por postular que, para que o aprendizado humano ocorra, é essencial participar das CPs. A partir da noç-o de “social learning”, pode-se afirmar que as CPs constituem importantes nichos onde a identificaç-o se faz 133 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH possível, como se pretende demonstrar mais adiante nesse estudo, por ocasi-o da análise dos dados e da apresentaç-o dos resultados. Wenger (2000) define aprendizado como uma interaç-o entre a competência social e a experiência pessoal, e coloca a interaç-o social como pré-requisito para o aprendizado, numa abordagem socioconstrutivista da construç-o do conheci‐ mento. Trata-se de uma relaç-o dinâmica, uma via de m-o dupla, entre as pessoas e os sistemas sociais de aprendizado dos quais elas participam, que combina transformaç-o pessoal com a evoluç-o das estruturas sociais. Esse entendimento de aprendizado seria quase uma releitura do conceito vygotskyano de Zona de Desenvolvimento Proximal. O autor argumenta que a CP, de um ponto de vista analítico, é o sistema social de aprendizado mais simples. De uma perspetiva instrumental, a CP pode ser vista como uma parceria (Wenger, 2006). Wenger (2000, 230-232) enumera elementos que uma CP deveria perseguir a fim de se constituir como tal: eventos, liderança, conectividade, filiaç-o, projetos e artefatos. Os eventos, segundo ele, ir-o ajudar a desenvolver uma identidade. E isso envolve outras questões, como o ritmo desses eventos, tendo em vista as outras responsabilidades de seus membros: n-o t-o frequentemente que as pessoas n-o consigam vir, nem t-o raramente que a comunidade n-o se sinta impulsionada. Esse ritmo poderá mudar ao longo do tempo, ou dos ciclos. Realça da mesma forma a importância crucial de uma liderança. O papel de um “coordenador da comunidade” é destacado, mas, da mesma forma, aponta a importância de se criarem múltiplas lideranças: líderes de pensamento, networkers, pessoas que documentem a prática, pioneiros, e outras mais, sendo que essas funções podem se concentrar em um líder ou ser distribuídas, e tudo isso podendo mudar ao longo do tempo. Quanto à conectividade o autor ressalta que formar uma CP é n-o apenas uma quest-o de organizar eventos para essa comunidade, mas também viabilizar uma rica fábrica de conectividade entre as pessoas, de forma a que estas se sintam investidas na CP. Tal envolve a intermediaç-o de relações entre as pessoas que precisam, por um lado, de ajuda e, por outro, as que podem oferecer ajuda, sendo que também esta distribuiç-o n-o é estável, mas antes dinâmica. A filiaç-o diz respeito ao fato de que a comunidade n-o deve ser t-o difusa que o foco se acabe perdendo, e com isso a identidade de seus membros se disperse. Quanto aos projetos, as CPs aprofundam seu comprometimento mútuo quando se assume responsabilidade por uma agenda de aprendizados, que continua impulsionando sua prática futura, o que está relacionado com o seu au‐ todesenho. Esses projetos podem envolver, por exemplo, algumas ferramentas, ou a criaç-o de um guia para iniciantes. Por último, toda CP desenvolve os próprios artefatos, ferramentas, documentos, estórias, símbolos, websites etc. 134 Juliane Costa Wätzold A comunidade deve considerar quais artefatos s-o necessários e quem tem a energia de produzi-los e mantê-los, de forma a que permaneçam úteis à medida que a comunidade evolui. Para melhor visualizaç-o, na tabela 1, est-o contidos os aspetos que carate‐ rizam a CP. Pressupostos Elementos Caraterísticas Comprometimento recíproco eventos estrutura emergente Objetivo comum liderança relações complexas Domínio particular conectividade auto-organizaç-o Repertório compartilhado de recursos filiaç-o limites dinâmicos Estrutura informal projetos negociações contínuas de identidade Facilitador artefatos significado cultural Tabela 1: As Comunidades de Prática segundo Wenger (2000). Um outro aspeto que é tematizado em sua abordagem sobre as CPs é a quest-o da identidade. Wenger (2010) enfatiza o aspeto social do aprendizado como um recurso para constituir a identidade. Em suas palavras: Learning is not just acquiring skills and information; it is becoming a certain person, a knower in a context where what it means to know is negotiated with respect to the regime of competence of a community (Wenger 2010, 2). Segundo Wenger (2000, 239), os indivíduos se definem tanto por aquilo que s-o, como, da mesma forma, pelo que n-o s-o, pelas comunidades às quais pertencem, e por aquelas às quais n-o pertencem. Nessa linha de raciocínio, essas relações de identificaç-o (e por conseguinte, o sentimento de pertencimento) mudam: nos movimentamos de uma comunidade para a outra. Nossa identidade n-o é algo que possamos “ligar e desligar”. Uma múltipla filiaç-o é um aspeto inerente a nossas identidades. E “navegar” na paisagem social definida pelas comunidades e seus limites requer uma identidade forte. Pode-se falar aqui em experiência vivida de pertencimento (ou n-o). Uma identidade social saudável envolve profundas conexões com outros por meio de estórias e experiências compartilhadas, reciprocidade, afeiç-o, e comprometimento mútuo. A identidade é, nesse sentido, um veículo para a participaç-o no mundo social, mas pode também levar à n-o participaç-o. Para desenvolver uma identidade 135 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH 2 O termo usado por Wenger é “learning view on social systems”. saudável é necessário que exista um lugar onde a pessoa possa experimentar o conhecimento como uma forma de competência social. Wenger (2010) fala em olhar os sistemas sociais a partir de uma perspetiva do aprendizado 2 . O mundo social inclui uma miríade de práticas por meio das quais vivemos e aprendemos. Usa uma metáfora muito interessante quando se refere a aprendizado: uma jornada através de paisagens de práticas. Segundo o autor, é pelo engajamento, mas também pela imaginaç-o e o alinhamento, que nossa identidade reflete as paisagens nas quais vivemos e nossas experiências nelas. Dessa forma, identidade teria as seguintes caraterísticas: 1. Identidade seria uma trajetória: com o tempo, ela reflete nossa jornada dentro das comunidades bem como por meio das comunidades. Identidade incorpora o passado e o futuro na experiência do presente. Com o tempo acumula memórias, competências, eventos formativos-chave, estórias e relações das pessoas com os lugares. Além disso, fornece direções, aspirações, e imagens projetadas da própria pessoa que guiam a formaç-o da trajetória a ser continuada. 2. Identidade como nexo de multifiliaç-o: a identidade também reflete a multiplicidade de locais de identificaç-o que a constituem. A multifiliaç-o é sequencial, na medida em que navegamos pela paisagem e levamos nossa identidade conosco. É também simultânea, já que pertencemos a múltiplas comunidades em qualquer tempo. 3. Identidade é multi-escala: nossas identidades s-o constituídas em múlti‐ plos níveis de escala ao mesmo tempo. Identificaç-o é de alguma forma um processo de livre escala por meio do qual a identidade abraça vários níveis de escala. Por meio da combinaç-o do engajamento, da imaginaç-o e do alinhamento, muitos níveis de escala entrar-o na constituiç-o da identidade. Por meio do aprendizado, a paisagem modela nossa experiência de nós mesmos: práticas, pessoas, lugares, regimes de competência, comunidades, e fronteiras se tornam parte do que somos. As identidades se tornam reflexões personalizadas da paisagem de práticas. A participaç-o em sistemas sociais n-o seria um contexto ou uma abstraç-o, mas a textura constitutiva da experiência do “self”. Ao cunhar o termo CP juntamente com seu colega Lave, Wenger n-o podia prever que esse conceito teria um impacto e uma influência t-o grandes em tantos campos diferentes, especialmente na área de educaç-o, onde as 136 Juliane Costa Wätzold 3 O espectro das LH dentro da Alemanha é grande: árabe, russo, bosnio, dari, farsi, francês, italiano, polonês, português, serbo-croata, turco, vietnamês, entre outras. Dos 16 estados federados alem-es 14 oferecem o ensino das LH, sendo a maioria por meio das aulas oferecidas pelas representações consulares com o apoio estatal. Na Baviera e em BadenWürtenberg há apenas o ensino de LH oferecido pelos consulados. (Ver em: https: / / mediendienst-integration.de/ fileadmin/ Dateien/ Infopapier_MDI_Herkunft ssprachlicher_Unterricht_2020.pdf, 06.11.2020). A cada 4 alem-es um tem background migratório. (Ver os números em: https: / / www.bpb.de/ nachschlagen/ zahlen-und-fakten / soziale-situation-in-deutschland/ 61646/ migrationshintergrund-i, 06.10.2020). CPs passaram, cada vez mais, a ser construídas e usadas por oferecerem, no geral, uma perspetiva mais colaborativa, situada e dinâmica de aprendizado e educaç-o. Esse conceito influenciou uma forma nova de pensar sobre o papel das instituições de ensino, bem como o design das oportunidades de aprendizado. Desta maneira, o que se pretende avaliar nos itens seguintes é a aplicabilidade desse conceito ao objeto de estudo aqui examinado: o dispositivo didático “Mala de Herança”. 3 O estudo empírico: a “Mala de Herança” como dispositivo de transmiss-o intergeracional do Português como Língua de Herança Na presente secç-o, apresentamos o contexto do estudo a fim de introduzir o leitor no cerne da pesquisa - a MH como dispositivo didático. O design metodo‐ lógico, as informações sobre os participantes da pesquisa e os instrumentos para coleta de dados ser-o apresentados, para na sequência se proceder à discuss-o e análise dos dados gerados. 3.1 Contexto do estudo A Alemanha é um país oficialmente monolingue, no qual, de facto, muitas línguas s-o nele faladas 3 . No tocante ao ensino das LH, a matéria recebe tratamento diferenciado nos estados federados, sendo que em alguns n-o há oferta institucional para o aprendizado das LH, como é o caso da Baviera, onde este ensino é feito sobretudo em contextos n-o-formais ou informais de aprendizagem. Antes de adentrarmos o estudo empírico, que se seguirá nos próximos itens, cabe estabelecer ainda uma distinç-o sucinta entre as modalidades do ensino das LH: formal, n-o-formal e informal. Compreende-se como ensino formal aquele que é ofertado institucionalmente e que ocorre em torno de um currículo estabelecido no qual o aprendizado pode ser obtido e certificado. É o ensino 137 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH 4 A Mala de Herança existe, além de Munique, nas seguintes cidades: Stuttgart, Innsbruck, Viena, Dublin, Bishop Stortford, Valência, Dubai, Liubliana, e desde janeiro de 2020, também em Istambul. Na Itália a proposta da MH é utilizada por várias iniciativas que n-o se intitulam, contudo, Mala de Herança. vinculado ao poder público por meio de seus instrutores e currículos (Garcia 2013), como no caso do ensino do PLH oferecido pelo Camões, ICL, IP. Os contextos n-o-formais de ensino s-o os locais de educaç-o e aprendizado legalmente regulados e estruturados, que tenham um caráter de oferta e sejam visitados voluntariamente, oferecendo possibilidades individuais de formaç-o. Também neles s-o iniciados processos de aprendizagem e ensino, todavia, sem certificaç-o dos aprendizados. Já os contextos informais de ensino e aprendi‐ zagem s-o, sobretudo, o contexto de meio e ambiente social dos aprendizes (Rauschenbach et al. 2004). S-o as “estruturas secundárias de oportunidades para a aquisiç-o de competências”, nas quais os indivíduos aprendem de forma voluntária, n-o organizada e sem vínculo institucional (Grunert 2005). Esses conceitos devem ser aqui mencionados para que se possa compreender o surgimento e o funcionamento do projeto MH, o objeto de estudo central nesta investigaç-o, de modo a permitir o seu enquadramento deste dentro tríptico. Como citado anteriormente, a Baviera é um estado alem-o onde a oferta para o ensino das LHs e, nomeadamente do PLH, acontece sobretudo no âmbito n-o-formal e informal. Em particular em Munique, há, em apenas um ginásio, aulas oferecidas, financiadas e controladas pelas autoridades educacionais alem-s, incluídas no currículo escolar na forma de curso optativo de Português como língua estrangeira para os anos mais avançados do ensino médio (Reimann 2014). Além disso, há oferta de aulas financiadas e controladas pelas representa‐ ções diplomáticas dos países ou instituições de política linguística (i.e., o Camões IP), como anteriormente referido, integradas ou n-o no currículo, bem como ofertas privadas, onde s-o oferecidos cursos de PLH e sem vínculo curricular ou institucional. Essas últimas, como já mencionado, caraterizam uma oferta de ensino planificado; n-o caraterizam, todavia, oferta de ensino formal. Foi nesse contexto descrito que surgiu a MH como um projeto socioeducativo para a transmiss-o intergeracional do Português como LH, sendo o precursor dos outros projetos MH espalhados pela Europa e além 4 , que também foram examinados para os fins desta investigaç-o. A MH, como será demonstrado no próximo item, pode ser classificada como um modelo de ensino n-o-formal e informal. 138 Juliane Costa Wätzold 5 Chamamos de moderadoras as pessoas que conduzem os encontros da MH. O trabalho delas é realizado voluntariamente, sendo também as curadoras dos acervos de livros das respetivas MH. Para detalhes mais específicos sobre a MH ver Costa Wätzold (no prelo). 6 Pares s-o sujeitos que estabelecem entre si, em contextos específicos, uma relaç-o hierárquica de tipo horizontal (isto é, em que todos têm os mesmos direitos e respon‐ sabilidades). 3.2 Objeto de análise: A Mala de Herança como dispositivo didático Para compreender a MH como dispositivo didático é necessário, inicialmente, abordarmos a sua origem, uma vez que foi a partir de Munique que outras iniciativas semelhantes se disseminaram. Caraterizado notadamente pelo ensino n-o-formal de PLH, como foi infor‐ mado por sua fundadora, a MH é um projeto socioeducativo, surgido em Munique, em 2008, cujo objetivo, a princípio, era de incentivar, expandir e fortalecer o vocabulário das crianças e conscientizar os pais sobre a importância de falar e estimular o uso da LH, principalmente por meio da leitura diária de livros em português, de forma a envolver a família no processo de transmiss-o daquela língua. No início, a proposta consistia em uma moderadora 5 e uma mala de livros (uma espécie de biblioteca portátil) que poderiam ser emprestados após o momento da leitura e levados para casa, a fim de serem lidos em família. O objetivo era fazer com que a Língua Portuguesa (LP) estivesse cada vez mais viva na vida das crianças e dos pais, que, muitas vezes, por estarem imersos e integrados na sociedade alem-, já n-o falavam o português com frequência, ou quando sim, já o faziam com um vocabulário muito restrito, reduzindo, assim, a qualidade e a quantidade do input em português junto dos seus filhos. O projeto, que começou em uma dimens-o pequena de 20-30 crianças, cresceu e passou a ser uma iniciativa para todas as famílias interessadas, em Munique e arredores. Buscava-se, desde ent-o, realizar eventos abertos de leitura ao público infantil e integrar os pais, apoiando o diálogo sobre o ensino do português a seus filhos. Propunha-se, assim, divulgar o conceito de PLH e iniciativas existentes para fortalecê-lo. Um componente fundamental do projeto sempre foi proporcionar o envol‐ vimento e o comprometimento da família na transmiss-o do PLH, já que promove a interaç-o das crianças com os pais e com a comunidade de pares 6 (Bartlett/ Bajaj 2015), fomentando processos de socializaç-o por meio do uso da língua. Buscou-se, desde o início, oferecer literatura infantil de qualidade, capaz de promover o desenvolvimento linguístico e aprimorar a consciência fonológica das crianças. Nessa perspetiva, o livro é utilizado como um veículo 139 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH 7 Designamos por educador “quem ensina consciente ou inconscientemente alguma coisa a alguém. Enquanto profissional da Educaç-o que pode atuar tanto como pro‐ fessor quanto como pesquisador pedagogista, administrador escolar, supervisor de ensino, orientador educacional, filósofo educacional ou como estudioso de questões educacionais de um modo geral. Embora, em princípio, entenda-se o educador como um pedagogo, nem sempre essa é a realidade, podendo um educador ter formaç-o em outras áreas pedagógicas, como as Letras, a Psicopedagogia, entre outras” (in Educalingo, https: / / educalingo.com/ de/ dic-pt/ educador) acesso em: 06.11.2020. 8 Nos questionários respondidos pelas moderadoras foram informadas as seguintes formações: arquitetura, administraç-o de empresas, direito, enfermagem, marketing, design, contabilidade, além de pedagogia e letras. que possibilita o diálogo, a interaç-o, a troca e o estímulo para dar continuidade ao diálogo com a criança em português para além dos encontros. Os livros podem ainda ser usados como instrumento de apoio a temas específicos. A concepç-o pedagógica de base da MH é de uma transmiss-o feita de forma lúdica e descontraída, integrando os pais em sua organizaç-o. A iniciativa se desenvolveu nos respetivos lugares onde atua de forma orgânica, vale dizer, sempre se adequando ao público frequentador (faixa etária, “know how” dos colaboradores, entre outros aspetos), bem como aos contextos organizacionais e de ensino de LH locais. No geral, é um trabalho n-o remunerado, coordenado e conduzido voluntariamente, financiado por meio de doações dos partici‐ pantes em eventos comemorativos. As moderadoras contam com um apoio mínimo de instituições locais, como bibliotecas, universidades, prefeituras, livrarias ou consulados, e, sobremaneira, com o empenho de alguns pais, que se envolvem na organizaç-o e realizaç-o dos eventos. No tocante à formaç-o destas profissionais, nem todas advêm da área de educaç-o 7 , sendo algumas professoras de línguas ou pedagogas, tendo todas, no entanto, formaç-o superior em variadas áreas 8 . A motivaç-o de grande parte delas para realizar o trabalho com a MH se deu a partir da necessidade de oportunizar aos próprios filhos o acesso ao aprendizado do PLH, como foi informado nas respostas aos questionários. O âmbito de atuaç-o das MHs abarca os encontros para as leituras e o empréstimo de livros, a promoç-o de eventos de música e artes em português, e o trabalho de apoio ao bilinguismo e à educaç-o bilingue. As MH, em Munique como noutros lugares, atuam, desse modo, como uma instância de orientaç-o e informaç-o para as famílias bi/ multilingues. Em Munique, hoje em dia, o projeto conta com o apoio do Instituto de Pesquisa sobre Multilinguismo, da Universidade de Munique (IMF - LMU München), onde os encontros ocorrem uma vez por mês, no segundo sábado, com duraç-o de três horas. 140 Juliane Costa Wätzold 9 Mayring fala em “Strukturierung von Neuland” (Mayring, 2016, 82). 10 Schwandt / Gates pontuam: “A case can be designated as specific and developed during the course of the research - in other words, what the research or case object is a case of may not be known until most of the empirical research is completed.” (2017, 342) [Grifo da autora]. 3.3 Design da pesquisa Esta investigaç-o apresenta um recorte temático do corpus de um estudo de caso com abordagem etnográfica, que é parte de uma pesquisa qualitativa mais ampliada, no âmbito de um doutoramento em curso na Faculdade de Educaç-o da Universidade de Hamburgo. Por este motivo, nessa contribuiç-o propõe-se uma justificativa delimitada do design investigativo. O trabalho de pesquisa foi conduzido a partir de duas metodologias distintas. Uma parte dos dados foi obtida junto às moderadoras de todas as MHs, e consiste na parte exploratória deste estudo (que resultou na descriç-o compreensiva da funcionalidade do projeto, que abordaremos no item 3.2). Esta escolha metodo‐ lógica se justifica pelo fato de que n-o havia até ent-o nenhuma investigaç-o realizada sobre a MH 9 e a sua concepç-o por parte das diferentes moderadoras. Para isso foram consultadas todas as moderadoras das MH nos respetivos lugares onde as iniciativas atuam, sendo que a ades-o à pesquisa foi de 100 %. A outra parte dos dados colhidos se destina ao estudo de caso propriamente dito. Do ponto de vista desta pesquisa, a MH de Munique constitui o caso a ser estudado, já que se trata de uma unidade empírica (o projeto socioeducativo) até ent-o inacessível à investigaç-o científica, o que demanda estudo aprofundado, que viabilize a compreens-o de sua complexidade. Pretende-se demonstrar que a MH de Munique carateriza um caso 10 de CP. Como postula Yin (1994, 20), em geral, os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real. (Yin 1994, 20) Tendo em vista as perguntas que se buscou responder com esta investigaç-o, bem como a natureza do objeto de pesquisa (o contexto n-o-formal/ informal de ensino de PLH), o estudo de caso, pela sua limitaç-o geográfica e temporal e pelo número limitado de participantes, pareceu ser a metodologia mais ade‐ quada. Considerando-se ademais o contexto do objeto investigado, optou-se por uma abordagem etnográfica ao estudo de caso, pois como pontua André (2016, 50-52), 141 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH 11 O questionário enviado às moderadoras e respondido por e-mail continha 12 per‐ guntas acerca de aspetos como a definiç-o do projeto, os objetivos, o público-alvo, a motivaç-o, o funcionamento dos encontros, questões institucionais e ainda, sobre a oferta de ensino formal nos respetivos países. 12 Esta descriç-o retoma os dados apresentados em Costa Wätzold / Melo-Pfeifer (2020). os estudos de caso s-o extremamente úteis para conhecer os problemas e ajudar a entender a dinâmica da prática educativa. (…) O estudo de caso etnográfico deve ser usado: (1) quando se está interessado numa instância em particular, isto é, numa determinada instituiç-o, numa pessoa ou num específico programa ou currículo; (2) quando se deseja conhecer profundamente essa instância particular em sua complexidade e em sua totalidade; (3) quando se estiver mais interessado naquilo que está ocorrendo e no como está ocorrendo do que nos seus resultados; (4) quando se busca descobrir novas hipóteses teóricas, novas relações, novos conceitos sobre um determinado fenômemo; e (5) quando se quer retratar o dinamismo de uma situaç-o numa forma muito próxima do seu acontecer natural. No caso específico desta investigaç-o, busca-se compreender, descrever e re‐ tratar a MH como um dispositivo didático, as motivações para as práticas cultivadas em seu âmbito, e como elas s-o reconstruídas pelas famílias que frequentam o projeto. A abordagem etnográfica parece capaz de fornecer instrumentos para alcançar este objetivo. Para isso, assumiu-se a perspetiva do observador participante (Mayring 2016). 3.4 Instrumentos de coleta de dados e participantes Os dados obtidos junto às 12 moderadoras (que permitiram compor uma “fotografia” da MH) foram colhidos por meio de um questionário realizado por e-mail 11 . Escolheu-se essa forma para contactar as moderadoras devido ao fato de estarem os projetos espalhados pela Europa, e ser logisticamente impossível um contato presencial com cada uma. As informações obtidas nessa fase possibilitaram compreender as dinâmicas de funcionamento e a proposta pedagógica perseguida com as atividades propostas no âmbito dos respetivos projetos. As informações foram colhidas entre janeiro de 2018 e março de 2020. Para o estudo de caso. foram entrevistadas ao todo 16 famílias (20 partici‐ pantes, entre os quais dois casais) que participavam nas sessões da MH 12 . A entrevistadora (e autora) é observadora participante (perspetiva êmica) e visitou o projeto durante cinco anos como m-e de crianças aprendentes de PLH, sendo que nos últimos três anos se dedicou à observaç-o e coleta de dados para a parte exploratória deste estudo. 142 Juliane Costa Wätzold 13 Para o estudo mais alargado (a dissertaç-o na qual resultará este trabalho de pesquisa) foram colhidos dados também junto às crianças, por meio de 3 grupos focais. Como essa perspetiva n-o foi tematizada neste recorte temático aqui apresentado, para a presente contribuiç-o essa parte dos dados n-o será apresentada. Os pais entrevistados foram escolhidos pela voluntariedade de participarem da pesquisa e pela frequência aos encontros, tendo em vista que nem sempre todas as famílias est-o presentes em todos eles. N-o se buscou um critério de ex‐ clus-o, outrossim, levou-se em conta que o participante estivesse familiarizado com o modus operandi do projeto MH e se disponibilizasse a conceder entrevista. A primeira aproximaç-o foi feita por meio de um questionário que conduziu, em uma segunda fase, a uma entrevista semiestruturada (Mayring 2016). O pré-questionário com os pais se explica pela tentativa de a investigadora se familiarizar com o perfil das famílias. Além disso, objetivava-se com essa abordagem obter o contato dos participantes para as posteriores entrevistas fora do ambiente das atividades, de modo que a coleta de dados n-o dependesse apenas dos encontros da MH. Essa abordagem em duas etapas se deveu, também, ao fato de os pais muitas vezes estarem entretidos ou envolvidos com a organizaç-o, e n-o terem tempo para a entrevista antes ou depois dos encontros. Ademais, como os encontros acontecem apenas uma vez por mês, o público frequentador costuma ser muito flutuante, de forma que ter as informações coletadas facilitaria o contato posterior da pesquisadora com as famílias. Vale mencionar aqui que, ao longo das incursões de campo, pode-se constatar desafios e dificuldades que os contextos informais de aprendizado trazem para a coleta de dados. Ao contrário dos contextos formais de ensino, como já mencionado, em um contexto informal de aprendizado n-o há regularidade na frequência dos participantes, o ambiente se carateriza por ser dinâmico e relativamente imprevisível. Entre as famílias que se disponibilizaram a conceder entrevista a faixa etária das crianças variava entre 2 e 12 anos de idade 13 . As entrevistas foram realizadas em Munique, entre maio de 2018 e fevereiro de 2020, e feitas em português ou alem-o, de acordo com a preferência da família. A maior parte das famílias foi entrevistada após os encontros da MH, entretanto, com algumas foi necessário marcar um encontro adicional. Com 3 famílias, a entrevista foi realizada por videoconferência, já que n-o foi possível agendar um encontro presencial. Cada família foi entrevistada apenas uma vez. As entrevistas duraram entre 10 e 30 minutos cada, e foram gravadas para posterior transcriç-o (Mayring 2016). Todos os dados foram anonimizados, como havia sido colocado para as famílias anteriormente no termo de livre consentimento. Em apenas duas famílias ambos os pais foram entrevistados, o que ocorre raramente, já que, de acordo com a 143 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH observaç-o etnográfica realizada pela autora, ser mais comum as m-es trazerem as crianças para visitar o projeto. Entre os participantes os perfis familiares variam, incluindo famílias em que ambos os pais s-o brasileiros (a maioria, talvez pelo fato de a moderadora ser brasileira, e também em virtude da ausência do ensino formal especificamente da variante brasileira do português), famílias mistas, famílias nas quais um dos pais é brasileiro, famílias portuguesas, e também famílias nas quais ambos os pais s-o alem-es. O interessante é o caso das duas famílias em que ambos os pais s-o alem-es, nas quais o desejo de participar do projeto partiu das m-es, que afirmam considerar o português como língua materna, já que passaram a infância e adolescência no Brasil. 3.5 Metodologia de análise Para a interpretaç-o dos dados obtidos usou-se como método a análise de conteúdo (Mayring 2016). Primeiramente as informações colhidas junto às moderadoras (respostas dos questionários via e-mail) foram reunidas em uma tabela que permitiu agrupar os elementos comuns nas práticas realizadas em todas as MHs atuantes (vide item 4.1, a seguir). Como os dados serviriam para responder à quest-o 1) deste estudo, as descrições que comporiam “o retrato” do que é a MH como dispositivo didático foram obtidas a partir das seguintes perguntas relacionadas na tabela abaixo. Pergunta de investigaç-o: Perguntas do questionário para as mode‐ radoras: 1) Quais dinâmicas para a construç-o da identidade cultural e linguística s-o promovidas pela “Mala de He‐ rança” e como essas práticas s-o rein‐ tegradas/ reconstruídas pelas famílias em suas rotinas? 1) O que é a Mala de herança? 2) Que objetivos pretende atingir com a Mala de Herança? 3) Qual é o público alvo? Quem costuma aparecer? 4) Que atividades desenvolve e que ma‐ teriais utiliza? Pode descrever uma sess-o em detalhes? 5) Qual sua motivaç-o para dinamizar a Mala de Herança? 6) Que avaliaç-o faz da eficácia da Mala de Herança no desenvolvimento lin‐ guístico e intercultural do falante de herança? Tabela 2: Questionário para as moderadoras 144 Juliane Costa Wätzold Essa sistematizaç-o atendeu, em primeira linha, o objetivo maior desta abor‐ dagem etnográfica, que é conhecer em profundidade e descrever o modus operandi da MH. Ao mesmo tempo permitiu compreender em que medida ela pode ser vista como uma CP, buscando, portanto, responder à quest-o 3 do presente estudo, como será demonstrado mais adiante no item 4. As entrevistas conduzidas junto aos pais foram transcritas usando o software NVivo, com o qual os dados foram organizados. O Nvivo demonstrou ser de grande utilidade como um recipiente onde todas as fontes puderam ser reunidas. A outra vantagem que o software oferece é poder organizar a análise tematicamente com um recurso chamado “Nós”. Os nós, como o próprio nome sugere, permitem agrupar as unidades de análise o que facilita a visualizaç-o dos dados e a criaç-o de categorias e subcategorias. Uma vez organizados em “nós” o trabalho de voltar às unidades temáticas para as leituras posteriores, marcações, tomada de notas, torna-se mais fácil. Para a análise, buscou-se reduzir o volume de dados (Mayring 2016, 115). As perguntas da entrevista junto aos pais foram agrupadas de forma a responder às questões de investigaç-o, e organizadas na tabela 2, abaixo. Uma vez que haviam sido todas transcritas, iniciou-se a leitura buscando selecionar as unidades de análise (Mayring 2016). Pergunta de investigaç-o: Perguntas da entrevista com os pais: 1) Quais dinâmicas para a construç-o da identidade cultural e linguística s-o promovidas pela “Mala de He‐ rança” e como essas práticas s-o rein‐ tegradas/ reconstruídas pelas famílias em suas rotinas? • O que é a Mala de Herança? • Como funciona a Mala de Herança? • Como vocês usam a Mala de Herança em casa? • O que é a herança que está na Mala de Herança para você? 2) Qual o valor pedagógico dessa prática e como ela pode ser analisada a partir das representações dos pais? • Para você, quais foram os efeitos das visitas/ participaç-o ao projeto? • Como funciona a Mala de Herança? Tabela 3: Perguntas da entrevista com os pais 145 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH 14 Para melhor compreens-o sobre a MH como dispositivo didático ver em Costa Wätzold, 2020. 4 Apresentaç-o dos resultados 4.1 A Mala de Herança e a sua dupla hélice de funcionamento A partir das informações fornecidas pelas moderadoras, pôde-se obter um corpus do qual foram selecionadas duas categorias para análise 14 . Pretende-se com essa delimitaç-o fazer um recorte capaz de demonstrar a concepç-o pedagógica e a forma de funcionamento da MH como dispositivo didático, e assim responder à quest-o 1 dessa investigaç-o, que versa sobre as dinâmicas para a construç-o da identidade cultural e linguística promovidas pela MH. Tendo em vista o contexto teórico para o ensino de línguas exposto anterior‐ mente, pode-se afirmar que a MH se sustenta sobre dois pilares, que podem ser designados como seus dois principais âmbitos de funcionamento: • a MH como dispositivo didático, partindo-se da atuaç-o das moderadoras, que se carateriza como ensino n-o-formal, dado o nível de planejamento das atividades. • a MH como dispositivo didático, direcionado aos pais/ famílias, como pro‐ longamento das atividades para além do projeto - caraterizando o ensino informal. Neste sentido, pode-se afirmar que a MH tem um relevante papel no estabelecimento ou fortalecimento de políticas linguísticas familiares. Para explicar melhor o modus operandi da MH: em um polo há o trabalho das moderadoras, que consiste na oferta das atividades ligadas à transmiss-o do PLH e ao trabalho de apoio ao bilinguismo, no âmbito dos encontros. A seguir, a tabela 4 apresenta os dois pilares nos quais o funcionamento da MH se apoia - a atuaç-o das moderadoras e a atuaç-o dos pais. A segunda coluna traz os recursos didático-pedagógicos disponíveis, presentes em maior ou menor medida, de acordo com os respetivos ritos e práticas, que foram identificados nos depoimentos das moderadoras. Na terceira coluna est-o elencadas as atividades para serem executadas pelos pais/ família e aprendizes de LH no projeto e fora dele (em casa). 146 Juliane Costa Wätzold Mala de Herança como dispositivo didático Atuaç-o das moderadoras Atuaç-o dos pais/ efeitos alme‐ jados Atividades e materiais • leitura e contaç-o de estó‐ rias; • o empréstimo de livros; • o uso de músicas e canções, cirandas, cantigas de rodas e instrumentos musicais; • atividades artesanais, lúdicas e manuais; • jogos e brincadeiras; • teatro e dança; • comidas e festas típicas. • os pais participam ativa‐ mente da organizaç-o dos encontros; • os livros devem ser levados para casa; • os pais devem ler e recontar as histórias em casa. Efeitos preten‐ didos • ajudar as famílias na trans‐ miss-o do PLH; • conscientizar os pais da im‐ portância de se usar a LH; • dar suporte aos pais na ma‐ nutenç-o da LH; • ser biblioteca itinerante; • envolver as famílias na reali‐ zaç-o dos encontros; • estimular e disseminar in‐ formações científicas e obje‐ tivas sobre o bilinguismo; • criar a oportunidade para a convivência entre as famílias falantes de português; • fortalecer a comunidade fa‐ lante de Português como LH. • favorecer a continuidade de tratamento dos temas abor‐ dados nas sessões da Mala; • ser fonte de abordagem e aprofundamento de con‐ teúdos, com vista ao alarga‐ mento do vocabulário; • favorecer a comunicaç-o em português após os encontros, em casa. • fortalecer o vocabulário na LH, bem como a comunidade e a identidade do país de origem. Tabela 4: O funcionamento da Mala de Herança Do exposto, pôde concluir-se que a MH se apoia em princípios colaborativos e promove a interaç-o dos ambientes n-o-formais e informais de aprendi‐ zagem-aquisiç-o da LH. A proposta pedagógica foge, ademais, dos padrões convencionais de ensino, porquanto ainda que tenha sido constatado um forte traço de planificaç-o das atividades, carateriza-se por ser uma oferta lúdica, desvinculada de um plano de ensino e material didático específico para o ensino de LH. Além disso, a própria formaç-o das moderadoras poderia ser colocada em quest-o, já que n-o necessariamente s-o profissionais da área de educaç-o. Cabe, ent-o, a partir dessas constatações, voltar o foco para a avaliaç-o que os pais frequentadores fazem deste dispositivo didático. Com esse contraste pretende-se chegar à resposta da quest-o 3 desta investigaç-o: em que medida a MH pode ser vista como uma CP. 147 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH 15 “(…) as representações assumem-se como objeto e como express-o de um sujeito ator e autor social e desempenham uma tripla funç-o: explicaç-o e orientaç-o dos comportamentos individuais e das relações sociais, diferenciaç-o de grupos (pela impress-o de direç-o às relações intergrupais) e comunicaç-o, enquanto sistema de categorizaç-o e interpretaç-o coletivo e partilhado” (Melo 2006, 167). 4.2 O valor pedagógico da Mala de Herança: as representações dos pais Uma vez que as atividades propostas pela MH se destinam às famílias com crianças de língua portuguesa (LP) em Munique, conhecer a perspetiva dos pais envolvidos no processo de transmiss-o e desenvolvimento do PLH de seus filhos pareceu ser a melhor forma de compreender o valor pedagógico das práticas e entender como s-o reconstruídas por essas famílias. As entrevistas semiestruturadas realizadas junto aos pais resultaram em um volume significativo, de representações 15 . A fim de observar os limites dessa contribuiç-o algumas categorias mais emblemáticas foram elencadas, e organizadas na tabela abaixo. Busca-se nesta parte responder à quest-o 2 dessa contribuiç-o, que versa sobre o valor pedagógico dessas práticas e como elas s-o avaliadas segundo as representações dos pais que frequentam o projeto. 2) Qual o valor pedagógico dessa prática e como ela pode ser analisada a partir das re‐ presentações dos pais? A MH como ponto de encontro da Língua Portu‐ guesa (LP) A MH como local de socializar em LP A MH para aumentar o vocabulário em LP A valorizaç-o da diversidade de ofertas proposta pela MH A MH como lugar de identificaç-o com outros aprendentes/ falantes de PLH A MH e o interesse pela LP e pelo Brasil Tabela 5: Representações dos pais De seguida, apresentaremos algumas evidências da categorizaç-o temática esquematizada neste quadro, mencionando, sempre que possível, a relaç-o com a noç-o de CP que se consubstancia como ponto de apoio teórico nesta contribuiç-o. 4.2.1 A MH como ponto de encontro em língua portuguesa Constata-se da fala dos pais que há, em geral, uma compreens-o relativamente clara do modus operandi da MH como um dispositivo didático. Partindo da 148 Juliane Costa Wätzold concepç-o de Wenger (2000), é possível estabelecer uma relaç-o das perceções dos pais com os pressupostos, elementos, e caraterísticas de uma CP, como no excerto abaixo: É um encontro mensal de famílias brasileiras, ou meio brasileiras, algo assim, que querem também dar a língua portuguesa de herança para os seus filhos, mesmo estando aqui na Alemanha. Ent-o a gente se ajuda mutuamente e, tem crianças, vem crianças aqui, assim …, as minhas filhas vêm que tem outras crianças que também falam português em casa, ou entre eles, é…, e também tem assim o contato entre os pais, “como é que você faz isso ou como é que você faz aquilo”, as dicas, e também os livros, que realmente s-o importantes pra mim. Normalmente n-o tenho muito acesso a livros em português. ( J., m-e alem- que frequenta a MH) A forma de participaç-o (encontro), o público a que se destina (famílias brasi‐ leiras ou mistas), os objetivos buscados (a transmiss-o da LP), o espaço de troca entre os pais e de convivência em LP (o sentimento de grupo e o aprendizado a partir das interações sociais), a possibilidade de ter acesso aos livros - todo esse conjunto é percebido por J. (m-e alem-) como uma vantagem proporcionada pelo projeto, o que denota o seu valor pedagógico. Nesse excerto podem ser reconhecidos pressupostos, elementos e caraterís‐ ticas da CP: os encontros para a realizaç-o das leituras (evento principal), é um pressuposto capaz de promover conectividade e filiaç-o, dois elementos que aliados ao repertório comum compartilhado (no caso a LP) possibilitam significado cultural, todos requisitos para a existência de uma CP. O significado cultural é destacado em sua fala ao considerar a MH um espaço de identificaç-o por meio da língua. Este é um aspeto recorrente em muitas das categorias aqui elencadas. Na perspetiva de J., a criança poder ver que outras crianças falam a mesma língua parece ser um fator relevante para a identificaç-o. Ao mencionar a possibilidade de se ajudarem mutuamente na troca de informações sobre educaç-o bilingue (o que carateriza o repertório comum compartilhado - pressuposto da CP), pode-se perceber sua expectativa de que, ao encontrar outros pais em situaç-o semelhante (objetivo comum - outro pressuposto da CP), a troca de conhecimento acarrete o aprimoramento das estratégias para melhorar as habilidades linguísticas das crianças, e por corolário aumente a conectividade - elemento da CP. Esse sentimento de grupo (étnico e linguístico), acima exposto, também aparece nos excertos abaixo: Nós íamos mesmo por causa daquele momento ali, de estar junto com outras crianças, e outras famílias que falam português. (C.S., m-e teuto-brasileira) 149 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH (…) eu acho também que n-o é só o projeto em si. Eu acho também que é o encontro, de todas as pessoas que têm o mesmo, … é… como se fala, “Hintergrund” é… a mesma história, também né, somos brasileiros, estamos aqui em Munique, estamos nos encontrando, pra é… como é que fala, pra melhorar a língua, né, portuguesa, n-o só para as crianças, e para a gente também ter um encontro, né… eu acho assim, é um encontro, né. Da língua, vamos dizer assim. (F.M., m-e brasileira) Na percepç-o de F.M. (m-e brasileira acima), o objetivo comum que essa comunidade persegue (pressuposto da CP) é colocado de uma forma bastante simples: “melhorar a língua portuguesa”. O encontro da MH é visto como um espaço capaz de acolher tanto os pais quanto as crianças em torno deste objetivo comum. O background compartilhado, por ela mencionado, reforça a percepç-o de uma comunidade etnolinguística, respetivamente, de brasileiros vivendo no contexto migratório, que busca, em certa medida, evitar a eros-o linguística, até mesmo para os adultos (Flores 2010). O encontro da Mala eu acho importante porque…, pras crianças terem, … é… esse contato com a língua portuguesa, ainda mais na idade escolar, quando a criança passa a semana inteira indo pra escola em alem-o, e aí ela gosta de vir, e o efeito é que eu acho que ela mantem essa ligaç-o com o Brasil, … uma coisa que acontece periodicamente, que mantém, e a gente percebe que ela tem uma ligaç-o com o Brasil, apesar dela nunca ter vivido no Brasil, só visitado, isso mantém essa… é como se fosse uma âncora na cultura, eu acho que esse é que é o efeito que ela cria. (L.B., pai brasileiro) O pai brasileiro do excerto acima, L.B., de igual maneira reconhece nos encontros da MH a chance de estar em contato com a LP, ressaltando que essa oferta pode contribuir para quebrar a hegemonia da língua dominante na sociedade de acolhimento, sobretudo na fase em que a criança já está inserida em um contexto escolar regular, em que a quantidade de input na LH é sabidamente reduzido. Pode-se identificar nesta fala um aspeto que Wenger (2000) considera importante: o ritmo dos eventos que ir-o ajudar no desenvolvimento de uma certa identidade. Ao referir-se à periodicidade dos encontros fica denotada a importância desse ritmo que a MH como uma CP possibilita. Deve-se destacar a vis-o desse pai de que o contato com a LP possibilitaria o contato com o Brasil, colocando as duas coisas quase numa posiç-o de equiparaç-o. Pode-se observar em muitos dos posicionamentos seguintes que a busca destes pais é, em alguma medida, uma busca identitária, tanto no tocante à construç-o de uma identidade (para os filhos), como de manutenç-o dela (para os próprios pais e para os filhos). A MH pode ser vista, nesse sentido, como uma paisagem de prática capaz de modelar as experiências que as pessoas nela fazem, como apregoado por Wenger (2010). 150 Juliane Costa Wätzold 4.2.2 A MH como local de socializar em LP Dentro da linha de argumentaç-o proposta por Wenger (1998, 2000, 2006, 2010), segundo a qual o aprendizado se realiza por meio das interações dentro dos sistemas sociais, destaca-se a relevância atribuída pelos pais à socializaç-o em LP. Os excertos abaixo apresentados s-o bastante ilustrativos dessa percepç-o de aprendizado como “social learning system”, postulada por Wenger (2000) e tematizada na parte teórica: Pra mim o primeiro efeito é de sociabilizar, é a quest-o de sociabilizar, tanto o meu filho, quando eu mesma, com outras famílias brasileiras, porque sen-o você fica isolada, né, em termos linguísticos, e de cultura, né. É, também uma quest-o de trazer a cultura, pra eu re-vivenciar essa cultura, vamos dizer assim, através dessas comemorações mesmo, tem festa junina, tem dia da bandeira, e tudo mais… esses temas, mas principalmente pra ele, né, porque eu vivi isso na escola, né, tinha isso todo dia, a gente brincava no pátio, a gente fazia coisas, mas eles n-o têm isso aqui, é uma carência muito grande, ent-o acho que a Mala tá aqui pra suprir isso também, sabe, n-o só a quest-o da leitura, eu acho que a leitura é o mais forte, pra trazer a língua, realmente, mas as vivências s-o muito importantes, pra eles se integrarem e realmente ficarem um tempo mais longo na Mala. Porque se for só leitura, eles n-o ficam tanto tempo. Eu acho. (M. , m-e brasileira) (…) e ela (a filha) também tem as amigas dela que frequentam, ent-o é uma oportuni‐ dade dela encontrar, … um dos efeitos que eu vejo, como essas amigas também têm pais brasileiros, elas acabam se comunicando em português. (L.B., pai brasileiro) Nota-se que a MH é percebida por esses pais como um conjunto de oportu‐ nidades de socializar em LP, tanto para os pais, como para os filhos, de variadas maneiras, como será mencionado em outros excertos, mais adiante. Essa percepç-o denota o significado cultural (caraterística da CP) atribuído à MH pelos pais, remetendo ainda ao conceito de social learning system, abordado na parte teórica. A leitura é vista como a atividade principal para “trazer” a língua, como mencionado por M. (m-e brasileira), mas em sua percepç-o também as outras atividades oferecidas é que garantiriam a motivaç-o das crianças, o que de‐ monstra a riqueza da proposta pedagógica, aspeto bastante positivo. Nota-se, ainda, a percepç-o da estrutura informal e dos limites dinâmicos (pressuposto e caraterística da CP). Como anteriormente mencionado, há uma expetativa por parte dos membros desse grupo de, por meio das interações mediadas pela LP, ter acesso à cultura. Busca-se nessas práticas culturais como festas, comemorações, brincadeiras, leituras, todas elas socializantes, oportunidades de uso da LP (o que carateriza o 151 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH significado cultural - elemento da CP) e, por consequência, de aprendizado. Todo esse conjunto proporciona a vivência do aprendizado, no sentido apregoado por Wenger (2000). O próprio grupo com caraterísticas comuns (“ter pais brasileiros”) é visto como um facilitador para a socializaç-o na língua, consequentemente, para o seu uso natural, como nas brincadeiras entre as crianças. Os excertos abaixo s-o bastante emblemáticos nesse sentido, e revelam a valorizaç-o que é dada ao projeto justamente por promover uma constelaç-o favorável, atestando, deste modo, os efeitos positivos e potencial. Eu posso te dizer que a partir da Mala, elas (as filhas) tiveram a possibilidade de praticar o português com muito mais pessoas, de ouvir português muito mais aqui nesse universo aqui da Alemanha, de fazer amigos e conversar com eles também em português, e ir na casa deles, e eu vi isso, com certeza, é um conjunto, n-o é a Mala de Herança em si, n-o é ir lá uma vez por mês, é um conjunto … tem um convívio fora do ambiente da Mala de Herança, escutam a gente batendo papo, conversando fiado, conversa de adulto, festa, “é assim que se fala”, ouvem outros adultos conversarem, conversam, (…) a Mala permite um ponto de encontro, esse encontro social, e que permite que elas tenham hoje um português muito bom. (T., pai brasileiro) Da mesma forma como já anteriormente pontuado, na perspetiva dos pais, as visitas a MH contribuiriam para um uso ampliado da LP, o que, por um lado, romperia com a hegemonia da língua dominante e, por outro, garantiria um desenvolvimento das habilidades linguísticas. O pai brasileiro acima, T., reconhece esse mérito no projeto. Todos esses aspetos por ele enumerados denotam como filiaç-o e conectividade (ambos elementos da CP segundo Wenger) podem ser alcançados por meio das práticas cultivadas no âmbito da MH. 4.2.3 A MH para aumentar o vocabulário A proposta de funcionamento da MH como um dispositivo didático nos permite ver o projeto em si como um artefato (elemento da CP), no sentido que apregoa Wenger (2000). Como demonstrado no item 3.1 acima, uma das principais propostas pedagó‐ gicas da MH, por parte das organizadoras, é aumentar o vocabulário das crianças em LP, por meio das leituras. Atribuem um papel de relevância a esse aspeto e consideram o livro de literatura infantil o meio mais eficiente e promissor na busca desse objetivo. Os encontros giram em torno das práticas de literacia. Esta é a proposta que as moderadoras sugerem aos pais, ao proporcionar os empréstimos de livros para as famílias levarem para casa. Assim deve funcionar 152 Juliane Costa Wätzold o trabalho com a MH - sob dois pilares conjuntos: as atividades realizadas nos encontros e o trabalho de leitura continuado em casa. Para isso criaram um artefato - uma mala cheia de livros que está sempre no centro do encontro. O excerto a seguir demonstra como o impacto proporcionado pela prática da leitura é percebido pelos pais: vir pra Mala, e ter esse contato, e ouvir outra pessoa contando estórias, né, que n-o eu ou o pai, é interessante, … pra todas as crianças também, né, … ela senta, as crianças escutam uma outra pessoa passando uma informaç-o, daquele livro, né, cada um conta de uma forma diferente, né… é… o que é diferente, o que agrega, né, é que os livros têm a sua linguagem, de repente tem palavras que a gente n-o usa no nosso cotidiano, ent-o, isso daí com certeza é positivo, ela aprende palavras novas, isso sim, ela aprende um vocabulário novo, … por conta daquilo, né… dessa leitura, desse contato que ela tem com o livro. (T.B., m-e brasileira) O excerto a seguir ilustra como as situações iniciadas na MH contribuem para o aumento do vocabulário e, ao mesmo tempo, evidenciam como o desenvolvimento da LH (especialmente em um contexto de ensino desfavorável, como no caso aqui examinado) ocorre mediante constantes pequenos esforços. Estes exemplos demonstram como a transmiss-o da LH funciona quase que homeopaticamente, em pequenas e repetidas doses. É um valor agregado que se acumula ao longo do tempo e demandará investimento, persistência e senso de oportunidade. A periodicidade dos encontros viabiliza o trabalho conjunto entre o projeto e a família. Na verdade, a gente traz a Mala mais pela conversa em casa, e a conversa da vivência lá, né, … ou quando faz o artesanato, traz pra casa, e elas vivenciam em casa esse artesanato feito lá, ou tentam reproduzir, ou a gente tenta falar do tema, ou quando ela, (…) a L. (filha) se ela escuta uma palavra lá, e que a (moderadora) explicou e tal, ela traz as vezes pra casa, e pergunta mais sobre essa palavra. Ent-o, é trazer esses novos temas, essas novas oportunidades de aumentar o vocabulário. (…) E quando trouxe, foi um momento de ampliar, o vocabulário, e conversar sobre o tema. (P.F., m-e brasileira) O excerto a seguir é notável, por se tratar de uma m-e portuguesa. Neste caso, fica claro como o aumento do vocabulário pode n-o só aprimorar as habilidades linguísticas, mas também abrir portas para o conhecimento de outras culturas. Mas olha… por exemplo, uma vez foi o encontro da S. M. e do J. (autores de livro)… E nós trouxemos um livro que ele fez , sobre as diferenças entre o português do Brasil e de Portugal, e ent-o, assim, durante muitos dias, nós lemos o livro, e folheamos, e nós tivemos a ver quais eram as diferenças, entre as várias palavras, entre o português de 153 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH Portugal e do Brasil… e assim, a gente pensa que é muito parecido, mas tem muitas diferenças, n-o é? (…) um outro exemplo, foi quando a Maria participou de um teatro da Mala, que nós ficamos a descobrir o nome de cerca de 6 animais diferentes, que nós nem sequer sabíamos que existiam, n-o é… s-o animais, típicos mesmo da Amazônia… eu agora já n-o me lembro o nome, mas foi o teatro do ano passado. Tudo isso, portanto, todos os nossos encontros da Mala, nós trazemos sempre qualquer coisa do Brasil pra casa… nós vamos pra lá e estamos a aprender no fundo como é que é a cultura do Brasil. (Ct., m-e portuguesa) Ct., a m-e portuguesa, reconhece em sua fala dois aspetos que merecem destaque: um aumento do vocabulário proporcionado pelas práticas promovidas pela MH, e o potencial da proposta, que é justamente favorecer a continuidade do uso da LP para além dos encontros. Pode-se depreender dos excertos acima que o artefato MH é eficiente em sua proposta de trabalho e guarda por isso grande potencial na transmiss-o intergeracional do PLH. 4.2.4 A valorizaç-o da diversidade de ofertas proposta pela MH Nota-se que os pais valorizam o leque diversificado de canais de acesso a LP - as leituras, o teatro, as brincadeiras. Os excertos seguintes demonstram que os pais reconhecem que cada uma das modalidades de interaç-o social por meio da LH, e ao mesmo tempo todo o conjunto que a MH promove, reservam grande potencial para o desenvolvimento linguístico. (…) o contexto da Mala de Herança, n-o é só a Mala de herança, todos os teatros que elas participaram, super treinamento-prática, o contexto social. (T., pai brasileiro) (…) é… pra mim o que me chamou muito a atenç-o na Mala de Herança, uma das coisas que me chamou muito a atenç-o, primeiro a ludicidade, (…) como as coisas s-o passadas de uma forma lúdica, de uma forma prazerosa, é aprender naturalmente, estar em contato com aquela mistura, pra mim é isso. (D., m-e brasileira) Emerge, além da valorizaç-o do aprendizado lúdico, em um contexto naturalís‐ tico de aquisiç-o, a percepç-o dos pais de que a ampliaç-o do contexto social, por meio de novas interações, para além das familiares, é um fator que pode contribuir para o desenvolvimento da LH. Ao ressaltarem a importância dos projetos e eventos (elementos da CP), os dois excertos acima remetem ao conceito de social learning system e denotam a estrutura informal do projeto (pressuposto da CP). 4.2.5 A MH como lugar de identificaç-o com outros aprendentes/ falantes de PLH Um traço bastante frequente que emergiu das entrevistas foi a busca dos pais por um espaço de identificaç-o etnolinguística que de alguma forma a MH parece 154 Juliane Costa Wätzold proporcionar. Esse é um aspeto marcante na transmiss-o intergeracional da LH. A aquisiç-o de LH se dá, por sua natureza, no âmbito familiar, num processo quase idêntico ao de aquisiç-o da língua materna. Ocorre que, com a inserç-o da criança no sistema formal de ensino e o aumento da participaç-o na sociedade de acolhimento, naturalmente o input na LH diminui. É neste momento que a transmiss-o da LH torna-se um desafio, e o risco de eros-o linguística passa a ser iminente (Flores 2010). As interações sociais ocupam papel determinante na aprendizagem. Percebe-se, na fala da m-e brasileira, T.B., no excerto abaixo, uma tentativa de conter o sentimento de estranhamento, que poderia levar a uma desmotivaç-o ou renúncia em usar a LH, e a tentativa de criar um ambiente em que a criança, aprendente de PLH, possa se identificar com outras falantes da mesma língua, com background semelhante: É … mais pra que ela entenda, que tem outras pessoas morando aqui que também falam português, né… assim… (…)… pra que ela perceba que ela vai pra escola… e tem é… um texto é… em alem-o, mas que ela n-o é assim,…sei lá… um ser estranho, digamos… que aqui também tem outras pessoas que também falam português, né, e que as vezes os pais s-o brasileiros, né que falam português, mas as vezes tem uma m-e que é brasileira, e um pai que é alem-o, e vice-versa, e que aquela criança também aprendeu o alem-o e o português… (…) e que o português ela também pode falar aqui, né, n-o é só no Brasil que se fala português, com a avó, com o tio, mas que aqui também tem uma comunidade, que tem famílias, que tem crianças, que também falam o português, ent-o, pra mim a Mala é isso, também, … n-o é só os livros em si, mas a fala, né, o contato. (T.B., m-e brasileira) É interessante perceber como T.B. deixa claro que reconhece no projeto, mais do que a possibilidade de ter os livros, a vantagem de falar português e ampliar o contato com a LP, ressaltando a importância da interaç-o social. T.B. atribui a MH um significado cultural (caraterística da CP). Essa percepç-o vai ao encontro da vis-o proposta por Wenger (2000) de social learning systems, citada na parte teórica, segundo a qual, para que o aprendizado aconteça, as interações seriam imprescindíveis. (…) e … pro L. (filho), foi muito importante ver que n-o era só a mam-e que falava português. Que assim, com um ano, ele era pequenininho ainda, mas eu já sentia dificuldade de falar só português com ele. Quando eu estava só em casa era mais fácil, e… mas aí chegou uma hora que ele n-o queria mais falar… e quer dizer, aí foi importante, pra ele ver que as outras crianças falavam, que as m-es, ou os pais, também falavam português com as crianças, também, de que n-o era só em casa, aqui, que 155 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH tinha uma outra língua, que ele n-o estava sozinho, que n-o era uma língua só pra falar com a mam-e, e mais ninguém. (P., m-e alem-) A m-e alem- P. (cujo contexto de LH, já explicado no item 2.4, se deve ao fato de ter sido socializada no Brasil) também busca no projeto um espaço de identificaç-o com a LP, o que carateriza o significado cultural da MH em sua percepç-o , caraterística da CP. Em sua vis-o, as práticas ali cultivadas proporcionam ao seu filho um ambiente de ampliaç-o do uso natural do PLH. Pode-se concluir que o que almejado pela m-e, com a identificaç-o, é diminuir o estranhamento e, com isso, conter a eros-o linguística. 4.2.6 A MH e o interesse pela LP e pelo Brasil N-o menos importante é a quest-o de despertar o interesse pela LH. Como já anteriormente mencionado, a transmiss-o da LH em um contexto n-o-formal e potencialmente desfavorável se fará como em doses quase homeopáticas, de‐ mandando regularidade e persistência. Fatores tais como as políticas linguísticas familiares, ou até mesmo a idade em que as crianças tiveram um primeiro contato com a LH, por exemplo, s-o levados em consideraç-o pelas m-es nos excertos abaixo. Os eventos propostos pela MH (elemento da CP) têm significado cultural. Eu acho que no geral, que é mais importante, é que ele (o filho) tem mais interesse em falar português, porque há uns poucos anos atrás ele n-o tinha interesse quase nenhum, ent-o isso ajuda, porque os avós n-o moram aqui, né… ent-o, tem que existir uma certa regularidade desse contato com a língua portuguesa, e que a Mala de Herança dá isso pra ele. E, é… eu acho que ele (o projeto) também dá essa coisa de Brasil, né, de ter, apesar de ele ter ido no Brasil só quando ele era bem pequenininho, mas de ter é… carinho, ou curiosidade sobre o Brasil, é… até agora a copa, torcer pelo Brasil, enfim… ent-o, de ter essa coisa da cultura brasileira, inserida no dia a dia dele. (M. , m-e brasileira) … o M. (o marido), aprendeu muito sobre o Brasil, indo lá nos eventos, e o jeito dos brasileiros de lidarem um com o outro, de ser, e… por experiência, indo lá e conhecendo outras famílias. (P., m-e alem-) O sucesso na transmiss-o intergeracional muitas vezes irá depender do empenho de toda a família, ou inversamente: se o interesse na LH e na cultura for um “projeto”, ou uma prioridade, de só um dos pais, ou se os esforços forem iniciados muito tardiamente, pode haver um comprometimento do aprendizado. Parece haver o reconhecimento do mérito da MH no sentido de driblar esse desafio, como exposto por M. (m-e brasileira) e P. (m-e alem-) nos excertos acima. A conectividade (elemento da CP) é favorecida pelas práticas da MH, à qual os pais atribuem um forte significado cultural, vivenciado nos encontros. 156 Juliane Costa Wätzold Um outro aspeto percetível na fala de ambas as m-es é que, de alguma forma, associam o interesse na língua (e, por consequência, um fator que possa favorecer o desenvolvimento linguístico) a um domínio cultural comum: “jeito dos brasileiros de lidarem um com o outro, de ser”, “torcer pelo Brasil na copa”. Há uma associaç-o do sentimento de pertencimento ao Brasil com a LP, o que sugere uma percepç-o da identidade etnolinguística. Também a regularidade da exposiç-o à língua é vista como uma vantagem, um catalizador, que a MH oferece. 5 Discuss-o dos resultados: a Mala de Herança como Comunidade de Práticas Do exposto nos itens anteriores, que buscaram responder às perguntas 1 e 2 desta investigaç-o, pode-se chegar à resposta da quest-o 3. A tabela 1 (apresentada no enquadramento teórico, item 1) foi usada como uma espécie de “lente”, com a qual buscamos encontrar no dispositivo didático MH as caraterísticas que permitem considerá-la um caso de CP e em que medida isso acontece. Do que foi exposto pelas moderadoras, quanto ao quesito pressuposto de uma CP, a análise das representações dos pais permite concluir que a proposta pedagógica oferecida pela MH vai ao encontro das expetativas das famílias que frequentam o projeto: transmitir o PLH é o objetivo comum, buscado pelos atores sociais ativamente envolvidos, um dos pressupostos para uma CP. Um aspeto que emerge da análise dos dados obtidos é uma convergência das representações dos pais para uma vis-o da LH como um veículo importante na transmiss-o da cultura do país de origem, como pontuou uma das m-es que frequenta o projeto: (…) a herança é a língua portuguesa (…) a língua portuguesa é a nossa raiz, (…) é exato, é donde nós viemos e (…) é isso que nós vamos lá buscar no fundo (…) é esse contato com a língua (…) é essa a nossa herança, é a língua, né. Eu acho que sim. (…) precisam de ter essa língua, porque ela faz parte de nós, os pais, (…) é donde nós viemos, s-o as nossas raízes (…) e, claro, nós queremos transmitir essas raízes pra eles também, n-o queremos que eles percam no fundo o contato com a terra de onde nós viemos, nós os pais. (C. m-e portuguesa) Como essa comunidade é composta em sua maioria por falantes nativos da LP, o pressuposto do domínio particular já está prontamente atendido - todos eles trazem seus conhecimentos linguísticos e culturais comuns sobre o português 157 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH e a cultura brasileira. Esse raciocínio pode ser estendido ao repertório comum compartilhado, outro elemento da CP. Dentro da proposta sociointeracionista e socioconstrutivista do projeto, as famílias que frequentam a MH compartilham o seu conhecimento da língua por meio de práticas de literacia, variadas atividades lúdicas, e do cultivo da cultura específica desse grupo, seguindo a linha do conceito de social learning systems proposto por Wenger (2010). Ainda que haja um planejamento das atividades por parte da moderadora (o que atende ao pressuposto do facilitador) a MH preenche, também, o pressuposto da estrutura informal no sentido exposto no item 2.1: os indivíduos aprendem de forma voluntária, n-o organizada e sem vínculo institucional, o que é bastante apreciado pelos pais, segundo declarações feitas nas entrevistas. Como exposto, quanto aos elementos de uma CP a moderadora da MH, tanto em Munique como nos demais locais onde o projeto existe, é a liderança que propõe, organiza e promove os eventos. Há um núcleo mais próximo, que é formado por colaboradores, sendo que o feedback vem da comunidade formada pelas famílias com as crianças. Como explicado no item 2.2 e 3.1, todos os elementos de uma CP est-o presentes na MH como um dispositivo didático: os eventos mensais, os projetos realizados no âmbito da programaç-o que se estendem ao longo do ano, como o teatro, i.e., a própria mala de livros, que é disponibilizada nos encontros, e caraterizaria um artefato. A filiaç-o e a conectividade também s-o elementos facilmente concretizados no âmbito do projeto: esse quesito aparece preenchido tanto por parte das moderadoras (ver em 3.1) como da parte dos pais, como foi exposto no item anterior, ao reconhecerem a importância das interações sociais para o uso da LP e o consequente desenvolvimento linguístico, que é o objetivo almejado. As representações dos pais consubstanciam a noç-o de social learning systems proposto por Wenger (2010), ao reconhecerem a importância das interações para que aprendizado. Os projetos iniciados na MH e conduzidos repetidamente ao longo dos anos dentro da agenda de atividades, como o teatro (no qual os pais participam em todas as fases, da organizaç-o à apresentaç-o e construç-o do figurino e palco), como exposto na parte introdutória, contribuem para o senso de filiaç-o e a conectividade, o que impulsiona o funcionamento da MH como uma CP. Do mesmo modo, quanto às caraterísticas da CP postuladas por Wenger (2000), estas est-o presentes na MH e se sobrepõem no contexto e na natureza do projeto. A começar pelo significado cultural - para citar a fala de uma m-e que frequenta o projeto: 158 Juliane Costa Wätzold ent-o quando a gente entra na Mala de Herança pra mim, é como se eu estivesse entrando num terreno, é na, é na, é na, … embaixada brasileira, do Brasil, como a minha casa é a embaixada brasileira, pra mim … a Mala de Herança é você entrar no Brasil e ter contato com o Brasil, ter contato com, com… com o Brasil, com a língua brasileira, com a … os sotaques brasileiros que est-o normalmente presentes na Mala de Herança, com, com as atividades relacionadas ao Brasil, … ent-o pra mim o Mala é o Brasil, é aprender naturalmente, estar em contato com aquela mistura, pra mim é isso. (D., m-e brasileira) Quanto à auto-organizaç-o: a forma como a MH surgiu, sua estrutura emer‐ gente, que tem limites dinâmicos e contínuas negociações de identidade, esse conjunto é justamente o que carateriza o formato do projeto, e igualmente a CP. Ao longo dos 5 anos, visitando a MH e nos 3 últimos, como observadora partici‐ pante, foi possível constatar constantes mudanças no perfil e no modus operandi: os grupos passaram a ser segmentados por idade, o perfil dos frequentadores se renova de tempos em tempos, já que as crianças v-o crescendo e os interesses mudando. Este é um aspeto que denota o grau de complexidade das relações - ao contrário de uma estrutura formal de aprendizado, onde já existe clareza de conteúdo, planos de ensino, perfil do público frequentador, na MH, os limites s-o muito dinâmicos. Como foi colocado por uma das moderadoras que participou dos questionários por e-mail: “é um aprendizado muito orgânico”, no sentido de que as moderadoras precisam constantemente se adaptar às circunstâncias encontradas. Ademais, o próprio projeto MH e a forma como expandiu denotam as dinâmicas de sua estrutura emergente e da negociaç-o de identidade: o projeto, que no início se dedicava apenas às atividades de leitura, hoje já tem em seu calendário de atividades um evento teatral que acontece anualmente, um grupo que se dedica apenas a atividades musicais, outro que se dedica a ciências para crianças. Essa oferta foi surgindo a partir da observaç-o da moderadora em Munique de atender às demandas emergentes do público frequentador. Para manter o interesse das crianças e evitar a evas-o dos mais velhos era preciso buscar atividades que fossem atraentes para as variadas faixas etárias. As pessoas que passaram a coordenar esses grupos eram parte do próprio projeto, o que sugere uma forte conectividade. Além disso, foram chegando a Munique famílias de imigrantes com filhos já adolescentes, que n-o estavam na fase de aquisiç-o da LP, mas cujos pais afirmam frequentar o projeto para que os filhos possam manter a identidade brasileira, considerando que a adolescência é uma fase de muitas mudanças. Vale dizer: a MH está constantemente negociando sua identidade. 159 Comunidades de Práticas no aprendizado n-o-formal do Português como LH Um outro aspeto que poderia ser examinado é em que medida a conectividade existente entre os projetos (que surgiram na Europa e nos Emirados Árabes, e mais recentemente na Turquia) n-o permitiria considerar a comunidade das MH uma outra CP. Essa forte conectividade, em um nível além das fronteiras físicas, é possível atualmente graças ao advento das redes sociais, que revolucionaram a comunicaç-o. Este é um fator fundamental para a potencializaç-o das práticas apregoadas nas CPs. Os mesmos elementos que foram constatados no estudo de caso da MH de Munique, se analisados em uma macroperspetiva, eventualmente também ser-o encontrados. N-o é o escopo dessa contribuiç-o, mas vale mencionar que caberia um outro estudo nesse sentido. 6 Síntese e conclus-o Do exposto nos itens anteriores, pôde-se concluir que as dinâmicas propostas pela MH permitem reconhecer no projeto as estruturas de uma CP segundo o modelo proposto por Wenger (1998, 2000, 2010). A descriç-o da MH como um dispositivo didático indica estarem agregados no projeto os pressupostos, elementos e as caraterísticas postuladas no referencial teórico), e, pode-se afirmar, portanto, que a MH é um caso de CP. A MH traduz, em suas dinâmicas, uma preocupaç-o comum de ambas as partes em torno da manutenç-o de uma identidade etnolinguística: tanto dos pais, como das moderadoras. Talvez se pudesse falar até mesmo em uma paix-o comum pela LH - manifesta n-o só em tal busca identitária, mas que do mesmo modo, concretizaria a noç-o de investment, mencionada na introduç-o, aplicável a ambas as partes envolvidas: pais e moderadoras (Norton 2013). Wenger (1998; 2000) e Wenger / McDermott / Snyder (2002) tematizam em sua proposta teórica como a identidade se constrói ao longo das paisagens de aprendizagem, e aponta a importância da interaç-o entre a competência social e a experiência pessoal, colocando a interaç-o social como pré-requisito para o aprendizado. Os eventos, segundo ele, ir-o ajudar a desenvolver uma identidade. Ao comparar a proposta das moderadoras com a percepç-o dos pais, nota-se claramente que, neste contexto, aprendizado é visto n-o só como a aquisiç-o de informaç-o e habilidades linguísticas, mas também como capacitaç-o do indivíduo para refletir as paisagens nas quais se vive e as experiências que nelas faz. A percepç-o dos pais sobre o valor pedagógico da MH indica enxergarem no projeto, com sua rica proposta, um caminho para essa construç-o identitária, mediada pela LP, a qual atribuem um valor afetivo de destaque. Isso justificaria o empenho na transmiss-o intergeracional que é passível de ser alcançada, talvez 160 Juliane Costa Wätzold graças à constelaç-o que a MH proporciona. O valor pedagógico que a MH como uma CP representa é o de proporcionar experiência vivida de pertencimento. Nesse sentido, pode-se atribuir ao projeto o papel de “parceiro”, o que seria uma caraterística das CPs. Ademais, a análise das representações dos pais sugere que esse sistema social de aprendizado mais simples reserva um grande potencial para o ensino n-o-formal do PLH. Tendo em vista que a identidade é uma trajetória em progresso, a MH pode ser considerada um caso de CP que favorece a transmiss-o intergeracional do PLH num contexto n-o-formal e informal de aprendizado, contribuindo para a história pessoal e as aspirações de seu público frequentador. Como perspetiva de investigaç-o futura caberia pesquisar se essa perspetiva também é compartilhada pelas crianças que frequentam o projeto. Referências André, Marli Elisa D.A. de. 2016. Etnografia da Prática Escolar. S-o Paulo: Papirus. Bartlett, Lesley / Bajaj, Monisha. 2015. “Nonformal Bilingual Education”, in: Wayne E. Wright / Sovicheth Boun / Ofelia Garcia (ed.). The Handbook of bilingual education. Oxford: Wiley Blackwell, 428-446. Costa Wätzold, Juliane (2020). “O papel da transmiss-o informal no aprendizado de POLH”, in: Maria Luisa Ortiz Alvarez / Ana Luiza Souza (ed.). Português como língua de herança, uma disciplina que se estabelece. Campinas: Pontes, 95-110. 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A distribuiç-o dos alunos por grupos consoante o seu nível linguístico é ilustrada através de excertos dos textos biográficos, que tornam também visíveis interferências e áreas de dificuldade mais comuns nos textos dos alunos. Seguem-se algumas sugestões para as aulas, sobretudo em grupos de maior heterogeneidade como o grupo aqui apresentado assim como um exemplo prático de uma aula de PLE em que se destaca a diferenciaç-o. Apesar desta abordagem do espaço de aprendizagem aqui apresentado n-o ser suficientemente abrangente para aprofundar todos os aspetos mencio‐ nados, no entanto poderá talvez ajudar a refletir os objetivos do português como disciplina escolar e a encarar a contínua internacionalizaç-o da língua. 1 Introduç-o: “Viajar pela língua” nas aulas de PLE “Numa viagem pela língua n-o se vai viajando do ponto de vista geográfico mas sim viajando pelas pessoas”. (Mia Couto, in: Lopes, Vitor 2004 ) O espaço de aprendizagem da língua portuguesa pode ser abordado a partir de várias perspetivas: de dentro para fora ou simplesmente viajando pelas pessoas em si. Pode-se optar por viajar pela língua e embarcar numa viagem pelos países de língua portuguesa e conhecer assim pouco a pouco a vasta pluralidade cultural e linguística de país em país. Mas seguindo a ideia de Mia Couto apresentada no documentário “Língua-Vidas em Português” também se pode optar por n-o viajar do ponto de vista geográfico, mas sim viajar pelas pessoas ou seja pelos falantes de língua materna ou língua de herança ou aqueles que est-o a aprender, como no seguinte caso. Logo no início do ano escolar os alunos do 4°e 5º ano do curso de portu‐ guês língua estrangeira (PLE) do Geschwister-Scholl-Gymnasium (GSG) em 166 Leonor Paula Santos 1 Ministerium für Kultus, Jugend und Sport Baden-Württemberg (2016) Estugarda foram convidados a preparar uma apresentaç-o sobre a sua própria biografia com o título “A minha vida numa caixa” para apresentar nas aulas. Baseando-se na sua apresentaç-o, os alunos escreveram a seguir também um texto sobre a sua história. O objetivo do exercício era principalmente criar logo no início do ano um ambiente de mais proximidade entre todos os participantes do curso e fomentar uma aprendizagem de interculturalidade. Este objetivo justifica-se também pelo facto dos cursos serem muitas vezes bastante heterogénicos e frequentados por alunos com biografias bastante diferentes e de nem todos os alunos se conhecerem. Dadas as possibilidades de cooperaç-o entre os liceus de Estugarda para os alunos do ensino secundário, alguns alunos vêm de outros liceus da cidade e frequentam apenas o curso de PLE no GSG, sobretudo alunos falantes de português como língua de herança. As apresentações dos alunos permitem também dar ênfase a formas de um trabalho linguístico e pedagógico que pretende sublinhar alguns dos objetivos para o ensino de PLE do plano curricular em vigor - “Bildungsplan 2016”  1 - de Baden Württemberg”, como por exemplo: • a sensibilizaç-o para outras formas de viver e pensar • o desenvolvimento de competências linguísticas para comunicar no espaço lusófono • a aquisiç-o de conhecimentos socioculturais sobre Portugal, o Brasil e outros países consoante as origens dos alunos na promoç-o de compe‐ tências interculturais. Dada a heterogeneidade deste grupo pareceu evidente analisar um pouco mais as biografias dos alunos. A análise será no entanto limitada a apenas alguns aspetos considerados mais eminentes no contexto do ensino e do processo de aprendizagem de PLE. A pluralidade cultural e linguística presente entre este grupo de alunos é prova de que o português n-o está limitado ao mundo lusófono, a leitura dos textos mais parece uma verdadeira “viajem pela língua” portuguesa ou seja por todos estes alunos portugueses e brasileiros falantes de língua materna, por outros com o português como língua de herança e por aqueles que est-o a aprender o português como língua estrangeira. E todos podem (podemos) aprender muito uns com os outros. 167 Heterogeneidade e diferenciaç-o nas aulas de PLE 2 Apresentaç-o do grupo de alunos do 4°/ 5° ano de PLE A seguinte tabela com alguns dados biográficos dos 13 alunos do curso permite dar visibilidade à pluralidade do grupo de forma mais detalhada. Como se pode verificar na tabela todos os jovens vivem na Alemanha e falam alem-o, mas nem todos s-o bilingues e falantes de alem-o desde a sua infância. Para três dos jovens a língua alem- é uma língua estrangeira, porque em 2018 (data da apresentaç-o do texto) vivem há apenas três anos na Alemanha e têm ainda algumas dificuldades com a língua. A língua portuguesa é para eles língua materna assim como é o alem-o para os alunos alem-es que aprenderam a língua desde crianças. No entanto a maioria dos alunos fala desde a sua infância além do alem-o uma língua de herança ou seja “uma língua adquirida concomitantemente com a língua majoritária do país onde vive e cuja aprendizagem está relacionada a questões familiares e/ ou étnicas” (Wikipedia 2020). Entende-se aqui como língua materna “a língua adquirida por um falante na primeira infância (dos 0 aos 3 anos), em ambiente natural” (Infopedia 2020). Alu‐ nos Local de nasci‐ mento Tempo de estadia em país de língua por‐ tuguesa Língua materna (LM)/ língua de herança (LH) Local de resi‐ dência em 2018 1. Portugal + de 10 anos em Portugal português (LM) na Alemanha há 3 anos 2. Brasil + de 10 anos no Brasil português (LM) na Alemanha há 3 anos 4. Alemanha férias anuais com a fa‐ mília em Portugal português (LM) Alemanha 3. Brasil + de 10 anos no Brasil português, (LM) alem-o (LH) na Alemanha há 3 anos 5. Brasil + de 5 anos no Brasil português (LM) Alemanha 6. Alemanha + de 5 anos em Por‐ tugal e férias anuais alem-o (LM) Alemanha 7. Espanha + de 5 anos no Brasil e em Portugal francês (LM) , alem-o (LM) Alemanha 8. Alemanha viagem de estudo em Portugal, 1 semana italiano (LH), eslo‐ vénio (LH) Alemanha 9. Alemanha viagem de estudo em Portugal, 1 semana croata (LH) Alemanha 10. Alemanha viagem de estudo em Portugal, 1 semana alem-o (LM) Alemanha 168 Leonor Paula Santos Alunos dos cursos de PLE , 11º e 12º- 2018/ 19 11. Alemanha viagem de estudo em Portugal, 1 semana alem-o(LM) Alemanha 12. Alemanha viagem de estudo em Portugal, 1 semana alem-o (LH) Alemanha 13. Alemanha viagem de estudo em Portugal, 1 semana alem-o (LH) Alemanha 2.1 Local de nascimento dos alunos e duraç-o de estadia em países de língua portuguesa O local de nascimento é sem dúvida um elemento significativo na biografia de qualquer pessoa e poderá sê-lo também no processo de aquisiç-o e aprendizagem de uma língua, neste caso da língua portuguesa. No entanto o sucesso desse processo depende também de outros fatores talvez ainda mais decisivos para um processo favorável à aquisiç-o e aprendizagem da língua, como por exemplo o tempo de estadia num país de língua portuguesa ou a/ as língua/ s de herança dos pais e outras línguas de contacto frequente da criança. No caso dos alunos do curso de PLE pode-se verificar que oito alunos nasceram na Alemanha, três no Brasil, um em Portugal e um em Espanha, mas 3 alunos permaneceram durante mais de 10 anos em Portugal ou no Brasil e 3 alunos mais de 5 anos. A importância destes fatores para o desenvolvimento pessoal e linguístico dos jovens é também um dos aspetos mencionados nos textos escritos por eles próprios e que se revela no seu nível de língua. De um modo geral se poderá dizer que quanto mais longo é o período de estadia, mais elevado é o nível linguístico. 169 Heterogeneidade e diferenciaç-o nas aulas de PLE Línguas de herança dos alunos dos cursos de PLE , 11º e 12º anos - 2018/ 19 Estadia em países de língua portuguesa Em Portugal: 2 alunas (+de 5 anos) No Brasil: 4 alunos (+de 5 anos) Férias regulares: 2 alunas (anualmente) Viagem de estudo: 6 alunos 2.2 Línguas de herança e línguas estrangeiras na sala de aula A constataç-o da variedade de línguas de herança presentes na sala de aula destaca de forma singular a heterogenidade deste grupo de alunos. Os resultados da análise dos textos revelam que os alunos bilingues que além do alem-o têm também uma língua de herança apresentam um melhor nível de português que os alunos que têm apenas alem-o como língua materna. Daí se poderá concluir que o contacto regular com mais de uma língua durante um considerável período de tempo influencia de forma positiva a aprendizagem de outras línguas e neste caso do português. O que certamente também contribui para isso é o facto de os alunos já terem mais experiência na aprendizagem de línguas e por isso também mais abertura e conhecimentos interculturais que facilitam aprender a língua portuguesa. Estas observações v-o ao encontro dos resultados de investigaç-o de Bernhard Brehmer e Grit Mehlborn sobre a relevância da língua de herança para a formaç-o pessoal e escolar dos jovens (Brehmer / Mehlborn 2018, 12). 170 Leonor Paula Santos 7 Línguas de herança dos alunos dos cursos de PLE , 11º e 12º anos - 2018/ 19 Línguas estrangeiras dos alunos dos cursos de PLE , 11º e 12º anos - 2018/ 19 Além da presença de línguas maternas e de herança na sala de aula, cada um dos alunos fala pelo menos mais duas línguas estrangeiras: todos falam inglês e mais de metade fala também francês. Para quatro jovens o alem-o é uma língua estrangeira e seis têm português como língua estrangeira. 0 2 4 6 8 10 12 14 16 português inglês francês alem-o outras (italiano, croata, esloveno, espanhol, amárico) Línguas estrangeiras dos alunos dos cursos de PLE , 11º e 12º anos - 2018/ 19 Além da presença de línguas maternas e de herança na sala de aula, cada um dos alunos fala pelo menos mais duas línguas estrangeiras: todos falam inglês e mais de metade fala também francês. Para quatro jovens o alem-o é uma língua estrangeira e seis têm português como língua estrangeira. A aprendizagem de uma língua estrangeira é geralmente relacionada com uma aprendizagem escolar que acontece de forma estruturada e com objetivos previamente definidos principalmente relacionados com uma boa formaç-o escolar e uma mais-valia para o futuro profissional. Esta ideia corresponde também à política de multilinguismo da Comiss-o Europeia, segundo a qual “Os jovens que sabem línguas estrangeiras podem mais facilmente estudar ou fazer uma formaç-o no estrangeiro.” (Comiss-o Europeia 2020). Em contrapartida quando se fala de línguas de herança pensa-se sobretudo, como já foi acima referido, em línguas minoritárias, adquiridas e usadas num ambiente restrito e familiar de modo que nem sempre se reconhece de forma adequada o potencial das línguas de herança, nem pelos jovens e suas famílias que muitas vezes vêem dificuldades em manter um contacto regular com a língua uma vez que isso significa um esforço acrescido e nem sempre existe o devido reconhecimento e apoio por parte das instituições de ensino. Felizmente se v-o dando alguns passos neste sentido, por exemplo através da investigaç-o académica sobre as línguas de herança, como por exemplo em “Das mehrsprachige Klassenzimmer” (Krifka et al. 2014) onde est-o reunidas informações sobre as línguas de herança mais comuns na Alemanha e possíveis áreas de interferência com a língua alem-. Também a política de multilinguismo da Comiss-o Europeia visa exatamente 171 Heterogeneidade e diferenciaç-o nas aulas de PLE 2 Ministerium für Kultus, Jugend und Sport Baden-Württemberg (2016) esta valorizaç-o e apoio que podem contribuir para que todos os conhecimentos e competências linguísticas dos alunos com línguas de herança sejam cada vez mais valorizados. Tendo em conta a presença de seis diferentes línguas de herança entre o grupo de alunos apresentado parece oportune referir-se aqui o apelo da Comiss-o europeia à promoç-o da aprendizagem de línguas: O lema da UE «Unida na diversidade» simboliza o contributo essencial da diversidade linguística e da aprendizagem de línguas para o projeto europeu. As línguas unem as pessoas, d-o acesso a outros países e culturas e reforçam a compreens-o intercultural. O conhecimento de línguas estrangeiras desempenha um papel fundamental no reforço da empregabilidade e da mobilidade. O multilinguismo também contribui para a competitividade da economia europeia. (Comiss-o Europeia 2020). Multilinguismo é também um dos príncipios do currículo escolar de Baden Württemberg de 2016 2 em relaç-o ao ensino de línguas estrangeiras, criando diretrizes de orientaç-o para o trabalho dos professores que poderá ajudar a desenvolver todo o potencial línguístico dos alunos na sala de aula. Em termos práticos e em relaç-o ao ensino das línguas o conhecimento do professor sobre a biografia e os conhecimentos linguísticos dos alunos pode ajudar a explicar por exemplo alguns erros frequentes dos alunos ou poder recorrer a estruturas semelhantes das línguas presentes na sala de aula que facilitem o ensino e a aprendizagem da língua em quest-o, neste caso do português. No entanto e para concluir é preciso destacar que continua a ser a língua inglesa a língua estrangeira mais escolhida pelos alunos no ensino secundário. Apesar de se poder verificar interesse pela descoberta de outras línguas e culturas entre os alunos, no momento da decis-o s-o outros motivos, cuja análise iria além do âmbito deste trabalho, que levam os alunos a decidir a favor das línguas mais faladas e n-o a favor do multilinguismo o que torna ainda mais urgente o trabalho que até agora se tem feito neste sentido. 172 Leonor Paula Santos 3 Textos dos alunos A leitura e avaliaç-o global do nível linguístico dos textos, levou à seguinte distribuiç-o dos alunos em 3 grupos: Grupo Nível linguístico Duraç-o de estadia num país de língua portuguesa Língua de herança Local de nascimento 1 B2-C1 + de 10 anos ou férias regulares português Portugal ou Brasil alguns alunos bilingues 2 B2 + de 5 anos português e outras línguas diversos países alguns alunos bilingues 3 B1 viagem de estudo alem-o e outras línguas Alemanha alguns alunos bilingues 3.1 Apresentaç-o dos excertos dos textos ordenados por grupos consoante níveis Grupo 1: B2-C1 • Muito bom nível linguístico • Nas aulas estes alunos revelam também ótimos conhecimentos sociocul‐ turais Alunas 1 e 2 Alunas com português como língua materna a viverem na Alemanha há 3 anos A disciplina de português ajudou em muito a compensar as dificuldades que estes tiveram com a disciplina de alem-o, podendo assim conseguir concluir com sucesso o “Abitur” . Aluna 1 Sou portuguesa e tenho 16 anos. Nasci em Aveiro e quando era pequena costumava ficar todos os dias com a minha Avó, porque a minha m-e estava sempre a trabalhar…. Em 2015 a minha m-e decidiu mudar-se para a Alemanha, …. foi difícil aceitar tantas mudanças na minha vida. … 173 Heterogeneidade e diferenciaç-o nas aulas de PLE Aluna 2 A minha vida começou no dia 27 de Dezembro de 2000, em S-o Paulo, Brasil. …Ao longo da minha vida frequentei muitas escolas e sempre tive facilidade de encontrar novos amigos….. Com 15 anos mudei-me para Stuttgart, e moro com a minha m-e enquanto meu pai trabalha em outra (PB) cidade. Já moramos aqui faz 2 anos e meio e apesar do medo me acostomei [sic]muito rápido e fiz facilmente novos amigos, e com eles aprendi a maior parte do vocabulário da língua alem- e com eles vivi coisas que sempre ficar-o na minha memória…. Aluna 3 Aluna nasceu na Alemanha, tem português como língua de herança, pais portugueses, vai regularmente de férias a Portugal. Eu chamo-me … e tenho 18 anos. Nasci em Estugarda na Alemanha … Tal como os meus pais eu tenho a nacionalidade portuguesa. Os meus pais nasceram em Portugal, em Viseu e viveram lá até aos 20 anos. … Entrei aos três anos no infantário sem falar alem-o…. Mas eu n-o tive nenhum problema em aprender a língua … Aos 11 anos entrei no “Gymnasium” onde também hoje estou a fazer o meu “Abitur”. Aluno 4 Aluno nasceu no Rio, tem pai alem-o e m-e brasileira e frequentou a escola alem- no Rio até aos 14 anos. Vive na Alemanha há 2 anos e tem português como língua de herança. A disciplina de português ajudou em muito a compensar as dificuldades que teve com a disciplina de alem-o. Me chamo … , nasci no dia … na cidade do Rio de Janeiro. Na época que eu nasci, meo pai era gerente da empresa … Minha m-e também é geofísica e fundou a sua própria empresa. Quando eu tinha 3 anos, fui para o “Kindergarten” da escola alem- Corcovado. … Em Janeiro de 2018 eu mudei com a minha família para a Alemanha. Aí começou um novo capítulo da minha vida. Grupo 2: B1-B2 • Nível linguístico entre avançado e intermédio com alguns erros • Competências interculturais • Conhecimentos socioculturais Aluna 5 Aluna nasceu no Brasil onde passou a maior parte da sua infância mas viveu também alguns tempo na Etiópia e no Uruguay. Vive na Alemanha desde 2015, 174 Leonor Paula Santos tem pai alem-o e m-e brasileira. A aluna interrompeu escola no ano passado por motivos de saúde. …Eu sou meu passado, o presente e meu futuro. Eu sou o tipo de pessoa que faz amizade hoje e guarda para a vida toda.… Quem sou eu? Quem sou eu além daquela que era? Quem sou eu além daquela que quero ser? … Mas que sou eu além daquele que está aqui? Sou vários, exceto este aqui. Eu sou eu ou que eu era e cada vez mais ou que eu quero ser. Alunas 6 e 7 Alunas viveram vários anos num país de língua portuguesa. Ambos os pais ou um dos pais é alem-o e n-o falam português em casa. Aluna 6 Os meus pais me educaram para ter um espírito aberto para outras culturas e países. Por exemplo mudamos para Portugal quando era pequena. E no início era mesmo difícil para mim de se adaptar à nova língua, outra comida, nova cultura e novas pessoas. Mas aquela experiência me preparou muito bem para o resto da minha vida…. Aluna 7 Olá, meu nome é … e tenho 18 anos. Eu nasci no dia 6 de Janeiro de 2000 em Barcelona, na Espanha. Depois de um ano me mudei para o Portugal em Aveiro. Fiquei lá até os quatro anos. Depois eu fui para Stuttgart onde morei seis anos da minha vida. Com quase onze anos me mudei para o Brasil em uma cidade perto de S-o Paulo. Lá eu passei toda minha adolescência até os 16 anos. … Sou metade francesa, metade alem- porque a minha m-e vem da França e meu pai vem do norte da Alemanha …. Grupo 3: B1-A2 • Nível linguístico intermédio com alguns erros • Competências interculturais através de PLE e outras línguas estrangeiras • Conhecimentos socioculturais adquiridas nas aulas • Muita motivaç-o e empenho para aprender português 175 Heterogeneidade e diferenciaç-o nas aulas de PLE Aluna 8 Aluna tem outras línguas de herança: alem-o, italiano Frequenta o curso de PLE desde o 8º ano. Viagem de estudo no 10º ano aumentou a sua motivaç-o de aprender português. Sou a … . Nasci no dia 30 de Setembro no ano 2001 em Ostfildern . O meu pai é italiano e a minha m-e é eslovena. Por isso vamos para Gallipoli todos os anos. Gallipoli é uma cidade no sul da Itália. … No ano passado fui para Porto com a minha classe. Foi uma experiência ótima. A cidade é muito bela. Por isso gosto muito de aprender português. 3.2 Interferências e áreas gramaticais que causam mais dificuldade As interferências e áreas gramaticais aqui referidas representam apenas alguns exemplos mais frequentes das dificuldades linguísticas dos alunos n-o só por ocorrerem nos textos biográficos dos alunos mas também nas aulas e outros exercícios. Neste sentido n-o ser-o aqui abordadas as diferenças entre o português europeu e o português do Brasil, uma vez que se trata de variedades que todos os alunos de PLE dever-o conhecer e ser-o por isso tematizadas de forma estruturada ao longo do curso. Esta primeira fase de confrontaç-o com os diversos sotaques e variedades da língua portuguesa no início do curso poderá considerar-se como fase de sensibilizaç-o para a pluralidade da língua também presente entre os alunos. Interferências do alem-o Quando eu sou adulto gostaria de … (wenn ich erwachsen bin…) Interferências do francês ”De” a seguir ao verbo ”Quase sempre ouço da música.” “meus irm-os jogam de handebol” Estruturas gramaticais do português que causam mais dificuldades Uso dos verbos ser/ estar/ ficar ”Faço música quando sou triste.” ”Sou no GSG que está em Sillenbuch.” ir / vir ”Vou para cá do autocarro.” Uso dos verbos pps/ imp. ”Quando estive pequeno, nós viviamos lá.” Construções verbais com uso de preposições ”Gosto muito as férias.” 176 Leonor Paula Santos 4 Diferenciaç-o nas aulas de PLE De um modo geral, os métodos e objetivos da diferenciaç-o nas aulas de PLE n-o se distinguem dos de outras disciplinas, em particular dos de outras disciplinas de línguas, como por exemplo o inglês ou o francês, que é a segunda língua estrangeira lecionada no GSG. No entanto é sempre necessário reavaliar os objetivos e adaptar o contexto dos grupos em que se pretende praticar a diferenciaç-o. Reconhecer que há diferenças e que é preciso aprender a aceitar as diferenças poder-o considerar-se os principais objetivos da diferenciaç-o, que tanto se pode referir às diferenças pessoais entre os alunos, entre os diversos níveis de língua ou entre as variedades da língua portuguesa e da cultura dos países lusófonos. Das muitas possibilidades de diferenciaç-o s-o referidas aqui as que mais têm sido postas em prática: 1. Através de materiais (materiais diferentes para grupos diferentes) • Textos/ meios audiovisuais (com diversos níveis de complexidade consoante tema e vocabulário) • Tarefas (com vários níveis de apoio - imagens, vocabulário) 2. Através de vários grupos de trabalho • separados por níveis linguísticos p.ex. em caso de dificuldades específicas • misturados em vários grupos p.ex. para desenvolver a interculturalidade e aspetos sociais • separados por língua de herança p.ex. para tematizar diferenças, elaborar variedades da língua 3. Através de tipos de tarefas nas diversas competências linguísticas • Compreens-o oral/ audiovisual • Express-o oral • Compreens-o de leitura • Express-o escrita 177 Heterogeneidade e diferenciaç-o nas aulas de PLE Exemplo de tarefas de diferenciaç-o Tema da unidade: “A importância das línguas” Objetivo da tarefa para todos: A análise do cartaz (foto em baixo) (Foto tirada na cidade do Porto em 2017. P. Santos) A primeira fase da tarefa inclui um trabalho de casa que servirá como base para o trabalho nas aulas seguintes. 178 Leonor Paula Santos Competências TPC Grupo 3 (Nível B1) Grupo 2 (Nível B2) Grupo 1 (Nível B2-C1) Escrita Escreve um texto em alem-o para a revista alem- “Focus” sobre o cartaz “Unterwegs zur Sprache”. Imagina que és tu o autor do cartaz. Escreve um email em português para um amigo sobre o cartaz. Descreve e comenta o cartaz e faz perguntas sobre o que n-o entendes. Pede ao teu colega que te responda e que te dê a sua opini-o. Escreve um texto em português para a revista portuguesa “Vis-o” sobre o teu cartaz. Imagina que és o autor do cartaz. Nas aulas Puzzle de grupos: formam-se grupos com alunos representantes das diversas tarefas e de todos os grupos Compreens-o oral 1. Cada um apresenta o seu texto. 2. Alunos d-o “feedback” uns aos outros sobre os textos apresen‐ tados (exercício já conhecido pelos alunos) Express-o oral 3. Todos discutem a quest-o: “Qual terá sido a ideia do artista ao criar este cartaz e porque foi colocado naquele sítio no Porto? ” Nas aulas Grupo 3 (Nível B1) Grupo 2 (Nível B2) Grupo 1 (Nível B2-C1) Compreens-o de leitura Express-o oral Escrita / medi‐ aç-o Alunos recebem os textos do grupo 2 (TPC) e escolhem um para escreverem um texto em comum dando resposta ao email em português e comentando a impor‐ tância das línguas no mundo. Alunos recebem textos do grupo 3 e escolhem um como base para es‐ creverem um texto em português com uma en‐ trevista ao artista sobre o cartaz para o jornal da escola. Alunos recebem textos do grupo 1 e escolhem um que usam como base para um artigo em alem-o para o jornal da escola com o título “Warum sind Spra‐ chen wichtig? ” Referências Brehmer, Bernhard / Mehlborn, Grit. 2018. Herkunftssprachen. Tübingen: Narr Francke Attempto Verlag, 12. Krifka, Manfred et al. (ed.). 2014. Das mehrsprachige Klassenzimmer. Über die Mutterspra‐ chen unserer Schüler. Berlin, Heidelberg: Springer Verlag. 179 Heterogeneidade e diferenciaç-o nas aulas de PLE Lopes, Vitor. 2004. Língua - Vidas em Português (filme - documentário). Brasil/ Portugal (www.youtube.com/ watch? v=JBmLzbjmhhg, 17.11.2020). Peito, Joaquim. 2013. Pois é. Konversationsbuch Portugiesisch. Stuttgart: Schmetterling. Comiss-o Europeia. 2020. A política de multilinguismo. (https: / / ec.europa.eu/ education / policies/ multilingualism/ about-multilingualism-policy_pt, 17.11.2020). Infopedia. 2020 (www.infopedia.pt/ dicionarios/ lingua-portuguesa/ l%C3%ADngua? expr ess=l%C3%ADngua+materna, 17.11.2020). Ministerium für Kultus, Jugend und Sport Baden-Württemberg. 2016. Bildungsplan Gymnasium. Portugiesisch als dritte Fremdsprache - Profilfach (www.bildungsplaen e-bw.de/ ,Lde/ LS/ BP2016BW/ ALLG/ GYM/ PORT3/ IK/ 8-9-10, 17.11.2020). Wikipedia. 2020 (https: / / pt.wikipedia.org/ wiki/ L%C3%ADngua_de_heran%C3%A7a, 17.11.2020). 180 Leonor Paula Santos O aprendizado informal no desenvolvimento das competências linguísticas do português como língua estrangeira pluricêntrica Rosane Werkhausen Neste artigo, discutem-se questões teóricas sobre o pluricentrismo e a vari‐ aç-o do português como língua estrangeira pluricêntrica e descrevem-se, de modo empírico, alguns projetos de aprendizagem autônoma em formato tandem que buscam atender às necessidades individuais dos participantes, levando em conta n-o só a abordagem das variações regionais e dialetais de uma língua em contato e pluricêntrica, como também a heterogeneidade dos professores e dos grupos aprendizes em contexto universitário na Alemanha. Verificamos que o formato tandem, entre outros, a) é um recurso essencial na formaç-o de um aprendiz mais consciente da importância de sua participaç-o ativa no processo de ensino-aprendizagem; b) potencializa um processo de ensino-aprendizagem autônomo e uma comunicaç-o intercultural, que integra conhecimentos linguísticos, sociais, culturais e habilidades adquiridas em contextos de sala de aula formal; c) cria contextos de comunicaç-o autêntica, facilitando a promoç-o de ambientes em que se possa ensinar e aprender português de modo mais informal e descentralizado, o que permite uma melhor abordagem do português como língua pluricêntrica nas suas variedades linguísticas. 1 Introduç-o Quando pensamos no ensino de língua estrangeira, vem-nos à mente a imagem de uma sala de aula em que há aprendizes e um especialista na língua a ser aprendida, o qual, com seus diferentes métodos, ensina a norma linguística e a competência comunicativa dessa língua. 1 No âmbito deste artigo n-o se pretende aprofundar a distinç-o entre os conceitos de Português Língua Estrangeira (PLE), de Português como Língua n-o Materna (PLNM), assim como Português como L2 ou Português como Língua de Herança (POLH/ PLH). Será considerado apenas o Português como Língua Estrangeira (PLE), de acordo com os cursos ofertados no Centro de Línguas da Universidade Técnica de Munique. No entanto, no caso do ensino-aprendizagem de português língua estrangeira (assim como outras línguas) 1 , a realidade nos mostra que, tanto os discentes quanto os docentes se deparam também com mais um desafio peculiar: conciliar em uma sala de aula n-o só as variedades do português como língua pluricêntrica com suas variações regionais e dialetais de uma língua em contato, mas também com a heterogeneidade dos grupos aprendizes em diferentes aspetos. A partir desse contexto, pretende-se, neste artigo, além de fundamentar teoricamente a discuss-o sobre o pluricentrismo e a variaç-o do português, apre‐ sentar de forma prática a integraç-o de atividades através do desenvolvimento de projetos de aprendizagem autônoma e criaç-o de novas disciplinas em for‐ mato tandem para atender às necessidades individuais do público universitário na área de Português Língua Estrangeira do Centro de Línguas da Universidade Técnica de Munique (TUM). Dessa forma, procura-se apresentar a promoç-o de ambientes (universitários) em que se possa aprender português de modo mais informal e descentralizado, levando em conta o português como língua supranacional pluricêntrica com as duas variedades dominantes do português europeu e do português brasileiro, além das jovens variedades emergentes do português na África. Oferecer alternativas ao ensino formal de língua estrangeira busca, nesse sentido, em primeiro lugar, atender às necessidades pessoais, acadêmicas ou profissionais desses alunos universitários, os quais optam por aprender portu‐ guês de modo mais autônomo e acelerado para poderem comunicar-se em um país onde português é falado. Em segundo lugar, procura-se também, dessa forma, levar em conta a formaç-o plurilingue e pluricultural da sociedade onde os estudantes est-o inseridos. Além disso, parte-se da premissa que a implementaç-o de programas e disciplinas em formato tandem no processo de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira proporciona contextos reais de interaç-o em que as responsabilidades s-o compartilhadas entre os alunos: ora aprendendo, ao ensinando. Nesses casos, a autonomia e a reciprocidade possibilitam reunir presencialmente e virtualmente estudantes de idiomas de distintas culturas, ampliando o conteúdo aprendido em sala e os horizontes profissionais e culturais de acordo com objetivos individuais. 182 Rosane Werkhausen 2 Neste artigo, usa-se o termo pluricêntrico, por ser o mais amplamente usado nos estudos da área. 2 O português como língua pluricêntrica O termo língua pluricêntrica (muitas vezes também denominado policêntrico ou multicêntrico) 2 foi introduzido por sociolinguistas russos e alem-es no fim da década de 1950 como a evoluç-o de uma língua marcada por diferenças de prestígio de acordo com seus cenários políticos e culturais contingentes. O termo tornou-se mais popular no meio linguístico por meio de Kloss em seu artigo de 1967 intitulado “Abstand Languages and Ausbau Languages”. Para Kloss, o termo pluricentrismo n-o era restrito a línguas com mais de uma variedade padr-o usada em diferentes países, como é o caso do português. Em um artigo posterior, Kloss (1976) ressalta que é necessário n-o só diferenciar Ausbau Language de Abstand Language, mas também a primeira da “língua padr-o policêntrica” (Kloss 1976, 310). No capítulo “Línguas policêntricas de alto nível” (ibd., 310-312), a língua policêntrica é definida como “duas variedades da mesma língua padr-o, ambas no mesmo dialeto ou em dois dialetos muito próximos relacionados”. Tais línguas pluricêntricas padr-o, segundo Kloss, podem ser encontradas quando uma língua é usada em dois ou mais espaços geográficos/ países, como o inglês americano e britânico ou o português europeu e sul-americano, mas também como consequência de circunstâncias políticas de dois países vizinhos que levaram ao desenvolvimento de duas variedades escritas da mesma língua, como sérvios e croatas (Kloss 1976). Segundo Clyne (1992), citando Kloss (1978), o termo “pluricêntrico” serve para descrever línguas com diferentes centros interativos, cada um deles provendo uma variedade nacional com, ao menos, algumas normas próprias (codificadas). Para esse autor, línguas pluricêntricas unem e separam povos ao mesmo tempo. Muhr (2012, 2019) também salienta que o pluricentrismo linguístico se desenvolve de diferentes modos. O autor afirma que há línguas pluricêntricas sem território próprio ou sem reconhecimento oficial em seus respetivos países. Neste estágio de desenvolvimento, há tanto uma distância linguística entre as variedades quanto uma forte consciência de identidade nacional e étnica. Há também línguas pluricêntricas com variedades à espera de reconhecimento e com grandes comunidades linguísticas que n-o usufruem nem de status de língua minoritária. Um terceiro caso é a língua pluricêntrica sem estatuto 183 Aprendizado informal do Português como língua estrangeira pluricêntrica 3 Em Muhr (2019) é possível encontrar uma descriç-o detalhada das línguas pluricêntricas e as variedades n-o dominantes na Europa, e a categorizaç-o do seu status linguístico e político nos países e regiões em que s-o faladas. formal apropriado. Línguas em que o caráter de pluricentricidade é negado pela variedade dominante formam o quarto grupo de desenvolvimento. 3 Além desses pontos e além de seu status político, há um aspeto fundamental que precisa ser levado em conta quando se define uma língua: o seu uso e sua variaç-o interna. Por isso, é relevante o conceito sobre línguas pluricêntricas de Mendes (2016), ao afirmar que: as línguas pluricêntricas s-o caraterizadas por apresentar mais de um centro de referência, de onde emanam variadas normas linguísticas, nem sempre coincidentes do ponto de vista de seus usos. As normas variam internamente, porque apresentam diferenças dentro de uma mesma variedade de uso, e também variam externamente, como é o caso de normas que diferem entre países ou regiões. (Mendes 2016, 294) Ainda segundo Mendes (2016) e de acordo com Clyne (1992) e Muhr (2012), o pluricentrismo apresenta dois aspetos fundamentais: as relações entre a linguagem e identidade e linguagem e poder. Para a autora, é preciso entender a relaç-o entre linguagem e poder para se compreender as relações entre as diferentes variedades de uma língua pluricêntrica. Nesse contexto, pode-se ainda elencar os casos em que as caraterísticas linguísticas das variedades n-o dominantes s-o levadas em consideraç-o no cenário educacional mesmo que n-o cheguem a obter espaço no currículo escolar (Batoréo 2014) ou os casos em que a pluricentricidade também se desenvolve com línguas em que o seu status pluricêntrico é reconhecido pela variedade padr-o ao ponto de ter as suas caraterísticas linguísticas codificadas, dicionarizadas, e reconhecidas em livros de referência (Baxter 1992; Clyne 1992; Muhr 2012). No caso da língua portuguesa, até o início deste século o português era visto como bicêntrico, com Brasil e Portugal protagonizando a principal tens-o no exercício da normatizaç-o do idioma (Oliveira 2016), enquanto que a variedades dos países africanos e do Timor-Leste eram completamente ignoradas. No entanto, há um processo de mudança nesse sentido a partir do constante esforço marcado por movimentos político-linguísticos importantes no mundo da lusofonia. Segundo Oliveira (2016, 1044), “a gest-o da língua portuguesa tornou-se um objeto renovado de análise por parte dos países que a têm como língua oficial, dos estudiosos e de instituições internacionais”. A reflex-o dos falantes sobre sua língua, em consequência às ações de plani‐ ficaç-o linguística, também se intensificou, principalmente com a criaç-o do 184 Rosane Werkhausen 4 Ver mais em: https: / / iilp.cplp.org/ 5 A plataforma contém recursos e materiais para o ensino e aprendizagem do português como língua estrangeira/ segunda língua em três níveis de proficiência e nas oito variedades linguísticas nacionais dos países de língua oficial portuguesa. Ele é concebido e abastecido de forma multilateral: https: / / ppple.org/ Instituto Internacional de Língua Portuguesa 4 em 1989, a partir da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Entretanto, se levarmos em conta o ensino de português língua estrangeira, esse bicentrismo continua, com professores brasileiros e portugueses atuando nas escolas e universidades, ensinando com livros didáticos editados conforme as normas do português brasileiro ou europeu, com raras exceções, como é o caso da plataforma on-line do Portal do Professor de Português Língua Estrangeira/ Língua N-o Materna (PPPLE) 5 . Nesse sentido, é um desafio ensinar uma língua pluricêntrica, como o português, já que é preciso, como bem lembra Duarte (2016, 226): A nível individual, ou seja, de cada docente de Português como Língua N-o Materna, uma política multilateral de língua relaciona-se com uma correta concepç-o da língua (tendo em conta tópicos como variaç-o e mudança, acima já referidos), bem como uma atitude intercultural de abertura ao outro, como Moisés de Lemos Martins (2015) vem defendendo. Nenhum professor de Português pode pensar que lhe basta conhecer a sua variedade, as culturas e a literatura que a ela correspondem. Tem de ter, da sua língua, uma vis-o muito mais complexa e plástica, enriquecida por conhecimentos que lhe venham da formaç-o inicial ou continuada. A autora ressalta também a importância de que cada falante deve ensinar, principalmente, a sua variedade, a que melhor conhece. “Pode-se optar por apresentar, em primeiro lugar, aspetos linguísticos-comunicativos que sejam comuns às diferentes variedades do português”. E deve ir se mostrando “uma permanente vis-o contrastiva” das diferentes variedades do português, “tanto quanto os seus conhecimentos das diferenças entre variedades lhe permitirem.” Ela acrescenta a importância de usar documentos autênticos destas variedades, de modo a mostrar a riqueza e variedade da língua (Duarte 2016, 229). Já existem muitos materiais didáticos à disposiç-o no processo de ensino formal de português língua estrangeira. Entretanto, por mais estimulante e desafiador que seja a tarefa de fazer o aprendente a gostar da língua em suas diferentes variedades, é muito difícil para o professor abranger todo tempo em uma aula regular. Isso se deve n-o somente ao fato de o português ser uma língua pluricêntrica, com diferentes normas e variedades, mas também à sua variaç-o regional. Nesse sentido, vale ressaltar a importância do processo de 185 Aprendizado informal do Português como língua estrangeira pluricêntrica sensibilizaç-o do aprendente para essas diferentes normas e usos por parte do professor, para que, a partir disso, ele seja estimulado a continuar a aprender de forma autônoma. Para isso, é necessário disponibilizar oportunidades de aprender fora do contexto de sala de aula, em que se possa decidir, como aprendente, o que e como aprender a língua além do ensino em sala de aula. 3 Autonomia no processo de ensino e aprendizagem de línguas A autonomia na aprendizagem é um tema recorrente nas pesquisas atuais da Linguística Aplicada e no ensino. Pensadores como Freire (1996) partem do pressuposto de uma educaç-o emancipadora e transformadora, a qual reflete e reanalisa os papéis desempenhados por professores e alunos, na constante busca por melhoria e diversificaç-o das práticas docentes; e, consequentemente, a busca consciente da necessidade de promover uma maior participaç-o dos alunos no seu processo de ensino-aprendizagem. Holec (1981), um dos precursores em conceitualizar a autonomia no en‐ sino-aprendizagem de língua estrangeira, define essa ideia como “a capacidade de se responsabilizar pela própria aprendizagem”. Segundo o autor, é o estudante que deve: (a) determinar seus objetivos e os conteúdos a serem revisitados e/ ou estudados; (b) atuar na seleç-o de métodos e técnicas; (c) além de monitorar o processo de aquisiç-o da LE, participar ativamente na avaliaç-o do que foi/ está sendo/ será aprendido. No que diz respeito à metodologia de ensino de línguas estrangeiras, veem-se significativas mudanças ao longo dos anos. Teorias e práticas fazem com que o ensino e aprendizado evoluam e mudem seu foco de geraç-o em geraç-o. Gra‐ mática, produç-o escrita e oral, comunicaç-o, aspetos culturais e, mais recente‐ mente, o uso de tecnologias virtuais, entre tantos outros, têm sido enfatizados em momentos distintos da trajetória pedagógica de ensino. Concomitante ao modo como a língua é ensinada, a prática docente que possibilita o desenvolvimento da autonomia dos estudantes em seus processos de aprendizagem é o objeto de desejo de muitos professores, independentemente do nível de ensino que estejam lecionando. Entretanto, no ensino superior essa busca coloca-se como uma demanda emergente, tendo em vista a necessidade de formar profissionais com um perfil diferenciado, especialmente no que diz respeito à capacidade de apreender conhecimentos novos e resolver problemas inesperados de maneira atenta, sensível e segura de maneira independente e autônoma. Segundo Benson (1997), as palavras autonomia e independência têm sido usadas, no ensino de línguas, de pelo menos cinco maneiras: 186 Rosane Werkhausen 6 1. for situations in which learners study entirely on their own; 2. for a set of skills which can be learned and applied in self-directed learning; 3. for an inborn capacity which is suppressed by institutional education; 4. for the exercise of learner’s responsibility for their own learning; 5. for the right of learners to determine the direction of their own learning. 1. em situações em que os aprendizes estudam completamente por si; 2. para descrever um conjunto de habilidades que podem ser aprendidas e aplicadas no aprendizado autodirecionado; 3. para descrever uma capacidade inata que é suprimida pela educaç-o institucional; 4. no exercício da responsabilidade do aprendente pela própria aprendizagem; 5. no direito dos aprendentes de determinar a direç-o de seu aprendizado. 6 (Benson 1997, 1-2) Engajado no processo, o estudante pode desenvolver habilidades de aprendizado independentes, tendo a oportunidade de encontrar no ensino de línguas aspetos que correspondam às suas preferências. Para ser considerado autônomo, o estudante precisa determinar vários pontos concernentes à aprendizagem, como seus objetivos, propósitos pessoais, ritmo do processo de aprendizagem, escolha de materiais, tarefas e critérios de avaliaç-o; assumindo, portanto, o controle desse processo e sendo responsável por ele (Holec 1981; Little 1991; Benson 2006). Benson (2006), no entanto, ressalta que, apesar da tentativa de muitos teóricos de estabelecer modelos de autonomia, que implicaria uma possível progress-o de um nível de autonomia mais baixa para uma mais alta. Na realidade n-o poderia ser aplicada, já que esse processo é relacionado a contextos em que o ensino e a aprendizagem acontecem e que s-o ligados a questões individuais, sociais, culturais, comunicativas e pedagógicas. Nesse sentido, dependendo do grau de autonomia de cada indivíduo, ele pode estar apto a determinar todos os pontos descritos anteriormente ou apenas opinar em determinados aspetos e etapas da aprendizagem. Tal habilidade pode ser desenvolvida pelo aluno e estimulada pelo professor, pelo ambiente favorável ou até mesmo pelo material didático que está sendo utilizado (Holec 1981). Com o avanço tecnológico, que colocou o mundo em rede, tem-se uma revoluç-o n-o só no ensino-aprendizagem formal, mas também na maior autonomia no processo de aprendizado individual. Esses impactos expressivos em nossa sociedade ressignificam as relações na educaç-o e na sociedade e, consequentemente, a aquisiç-o de uma língua estrangeira. Ao se viabilizar a conex-o entre professores, aprendizes e falantes e o acesso imediato a textos 187 Aprendizado informal do Português como língua estrangeira pluricêntrica 7 Informações mais detalhadas sobre esse modelo podem ser encontradas também no site do Centro de Línguas da FU Berlin: www.sprachenzentrum.fu-berlin.de/ slz/ lernberatu ng/ autonomiemodell/ index.html autênticos em qualquer parte do mundo, elimina-se o vínculo entre língua e território (Oliveira / Jesus 2018) e acelera-se o processo de interaç-o linguística, social e cultural. E é nesse contexto que modelos de aprendizagem autônoma têm sido de‐ senvolvidos, com destaque ao modelo dinâmico de aprendizagem autônoma concebido por Tassinari (2010), com descritores de atitudes, competências e comportamentos de aprendizagem. Este modelo permite uma abordagem qualitativa e dinâmica de autoavaliaç-o e avaliaç-o da autonomia do aprendente. Para o aprendente, esse modelo traz uma reflex-o e uma tomada de consciência de suas próprias competências, podendo assim contribuir para melhorar e regular o seu processo de aprendizagem. Para o mediador, o modelo pode servir para ajudar os aprendentes a identificar os pontos fortes e fracos e detectar áreas em que é necessário apoio. 7 Em relaç-o ao ensino e aprendizagem do português, além dos pontos elen‐ cados anteriormente em relaç-o à autonomia no aprendizado de uma língua, é relevante levar em conta a variaç-o linguística inerente a qualquer língua, mas também a existência de inúmeras variedades linguísticas nos seus diferentes contextos pluricêntricos, já detalhado na seç-o anterior. A variedade escolhida e usada normalmente em sala de aula será a do professor, por mais sensibilizado e sensível ele esteja para a quest-o da variaç-o e do pluricentrismo linguístico. Essa será a primeira variedade com a qual o aprendente estará familiarizado. Além desses aspetos, partindo da realidade do ensino de português língua estrangeira na Alemanha, tem-se também uma grande heterogeneidade entre os participantes dos cursos de português. Sua(s) língua(s) materna(s) s-o variadas; sua biografia linguística é plural, a proficiência em uma língua românica, seja como L1 ou L2 ou estrangeira, é em diferentes níveis. Nesse contexto, alternativas pedagógicas no aprendizado de português como língua estrangeira permitem que o aprendente possa desenvolver estratégias de aprendizagem de acordo com os seus anseios e objetivos para além das variedades a que está exposto em sala de aula, se assim ele o quiser. A capacidade de adquirir autonomamente conhecimentos e dominá-los é uma habilidade chave, o que pode ser potencializado aprendizado por meio da metodologia de tandem, pois s-o integrados conhecimentos linguísticos, sociais, culturais e habilidades adquiridas em contextos de sala de aula e em contextos de comunicaç-o autêntica. Isso também modifica o papel e a funç-o do professor em sala de aula, que já n-o será o único mediador do conhecimento, mas um 188 Rosane Werkhausen estimulador e moderador dos processos de aprendizagem de seus alunos, cujas necessidades e cujos interesses tem um papel cada vez mais importante no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, se levarmos em conta os cinco modos de aprendizado autônomo e independente no ensino de línguas elencado por Benson (1997) e o modelo dinâmico de autonomia de Tassinari (2010), que representam o que há de mais autônomo na decis-o do processo de aprendizagem, sabe-se que o papel de mediador nem sempre é o que é esperado do professor no contexto formal de ensino de língua estrangeira pelos participantes dos cursos dessa área. Há vários fatores que contribuem para que nem todo aprendente queira essa liberdade para decidir quando, o quê, onde e como estudar, assim como por quanto tempo deseja-se fazê-lo, e prefira que o conteúdo planejado seja dado de forma tradicional. Por outro lado, há uma parcela do grupo que anseia por materiais e atividades complementares que possibilitem o aprendizado de forma mais intensa e rápida. E ainda há outros, no mesmo grupo, no contexto universitário, que est-o ali porque precisam somar créditos para a formaç-o complementar de seus estudos acadêmicos. Entretanto, como já afirmado por Duarte (2016, 233) “o desafio de ensinar uma língua pluricêntrica, como é o caso do português enquanto língua n-o materna, sobretudo para estudantes que a aprendem em contexto de língua estrangeira é t-o complexo quanto estimulante”. Complexo porque se tem tudo por fazer, estimulante pelo mesmo motivo. Entretanto, também é “fácil fazer o aprendente gostar da Língua Portuguesa, quando ela abre as portas a realidades linguísticas, culturais, literárias t-o ricas e variadas”. E por representar pessoas com uma língua em comum, apesar da grande distância geográfica e cultural entre elas. 4 O espaço da (inter)culturalidade no ensino de PLE Ao se ensinar e aprender uma língua, é preciso sempre levar em conta que também se ensina e aprende aspetos culturais das pessoas que falam essa língua. Questões de interculturalidade numa sala de aula n-o é apenas transmitir e receber informações culturais, é promover o diálogo intercultural que permite ao aprendente encontrar-se com a nova cultura sem deixar de lado a sua, pro‐ movendo o respeito mútuo, superando estereótipos ou preconceitos (Farneda / Nédio 2015). Segundo Kramsch (1998), a interculturalidade é um campo interdisciplinar que estuda a intercompreens-o mútua para além das fronteiras dos diferentes grupos a que pertencem: nacional, geográfico, ético, ocupacional, classe ou gênero. É importante acrescentar que o processo comunicativo intercultural 189 Aprendizado informal do Português como língua estrangeira pluricêntrica pode também referir-se a falantes de um mesmo idioma, ou também, mais amplamente, a grupos minoritários, bilingues ou multilingues. Além disso, Kramsch (2013) afirma que através da relaç-o da língua com a cultura, os aprendizes descobrem o seu eu no encontro com o outro. Ela acrescenta ainda que esses n-o podem compreender o outro se n-o perceberem as suas próprias experiências históricas e subjetivas. Almeida (2011) acrescenta ainda que, para isso acontecer, a cultura n-o deve ser apenas vista como um acessório da aula de português língua estrangeira. Se pensarmos na realidade dos nossos participantes dos cursos de português língua estrangeira no centro de língua da universidade técnica, temos a globalizaç-o em pequena escala, com um grupo social que vive em um meio internacional, com estudantes provenientes do mundo inteiro, que vivem em um país com um processo de imigraç-o muito intenso, e que buscam a proficiência na língua para futuros intercâmbios em países de fala portuguesa. O aprendizado da língua é em um contexto de n-o-imers-o, o que dificulta a experiência intercultural. No entanto, a oportunidade de interaç-o face a face entre aprendizes do PLE com falantes nativos em, por exemplo, interações de tandem (v. seç-o 5) pode criar uma “esfera de interculturalidade” (Kramsch 1993, 205) a qual prepara os aprendentes para, principalmente, agirem e se comunicarem em língua estrangeira. Os estudantes, em diferentes graus, s-o desafiados a refletir e a modificar as suas ideias estereotipadas e noções preconcebidas sobre a sua própria cultura e a cultura do outro. Com a ascens-o tecnológica e digital e a oportunidade de usar a comunicaç-o mediada por computador, o conceito de interculturalidade adquire um novo significado com o acesso direto à língua e cultura do outro, criando uma ilus-o de imers-o cultural. Em aulas regulares de português língua estrangeira, é necessário compre‐ ender que os exemplares da língua devem “ser representativos das variadas situações sociais de uso da linguagem. Cada texto ou material selecionado representa uma amostra da língua-cultura em foco, em toda a sua potencialidade linguística e cultural” (Mendes 2016, 303). A autora reforça também que é preciso “reconhecer que o português é uma língua de muitas culturas, que inclui falantes de todos os tipos, deslocamentos de toda natureza, sentimentos dos mais variados quanto às experiências que vivenciam em outros espaços de socializaç-o, em outras línguas-culturas. E isso significa compreender que ensinar e aprender português é ultrapassar o espaço restrito de um país ou regi-o, mas engloba todas as pessoas que se identificam com a língua portuguesa, independentemente do sotaque que ela apresente. Mendes ainda afirma que: O processo de ensino-aprendizagem de português como língua pluricêntrica, portanto, deve ser capaz de desenvolver nos alunos as capacidades de traduç-o, de movimento e 190 Rosane Werkhausen deslize entre as línguas-culturas portuguesas, permitindo que cada aprendiz construa o seu próprio lugar na língua, com suas próprias ferramentas e possibilidades. A eles deve ser permitido construírem os seus próprios modos de representaç-o, de aproximaç-o e de pertencimento a essa grande comunidade representada pela língua portuguesa. (Mendes, 2016, 308) Na Europa, embora a abordagem intercultural no ensino das línguas seja um fenômeno relativamente recente datando do início dos anos 1990, muitos fatores acadêmicos e sociais contribuíram para o seu estabelecimento, principalmente depois da publicaç-o em 2001 do Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas do Conselho da Europa - QECR que, além de descrever (e n-o prescrever) as línguas em seis níveis de referência - de A1 a C2 -, define várias subcompetências em que se desdobra a competência comunicativa. Além da criaç-o de ambientes propiciadores de uma aprendizagem motivadora e próxima de contextos reais de comunicaç-o, é objetivo fomentar o plurilinguismo e pluriculturalismo através da harmonizaç-o do ensino numa Europa multilingue e multicultural. Em 2018, foi publicada em inglês o volume suplementar do Quadro Comum (Council of Europe 2018) com novos descritorese, dentre as várias reformulações e acréscimos, é destacado abaixo aquelas que foram relevantes em um primeiro momento para reestruturar algumas disciplinas e iniciar alguns projetos em formato tandem para a promoç-o do ensino de português línguas estrangeiras na TUM. Leva-se em conta, entre outros, os aspetos a seguir, com a prerrogativa de que os aprendentes s-o usuários de uma língua e agentes sociais e culturais, e que a língua é um veículo de comunicaç-o: a. Interaç-o on-line A interaç-o, que envolve duas ou mais partes construindo o discurso em conjunto, é central no esquema do QECR e fundamental na aprendizagem. As estratégias básicas de interaç-o s-o t-o importantes na aprendizagem colaborativa como na comunicaç-o no mundo real. Em um mundo cada vez mais conectado em rede, a inclus-o da interaç-o on-line é indiscutível. Esse tipo de interaç-o, junto com a mediaç-o, atende a uma demanda de uma descriç-o mais elaborada da escuta e leitura em escalas existentes, sendo incluída como uma categoria específica em todos os níveis de aprendizado de uma língua estrangeira. A comunicaç-o on-line é sempre mediada através de uma máquina, o que implica que é improvável que ela seja igual à interaç-o face a face (Council of Europe 2018, 96). 191 Aprendizado informal do Português como língua estrangeira pluricêntrica b. A mediaç-o Na mediaç-o, o usuário/ aprendente atua como um agente social que cria pontes e ajuda a construir ou transmitir significado, por vezes dentro da mesma língua, por vezes de uma língua para outra (mediaç-o interlinguística). O foco é o papel da língua em processos como a criaç-o do espaço e das condições para comunicar e/ ou aprender, colaborar na construç-o de novos significados, encorajar outros a construir ou compreender novos significados, e transmitir novas informações de forma apropriada. O contexto pode ser social, pedagógico, cultural, linguístico ou profissional (Council of Europe 2018, 103). c. Competências plurilingues e pluriculturais, levando em conta o “home background” e sua experiência A vis-o plurilingue dá valor à diversidade cultural e linguística ao nível do indivíduo. Promove a necessidade dos aprendentes, como “agentes sociais”, de aproveitarem todos os seus recursos e experiências linguís‐ ticas e culturais para participarem plenamente nos contextos sociais e educacionais, alcançando a compreens-o mútua. Isso tem início na língua falada em casa e é ampliada primeiramente para a da sociedade em geral e mais tarde para as línguas de outros povos (aprendidas na escola, na universidade ou por experiência direta). Essas línguas e culturas n-o ficam armazenadas em compartimentos mentais rigorosamente separados; pelo contrário, constrói-se uma competência comunicativa, para a qual con‐ tribuem todo o conhecimento e toda a experiência das línguas e na qual as línguas se inter-relacionam e interagem (Council of Europe 2018, 157). A competência plurilingue envolve a capacidade de recorrer com flexibi‐ lidade a um repertório plurilinguístico inter-relacionado, desigual, para, entre outros (a) expressar-se em um língua ou dialeto (ou variedade), (b) mudar ou adaptar esse seu repertório, (c) compreender uma pessoa que fala outra língua ou dialeto (ou variedade), (d) apelar ao conhecimento de várias línguas (ou dialetos, ou variedades) e (e) pôr em jogo todo o seu equipamento linguístico, experimentando formas alternativas de express-o. Resumidamente, pode-se esquematizar essa competência da seguinte forma: 192 Rosane Werkhausen 188 Figura 1: Competência plurilingue e pluricultural (Council of Europe 2018, 157) Se levarmos os aspetos elencados acima, e de acordo com as novas descrições do volume suplementar do QECR (Council of Europe 2018), a finalidade do estudo de línguas estrangeiras modifica-se profundamente. N-o se trata já de alcançar 'maestria' em uma, duas ou mesmo em três línguas (cada uma colocada no seu lugar), tendo como modelo final o “falante nativo ideal”. Em vez disso, a finalidade passa a ser o desenvolvimento de um repertório linguístico no qual têm lugar todas as capacidades linguísticas, levando em conta o plurilinguismo, o pluricentrismo, a variaç-o linguística e a coexistência de variedades e dialetos em diferentes contextos sociais e culturais. 5. O aprendizado informal de PLE dentro e fora da sala de aula Levando em conta a descriç-o do Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas do Conselho da Europa (QECR) e com base no que se viu sobre os pressupostos de autonomia linguística, variaç-o e pluricentrismo do português, é preciso ter consciência de que a realidade do professor de PLE n-o permite que ele possa dar conta todo o tempo de todos esses aspetos em sala de aula. Isso é mais evidente ainda em uma realidade em que os grupos de aprendentes sejam totalmente heterogêneos, cujos participantes n-o s-o filólogos, linguistas ou estudantes de um curso de graduaç-o da área de Humanidades e têm Competência plurilingue e multicultural Baseado em repertório multicultural Compreens-o plurilingue Baseado em repertório plurilingue Figura 1: Competência plurilingue e pluricultural (Council of Europe 2018, 157) Se levarmos os aspetos elencados acima, e de acordo com as novas descrições do volume suplementar do QECR (Council of Europe 2018), a finalidade do estudo de línguas estrangeiras modifica-se profundamente. N-o se trata já de alcançar ‘maestria’ em uma, duas ou mesmo em três línguas (cada uma colocada no seu lugar), tendo como modelo final o “falante nativo ideal”. Em vez disso, a finalidade passa a ser o desenvolvimento de um repertório linguístico no qual têm lugar todas as capacidades linguísticas, levando em conta o plurilinguismo, o pluricentrismo, a variaç-o linguística e a coexistência de variedades e dialetos em diferentes contextos sociais e culturais. 5 O aprendizado informal de PLE dentro e fora da sala de aula Levando em conta a descriç-o do Quadro Europeu Comum de Referência para as línguas do Conselho da Europa (QECR) e com base no que se viu sobre os pressupostos de autonomia linguística, variaç-o e pluricentrismo do português, é preciso ter consciência de que a realidade do professor de PLE n-o permite que ele possa dar conta todo o tempo de todos esses aspetos em sala de aula. Isso é mais evidente ainda em uma realidade em que os grupos de aprendentes sejam totalmente heterogêneos, cujos participantes n-o s-o filólogos, linguistas ou estudantes de um curso de graduaç-o da área de Humanidades e têm normalmente como objetivo aprender a língua para fazer um intercâmbio acadêmico ou profissional em um país onde se fala o português. No entanto, essa realidade nos permite uma certa liberdade para propor projetos para a concepç-o e criaç-o de novos formatos de cursos na área de português língua estrangeira no Centro de Línguas da TUM. 193 Aprendizado informal do Português como língua estrangeira pluricêntrica Dessa forma, desde 2016, levando em consideraç-o os princípios de autonomia conforme Benson (1997) já elencados na seç-o 2, iniciou-se no departamento o programa TUMtandem Português-Alem-o. O programa sempre teve uma grande procura, com uma média de 50 inscritos por semestre. Os pares s-o agrupados de acordo com seu nível de proficiência estrangeira e depois de um encontro informativo no início do semestre, reúnem-se de forma autônoma pelo menos quatro vezes durante o semestre. S-o colocadas à disposiç-o na pla‐ taforma Moodle atividades que podem (ou n-o) ser usadas durante os encontros e, no final do semestre, os inscritos/ participantes recebem um certificado de participaç-o após entregar um relatório das atividades feitas. A atividade n-o conta créditos para o curso de graduaç-o. No âmbito do programa TUMtandem, o departamento de Português oferece também regularmente atividades extras, como palestras, sessões de cinema ou encontros informais para promover o encontro dos participantes do programa e também os alunos dos cursos regulares. A partir de 2018 estudantes de português língua estrangeira s-o agrupados com falantes de outras línguas oferecidas no centro de línguas. Desde 2019, com a criaç-o e oferta do Curso de Português para hispanofalantes, começou-se um programa de Tandem Português-Espanhol. Concebido na Alemanha no final da década de 1960, a prática de tandem linguístico é muito comum no continente europeu, mas foi potencializada pela expans-o do acesso às novas tecnologias por parte de grande número de aprendizes de línguas em muitos e distintos países. O tandem é uma forma aberta de aprendizagem envolvendo dois aprendizes de línguas nativas diferentes que trabalham juntos no intuito de aprender a língua do outro. A metáfora da bicicleta de dois assentos, que dá nome à prática, permite a visualizaç-o da proposta. ou seja, a parceria exige que interesses, esforços e responsabilidades sejam mutuamente compartilhados pelos participantes para que o processo seja bem-sucedido. Ela requer dos participantes n-o só autonomia de aprendizagem e reciprocidade no compromisso em ajudar o outro a aprender, mas também a competência na mediaç-o plurilingue e pluricultural, conforme a nova descriç-o do volume suplementar do QECR (Council of Europe 2018, 124), ao “atuar como intermediário em situações informais, em que o utilizador/ aprendente, como indivíduo plurilingue, medeia entre línguas e culturas o melhor que pode numa situaç-o informal no domínio público, privado, profissional ou educativo”. Esse processo é bastante complexo para quem se desafia a participar de uma prática de tandem, e isso é totalmente compreensível, considerando o nosso desafio constante como professor diante da complexa tarefa de ensinar uma língua, levando em conta a variaç-o e o pluricentrismo linguístico como é o caso do português. N-o é de se admirar, portanto, que ao longo do semestre os 194 Rosane Werkhausen 8 O projeto, financiado pela Uni-o Europeia e coordenado pelo Centro de Línguas Estrangeiras e Multimídia da Universidade de Greifswald, conta com a parceria de 20 universidades e oferece material em quatro níveis de acordo com o QCER (A1-B2) em 15 línguas diferentes. Ver mais em: www.seagull-tandem.eu/ 9 “O PPPLE promove a cooperaç-o entre os países membros da CPLP, abrindo uma frente de trabalho e de negociaç-o permanente que pode incrementar o número e a qualidade de ações comuns na área, bem como para o reforço da participaç-o dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e Timor-Leste na produç-o de recursos didáticos e outras iniciativas de ensino de PLE.”, in: https: / / ppple.org/ participantes do programa de tandem v-o aos poucos desistindo de continuar as interações por motivos diferentes, resultando no final do semestre em torno de um terço dos inscritos que entregam o relatório. No entanto, ao pedir uma avaliaç-o do programa para aqueles que n-o o terminaram perguntando qual motivo os teria feito continuar se pudessem, nem sempre o motivo é a falta de tempo ou interesse. Muitas vezes os reais motivos v-o desde uma incompatibilidade nos objetivos mútuos e na forma de ver esse formato de aprendizagem autônoma, principalmente em relaç-o à forma de correç-o, aos assuntos abordados e a aspetos culturais diversos, mas também motivado por um desconhecimento do funcionamento da prática em si. Isso fez surgir a ideia de desenvolver uma disciplina em formato de tandem, intitulada “Cursos de Conversaç-o Bilingue Português/ Alem-o B1/ B2”, conce‐ bida como um complemento para os alunos frequentadores dos cursos regulares de B1 e B2 e dos mais cursos avançados, para os quais n-o há a oferta de cursos regulares. Ela foi oferecida pela primeira vez no semestre de ver-o de 2019 e ocorre regularmente desde ent-o, com uma média de 20 inscritos por semestre. O curso de duas horas-aula semanais (90 minutos) foi elaborado de modo que o tempo de aula seja dividido igualmente para o português e o alem-o e mediada por um ou dois professores, um de português e outro de alem-o como língua estrangeira. Os participantes s-o falantes nativos de uma das línguas/ variedades linguísticas e aprendizes na outra. Isso faz com que alternadamente se está no papel de aprendiz e de especialista de sua variedade e variante linguística. Deixa-se de ter colegas e professores em sala de aula e passa-se a ter parceiros e mediadores de diferentes línguas e variedades linguísticas. Como material de apoio, usam-se atividades em alem-o e português elabo‐ radas pelo professor ou materiais de alem-o e português brasileiro elaborado no projeto “Smart Educational Autonomy through Guided Language Learning” (SEA‐ GULL) 8 . Além disso, para atender à proposta de oferecer material que abranja a variedade linguística e o pluricentrismo do português, dá-se preferência ao uso de unidades didáticas do repositório do Portal do Professor de Português Língua Estrangeira/ Língua N-o Materna (PPPLE) 9 . 195 Aprendizado informal do Português como língua estrangeira pluricêntrica 10 Mendes (2016) denomina gatilho todo tipo de desencadeador de experiências de uso da língua-cultura, como textos de variados gêneros (orais, escritos, multimodais), situações, jogos, filmes etc. O conjunto de atividades propostas durante a aula é variado e assume um papel de gatilho para a conversaç-o 10 . Há, no entanto, um tema geral para todo o período da aula. Abaixo podemos ver duas atividades propostas cujo tema geral é alimentaç-o. Na primeira imagem, a proposta é escolher uma receita típica de sua regi-o ou de seu país e, com a ajuda de um celular ou computador mostrar fotos ou um filme da receita, listar os seus ingredientes e explicar o modo de fazê-la. Figura 2: Proposta de “gatilho” bilingue para a apresentaç-o de uma receita típica Na mesma unidade didática, sugere-se ao aluno aprendente dar sentido a algumas expressões idiomáticas da língua estrangeira, enquanto seu parceiro o orienta e o corrige. Quando n-o se sabe o significado da express-o, mesmo sendo falante nativo, todos s-o incentivados a procurar a informaç-o ou perguntar no grupo se alguém os pode ajudar. O professor só assume a moderaç-o se realmente há dúvidas ou n-o há um consenso no grupo. Como nem todos conhecem as expressões idiomáticas de sua própria língua por algumas serem típicas de determinados países ou regiões, essa atividade normalmente gera uma discuss-o bastante interessante sobre a percepç-o das diferenças linguísticas e dos aspetos culturais envolvidos no uso desse tipo de expressões. Na tabela abaixo podem ser vistas algumas expressões usadas durante a unidade didática. 196 Rosane Werkhausen Redewendungen Expressões idiomáticas rot wie eine Tomate werden ser arroz de festa jemandem das Wasser nicht reichen können comer o p-o que o diabo amassou seinen Senf dazu geben falar abobrinha den Löffel abgeben cuspir no prato em que comeu … … Tabela 1: Expressões idiomáticas em português e alem-o Os temas sugeridos s-o interdependentes, ou seja, mesmo que alguém esteja ausente em alguma aula, n-o há a sensaç-o de ter “perdido conteúdo”. Isso faz com que o número de participantes se mantenha contínuo e n-o haja tanta evas-o como em cursos regulares. No início de cada aula retomam-se os princípios norteadores para expor as preferências de correç-o de cada um e conhecer melhor com quem vai interagir, seguindo-se o seguinte roteiro: Correç-o Quando? • Durante a conversa • Depois da conversa Como? • De forma implícita, repetindo a forma correta • De forma explícita, corrigindo o erro • De forma escrita, com anotações O quê? • Somente as estruturas gramaticais que seu parceiro já conhece • Somente as questões/ os temas que o parceiro queira trabalhar • Somente em pequenas porções, ou seja, selecionando de maneira consciente o que se pode aprender e compreender Figura 3: Roteiro para a discuss-o de preferências de correç-o durante as interações Como a disciplina oferecida n-o dispõe de créditos, n-o há a necessidade de uma avaliaç-o formativa no final do semestre. No entanto, procura-se realizar avaliações regulares, tanto orais quanto escritas, sobre o processo de aprendizagem. Por ser um curso de conversaç-o, prioriza-se uma aula sem material em papel e, na hora da exposiç-o por meio de uma apresentaç-o, 197 Aprendizado informal do Português como língua estrangeira pluricêntrica 11 Os números entre parênteses indicam o número de identificaç-o da avaliaç-o, que foi feita de maneira anônima. 12 Por meio da possibilidade de conversar com falantes nativos, tem-se um “exemplo” de como uma língua soa. Ganha-se um feedback durante a conversa, pelo qual se aprende muito. (Traduç-o minha.) 13 Eu acho que é isso é um bom complemento pra um curso de línguas normal, porque há a necessidade de usar a língua de maneira mais espontânea e de ter mais oportunidade de falar. (Traduç-o minha) procura-se n-o utilizar muito texto para n-o influenciar as variedades que cada aluno traz consigo. Assim, a variedade utilizada em sala de aula n-o é só a do professor. Além do mais, os alunos ficam mais à vontade para poderem conversar em um ambiente mais informal, contribuindo para o processo de aprendizagem. Alguns excertos dos relatos da avaliaç-o escrita realizados no primeiro semestre da oferta do curso podem ser lidos abaixo: A diferença para mim é que neste curso há uma ênfase muito maior na conversaç-o de acordo com o objetivo, e um ambiente muito mais favorável para isso. Eu, assim como os outros, nos sentimos muito mais à vontade para conversar sobre os diversos assuntos. (5) 11 Durch die Möglichkeit mit Muttersprachlern zu reden, hat man ein “Vorbild” wie die Sprache klingt. Man bekommt direkt Feedback während dem Gespräch, wodurch man viel lernt. (2) 12 Um curso bilingue é muito melhor e efetivo em comparaç-o com um curso mono‐ lingue. Pessoalmente, eu sempre faço comparações e analogias com línguas estran‐ geiras com a minha língua materna, e isso ajuda muito minha aprendizagem. (7) Ich denke, dass es eine gute Ergänzung ist, zu einem normalen Sprachkurs, weil man einfach die Sprache etwas spontaner anwenden muss und viel mehr Gelegenheit hat zu sprechen. (9) 13 O papel do professor durante a aula é o de gerenciar o tempo da exposiç-o dos temas para que todos se mantenham ativos e orientar na troca da língua a ser usada durante a interaç-o. Sua interferência nos pequenos grupos se dá somente quando há dúvidas, as quais ser-o respondidas por ele ou encaminhadas ao grupo todo, quando for uma quest-o intercultural, de variaç-o linguística ou de registros diferentes da própria língua. Essa postura tem o objetivo de promover uma autonomia na aprendizagem, com a descentralizaç-o do papel do professor, fazendo com que, aos poucos, os participantes tomem consciência do pluricentrismo e da variaç-o linguística, tanto do português quanto do alem-o, e comecem a refletir sobre a sua própria língua e suas variedades e sobre o seu aprendizado na língua estrangeira. Essa conscientizaç-o pode ser notada nas avaliações feitas : 198 Rosane Werkhausen No curso bilingue você tem contato com pessoas que tem interesse no seu país e vice versa, ent-o pode-se aprender e ensinar sobre as diferenças culturais, além de linguísticas. (6) Aprendi que tem bastante diferença entre uma regi-o e outra, n-o só na língua, mas também na cultura. (8) Esse curso permite que possamos conhecer mais da cultura do país, dos costumes da pessoa e da forma real que aqueles que moram no local se comunicam. N-o estamos limitados a gramática e textos. (12) Aprendi muito sobre minha própria língua falada em outros países como Angola e Portugal, mas também que no alem-o tem muitas diferenças, apesar de ser um país t-o pequeno. (17) Vê-se, nos depoimentos acima, a importância de um curso desse tipo como complemento ao ensino regular de português língua estrangeira. No entanto, há ainda uma participaç-o desigual no perfil dos alunos falantes de português. A maioria dos inscritos s-o brasileiros, com a participaç-o de uma parcela menor de estudantes portugueses e praticamente nenhum participante de bloco dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e Timor-Leste. Por outro lado, um dos pontos positivos é que os brasileiros s-o de diferentes regiões, o que promove uma pluralidade das variedades brasileiras bastante interessante. No entanto, há um anseio e um desejo que esse curso receba falantes de outros países de fala lusitana, para que o aspeto pluricêntrico do português se torne mais representativo, de modo a refletir a diversidade linguística e cultural t-o rica do português falado pelo mundo. 6 Algumas considerações finais O ensino e a aprendizagem de uma língua n-o materna é um processo de contato com uma cultura ainda n-o totalmente conhecida por quem aprende. No caso da língua portuguesa, isso significa transitar em muitas culturas pelo mundo. Essa possibilidade, porém, só pode ser aproveitada se a abordagem de quem ensina encarar como recurso tamanha diversidade, isto é, a língua portuguesa como pluricêntrica e pluricultural. As relações entre as variedades nacionais do português, no entanto, têm sido de assimetria e de isolamento, pois baseiam-se na competiç-o entre as normas dominantes ou centrais, as normas brasileiras e portuguesas, e o isolamento das outras variedades n-o-dominantes ou periféricas, dos demais países de língua oficial portuguesa, como os Países Africanos de Língua Portuguesa - PALOP, e Timor-Leste (Mendes 2016). 199 Aprendizado informal do Português como língua estrangeira pluricêntrica É necessário, portanto, de acordo com Oliveira e Jesus (2018), pluralizar a gest-o da língua, através de uma política linguística de valorizaç-o da diversi‐ dade linguística e cultural, através de um exercício cauteloso para evitar que grupos hegemônicos exerçam tais poderes de forma dominante sobre os demais. Como colocado na breve reflex-o teórica acerca da autonomia na aprendi‐ zagem e da avaliaç-o, verificamos que o tandem pode, de fato, ser um recurso poderoso na formaç-o de um aprendiz mais consciente da importância de sua participaç-o ativa no processo de ensino-aprendizagem; participaç-o essa que passa, necessariamente, pela construç-o de um aprendiz ativo e comprometido com a avaliaç-o formativa e com os processos de sala de aula. O formato tandem também potencializa uma aprendizagem autônoma e o processo comunicativo intercultural que integra conhecimentos linguísticos, sociais, culturais e habili‐ dades adquiridas em contextos de sala de aula e em contextos de comunicaç-o autêntica em língua portuguesa, levando em conta a sua variaç-o e seu caráter pluricêntrico. Entretanto, a ausência de participantes fora do eixo Brasil-Portugal requer que haja uma reformulaç-o dos materiais usados como gatilho durante as interações, no sentido de integrar mais ainda as demais variedades mais perifé‐ ricas do português. Por isso, é importante ressaltar o papel fundamental das unidades didáticas oriundas de toda a lusofonia do PPPLE para o fortalecimento de variedades além das predominantes brasileira e portuguesa. Isso permite, que um professor brasileiro na Alemanha possa, por exemplo, disponibilizar o conteúdo de uma unidade didática do português de Moçambique, ou fazer o aprendente viajar entre a América, Europa, Ásia e África sem sair do lugar. Como já afirmou Mendes (2016), a adoç-o de um olhar plural no ensino ajuda a promover um novo paradigma no ensino de línguas. Há muitas reflexões ainda em curso e elas s-o necessárias para nos ajudar a compreender como enfrentar a complexidade das sociedades contemporâneas e, sobretudo, promover uma educaç-o linguística voltada para o plurilinguismo e para o trânsito entre línguas-culturas estrangeiras ou dentro de uma mesma língua, como é o caso do português. A língua portuguesa, ent-o, seria usada a partir das experiências de vida dos seus próprios falantes, sempre considerando os seus ambientes de existência, com suas caraterísticas linguística e culturais. Isso permite que o professor fique atento, como orientador e guia das experiências de aprender a língua, para que os significados construídos sejam autênticos, contextualizados e n-o apenas informações sobre a “gramática” ou a “cultura”. Importantes s-o os sentidos construídos no processo de aproximaç-o e reconhecimento da língua, e, sobretudo, na interaç-o promovida a partir dela. 200 Rosane Werkhausen Através dos anos de experiência, para mim está sendo muito revelador compreender que se pode ensinar língua de modo mais sensível culturalmente, considerando a real express-o dos falantes de uma determinada realidade linguística e cultural, tal como ela é. Além disso, experimentar a criaç-o de oportunidades de reflex-o sobre as suas próprias variedades linguísticas, como no caso do português, inclusive sobre as dificuldades de reconhecimento de algumas delas como normas mais ou menos estabilizadas, contribui para nos preparar para avaliarmos nosso contexto de atuaç-o e os materiais que melhor atendem às necessidades de nossos alunos. É possível concluir, portanto, que é de suma importância proporcionar o contato com práticas de ensino-aprendizagem de língua estrangeira que fomentem a autonomia, seguidas de espaços de reflex-o e avaliaç-o. O curso de conversaç-o de português e alem-o em formato de tandem, potencializa, nesse sentido, uma aprendizagem autônoma que integra conhecimentos linguísticos, sociais, culturais e habilidades adquiridas em contextos de sala de aula e em contextos de comunicaç-o autêntica, além de sensibilizar o professor-moderador para o aspeto pluricêntrico e variacional das línguas envolvidas. Referências Almeida Filho, José Carlos Paes de. 2011. Fundamentos de abordagem e formaç-o no ensino de PLE e de outras línguas. Campinas: Pontes Editores. 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Esta investigaç-o foi desenvolvida em contexto multilingue e multicultural moçambicano, onde a maioria da populaç-o tem línguas bantu como maternas (Ngunga / Faquir 2012), mas a língua oficial é o português, antiga língua de colonizaç-o, e onde, desde 2003, se introduziu o ensino em línguas bantu nas classes iniciais (INDE/ MINED 2003). Este estudo qualitativo, do tipo descritivo-interpretativo, recorreu a um inquérito por questionário, tendo como objetivos descrever as imagens que os estudantes de Nampula de diferentes níveis de escolaridade têm sobre a língua portuguesa e as línguas bantu, assim como analisar o modo como essas imagens se refletem nas práticas de ensino-aprendizagem do português L2. Neste sentido, as imagens das línguas s-o entendidas como sistemas de interpretaç-o da realidade (Araújo e Sá / Pinto 2006), que se constroem através da interaç-o social (Castellotti / Coste / Moore 2001), funcionando essas representações sociais como um “filtro na aproximaç-o à alteridade” (Abdallah-Pretceille 2010). Recorrendo às categorias de Araújo e Sá / Pinto (2006), que categorizam as línguas como i) objetos de apropriaç-o; ii) objetos afetivos; iii) objetos de poder; iv) instrumentos de construç-o e afirmaç-o de identidades; e v) instrumentos de construç-o de relações interculturais, os nossos resultados indicam que os estudantes apresentam imagens do português como útil e prestigiante, atribuindo-lhe um valor como objeto de poder. Associam-se ao português as línguas inglesa e francesa, igualmente como objetos de poder, sobretudo no que diz respeito ao futuro académico e profissional. As línguas portuguesa e francesa também s-o entendidas como objetos afetivos. No 1 As imagens s-o tomadas no nosso estudo como um conceito complexo, que se situa na interseç-o de diferentes campos disciplinares, referente aos sistemas de interpretaç-o da realidade que assumem uma funç-o pragmática nos modos como os sujeitos interagem com essa mesma realidade (Araújo e Sá / Pinto 2006) e com a alteridade (Abdallah-Pretceille 2010). que diz respeito às línguas bantu, as imagens dizem respeito sobretudo ao facto de serem tomadas como objetos afetivos e de construç-o e afirmaç-o de identidades. Verifica-se, no entanto, que apesar de muitos estudantes n-o as tomarem como objetos de poder e mesmo de apropriaç-o (defendendo, por exemplo, que n-o deviam fazer parte da estrutura formal de ensino), um número significativo dos sujeitos do estudo defende o seu reconhecimento como línguas oficiais ou cooficiais. Os nossos resultados espelham, ainda, que uma elevada percentagem dos sujeitos apresenta informações contraditórias nas suas respostas, defendendo, por exemplo, que as línguas oficiais deveriam ser o português e o inglês, para na resposta sobre quais seriam as línguas que escolheriam como oficiais responderem o emakhuwa e o shimakonde, denotando um conflito evidente e expresso entre o modo como as línguas s-o tomadas. 1 Introduç-o Uma língua é o lugar donde se vê o mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto. Por isso, a voz do mar foi a da nossa inquietaç-o. Vergílio Ferreira Nesta época atual em que as imagens 1 condicionam os nossos atos, atitudes, pensamentos e mesmo a percepç-o da realidade, influenciando, por exemplo, em quem votamos, quem idolatramos, ou, inversamente, quem desprezamos (Bauman & Donskis 2016), é fundamental analisar as imagens dos sujeitos e procurar compreender o modo como elas influenciam, ou mesmo moldam, os seus comportamentos e discursos. De facto, assistimos todos os dias à manipu‐ laç-o de imagens, assim como à proliferaç-o de fake news, que, juntamente com a press-o exercida pelas opiniões das comunidades físicas e virtuais, 208 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro 2 Línguas faladas, respetivamente, nas seguintes Províncias: emakhuwa - Cabo Delgado, Nampula, Niassa e Zambézia; shimakonde - Cabo Delgado; ciyao - Niassa; cinyanja - Niassa, Tete e Zambézia; kimwani - Cabo Delgado; echuwabo - Zambézia e Sofala; changana - Inhambane, Gaza e Maputo. numa contínua quebra de privacidade (Damásio 2017), nos impelem para uma determinada direç-o e nos afastam de outra. É nesse sentido que se configuram como fundamentais as imagens de si e da alteridade, já que estas mesmas se encontram profundamente intrincadas com a nossa construç-o de mundo. Dentre essas imagens do si, do Outro e do mundo, destacamos as imagens das línguas e culturas por si veiculadas, sobre as quais nos iremos debruçar neste estudo. O foco deste estudo s-o, assim, as línguas, mais especificamente aquelas aprendidas, faladas e conhecidas pelos alunos do norte de Moçambique, mais concretamente da província de Nampula. Entre estas podemos destacar as línguas maternas (LM) de origem bantu (LB) - como o emakhuwa, o shimakonde, o ciyao, o cinyanja, o kimwani, o echuwabo, o changana 2 -, o português, língua oficial (LO) e que expressa culturas diversificadas, e as principais línguas estrangeiras aprendidas em contexto formal: o francês e o inglês. Este contacto entre línguas, resultante da especificidade do contexto moçam‐ bicano, implica uma interconex-o entre diferentes culturas individuais, comu‐ nitárias, nacionais e internacionais, assim como entre diferentes etnias e línguas. Importa, assim, referir que Moçambique é um país multicultural e multilingue, no qual existem cerca de 40 línguas distintas (cf. Ethnologue). A maioria destas línguas s-o de origem bantu, que constituem as LM da maioria da populaç-o, convivendo com outras LM, segundas (L2) e estrangeiras (LE), com grande destaque para a língua portuguesa, LO e de unidade nacional, mas também língua de colonizaç-o e, simultaneamente, língua usada na luta de libertaç-o, escolhida como oficial no pós-independência. Estas línguas convivem, ainda, com diferentes línguas de origem indiana, asiática, africana, entre as quais podemos destacar o árabe, o hindu e o suaíli. A coabitaç-o e a partilha de espaços, que é cada vez maior - visível, por exemplo, pela introduç-o, a partir de 2003, do uso das LB no contexto formal de escolarizaç-o ou pelo uso crescente do português em contexto familiar e no comércio local -, proporciona a ocorrência de toda uma multiplicidade de processos de mestiçagem e hibridismo linguísticos e culturais. Ainda no que se refere ao contexto moçambicano em particular, importa, também, referir que, face a uma populaç-o de aproximadamente 28 milhões de habitantes, se continua a verificar uma elevada taxa de analfabetizaç-o (47,21%), com uma incidência mais elevada nas mulheres (53,55%) e no contexto rural (57,63%). Cerca de 35 % dessa populaç-o concentra-se no norte do país (províncias de Cabo Delgado, 209 Imagens das línguas e ensino-aprendizagem do português L2 3 Dados do Censo de 2017: INE. 2019. IV Recenseamento Geral da Populaç-o e Habitaç-o 2017. Maputo, Moçambique, Abril de 2019. 4 Para mais informações consultar Costa (2003, 2004, 2009). Niassa e Nampula), destacando-se Nampula, onde se encontra 20 % da populaç-o do país. Em termos das línguas maternas mais faladas em Moçambique destaca-se o emakhuwa, com 26,13% dos falantes, seguida do português (16,58%), do xichan‐ gana (8,63%) e de outras línguas moçambicanas, como o cinyanja, o elomwué, o cisena, o echuwabo, entre outras. O emakhuwa e o português destacam-se como as línguas faladas com mais frequência em casa, respetivamente por 26,33% e 16,80% da populaç-o, a primeira mais falada no contexto rural (30,08% vs. 19,22%) e a segunda mais falada no contexto urbano (41,81% vs. 3,63%) 3 . Enquadrado neste contexto e com ele articulado, o nosso estudo estrutura-se de acordo com múltiplas linhas temáticas, com destaque para o plurilinguismo e a educaç-o plurilingue e intercultural, as representações / imagens das línguas, o discurso oficial vs. a realidade (teoria da hipocrisia  4 ) e, com base nas políticas linguísticas moçambicanas, o confronto entre a educaç-o ideal e a educaç-o atual. A nossa reflex-o centra-se, assim, num contexto plurilingue, onde os meios s-o ainda escassos e no qual foi introduzido, ao nível das políticas linguís‐ ticas, o ensino bilingue, sem se ter realizado, no entanto, uma verdadeira aposta consistente na formaç-o de professores e na produç-o de materiais didáticos que permitam garantir uma formaç-o de qualidade. Aponta-se, consequentemente, como necessidade premente para o sucesso escolar dos alunos o trabalho sobre as imagens das línguas e dos povos e a integraç-o em termos curriculares, quer no ensino bilingue como monolingue, dos princípios da educaç-o plurilingue e intercultural. 2 Das imagens das línguas à emergência da didática do plurilinguismo Les représentations ont une double dimen‐ sion: ce sont des saisies cognitives du monde, mais ce sont aussi des mécanismes de dé‐ fense et de justification d’attitudes et de comportements. (Abdallah-Pretceille 2010, 147) Moçambique é um contexto onde os habitantes “falam duas ou mais línguas ou variedades de línguas em diferentes graus [de proficiência] e com objetivos 210 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro 5 Apesar de existirem estudos com base na variaç-o e nas caraterísticas do PM, e.g. Chimbutane 1998, 2012; Gonçalves (ed.) 2010; Gonçalves 1990, 2010; Mapasse 2015. Para mais referências e informações consultar a base bibliográfica da Cátedra de Português Língua Segunda e Estrangeira: https: / / catedraportugues.uem.mz/ ? __target__=bibli&bi b=4. diversos ao longo das suas vidas”, assumindo-se, consequentemente, como plurilingue e multicultural (Byram 2007, § 1). No que se refere especificamente à língua portuguesa (LP), o número de falantes de português como LM cresceu nas cidades, derivando esse facto de dois factores: a migraç-o de parte da populaç-o das zonas rurais para as zonas urbanas e o facto de os pais, sobretudo nessas zonas urbanas, apesar de n-o serem falantes nativos da LP, a ensinarem aos seus filhos como L1. Neste contexto, o que distingue os falantes de LP como L1 dos falantes de LP como L2 é o contexto (natural ou instrucional) em que têm o primeiro contacto com a língua, sendo que, em ambas as situações, o contacto com falantes nativos é muito reduzido e o input do português a que est-o expostos é desenvolvido por falantes n-o nativos do português, e, por isso, a produç-o linguística dos falantes do português L1 ou L2 afigura-se distanciada da norma instituída como norma de ensino - o Português Europeu (PE) (Mapasse 2015; Rezende & Baptista 2020). No meio rural, prevalece o uso das línguas locais, da família bantu, e o principal input em português é fornecido somente em contexto instrucional. No meio urbano, a LP assume outros papéis para além do de língua de escolarizaç-o - agora um espaço partilhado com as LB com a sua introduç-o no ensino primário e com o ensino bilingue -, sofrendo, no entanto, constantes transformações e sendo usada com base em processos de mestiçagem e hibridizaç-o com as línguas com que contacta (Firmino 2009; Maciel 2018). No entanto, o sistema oficial de ensino, nomeadamente dada a inexistência de uma norma do Português Moçambicano (PM) 5 , ignora a diversidade linguística que carateriza o meio social e escolar. Ou seja, apesar da situaç-o sociolinguística do país, as escolas parecem n-o abrir espaço para a variaç-o linguística. Entende-se este facto, n-o só pela ausência da norma do PM e consequente indicaç-o oficial de que a norma padr-o deverá ser a do PE, mas também por n-o se parecer estar a desenvolver, de forma planeada e sustentada, métodos, estratégias e atividades nos cursos de formaç-o de professores que lhes permitam lidar com essa mesma diversidade (Mapasse 2017). Surgem, desse modo, alguns conflitos, seja ao nível linguístico, pela oposiç-o entre o uso prescritivo e os usos reais do PM, seja ao nível social, por n-o compreenderem verdadeiramente o potencial do contexto plurilingue em que vivem, por n-o entenderem que falar outra língua n-o anula a primeira, mas que, pelo contrário, a reforça, permitindo a transferência de competências 211 Imagens das línguas e ensino-aprendizagem do português L2 entre línguas, seja, ainda, pela defesa da sua língua, etnia e identidade de forma etnocêntrica. Assim, considerando que os habitantes de Moçambique, sejam eles nacionais ou estrangeiros, contactam, no seu quotidiano, com múltiplas línguas e culturas sobre as quais formam representações ou imagens, mais ou menos dinâmicas ou mais ou menos estáticas, torna-se necessário, em primeiro lugar, explorar a noç-o de imagens das línguas, nomeadamente no que se refere ao contexto moçambicano em particular, e, subsequentemente, perceber como elas se configuram para os sujeitos do nosso estudo, ou seja, para os alunos dos diversos níveis do meio urbano e rural da província de Nampula. E como é entendida no nosso estudo essa noç-o de imagens das línguas? Convocamo-la, no presente estudo, tal como ela é entendida em Didática de Línguas, i.e. como sistemas de interpretaç-o da realidade que detêm simultanea‐ mente um caráter individual e social, assumindo conceptualmente uma natureza dinâmica, mutável e moldável (Araújo e Sá / Pinto 2006), pois s-o entendidas como construções sociais, que se constroem e modificam através da interaç-o com o outro, por meio da linguagem (Castellotti / Coste / Moore 2001). As imagens detêm, assim, um grande poder sobre as ações sociais porque influem na forma como os sujeitos percecionam e interagem com a realidade. Adaptaremos, neste estudo, a categorizaç-o de Araújo e Sá / Pinto (2006), que tomam as línguas como: i) objetos de apropriaç-o (i.e. aquelas línguas que se aprendem e se estudam, que s-o fáceis ou difíceis); ii) objetos afetivos (i.e. aquelas das quais se gosta ou que se odeiam, que s-o bonitas, feias, amorosas, amigas, inimigas); iii) objetos de poder (i.e. aquelas que nos podem tornar competitivos em termos académicos e profissionais, aquelas que s-o internacionais ou locais, que s-o muito ou pouco importantes); iv) instrumentos de construç-o e afirmaç-o de identidades (i.e. a minha ou as nossas línguas, aquela que eu falo, a da minha comunidade, a da minha família, aquela em que eu me expresso); e v) instrumentos de construç-o de relações interculturais (i.e. aquelas que me permitem conhecer o Outro, passear por outras culturas, viajar e conhecer o mundo). As imagens est-o, no presente estudo, articuladas com a noç-o de comuni‐ caç-o e partilha, no sentido de Moscovici / Marková (1998) e de Abdallah-Pret‐ ceille (2010) ao advogarem que a comunicaç-o está dependente da partilha e/ ou negociaç-o de representações com influência sobre o comportamento dos sujeitos e funcionando como “un filtre dans l’approche de l’altérité et de l’étrangéité” (Abdallah-Pretceille 2010, 145). S-o, assim, “vias facilitadoras” (Alarc-o / Andrade / Araújo e Sá / Melo-Pfeifer / Santos 2010) para o trabalho sobre o plurilinguismo e a interculturalidade, com implicações educativas. É com base nesse pressuposto que se procura, neste estudo, partir de uma análise 212 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro 6 O nosso estudo envolveu alunos do ensino primário (7.ª classe, última classe do ensino primário), alunos no ensino secundário (9.ª classe, primeiro ciclo do ensino secundário; 12.ª classe, segundo ciclo do ensino secundário) e estudantes do ensino universitário. 7 Nossa traduç-o (original “together with others”). 8 Nossa traduç-o (original “otherness of other cultures”). das representações linguísticas dos alunos dos vários níveis 6 para discutir as suas possíveis implicações sobre o processo de ensino e de aprendizagem de português L2 e para se realçar a importância da promoç-o de uma educaç-o intercultural que se centre na valorizaç-o da diversidade linguístico-cultural e no sentido de pertença a uma sociedade globalizada. Será fundamental referir, ainda, que as imagens influem também sobre o papel do professor, que as deve identificar e trabalhar, gerindo o que Bizarro (2012, 123) designa como “representações conflituantes”, levando os alunos a expressarem as suas identidades, a negociarem-nas e co-construí-las (Dervin 2015), no sentido de agirem “juntos com os outros” 7 ao mesmo tempo que têm consciência da “alteridade de outras culturas 8 ” (cf. Byram / Hu 2013, 14). 3 Enquadramento metodológico O nosso estudo integra-se num paradigma interpretativo, dado que se procura estudar “questões sociais e educativas” procurando “penetrar no mundo pessoal dos sujeitos” de modo a compreender como é que eles próprios interpretam uma dada situaç-o e como atribuem significado ao mundo (Coutinho 2014, 18). A construç-o do conhecimento depende e é influenciada quer pelas perspetivas dos sujeitos quer ainda pela do investigador (Bogdan / Biklen 2013). Nesse sentido, o nosso estudo “interessa-se, sobretudo, pelos «significados» que os «actores» atribuem às ações em que se empenham, e “n-o só às acções [sic] como às instituições, aos mitos, aos ritos, aos costumes, aos acontecimentos” (Amado 2009, 72). Quanto à tipologia, é um estudo qualitativo, que usa “parte do estudo para perceber quais s-o as questões mais importantes” (Bogdan / Biklen 2013, 50), nada presumindo à partida, centrando-se no modo como as “realidades sociais” s-o “produzidas, experienciadas e interpretadas” pelos atores sociais, seguindo uma abordagem descritiva-interpretativa, procurando alcançar “uma vis-o do contexto e da complexidade dos fenómenos” (Amado 2009, 305). Recorremos, neste estudo, à técnica de inquiriç-o (Tuckman 2000), tendo como instrumento de recolha de dados um questionário, cuja estrutura passamos a apresentar (tabela 1). 213 Imagens das línguas e ensino-aprendizagem do português L2 Questionário - Imagens das Línguas Bantu e do Português L2 em Nampula Sec‐ ções Nome da secç-o Tipologia de ques‐ tões Objetivos Secç-o 1 Perfil Socio‐ linguístico 8 questões: Identificar as caraterísticas sociolinguísticas dos sujeitos, relativamente a aspetos como: nome, idade, sexo, nacionalidade e nível de escolaridade, assim como rela‐ tivas à biografia linguística dos sujeitos: língua materna, línguas que usam e contextos de uso, de‐ sejo de aprender línguas Bantu. 1. resposta curta - preenchimento de espaços (abertas e fechadas); 2. resposta curta - es‐ colha de itens em tabelas (fechadas e abertas). Secç-o 2 Imagens das Línguas 2 questões com sub-questões: • 5 sub-questões de preenchimento de espaços (abertas); • 6 sub-questões de diferenciais semân‐ ticos. Identificar e descrever as ima‐ gens das línguas dos sujeitos, assim como identificar relações de proximidade e afastamento com essas mesmas línguas. Secç-o 3 En‐ sino-Apren‐ dizagem do português como L2 3 questões, uma com sub-questões: • 2 questões sobre as línguas com pedido de justificaç-o (abertas); • 20 sub-questões de concordo/ discordo (fechadas). Complementar a descriç-o das imagens das línguas dos sujeitos, identificando as línguas que con‐ sideram como mais prestigiantes, aquelas que devem ser línguas oficiais e, também, como se posi‐ cionam relativamente ao estatuto e espaços das línguas em Moçam‐ bique. Tabela 1: Estrutura e principais objetivos do inquérito por questionário O nosso estudo tem como objetivos principais descrever as imagens que os estudantes de Nampula de diferentes níveis de escolaridade têm sobre a língua portuguesa e as LB, assim como discutir o modo como essas imagens se podem refletir nas práticas de ensino-aprendizagem do português L2. Quanto aos sujeitos, participaram neste estudo 338 estudantes, dos quais 72 da sétima classe (23 do meio rural e 49 do meio urbano); 132 da nona classe (54 do meio rural e 78 do meio urbano); 93 da décima segunda classe (31 do meio rural e 62 do meio urbano); e 41 da Universidade Rovuma (UR). As suas idades variam entre os 11 e os 22 anos no caso dos alunos até à 12.ª classe, prolongando-se, no que diz respeito aos alunos universitários, até aos 47 anos (ver gráfico 1). 214 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro 11 anos 12 anos 13 anos 14 anos 15 anos 16 anos 17 anos 18 anos 19 anos 20 anos 21 anos 22 anos 23 anos 24 anos 25 anos 26 anos 27 anos 29 anos 30 anos 32 anos 33 anos 34 anos 35 anos 37 anos 38 anos 41 anos 42 anos 44 anos 46 anos 47 anos 6 14 14 10 10 2 7 7 2 1 11 41 36 27 9 4 1 1 2 13 19 19 22 11 1 2 1 2 4 4 5 2 1 2 2 4 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 2 Idades 7.ª classe 9.ª classe 12.ª classe UniRovuma Gráfico 1: Idades dos sujeitos do estudo (n=338) As idades referidas no ensino superior justificam-se pelo facto de muitos estudantes retomarem a vida estudantil depois de terem estado a trabalhar e, consequentemente, de terem reunido as condições financeiras para o fazerem. Importa, ainda, fazer referência às idades mais avançadas dos alunos do meio rural, da 7.ª à 12.ª classes, que poder-o estar relacionados com a entrada na escola com uma idade superior a 6 anos e com o facto de n-o poderem estudar durante alguns anos ou por falta de condições financeiras e/ ou por terem de ajudar os pais no trabalho de casa e do campo. Quanto às línguas, destacam-se o emakhuwa e o português como LM dos sujeitos (ver gráfico 2). 215 Imagens das línguas e ensino-aprendizagem do português L2 32 36 3 1 74 65 2 1 42 46 2 1 25 8 4 Emakhuwa Português Shimakonde Lomué Ciyao Língua Materna 7.ª classe 9.ª classe 12.ª classe UniRovuma Gráfico 2: LM dos sujeitos do estudo Os dados do gráfico 2 ilustram que, nas 7.ª e 12.ª classes, no meio rural, todos têm a língua emakhuwa como LM, enquanto que no meio urbano, nas 7.ª e 12.ª classes, a maioria dos alunos tem a LP como LM. Inversamente, na 9.ª classe há alunos com essas duas LM, mas a maioria do meio rural tem a LP como LM, aspeto que se pode relacionar com a escola que frequentam que está associada a uma miss-o religiosa crist-. Parece haver uma relaç-o entre a LM e a idade, sendo que os alunos mais velhos têm maioritariamente a língua emakhuwa como LM e os mais novos a LP. Destaca-se, ainda, em todas as classes, a baixa representatividade das outras LB (que n-o o emakhuwa) como LM. No que se refere às línguas que os alunos aprenderam e aos contextos dessa aprendizagem (ver gráfico 3), destacam-se as línguas portuguesa e emakhuwa. 216 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro 0 100 200 300 400 500 600 Familiar Social Amigos Social Internet Social Viagens Profisisonal Trabalho Profissional Universidade Religioso Outros 17 13 7 12 6 5 6 7 3 5 4 3 3 4 5 3 206 168 57 147 52 38 166 53 9 12 5 7 5 5 9 10 275 283 279 224 246 228 232 134 6 3 1 9 5 4 5 13 Línguas e contextos de aprendizagem Shimakonde Português Kimwani Emakhuwa Ciyao Cinyanja Gráfico 3: Línguas e contextos de aprendizagem A alta representatividade das duas línguas nos vários contextos (e.g., familiar, amigos, viagens, religi-o) sugere uma salutar convivência entre as línguas e a partilha de espaços de comunicaç-o. Importa, ainda, destacar uma maior representatividade da LP nos contextos profissionais e social/ internet. 4 As línguas que ajudam a aprender as histórias antigas com os nossos mais velhos vs. aquelas sem as quais você n-o é pessoa Uns nos acalentam: que nós estamos a sus‐ tentar maiores territórios da lusofonia. Nós estamos simplesmente ocupados a sermos. Ou‐ tros nos acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de téc‐ nica. (…) Mas nós, aqui na mais meridional esquina do Sul, estamos exercendo é a ciência de sobreviver. Mia Couto 217 Imagens das línguas e ensino-aprendizagem do português L2 Quanto às línguas que gostariam de aprender, os alunos de todos os níveis, na sua maioria, referiram LB, com destaque para as línguas shimakonde, emakhuwa, kimwani e ciyao (ver gráfico 4). Para além das LB referidas, os sujeitos fizeram, ainda, referência às línguas inglesa, francesa e portuguesa. 4 6 4 9 8 2 11 12 6 17 22 13 36 9 28 3 14 4 7 17 2 19 3 6 9 10 10 2 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Cinyanja Ciyao Emakhuwa Kimwani Shimakonde Echuwabo Changana L. N-o Bantu 7.ª classe 9.ª classe 12.ª classe UniRovuma Gráfico 4: LB que gostavam de aprender Relativamente à LM que gostariam de ter (ver gráfico 5), os sujeitos referiram entre 9 e 10 línguas diferentes nas 7.ª, 9.ª e 12.ª classes, destacando-se cinco línguas: i) a LP (7.ª, 9.ª, 12.ª classes); ii) o emakhuwa (9.ª e 12.ª classes); iii) o shimakonde (7.ª e 12.ª classes); iv) o cinyanja (7.ª classe); e v) o echuwabo (12.ª classe). 218 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro 9 Para a escolha das línguas em cada quest-o foram referidas múltiplas razões (a título de exemplo, para a escolha da LP como língua que mais gostam foram referidos 42 motivos diferentes), pelo que se referem apenas as mais significativas para os sujeitos, com mais referências em termos quantitativos. Gráfico 5: LM que gostariam de ter As razões 9 para a escolha da língua emakhuwa prendem-se sobretudo com o grau de facilidade na apropriaç-o da língua, com o seu estatuto de poder na província de Nampula, no norte do país e nas comunidades dos sujeitos: “É a língua que Nampula conhece”. Os motivos para a escolha da LP relacionam-se de igual modo com a facilidade de aprendizagem da língua, mas, também, com o seu estatuto como objeto de poder, como “a mais falada” em Moçambique, “internacional”, “importante”, aquela que permite o acesso ao conhecimento e a “ser alguém”, e, sobretudo, como a língua “nacional” e “oficial”. Quanto às outras LB e às LE referidas (o inglês e o francês), s-o apontadas, sobretudo, razões de apropriaç-o, porque gostariam de aprender a língua, e de construç-o de relações interculturais, para comunicar com os outros; no caso específico do shimakonde há referências à língua como aquela dos pais e da família; e no caso do inglês também como língua “internacional”. Partindo da categorizaç-o de Araújo e Sá / Pinto (2006), questionámos os sujeitos sobre as línguas que mais gostam (ver gráfico 6) e que se assumem como objetos afetivos. 219 Imagens das línguas e ensino-aprendizagem do português L2 Gráfico 6: Línguas que mais gostam Destaca-se a LP como a preferida em todas as classes, marcadamente nas classes mais baixas, seguida da língua emakhuwa, que para os alunos do ensino universitário está numa situaç-o de igualdade com a LP; importa, ainda, destacar a referência à língua shimakonde na 7.ª classe. A escolha da LP deve-se, sobretudo, ao facto de a entenderem como “bonita” - “porque é a língua que gostamos” -, ou por ser a LM de alguns estudantes: “Com ela eu nasci e admiro muito essa língua”. A língua emakhuwa é escolhida como a língua que mais gostam porque é uma língua fácil e a “mais falada”, a que é falada nas comunidades e na província, a que consideram “bonita”, e aquela falada pela família e pelos antepassados, de transmiss-o e preservaç-o da cultura: “Ajuda-me aprender as histórias antigas com os nossos mais velhos”. Quanto às outras LB referidas (i.e. cinyanja, ciyao, kimwani e shimakonde), os motivos afetivos para a escolha s-o porque “gostam” da língua, “gostam da pronúncia” ou porque “é bonita”. Especificamente quanto às línguas como objeto de poder, questionaram-se os sujeitos sobre quais as línguas que consideram mais importantes (ver gráfico 7), destacando-se, em todas as classes, a LP e a língua emakhuwa. 220 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro Gráfico 7: Línguas que consideram mais importantes As razões que levaram à escolha da LP como uma das mais importantes foi o facto de ser fácil a sua aprendizagem, de ser a língua usada na escola e de ser “com ela que adquiro conhecimento, leio livros e recebo informações de forma oral” (língua como objeto de apropriaç-o). Foi indicada também por ser a língua “mais falada” em Moçambique - “falada por todos” - ou falada em várias províncias ou na “minha província”, sendo também “internacional”, “útil”, LO, e aquela com que “posso conseguir emprego” (língua como objeto de poder). Destaca-se, sobretudo, a língua como instrumento de construç-o de relações interculturais, sendo referida como aquela com que comunicam ao nível local, nacional e internacional: “Porque nos entendemos uns aos outros”, “Através dela consigo conversar com amigos do sul, centro e familiares”. Quanto às razões para a escolha da língua emakhuwa como a mais importante, elas prendem-se acima de tudo com o papel da língua como instrumento de construç-o identitária, sendo referido o seu estatuto de LM, indicações de pertença como “minha língua” ou “nossa língua” e a ligaç-o/ comunicaç-o com a família: “Na minha família, muitas pessoas n-o sabem outras línguas”, é “mais usada em todo país”, é “importante” e útil. Há, ainda, referência à língua emakhuwa como construtora de relações interculturais, dado que permite comunicar n-o só com a família, mas também com amigos: “faz parte do meu dia-a-dia. Falo com amigos e familiares”. No que diz respeito às outras línguas, referem-se sobretudo razões afetivas e de desejo de apropriaç-o da língua e, no caso da língua inglesa, o facto de 221 Imagens das línguas e ensino-aprendizagem do português L2 ser uma língua “importante”, “internacional”, de “comunicaç-o” com diferentes povos e que permitirá “viajar”. Questionaram-se os alunos, ainda, sobre quais as línguas que consideram mais prestigiantes para o seu futuro profissional (gráfico 8), quest-o à qual responderam que era a LP, seguida das línguas francesa e inglesa (7.ª classe) e da língua emakhuwa (9.ª e 12.ª classes e Universidade Rovuma). Gráfico 8: Línguas que consideram mais prestigiantes para o futuro profissional As razões que os sujeitos apontaram para a escolha das línguas que consideram mais prestigiantes prendem-se essencialmente com a língua como objeto de poder, objeto de apropriaç-o e instrumento de construç-o de relações intercul‐ turais. No que se refere à LP, foi considerada pela maioria dos estudantes a língua mais prestigiante por ser “importante para o futuro profissional” - “porque com esta língua vou ter um futuro melhor e posso ter um bom trabalho e ainda posso falar com as pessoas da minha terra” -, por ser uma das “mais faladas”, “usada em todo Moçambique” e ser “internacional” (objeto de poder), mas também para se “ensinar”, para se “estudar”, por ser “fácil” (objeto de apropriaç-o) e para comunicar com outras pessoas, aos níveis nacional e internacional (construç-o de relações interculturais). A escolha do inglês está relacionada com o futuro profissional, a língua que poder-o “ensinar”, que permitirá acesso ao conhecimento e ao emprego, com a 222 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro 10 79% vs. 7 %, 76 % vs. 11 %, 75 % vs. 9 % e 98 % vs. 2 %, respetivamente das 7.ª, 9.ª, 12.ª classes e UR. 11 56% vs. 25 %, 57 % vs. 27 %, 38 % vs. 34 % e 70 % vs. 20 %, respetivamente das 7.ª, 9.ª, 12.ª classes e UR. 12 24% vs. 68 %. 13 43% vs. 39 %. 14 67% vs. 15 % na 7.ª classe e 51 % vs. 26 % na 9.ª classe. sua importância, a sua utilidade (objeto de poder) e também a possibilidade de viajar e comunicar com outros povos (construç-o de relações interculturais). A língua emakhuwa foi referida por um elevado número de sujeitos como aquela que consideravam como mais prestigiante, sobretudo por ser a “mais falada”, por ser “útil” e “importante”, aquela que necessitam conhecer para “ensinar” e, consequentemente, ter acesso ao emprego (objeto de poder), mas também porque “é fácil” (objeto de apropriaç-o) e permite comunicar com a família (objeto afetivo) e com todos os povos (construç-o de relações intercul‐ turais). A referência à língua francesa, à semelhança do inglês, prende-se essencial‐ mente com a importância e internacionalizaç-o da língua, a sua utilidade e o acesso ao mercado de trabalho (objeto de poder), assim como com a possibilidade de viajar e comunicar com outros povos (construç-o de relações interculturais). Quanto às outras LB, n-o muito representativas em termos de prestígio segundo os sujeitos, a sua escolha prendeu-se com a construç-o de relações interculturais, ou seja, porque permitem conhecer e comunicar com outras etnias e outros povos. Especificamente no que se refere ao shimakonde é, ainda, referido que é uma língua “importante”, “útil”, que gostariam de “ensinar”, “fácil”, referindo-se a ela como objeto de poder e de apropriaç-o. Ainda sobre o estatuto das línguas enquanto objetos de poder, perante a afirmaç-o “A língua portuguesa é fundamental para o nosso futuro profissional”, a grande maioria dos estudantes de todas as classes concordaram com a afirmaç-o 10 ; a maioria destes estudantes concordou também que “as línguas bantu s-o muito importantes” para o seu “futuro profissional”, ainda que com menor expressividade e na 12.ª classe com as opiniões divididas 11 . Ainda no sentido de identificar as línguas tomadas como objetos de poder, perante a afirmaç-o “É muito mais prestigiante aprender português do que uma língua bantu”, à exceç-o dos alunos da UR, que discordaram 12 e da 12.ª classe onde as opiniões surgem divididas 13 , nas classes mais baixas, que tiveram um processo de escolarizaç-o com as classes iniciais em LB, os alunos atribuíram um estatuto de prestígio mais elevado à LP 14 . 223 Imagens das línguas e ensino-aprendizagem do português L2 Sobre o caso específico da(s) LO(s), a quest-o foi colocada de duas formas diferentes: que LO escolheriam (ver gráfico 9) e que línguas consideram que deveriam ser a(s) LO(s) de Moçambique (ver gráfico 10). Em ambas as formula‐ ções, os resultados s-o muito semelhantes. Os sujeitos indicaram como possível LO várias línguas, com destaque para a LP (7.ª, 9.ª e 12.ª classes), o emakhuwa (9.ª e 12.ª classes, e UR), o inglês (9.ª e 12.ª classes), o shimakonde (7.ª e 9.ª classes) e o francês (9.ª e 12.ª classes). Gráfico 9: LO que escolheria A língua que se destaca é, assim, a LP e as razões para a escolha dessa língua prendem-se, n-o com o facto de já ser LO, mas, essencialmente, com motivos afetivos, de apropriaç-o — porque é uma língua de escolarizaç-o — e, finalmente, com ser tomada como um instrumento de construç-o de relações interculturais, dado que é um objeto de comunicaç-o intercultural: “É fácil se comunicar até com os estrangeiros”. A escolha do emakhuwa está associada também à afetividade e ao facto de ser a língua de comunicaç-o com a família - “A minha família gosta muito do emakhuwa. Eu também gosto.” - e por ser um instrumento de construç-o identitária: “é bantu e faz parte da nossa história”. Relativamente às línguas inglesa e francesa é referido igualmente o gosto pela língua, assim como o desejo de a aprender. Especificamente no que se refere ao inglês, é ainda indicado o facto de ser uma língua “internacional” - “Sem 224 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro 15 27% vs. 71 %. 16 36% vs. 41 % e 41 % vs. 31 %, respetivamente. 17 56% vs. 22 %. 18 Com os seguintes dados 54 % (vs. 29 %), 64 % (vs. 28 %), 48 % (vs. 31 %) e 80 % (vs. 20 %) nas 7.ª, 9.ª, 12.ª classes e UR, respetivamente, e, no geral, 60 % vs. 28 %. essa língua noutros países você n-o é pessoa” -, “importante” e com “prestígio”: “facilita o emprego nas indústrias e lojas”. O shimakonde é referido quer porque gostam da língua, quer porque a desejam aprender. Gráfico 10: Línguas que deveriam ser as LO de Moçambique À segunda quest-o, no ensino universitário, os estudantes indicam a língua emakhuwa e a LP para LO. Ainda que os sujeitos considerem que a LP deveria continuar a ser a LO, quando questionados sobre se a LP deveria ser a única LO, as opiniões s-o bastante distintas entre os alunos da UR que afirmam que n-o 15 , os alunos das 9.ª e 12.ª classes que manifestam opiniões divididas 16 e os alunos da 7.ª classe que maioritariamente afirmam que a LP deveria ser a única LO 17 . Se analisarmos os dados no geral, verificamos que as opiniões se dividem: 40 % que concordam com a afirmaç-o vs. 38 % que dela discordam, o que deverá ser alvo de reflex-o. No mesmo sentido, ao perguntarmos aos sujeitos se além da LP deveriam ter uma LB como LO, a maioria concordou 18 . Sobre a mesma 225 Imagens das línguas e ensino-aprendizagem do português L2 19 46% vs. 42 %. 20 Com 58 % vs. 33 %, 56 % vs. 24 % e 80 % vs. 17 %, respetivamente, e, no geral, 58 % vs. 30 %. quest-o, e ainda no que se refere às línguas como objetos de poder, perante a afirmaç-o “Em cada província deveria haver uma língua regional (LB), que seria usada nas instituições públicas, para além da língua oficial”, a maioria dos sujeitos concordou com a adoç-o de uma língua regional oficial (aquela mais falada na província onde residem), com as opiniões divididas na 7.ª classe 19 , e com um grau de concordância maior nas 9.ª, 12.ª classes e UR 20 . No que diz respeito às línguas como objetos de apropriaç-o, questionaram-se os sujeitos sobre as línguas que se deveriam aprender na escola (ver gráfico 11), tendo os mesmos respondido que se deveriam aprender várias línguas, com destaque para a LP, seguida pelo inglês e pelo emakhuwa. Gráfico 11: Línguas que se deveriam aprender na escola Quanto às razões para a escolha dessas línguas, é importante referir que a escolha da LP se deve sobretudo ao facto de ser fácil e se dever aprendê-la, tomando-se, deste modo, esta língua como objeto de apropriaç-o - “seria mais fácil para as crianças” -, de ser já a língua de escolarizaç-o - “É a língua que devemos falar na escola” - porque é importante - “para ter um bom emprego” -, por ser já “a que os moçambicanos falam”, e como um meio de comunicaç-o com pessoas de outros locais. A língua inglesa é escolhida porque é “importante sobretudo ao 226 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro 21 39% vs. 38 %, 55 % vs. 28 %, 39 % vs. 39 %, 63 % vs. 32 %, respetivamente nas 7.ª, 9.ª, 12.ª classes e UR. 22 61% vs. 24 %, sendo 58 % vs. 26 % na 7.ª, 65 % vs. 17 % na 9.ª, 58 % vs. 26 % na 12.ª e 59 % vs. 41 % na UR. 23 36% vs. 38 %. 24 45% vs. 39 % e 44 % vs. 32 %, respetivamente nas 9.ª e 12.ª classes. 25 71% vs. 20 %. 26 35% vs. 49 %. 27 No geral com 60 % vs. 25 %, distribuídos do seguinte modo: 70 % vs. 15 % na 9.ª classe, 63 % vs. 19 % na 12.ª classe e 71 % vs. 29 % na UR. 28 70% vs. 18 %. 29 75% vs. 8 %, 69 % vs. 18 %, 66 % vs. 25 % e 73 % vs. 22 %, nas 7.ª, 9.ª, 12.ª classes e UR, respetivamente. nível profissional”, porque deve ser aprendida e porque facilita a comunicaç-o. A escolha do emakhuwa relaciona-se com o facto de ser a língua local, da província de Nampula. A indicaç-o do francês como língua de escolarizaç-o tem principalmente a ver com o facto de desejarem aprender a língua, que consideram “boa” e “bonita” (objeto afetivo). Quanto às línguas como instrumentos de construç-o e afirmaç-o de identi‐ dades, a maioria dos sujeitos, ainda que com opiniões divididas nas várias classes, concorda que “pensa”, “sonha” e “imagina” o mundo na sua LM 21 . No que se refere à integraç-o das LB no sistema de ensino e ao ensino bilingue, os sujeitos deveriam concordar ou discordar das seguintes afirmações: 1. “Nos meios rurais há crianças que n-o sabem falam português e por esse motivo há muitas reprovações”. A maioria dos alunos concordou 22 ; 2. “É importante o ensino em LB no ensino primário”. Nesta afirmaç-o há opiniões divididas, sendo que na 7.ª classe cerca de metade concorda e a outra metade discorda 23 , nas 9.ª e 12.ª classes, a maioria concorda, mas por uma pequena margem 24 e na UR a grande maioria concorda 25 ; 3. “No ensino primário é muito difícil a introduç-o das LB porque os alunos têm LM diferentes”. À exceç-o dos alunos da 7.ª classe que na maioria discordam 26 , tendo sido eles a passar por essa experiência, a maioria dos sujeitos concorda 27 . Quanto à valorizaç-o da diversidade linguística e aos princípios do plurilingu‐ ismo e da educaç-o intercultural, os sujeitos deveriam concordar ou discordar da seguinte afirmaç-o: “Se eu dominar a(s) minha(s) LM(s), será mais fácil para mim aprender outras línguas”. A maioria dos sujeitos concordou com esta afirmaç-o 28 , verificando-se um elevado grau de concordância em todas as classes 29 . 227 Imagens das línguas e ensino-aprendizagem do português L2 30 De facto, esta manifestaç-o de opiniões contraditórias em diferentes momentos é visível em outros estudos (e.g., Monteiro 2015), neste caso especificamente sobre as noções de Língua Materna, Língua Segunda e Língua Estrangeira. 5 Imagens das LB e do português L2 Os dados recolhidos junto dos estudantes dos vários níveis de ensino, mais concretamente 7.ª, 9.ª, 12.ª classes e ensino universitário, apresentam algumas contradições e revelam a complexidade que envolve estas questões linguísticas que fazem parte do seu quotidiano 30 . De acordo com os dados recolhidos, os sujeitos ao mesmo tempo que afirmam a importância das LB, indicam, igualmente, que é mais prestigiante aprender a LP do que estas LB. Este resultado recomenda uma reflex-o sobre esta quest-o, porque reconhecendo o estatuto da LP como língua usada nos organismos oficiais e no acesso ao emprego e progresso académico, na cidade de Nampula circulam opiniões contraditórias relativamente aos espaços “habitados” pelas línguas. Por um lado, defende-se as LB e a sua introduç-o no sistema de ensino, mas, por outro lado, afirma-se que os crianças (sobretudo da parte dos pais) devem fazer a escolarizaç-o em LP, mesmo desde as classes iniciais. Outra quest-o importante que sobressai da análise dos dados é a partilha de espaços de aç-o e atuaç-o das línguas, que se tornam atualmente espaços híbridos e plurilingues, com as LB a serem usadas nas escolas, no comércio, nos media, e a LP (e algumas LE) a ser usada com a família, em casa. Ao mesmo tempo, verifica-se que as LB n-o detêm só um importante papel enquanto objetos afetivos, mas também como objetos de poder e como instrumentos de construç-o e afirmaç-o de identidades. O mesmo acontece com as outras línguas, nomeadamente a LP, que s-o também aquelas nas quais os sujeitos pensam, sonham e imaginam o mundo, tomadas como importantes na vivência e construç-o do mundo dos sujeitos, o que se considera como um importante passo no sentido da valorizaç-o da diversidade linguística. No que se refere à LO (e às possíveis LOs), surgem novamente dados contraditórios, verificando-se um equilíbrio entre a defesa da LM dos inquiridos, a LB da comunidade e da família, e a defesa da LP. Perante a quest-o sobre que LO escolheriam, a maioria (43 %) referiu a LP, seguida da língua emakhuwa (18 %) e outras LE (e.g., inglês) e LB (e.g., shimakonde), embora estas últimas com menor expressividade. No entanto, à exceç-o dos alunos da 7.ª classe — que, na sua grande maioria, escolheriam a LP como LO e que defendem que ela devia ser a única LO —, os outros sujeitos revelam opiniões divididas, a maioria concordando que deveria haver uma LB como LO. A maior parte destes sujeitos s-o a favor de uma LB como LO ao nível regional e n-o nacional, o que se ligará 228 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro 31 Nos estudos realizados no mesmo contexto que envolviam a biografia linguística dos estudantes, de modo diverso, os dados recolhidos neste estudo, que envolveu alunos de classes mais baixas, os resultados apontavam para uma maioria de sujeitos com a língua emakhuwa como LM e para uma minoria sem express-o de sujeitos com a LP como LM (e.g., Araújo e Sá / Basílio / Monteiro 2019; Monteiro 2015). a um desejo de preservaç-o linguística e cultural da sua LM, a que entendem e já dominam. Os alunos das classes mais baixas (cf. dados da 7.º classe), que frequentaram a escolarizaç-o nos primeiros anos em LB e/ ou em sistema de ensino bilingue, s-o aqueles que menos desejam aprender LB, que manifestam uma preferência maior pela LP, considerando-a a mais importante, a LO que escolheriam, a língua que deveria ser aprendida na escola e a mais prestigiante para o seu futuro profissional. Estes resultados levantam algumas questões: poderá esse facto estar associado à carência de professores formados e de materiais para o processo de ensino e de aprendizagem no ensino bilingue? Poder-o esses fatores contribuir para o facto de cerca de metade dos alunos da 7.ª classe n-o considerar importante o ensino em LB no ensino primário? Ou advirá esse facto de reconhecerem as especificidades dos contextos que podem dificultar o ensino em LB nas escolas primárias (e.g., diferentes LM, do professor, dos alunos, multiplicidade de línguas na sala de aula)? Importa, ainda, referir que a grande maioria dos sujeitos valoriza a diversidade linguística, manifestando respeito pela língua do Outro e desejo de aprender essa língua. Há um número crescente de sujeitos que têm a LP como LM — resultado que n-o é verificado em estudos anteriores com alunos universitários 31 —, com a qual manifestam uma relaç-o de grande afetividade, semelhante à revelada face à língua emakhuwa. Do mesmo modo, as línguas portuguesa, inglesa e francesa partilham com a língua emakhuwa o seu papel de línguas como objeto de poder. Os estudantes apresentam imagens do português como útil e prestigiante, o mesmo acontecendo com as línguas inglesa e francesa, consideradas importantes para o sucesso académico e profissional. Destaca-se, ainda, como objeto de poder, a língua emakhuwa, que é vista por todos como útil e importante para o futuro profissional; de facto, é expressa a valorizaç-o da LB associada ao seu estatuto de língua de escolarizaç-o. Destacamos, aqui, o estatuto de prestígio atribuído a esta língua (emakhuwa), que o partilha com línguas de maior visibilidade internacional como a LP, o inglês e o francês. Os resultados, podem, assim, apontar para a partilha total de espaços de comunicaç-o e aç-o social entre a LP e o emakhuwa, o que é também importante para o desenvolvimento de programas de ensino bilingue e do recurso a ambas as línguas em contexto de sala de aula no processo de escolarizaç-o. 229 Imagens das línguas e ensino-aprendizagem do português L2 32 Para mais informações, consultar Pinto (2015). Os resultados parecem, ainda, revelar que os sujeitos consideram que as LB deveriam começar a ocupar um espaço ligado à administraç-o, sendo que os sujeitos manifestam a preferência pela adoç-o de uma língua regional local, a sua LM, aquela que dominam. Nesse sentido, sugere-se equacionar-se, à semelhança do que acontece em algumas regiões do Brasil, a adoç-o de línguas regionais 32 . 6 Considerações finais: implicações para o ensino-aprendizagem do português L2 As culturas face a face levam à consciência de incompletude de cada uma. Boaventura Sousa Santos Começamos por realçar o facto de os nossos inquiridos demonstrarem uma grande abertura face à alteridade, expressa na valorizaç-o do plurilinguismo e da diversidade cultural, assim como na curiosidade face às outras línguas-culturas e no desejo de as aprender. Esse desejo de conhecer outras LB refere-se, como vimos e sobretudo, às línguas das zona norte de Moçambique, com as quais têm uma maior proximidade. Destacamos, ainda, algumas questões que surgiram nos nossos resultados, para as quais n-o temos uma resposta e que apontam para questões de investi‐ gaç-o a integrar em novos estudos. Quanto à escolha de uma língua oficial, destacam-se a LP e a língua emakhuwa, quer em termos afetivos, de apropriaç-o, quer ainda em termos de poder. Essas línguas superam a alguma distância outras línguas de comunicaç-o internacional, como o Inglês e o Francês, valorizadas em outros estudos anteriores com a populaç-o de Nampula (Araújo e Sá / Basílio / Monteiro 2019; Monteiro 2015) e tomadas pelos sujeitos neste estudo como as mais prestigiantes para o seu futuro profissional. Poderá esse facto denotar que a introduç-o das LB no sistema de ensino oficial terá contribuído para serem entendidas como línguas de maior poder e acesso ao conhecimento? Refere-se, ainda, o facto de a LP e o emakhuwa serem seguidas a alguma distância por algumas LB do norte do país, sobretudo o shimakonde face à qual parece haver algum fascínio e revelar alguma curiosidade cultural face a uma língua-cultura cujas práticas parecem ser rodeadas de algum secretismo. Será esse o fascínio revelado face à língua shimakonde? Por que motivo surge esse desejo da populaç-o mais jovem de conhecer esta língua? Como se poderá aproveitar esta abertura para integrar novas línguas no sistema de ensino? Ou 230 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro para promover em sala de aula de LB/ LM e de LP atividades plurilingues e de intercompreens-o? Importa, ainda, referirmo-nos ao estatuto de LO. Há uma grande maioria que privilegia a LP como LO, sendo que os sujeitos com uma idade maior (universitários) privilegiam a sua LM (na sua maioria emakhuwa) e os mais novos privilegiam a LP, demonstrando uma assunç-o cada vez maior da LP como língua afetiva e de construç-o identitária. Esta relaç-o afetiva e de pertença com a LP poderá apontar para o facto de a LP ser considerada por estes sujeitos uma língua nacional, uma língua moçambicana? Se esta populaç-o mais jovem a tem como LM n-o será para eles n-o apenas LO mas a sua língua e aquela com a qual constroem a sua identidade? E, quanto a estas LO, poder-se-á apontar, como sugerem os sujeitos, para a integraç-o das LB como LO regionais? Outra quest-o que resulta do nosso estudo relaciona-se com a introduç-o das LB no sistema de ensino. Os sujeitos mais jovens foram aqueles que tiveram a oportunidade de integrar o ensino bilingue e poder fazer a escolarizaç-o nos primeiros anos em LB. Sendo que a maioria desses alunos mais jovens referem que as línguas de escolarizaç-o deveriam ser preferencialmente a LP e o Inglês (as que consideram mais prestigiantes para o seu futuro), mas reconhecem a importância das LB e da sua integraç-o no sistema de ensino, por que raz-o é que cerca de metade considera que n-o é importante esse ensino em LB no ensino primário? Ou que as LB n-o deveriam ser ensinadas no ensino primário? Será que falhou algo? Que se prende com a necessidade de um maior investimento na criaç-o de materiais e na formaç-o de professores? Como consequência do que os nossos resultados revelam referimos a neces‐ sidade de se construírem materiais e atividades para as aulas de língua que n-o só promovam o desenvolvimento de competências linguísticas (gramaticais, de compreens-o e express-o oral e escrita, estruturais), mas, também, sociais, plurilingues e interculturais. Especificamente no que se refere às imagens das línguas, é importante trabalhá-las com os alunos, levando-os a refletir sobre elas, no sentido de os sensibilizar para a valorizaç-o da diversidade linguística e cultural. É, igualmente, importante criar atividades que reforcem o reconhecimento demonstrado pelos sujeitos do estudo de que poderá haver uma transferência de competências linguísticas na aquisiç-o de uma nova língua ou no desenvolvimento da aprendizagem de outra. Por esse motivo, é fundamental que as escolas e as universidades diversifiquem a sua oferta linguística. No que se refere ao papel dos professores, é fundamental a integraç-o, nas suas aulas, de atividades colaborativas e participativas, que tomam a língua n-o apenas como um instrumento de comunicaç-o, mas também como um instrumento de aç-o social. É tarefa dos professores também a formaç-o de 231 Imagens das línguas e ensino-aprendizagem do português L2 33 E n-o numa perspectiva de erro. atores sociais com competências plurilingues e interculturais, que exerçam uma cidadania ativa. Alerta-se, ainda, para a importância de os docentes e investigadores conti‐ nuarem a desenvolver estudos que envolvam o uso da LP, em Moçambique, no sentido de estabelecer uma norma do PM ou de incluir na formaç-o de professores uma variante do PM numa perspetiva de abertura, de mutaç-o e evoluç-o da língua 33 . 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Lisboa: Fundaç-o Calouste Gulbenkian. 234 Ermelinda Mapasse, Ana Catarina Monteiro O perfil sócio-linguístico e motivacional dos estudantes que escolheram o curso de Licenciatura em Ensino de Português na Universidade Pedagógica de Nampula Isidro António Samo Chongola O texto apresenta dados relativos ao perfil sócio-línguístico dos estudantes do Curso de Licenciatura em Ensino do Português da UPN do ano 2019. Analisam-se a composiç-o e situaç-o linguística (L1, L2), o perfil social (sexo, profiss-o) e a situaç-o motivacional dos alunos perante o curso universitário escolhido. Com base nos dados apresentados chega-se à conclus-o que a língua portuguesa, apesar coabitar com as línguas nativas e outras línguas estrangeiras, tem o seu espaço conquistado na panorâmica linguística e acadêmica do país. 1 Introduç-o O presente artigo apresenta resultados de um estudo feito com estudantes do primeiro ao quarto anos do curso de Licenciatura em Ensino do Português da Universidade Pedagógica de Nampula (UPN). Tratamos de determinar o perfil sócio-linguístico e a motivaç-o dos estudantes que frequentam o curso de Licenciatura em Ensino do Português. Tendo em conta que Moçambique é um país multilingue e que nem todas as crianças têm o Português como sua língua materna, como veremos a seguir, e atendendo ao facto de Moçambique ser rodeado por países anglófonos, sendo o inglês uma língua importante para a inserç-o no mercado de emprego nas novas empresas que se dedicam à exploraç-o de recursos naturais, a escolha de um curso universitário de Português n-o é t-o óbvia como talvez possa parecer. O nosso interesse era conhecer melhor a biografia linguística dos alunos inquiridos e saber se - para além do facto de o Português ser a língua oficial e a principal língua de ensino em Moçambique - havia outras razões, individuais e/ ou afetivas, que influenciaram a escolha do Curso. Importa salientar que o curso de Licenciatura e o ensino do Português começou em 1995, coincidindo com a criaç-o da Delegaç-o da Universidade Pedagógica em Nampula no mesmo ano, sendo o objetivo do curso formar professores com nível superior de Bacharelato para o Sistema Nacional de Educaç-o e em particular para a zona Norte do país onde se localizam as províncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa. Sendo este o único curso que formava professores nesta área de conhecimento na regi-o em 2007, o Conselho da Delegaç-o deliberou e decidiu que o curso devia ser de Bacharelato e Licenciatura em Ensino do Português, designaç-o que terminou em 2009 com a introduç-o do novo currículo, cuja duraç-o da formaç-o é de quatro anos. O curso apresenta quatro áreas principais de concentraç-o para a formaç-o dos estudantes a saber: língua, didática, literatura e linguística. No que tange à saída profissional, estudantes culminam com Licenciatura em Ensino do Português (major) e com habilitações em Inglês ou Francês (minor), língua Bantu (Emakhuwa) (minor) ou Supervis-o Educacional (minor). Quanto aos graduados do curso de Licenciatura em Ensino do Português, depois de concluir o curso, alguns retornam às zonas de proveniência e s-o colocados para ensinar nas escolas de nível básico e secundário, outros, porém, concorrem para vagas de professores de português nas escolas e institutos privados existentes na cidade de Nampula. 2 Informaç-o Metodológica Em termos metodológicos, o nosso estudo é do tipo qualitativo, em que a realidade é considerada múltipla e contextualizada, com uma abordagem de‐ scritiva-interpretativa, com recurso à interpretaç-o do investigador, realizada de forma parcial e perspetivada, integrando-se, deste modo, num paradigma eminentemente interpretativo (cf. Coutinho 2014; Bogdan / Biklen 2013; Amado 2009). A técnica de recolha de dados utilizada foi a inquiriç-o. Os inquéritos por questionário foram aplicados nos meses de março e abril de 2019, envolvendo um total de 50 estudantes de ambos os sexos do curso de Licenciatura em Ensino do Português do 1.º ao 4.º anos. Esses 50 estudantes foram escolhidos de duas formas: i) foi aplicado, em sala de aula, o questionário a alunos da turma do primeiro ano que estavam presentes numa aula de Linguística Geral I; ii) foram deixadas, no Centro de Línguas da Universidade Pedagógica - Delegaç-o de Nampula (atual Universidade Rovuma), folhas de inquérito, tendo-se informado os alunos do curso de português do 2.º, 3.º e 4.º anos para que, em regime de 236 Isidro António Samo Chongola 231 3 Resultados 3.1 Identificaç-o Como o gráfico acima ilustra, a maior parte dos nossos inquiridos s-o jovens, e uma pequena parte é constituída por pessoas idosas ou próximas à idade de reforma. A inclus-o dos estudantes com idade avançada nas universidades moçambicanas, e especificamente na Universidade Pedagógica, deve-se ao facto de estes estudantes serem professores do nível básico de longa data e o Ministério da Educaç-o, através de memorandos de entendimento com a Universidade Pedagógica, conceder-lhes bolsas de estudos a fim de frequentarem o ensino superior. 3.2 Sexo 60% 28% 11% 1% Idade 18-25 26-35 36-45 232 Tendo em conta que em Moçambique ainda se discute a quest-o de equidade do género, nas instituições de ensino, achamos pertinente trazer a distribuiç-o por sexo neste trabalho para melhor percebermos até que ponto as raparigas est-o interessadas em frequentar este curso no nível superior. Como o gráfico ilustra, temos mais homens do que mulheres a escolherem este curso. 3.3 Nacionalidade Conforme a tabela, o curso de Licenciatura em Ensino do Português é frequentado exclusivamente por moçambicanos apesar de Nampula ser uma cidade repleta de pessoas de várias nacionalidades e por ser uma cidade comercial por excelência e também por ser nesta cidade que se localiza um centro de refugiados de guerra. 3.4 Naturalidade 57% 43% Sexo Masculino Feminino 100% 0% Nacionalidade Moçambicana Outra voluntariado, se dirigissem ao Centro de Línguas de forma a preencherem o questionário, tendo-se obtido 51 respostas. No concernente à vers-o escrita do inquérito, essa foi feita por revis-o de pares com colegas docentes no Curso de Licenciatura em Ensino do Português da UPN. 3 Resultados 3.1 Identificaç-o Como o gráfico acima ilustra, a maior parte dos nossos inquiridos s-o jovens, e uma pequena parte é constituída por pessoas idosas ou próximas à idade de reforma. A inclus-o dos estudantes com idade avançada nas universidades moçambicanas, e especificamente na Universidade Pedagógica, deve-se ao facto de estes estudantes serem professores do nível básico de longa data e o Ministério da Educaç-o, através de memorandos de entendimento com a Universidade Pedagógica, conceder-lhes bolsas de estudos a fim de frequentarem o ensino superior. 3.2 Sexo Tendo em conta que em Moçambique ainda se discute a quest-o de equidade do género, nas instituições de ensino, achamos pertinente trazer a distribuiç-o por 237 Perfil dos estudantes de Licenciatura em Ensino de Português da UPN 232 Tendo em conta que em Moçambique ainda se discute a quest-o de equidade do género, nas instituições de ensino, achamos pertinente trazer a distribuiç-o por sexo neste trabalho para melhor percebermos até que ponto as raparigas est-o interessadas em frequentar este curso no nível superior. Como o gráfico ilustra, temos mais homens do que mulheres a escolherem este curso. 3.3 Nacionalidade Conforme a tabela, o curso de Licenciatura em Ensino do Português é frequentado exclusivamente por moçambicanos apesar de Nampula ser uma cidade repleta de pessoas de várias nacionalidades e por ser uma cidade comercial por excelência e também por ser nesta cidade que se localiza um centro de refugiados de guerra. 3.4 Naturalidade 57% 43% Sexo Masculino Feminino 100% 0% Nacionalidade Moçambicana Outra 233 A Universidade Pedagógica existe como Delegaç-o em todas as províncias do país e todas as Delegações oferecem o curso de Licenciatura em Ensino de Português. Contudo, um dos grandes desafios que a Universidade Pedagógica enfrenta no geral, é a falta de internatos para os seus estudantes - daí se justificar a percentagem que o gráfico ilustra de a maioria dos estudantes serem da província de Nampula, pois estudam e vivem em casa dos seus pais ou familiares. Em relaç-o à Zambézia, importa referir que os estudantes do Distrito de Alto Molocué que faz fronteira com a província de Nampula ao norte, preferem vir estudar em Nampula, pois a capital provincial da Zambézia onde se localiza a Delegaç-o da Universidade Pedagógica de Quelimane fica mais distante em relaç-o à cidade de Nampula. 3.5 Profiss-o 2 6 60 21 2 1 3 2 4 0 10 20 30 40 50 60 70 Naturalidade sexo neste trabalho para melhor percebermos até que ponto as raparigas est-o interessadas em frequentar este curso no nível superior. Como o gráfico ilustra, temos mais homens do que mulheres a escolherem este curso. 3.3 Nacionalidade Conforme a tabela, o curso de Licenciatura em Ensino do Português é frequen‐ tado exclusivamente por moçambicanos apesar de Nampula ser uma cidade repleta de pessoas de várias nacionalidades e por ser uma cidade comercial por excelência e também por ser nesta cidade que se localiza um centro de refugiados de guerra. 3.4 Naturalidade A Universidade Pedagógica existe como Delegaç-o em todas as províncias do país e todas as Delegações oferecem o curso de Licenciatura em Ensino de Português. Contudo, um dos grandes desafios que a Universidade Pedagógica enfrenta no geral, é a falta de internatos para os seus estudantes - daí se justificar a percentagem que o gráfico ilustra de a maioria dos estudantes serem da província de Nampula, pois estudam e vivem em casa dos seus pais ou familiares. Em relaç-o à Zambézia, importa referir que os estudantes do Distrito de Alto 238 Isidro António Samo Chongola 234 Fizemos referência anteriormente à Universidade Pedagógica como sendo uma instituiç-o vocacionada à formaç-o de professores e que tem memorandos de entendimento com o Ministério de Educaç-o e Desenvolvimento Humano. Por isso recebe bolseiros deste Ministério que já s-o professores em exercício nos níveis básico e secundário, justificando esta situaç-o a percentagem demonstrada, no gráfico acima, de presença de estudantes trabalhadores. 3.6 Biografia Linguística 75% 24% 1% Profiss-o Só estudante Professor Técnica de Educaç-o Molocué que faz fronteira com a província de Nampula ao norte, preferem vir estudar em Nampula, pois a capital provincial da Zambézia onde se localiza a Delegaç-o da Universidade Pedagógica de Quelimane fica mais distante em relaç-o à cidade de Nampula. 3.5 Profiss-o Fizemos referência anteriormente à Universidade Pedagógica como sendo uma instituiç-o vocacionada à formaç-o de professores e que tem memorandos de entendimento com o Ministério de Educaç-o e Desenvolvimento Humano. Por isso recebe bolseiros deste Ministério que já s-o professores em exercício nos níveis básico e secundário, justificando esta situaç-o a percentagem demons‐ trada, no gráfico acima, de presença de estudantes trabalhadores. 239 Perfil dos estudantes de Licenciatura em Ensino de Português da UPN 3.6 Biografia Linguística 235 O gráfico ilustra que muitos estudantes têm a língua Emakhuwa como sua língua materna. Isto deve-se, entre outros, ao facto de esta língua ser falada nas três províncias do Norte de Moçambique: Nampula, Cabo Delgado e Niassa. Além disso, Nampula é a província mais populosa do país seguido da Zambézia (ver também gráfico em 3.4) onde se fala a língua Echuabo. 5 2 2 1 10 4 5 53 14 4 Changana Chitewe Cichopi Ciyao Echuabo Ekoti Elomué Emakhuwa Português Shimakonde Língua(s) materna(s) O gráfico ilustra que muitos estudantes têm a língua Emakhuwa como sua língua materna. Isto deve-se, entre outros, ao facto de esta língua ser falada nas três províncias do Norte de Moçambique: Nampula, Cabo Delgado e Niassa. Além disso, Nampula é a província mais populosa do país seguido da Zambézia (ver também gráfico em 3.4) onde se fala a língua Echuabo. 240 Isidro António Samo Chongola 236 Como vimos no gráfico anterior, somente 14% dos nossos inqueridos tinham o Português como língua materna. Daí se justificar neste gráfico que 69% dos nossos inqueridos tenham o Português como língua que aprenderam. Os 30% de estudantes que aprenderam o Emakhuwa s-o provenientes de outras províncias, daí a necessidade de conhecer a língua local com o objetivo de facilitar a sua comunicaç-o com a populaç-o nativa. 6 1 2 1 30 19 30 69 1 3 Changana Chitewe Echuabo Elomué Emakhuwa Francês Inglês Português Shimakonde Swahili Línguas que aprendeu Como vimos no gráfico anterior, somente 14 % dos nossos inqueridos tinham o Português como língua materna. Daí se justificar neste gráfico que 69 % dos nossos inqueridos tenham o Português como língua que aprenderam. Os 30 % de estudantes que aprenderam o Emakhuwa s-o provenientes de outras províncias, daí a necessidade de conhecer a língua local com o objetivo de facilitar a sua comunicaç-o com a populaç-o nativa. 241 Perfil dos estudantes de Licenciatura em Ensino de Português da UPN 237 2223 25 47 92 22 Changana Chitewe Cichopi Echuabo Ekoti Elomué Emakhuwa Português Shimakonde Swahili Língua(s) que fala em casa 238 2 21 101 Changana Emakhuwa Português Língua(s) que fala na universidade 242 Isidro António Samo Chongola 239 Como se pode observar nos três gráficos anteriores, o Português aparece como a língua que mais domina nos ambientes familiar, social e académico. A língua Emakhuwa sempre aparece em segundo lugar também nos três domínios. Importa referir que o uso do Emakhuwa na Universidade é formal, visto que é lecionado como minor de saída profissional (ver ponto 1). 4 Motivos para a escolha do curso 4.1 Considerações teóricas Numa aceitaç-o geral, a motivaç-o pode ser definida como “um princípio de forças que levam os organismos a atingir um fim” (Fraise 1959, citado em 2 1 2 3 3 46 93 2 2 Changana Chitewe Echuabo Ekoti Elomué Emakhuwa Português Shimakonde Swahili Língua(s) que usa socialmente Como se pode observar nos três gráficos anteriores, o Português aparece como a língua que mais domina nos ambientes familiar, social e académico. A língua Emakhuwa sempre aparece em segundo lugar também nos três domínios. Importa referir que o uso do Emakhuwa na Universidade é formal, visto que é lecionado como minor de saída profissional (ver ponto 1). 4 Motivos para a escolha do curso 4.1 Considerações teóricas Numa aceitaç-o geral, a motivaç-o pode ser definida como “um princípio de forças que levam os organismos a atingir um fim” (Fraise 1959, citado em Galisson e Coste 1983, 494). Tendo em conta esta citaç-o e colocando-a no contexto do presente inquérito, a escolha (ou a conclus-o antecipada) do curso de Licenciatura em Ensino do Português pode ser considerada o fim a atingir e por isso, a motivaç-o seria concebida como variável necessária à aplicaç-o dos respetivos comportamentos. Também pode se definir a motivaç-o, por um lado, como o estado interior emocional que desperta o interesse ou a inclinaç-o do indivíduo para algo e, por outro lado, pode dizer-se que é o processo que se 243 Perfil dos estudantes de Licenciatura em Ensino de Português da UPN desenvolve no interior do indivíduo e o impulsiona a agir mental ou fisicamente em funç-o de algo, pôr um interesse ou motivo em atividade. Ferreiro e Palácio (2003, 130) consideram a motivaç-o como um atributo das situações e n-o como traço de caráter dos indivíduos. Nérice (1991, 140) acrescenta que, quando o motivo se torna consciente, com previs-o do objetivo a ser alcançado, esse motivo pode ser denominado propósito. Concordando com esse significado do termo propósito, podemos sustentar a ideia que tem de haver uma escolha para um indivíduo alcançar qualquer que seja o seu propósito. Dörnyei (2001) e Dörnyei e Ushioda (2011) reiteram que a motivaç-o pode ser vista em várias perspetivas cognitivas, desde a social até à sociocultural. No que concerne a cogniç-o, podemos destacar os processos mentais, tais como o anseio do estudante no que vai aprender no curso, que habilidades possui ou traz das formações anteriores que poder-o ajudar na definiç-o de suas metas. Na perspetiva sociocultural autores como Hickey (2003), Granada e outros, citados em Dörnyei e Ushioda (ibd.), defendem que a motivaç-o é um processo que emerge das interações entre os participantes, dos contextos e das atividades socio-culturais. E finalmente Dörnyei (2000) afirma que as teorias sobre a motivaç-o, no geral, buscam elucidar três aspetos do comportamento humano: a escolha por uma dada opç-o e a persistência e o esforço despendidos. Sendo assim, podemos concluir que a motivaç-o para um curso pode ser vista como um desejo que os estudantes têm de frequentar o curso apesar das dificuldades que possam ter ao longo do estudo, tendo em conta o seu objetivo final. 4.2 Motivos para a escolha do Curso de Licenciatura em Ensino do Português Nos gráficos seguintes resumimos as respostas que foram dadas à pergunta aberta: Porque escolheu o Curso de Licenciatura em Ensino do Português? Os dois gráficos apresentam os mesmos dados, havendo no primeiro gráfico (A) uma hierarquizaç-o relativa à frequência das respostas. Encontramos uma vasta gama de respostas, incluindo motivos biográficos (como p.ex. a pessoa ter tido bons professores nas classes iniciais) ou sócio-po‐ líticos (como p.ex. querer melhorar a qualidade do ensino em Moçambique). Também há um pequeno número que indica que n-o sabe por que motivo veio fazer este curso. Vemos, no entanto, uma grande maioria de respostas que se podem resumir em três complexos motivacionais dominantes dos estudantes inquiridos: 244 Isidro António Samo Chongola a. a vontade de conhecer melhor e aprofundar a língua portuguesa (motivo sobretudo inteletual) b. a vontade de futuramente poder trabalhar como professores (motivo sobretudo socio-cultural) c. a ligaç-o afetiva com o português (motivo sobretudo emocional). 237 5 Conclus-o Os nossos dados permitem levantar o perfil sócio-línguístico dos estudantes do Curso de Licenciatura em Ensino do Português da UPN do ano 2019, sendo de destacar uma composiç-o biográfica e linguística relativamente homogénea dos alunos, sobretudo face à situaç-o multilinguística e multiétnica do país. Mais de 80% dos inquiridos indicaram ser da zona norte do país e uma grande maioria indicou ser(em) o Português e/ ou o Emhakuwa a(s) sua(s) língua(s) de comunicaç-o principal. Em relaç-o ao sexo, salientamos a percentagem de 57% de alunos do sexo masculino que, mesmo n-o se incluindo aqui estudos de referência, nos parece alta para um curso de Letras e que se deve, na nossa opini-o, ao papel tradicional das mulheres em Moçambique. Em relaç-o à profiss-o dos informantes nota-se que temos dois grupos principais a saber, estudantes no sentido de que só estudam e n-o trabalham (75%) e 57 36 26 13 7 7 6 5 14 Motivos para a escolha do Curso de Português - A - A 245 Perfil dos estudantes de Licenciatura em Ensino de Português da UPN 236 Vemos, no entanto, uma grande maioria de respostas que se podem resumir em 1 57 1 2 2 5 26 4 7 36 13 7 6 1 3 Auentar o grau académico Conhecimento, aprendizagem, aprofundamento Enriquecer o vocabulário Escrever livros Facilidade, ter boas notas Gosto pela leitura Gostar da língua (paix-o) Influência da família Influência de professores Leccionar, ensinar Língua oficial e de unidade nacional Melhorar a comunicaç-o Melhorar a qualidade de ensino no país Traduç-o Segunda opç-o, aleatório Motivos para a escolha do Curso de Português - B 5 Conclus-o Os nossos dados permitem levantar o perfil sócio-línguístico dos estudantes do Curso de Licenciatura em Ensino do Português da UPN do ano 2019, sendo de destacar uma composiç-o biográfica e linguística relativamente homogénea dos alunos, sobretudo face à situaç-o multilinguística e multiétnica do país. Mais de 80 % dos inquiridos indicaram ser da zona norte do país e uma grande maioria indicou ser(em) o Português e/ ou o Emhakuwa a(s) sua(s) língua(s) de comunicaç-o principal. Em relaç-o ao sexo, salientamos a percentagem de 57 % de alunos do sexo masculino que, mesmo n-o se incluindo aqui estudos de referência, nos parece alta para um curso de Letras e que se deve, na nossa opini-o, ao papel tradicional das mulheres em Moçambique. Em relaç-o à profiss-o dos informantes nota-se que temos dois grupos principais a saber, estudantes no sentido de que só estudam e n-o trabalham (75 %) e professores em exercício que entram na universidade a fim de continuar com os estudos (24 %). 246 Isidro António Samo Chongola Quanto à motivaç-o vimos que há três motivos preponderantes para escolher o curso referido, sendo eles de caráter inteletual (conhecimento melhor a língua), social (futuro trabalho como professor/ a) e emocional (paix-o pela língua). Com base nos dados apresentados chegamos à conclus-o que a língua portuguesa em Moçambique, apesar de coabitar com as línguas nativas e outras línguas estrangeiras, tem o seu espaço conquistado ao longo do tempo. Acrescente-se que a língua gradualmente está a sofrer transformações em relaç-o à antiga norma padr-o, uma realidade com que o ensino universitário também se debate, mas que n-o foi focalizado nesta contribuiç-o. Referências Amado, Jo-o da Silva. 2009. Introduç-o à Investigaç-o Qualitativa em Educaç-o (Investi‐ gaç-o Educacional II). Relatório de Disciplina Apresentado nas Provas de Agregaç-o. Universidade de Coimbra. Bogdan, Robert / Biklen, Sari Knopp. 2013. Investigaç-o Qualitativa em Educaç-o. Uma Introduç-o à Teoria e aos Métodos. (Traduç-o de Maria J. Alvarez / Sara B. Santos / Telmo M. Baptista). Porto: Porto Editora. Coutinho, Clara Pereira. 2014. Metodologia de Investigaç-o em Ciências Sociais e Humanas: teoria e prática. Coimbra: Almedina. Dörnyei, Zoltán. 2000. “Motivation in action: Towards a process-oriented conceptualisa‐ tion of student motivation”, in: British Journal of Educational Psychology, 70, 519-538. Dörnyei, Zoltán. 2001. Teaching and researching motivation. Harlow: Pearson Education. (Applied Linguistics in Action). Dörnyei, Zoltán / Ushioda, Ema. 2011 2 . Teaching and researching motivation. United Kingdom: Pearson Education. (Applied Linguistics in Action). Ferreiro, Emília / Palacio, Margarita Gomes. 2003 3 . Os Processos de Leitura e Escrita, Porto Alegre: Editora Artmed. Galisson, Robert / Coste, Daniel. 1983. Dicionário de Didáctica de Línguas. Coimbra: Livraria Almedina. Lebrun, Marcel. 2008. Teorias e Métodos Pedagógicos para Ensinar e Aprender. Lisboa: Edições Piaget. Nérici, Imídeo G. 16 1991. Didáctica Geral Dinâmica. S-o Paulo: Edições Atlas. 247 Perfil dos estudantes de Licenciatura em Ensino de Português da UPN O ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa num contexto multilingue de Moçambique: o professor como foco de mestria e conflitos quanto à integraç-o de novas estruturas sintáticas José Rafael Maússe O presente artigo enquadra-se no campo de pesquisa da Linguística Aplicada e desenvolve-se no contexto multilingue e multicultural moçambicano, no qual a Língua Portuguesa é Língua Segunda (L2) para a maior parte dos professores, que a usam em contextos informais (a par das línguas bantu) e/ ou formais de ensino. A metodologia adoptada é o estudo qualitativo e a abordagem é descritiva-interpretativa. Apoia-se na revis-o de literatura dos estudos de Gonçalves (2015), Firmino (2002) e Gonçalves e Chimbutane (2003), Mapasse (2015), Siopa (2015) e de dos Santos (2010). Os objetivos do artigo s-o, nomeadamente a) problematizar a utilizaç-o do verbo nascer por parte dos moçambicanos falantes da Língua Portuguesa e b) propor a integraç-o das estruturas típicas do Português Moçambicano (PM) já estabelecidas, portanto a instituiç-o da norma culta do PM, o que permitiria a relativizaç-o do erro, através da inclus-o de abordagens de atuaç-o pedagógica baseadas em perspetivas de variaç-o linguística. Consequentemente, o professor, munido de ferramentas sociolinguísticas, passará a ser somente o foco de mestria e n-o de mestria e conflitos advindos da oposiç-o entre a norma do Português Europeu e os usos reais do PM. A soluç-o sugerida é a integraç-o das novas estruturas típicas do PM sem a “mudança de todos os materiais de Português” (Carta de Maputo, 2015) o que n-o acarretaria grandes investimentos na adaptaç-o de novos materiais e recursos didáticos, através da manutenç-o dos materiais existentes (de natureza prescritiva) e inclus-o de notas explicativas (de natureza descritiva). 1 Contextualizaç-o Moçambique é um país “pós-colonial”, multilingue e multicultural e que, a par de muitos outros países colonizados, adotou a Língua Portuguesa (LP) como Língua Oficial (LO) e Língua de Unidade Nacional (cf. § 10 da Constituiç-o da República, 1990). No entanto, o Português é Língua Segunda (L2) para a maioria dos moçambicanos, pois tem como Língua Materna (L1/ LM) uma ou mais, das mais de 20 línguas nativas de origem bantu (línguas nacionais). A estrutura linguística das LB difere da LP. Menor é a percentagem dos que a têm como LM (16,58% - dados do Censo de 2017) e essa minoria reside maioritariamente nas zonas urbanas e/ ou peri-urbanas. A aquisiç-o do Português, em Moçambique, ocorre em situações instrucio‐ nais/ formais - com maior frequência - e informais. Em situações de ensino, importa anotar dois aspetos que nos parecem importantes para a compreens-o da problemática, nomeadamente, o facto de os professores de Português usarem a LP com diferentes níveis de proficiência e terem como modelo de ensino o Português Europeu (PE). 1.1 Políticas Linguísticas Uma análise das “políticas linguísticas” do Português em Moçambique permite tirar as conclusões que se seguem: 1. Durante a colonizaç-o a LP era a chave para o acesso à civilizaç-o, à “compreens-o da grandeza do império” e à difus-o do Evangelho (“pacto” Estado/ Igreja). 2. Com a Independência Nacional, regista-se a fuga massiva de portugueses, sobretudo professores, que desempenhavam papel importante, em termos de exposiç-o de modelos linguísticos da língua mais próxima da Norma padr-o (PE). Neste período, assinala-se igualmente a tentativa de estig‐ matizaç-o das línguas nacionais de origem bantu, pois era preciso “matar a tribo para nascer a Naç-o” (Samora Machel). Para tal desígnio, foi banida a comunicaç-o em línguas nacionais nas escolas e nas instituições públicas e o uso da LP passou a ser de caráter obrigatório. É neste período que as campanhas de alfabetizaç-o conhecem o seu apogeu. 3. N-o obstante a pretens-o de se matar a tribo - consequentemente a língua -, em ambientes familiares, a populaç-o comunica-se através de línguas de origem bantu e, somente, as estruturas administrativas usam a LP. 4. A independência trouxe consequências nas políticas sócio-económicas e linguísticas. Estas consequências traduziram-se no abandono massivo 250 José Rafael Maússe das populações, sem um preparo instrucional, das zonas rurais para as urbanas onde se viram na “obrigaç-o” de comunicar em Português. Por fim, é de salientar que a necessidade de consolidaç-o da Unidade Nacional tem tido influência na definiç-o das políticas linguísticas e, por isso: o português cumpre funções e valores fundamentais na comunicaç-o pública e, por isso, dependendo de variáveis sociais como local de residência, nível social, escolaridade, idade, sexo e formaç-o profissional, os aprendentes e até os próprios professores têm a sua forma de falar o português, entretanto o ensino é baseado na norma prescritiva (Mapasse 2015, 77). S-o, portanto, as variações sociais e o ensino baseado na norma prescritiva que levam, provavelmente, o professor de língua portuguesa L2 a ser o foco de mestria e de conflitos, na sala de aulas, palco onde atuam em simultâneo duas estruturas pertencentes a normas diferentes (PM/ PE). 2 Metodologia A metodologia adotada para o presente artigo é o estudo qualitativo e a abordagem é descritiva-interpretativa. Apoia-se na revis-o de literatura dos estudos de Gonçalves (2015), Firmino (2002) e Gonçalves / Chimbutane (2003), Mapasse (2015), Siopa/ Gonçalves (2015), Santos (2010), embora se reconheça a existência de um leque vasto de estudos realizados sobre a situaç-o linguística de Moçambique, no geral, e particularmente sobre o PM. Norteou a restriç-o dos estudos, a pretens-o de n-o criar situações bloqueadoras à vis-o emanada na Carta de Maputo (2015). De uma forma resumida, Mapasse (2015) traz dados sobre o perfil sociolinguístico dos professores de português, sobre variáveis linguísticas e frases testadas que contém estruturas estabilizadas, assim como fundamentos teóricos que alicerçam o ensino bidialetal, na perspetiva de abor‐ dagens pedagógicas baseadas na variaç-o linguística. Siopa (2015) e Gonçalves (2015) fornecem subsídios teóricos e discussões sobre a noç-o de “erro” que permitem a construç-o de uma Tipologia de erro do PM. Os dados sobre o emprego do verbo nascer foram extraídos de Mapasse (2015), Santos (2010), Gonçalves (1996) e Gonçalves / Chimbutane (2004), respetivamente. Gonçalves / Chimbutane (2004) e Mapasse (2015) apresentam dados que evidenciam as interferências linguísticas nas variantes do PM (línguas em contacto). Os dados s-o discutidos na base da sua gramaticalidade e aceitabilidade. Por isso, a caraterizaç-o das propriedades sintáticas e semânticos é recorrente. Para a aferiç-o dos aspetos semânticos, foram consideradas as entradas lexicais do verbo nascer nos dicionários Aurélio, Houaiss, da Academia de Ciências de 251 Ensino-aprendizagem do Português num contexto multilingue de Moçambique Lisboa Aurélio (Ferreira 2009), Houaiss (2001), da Academia das Ciências de Lisboa (2001) e Changana-Português (Sitoe 2011) e posteriormente foi feita a confrontaç-o com os novos valores semânticos que o verbo nascer adquiriu no PM. 3 Objetivos Os objetivos principais do artigo s-o os seguintes: a) problematizar a utilizaç-o do verbo nascer pelos falantes moçambicanos do Português e b) propor a integraç-o de estruturas estabilizadas típicas do PM, enquanto se aguarda pela instituiç-o de uma norma culta. 4 Revis-o da Literatura Siopa / Gonçalves (2015), na sua base de tipologia de Erros, agrupam as variantes do PM nas seguintes áreas: Sintaxe, Morfossintaxe, Léxico, Semântica e Fono‐ logia. A nossa abordagem faz convergir as áreas de Sintaxe, Morfossintaxe e Semântica e tem como foco a discuss-o sobre a seleç-o categorial, os traços e restrições de seleç-o semântica, por serem as que evidenciam claramente o “conflito” que decorre do contacto entre línguas de culturas/ estruturas meta‐ cognitivas e gramaticais distintas. 4.1 Estruturas argumentais S-o designadas estruturas argumentais, as propriedades que caraterizam os predicados e que permitem a sua subclassificaç-o (Móia / Peres, 1995, 43). De acordo com os autores, a propriedade da enaridade do predicado define o número de argumentos do predicado e as outras propriedades têm a ver com as restrições (categorias sintáticas) e propriedades que o predicado impõe aos seus argumentos. Em relaç-o à posiç-o na frase/ oraç-o, os argumentos podem ser colocados à esquerda do verbo (Argumentos Externos) ou à sua direita (Argumentos Internos). 4.1.1 Categorias sintáticas dos argumentos As categorias sintáticas dos argumentos permitem o agrupamento de predicados em subclasses, tendo em conta a sua categoria lexical (V-verbo, N-nome, Ad-adjetivo) e a enaridade respetiva (unário, binário, ternário) (Móia / Peres, 1995, 53). Mateus et al. (2003, 326) consideram que estamos perante uma categoria lexical quando uma “dada palavra ou item lexical pertence a um inventário 252 José Rafael Maússe vasto e renovável do vocabulário ou léxico da língua e o seu significado remete para entidades, situações, propriedades ou relações entre entidades”. Elencam as seguintes categorias lexicais: Nome, Adjetivo, Preposiç-o, Verbo e Advérbio, que constituem o núcleo, respetivamente, das seguintes categorias sintagmáticas: Sintagma Nominal (SN), Sintagma Adjetival (SAd), Sintagma Preposicional (SPrep), Sintagma Verbal (SV) e Sintagma Adverbial (SAdv), que s-o projeções máximas dos núcleos. 4.1.1.1 Estrutura Interna do Sintagma Verbal: os complementos do verbo A estrutura do SV é definida pelo número de argumentos selecionados pelo verbo e “a presença e a natureza categorial e temática dos argumentos internos relaciona-se com o tipo de verbo e com o tipo de relaç-o de regência e de dependência lexical estabelecida” (ibid., 409). Para as autoras, os complementos dos verbos s-o os que se seguem: SN, SPrep , Sad e frases (F), e que se realizam à direita do núcleo (V). Em relaç-o à estrutura interna dos verbos transitivos, as autoras explicam-nos que “os argumentos internos de um verbo transitivo se realizam em posições do SV, habitualmente à direita do núcleo, em posições de complemento” e que o SN selecionado pelo verbo transitivo é um constituinte imediato do SV. 4.1.1.2 A Estrutura argumental dos verbos do PM A estrutura argumental dos verbos apresenta fenómenos que caraterizam a variedade linguística do PM. De acordo com Gonçalves (1996, 314) “as modifi‐ cações de propriedades de subcategorizaç-o dos verbos do PE que ocorrem no PM” tendem para a transitivizaç-o dos verbos, ocorrendo os verbos com complementos nominais. Apresenta como exemplos dessas ocorrências: (1) *Os bandos armados batiam sempre [SN as pessoas]. (=…batiam nas pessoas) (2) *Entregou [SN o emissário] a carta. (=…entregou ao emissário) (3) *A pessoa fica sem nascer [SN ninguém] (=…sem dar à luz ninguém) As construções acima s-o agramaticais e, por isso, excluídas pela gramática do PE. 4.1.2 Propriedades semânticas dos argumentos Móia / Peres (1995, 54) partem do pressuposto teórico segundo o qual as “as línguas humanas s-o de representaç-o do mundo (…) que permitem evocar 253 Ensino-aprendizagem do Português num contexto multilingue de Moçambique entidades e situações, estejam elas presentes ou ausentes” para afirmarem que as propriedades semânticas s-o “correlatos no sistema de representaç-o - a linguagem - de propriedades do sistema representado - o mundo” (ibd., 55) e s-o dependentes, portanto, da relaç-o de representaç-o que existe entre a linguagem e o mundo. Argumentam que uma dada palavra tem a propriedade linguística (semântica) de estar associada a entidades com determinadas caraterísticas (traços semânticos inerentes). A respeito dos verbos, os autores dividem os traços semânticos inerentes em dois tipos, de acordo com: • Os requisitos dos verbos relativamente aos traços inerentes dos seus argumentos. • A atribuiç-o de traços semânticos aos seus argumentos. O primeiro tipo de traços semânticos inerentes divide-se em dois, designada‐ mente: traços de seleç-o semântica e restrições de seleç-o semântica. Ainda de acordo com Peres / Móia (ibidem), se se verificar incompatibilidade entre as restrições de seleç-o e os traços semânticos inerentes de um argumento, isso pode resultar em uma anomalia semântica. Apresenta-se como exemplo a frase: (4) A Ana molhou a verdade. De facto, na frase (4), o verbo molhar, que desempenha a funç-o de predicado, requer que o argumento externo [a Ana] e o argumento interno [a verdade] tenham o mesmo traço semântico [+CONCRETO]. Em relaç-o ao segundo tipo de traços semânticos inerentes, consideram que “os verbos têm propriedades de atribuiç-o de papéis semânticos” ou funções semânticas e recorrem ao par de frases: (5) A Rita esteve a cantar. (6) A Rita desmaiou. Segundo argumentam, na frase (5), o verbo (estar Aux) + cantar tem a proprie‐ dade inerente de atribuir ao argumento da frase [a Rita] o papel semântico de [+CONTROLADOR], pois controla o processo que ocorre. O que n-o acontece com o argumento [a Rita], da frase (6). Isso significa que o argumento [a Rita], sujeito em ambas as orações, desempenha papéis diferentes, dependendo esses papéis das caraterísticas do tipo de situaç-o. 4.2 Gramaticalidade e aceitabilidade de frases A distinç-o que Galisson / Coste (1983, 17) estabelecem entre os planos de performance e de competência gramatical é fundamental para uma melhor 254 José Rafael Maússe compreens-o dos termos gramaticalidade e aceitabilidade. Dizem os autores que “um enunciado pode ser considerado aceitável (plano de performance) numa dada situaç-o e num dado contexto, mesmo que seja gramaticalmente duvidoso e até agramatical (plano da competência)”. É preciso esclarecer que a competência gramatical aparece quando o falante se interroga sobre se um enunciado é ou n-o gramatical, e que a “competência de comunicaç-o supõe o domínio de códigos e de variantes sociolínguísticos e dos critérios de passagem de um código ou de uma variante a outros: ela implica também um saber pragmático relativamente às convenções enunciativas que est-o em uso na comunidade considerada” (ibid., 135). 4.3 Verbo nascer (Conceito) Na perspetiva de Peres / Móia (1995, 51), o verbo nascer é um verbo de estrutura argumental unária (p. ex.: nasceram seis cachorrinhos), inacusativo ou de culminaç-o. De acordo com Mateus et al. (2003, 196), os verbos inacusativos ou de culminaç-o s-o “predicados unários de movimento, de aparecimento e de desaparecimento em cena, de mudança de estado”. S-o verbos como: chegar, sair, nascer, morrer, falecer, murchar, enegrecer e rejuvenescer que apresentam um único argumento externo com funç-o sintática de sujeito. Estes verbos s-o designados verbos intransitivos. 4.4 Propriedades semânticas do verbo Para a definiç-o das propriedades semânticas do verbo nascer, consultamos os dicionários referidos no ponto 2. Restringimos a nossa atenç-o às duas primeiras entradas lexicais cujas definições apontam ao “uso primário de linguagem” (Peres / Móia, 1995, 54). Assim temos respetivamente: nascer […] V.int. 1. Vir ao mundo; vir à luz; começar a ter vida exterior […] 2. Tomar carne; encarnar-se, humanar-se (Dicionário Aurélio, Ferreira 2009) nascer v. 1 int. passar a ter vida exterior no mundo; vir ao mundo (o menino nasceu cedo) 1.1 t.i. vir à luz por meio cirúrgico ou outro, n-o natural (n. de cesariana) 2 int. começar a crescer, a botar (a planta nasceu e cresceu depressa) (Dicionário Houaiss, Houaiss 2001) nascer v. […] 1. iniciar um ser animado, a sua vida autónoma no mundo exterior, saindo do ambiente ou do meio onde decorreu a sua gestaç-o, por exemplo do exemplo do ventre materno, de um ovo … (Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa) 255 Ensino-aprendizagem do Português num contexto multilingue de Moçambique 5 Apresentaç-o, análise e discuss-o de dados As frases que constituem o nosso corpus e, portanto, objetos da nossa análise e discuss-o foram retiradas de trabalhos de Gonçalves (1996), Mapasse (2015) e Santos (2010) e constituem formas desviantes em relaç-o à norma do PE e foram produzidos por falantes moçambicanos de Português. 5.1 Corpus (7) *Os avôs nascem muito nê? (…) O meu avô tem tem [REP] vinte e quatro Vinte e quatro filhos? Sim de m-es diferentes. Alguns já morreram (Santos 2010, 176) (8) Acabou nascendo uma criança seropositiva (Mapasse 2015, 118). (9) *Tu também podes nascer um filho saudável (Mapasse 2015, 79). (10) Nasci em Maputo…sou saudável forte charmoso (Santos 2010, 187). (3) *A pessoa fica sem nascer [SN] ninguém (Gonçalves 1996, 314). 5.2 Análise e discuss-o de dados As frases (7), (9) e (3) aparentam ter todas uma estrutura argumental binária, nas quais os argumentos externos [os avôs], [tu] e [a pessoa] desempenham a funç-o de sujeito e os argumentos internos [vinte e quatro/ filhos] (considerando que “vinte e quatro filhos” pode ser tido como argumento réplica, cujo co-referente é “muito” ent-o a frase será: [os avôs] nascem [vinte e quatro filhos] / ([os avôs] nascem [filhos]), [um filho saudável] e [ninguém] desempenham a funç-o sintática de objeto direto (OD) . A estrutura apresentada pela frase (10) é unária cujo argumento único é n-o realizado e externo [ø] com funç-o de sujeito subentendido. Se substituirmos o verbo nascer pela entrada lexical vir à luz / começar a ter vida exterior do Dicionário Aurélio, teremos respetivamente: (7´) *Os avôs [vir à luz] muitos filhos. (9´) *Tu também podes [vir à luz] um filho saudável. (3´) *A pessoa fica sem [vir à luz] ninguém. Um teste de gramaticalidade permite concluir que, em todas frases, vir à luz (com funç-o de predicado) n-o rege argumento interno com funç-o de OD, havendo incompatibilidades entre as restrições de selecç-o e os traços semânticos inerentes dos argumentos e que todas elas s-o excluídas no PE. 256 José Rafael Maússe Relativamente à frase (8), esta pode ser analisada em duas perspetivas. Na primeira perspetiva de análise, assume-se que [uma criança seropositiva] é um argumento externo que se movimentou da sua posiç-o natural, deixando vazio seu lugar. Ent-o teriamos: (8´) [ø] acabou nascendo [uma criança seropositiva] sujeito. (= [uma criança seropositiva] sujeito acabou nascendo). Esta perspetiva de análise faz a frase gramatical e aceitável, sendo que o verbo nascer (vir à luz) pede apenas um argumento externo, com funç-o de sujeito. Na segunda perspetiva, considera-se que “Acabou nascendo uma criança sero‐ positiva pode ser entendida como (*A m-e/ Ela acabou nascendo uma criança…), apresentando uma estrutura argumental binária, com o argumento [a m-e/ ela] a desempenhar a funç-o de sujeito e o argumento [uma criança seropositiva] a funcionar como OD, e pode-se concluir que a frase apresenta uma estrutura argumental binária, com um argumento externo, com funções sintáticas de sujeito e outro interno e com funções de OD, respetivamente. Nesta perspetiva de análise, a frase é agramatical e n-o aceitável. Mapasse (2015, 126) considera que esta frase só é possível devido à interferência das línguas de origem bantu. É preciso anotar que a autora estabelece o par [dar à luz]/ [vir à luz] como sinónimos, apesar de a entrada lexical dar à luz n-o aparecer, nesta aceitaç-o, nos dicionários de língua portuguesa. Retomamos a nossa análise tendo em consideraç-o a relaç-o de sinonímia estabelecida entre [dar à luz]/ [vir à luz]. A primeira express-o parece-nos refletir o uso real da língua e revelar a concepç-o que os povos de origem bantu têm de nascer. Na cultura dos povos de origem bantu, os filhos s-o nascidos/ dados à luz. Isto quer dizer que os [pais] nascem [os filhos] e estes s-o “pertença” de seus progenitores. Por isso, suas vidas s-o da responsabilidade daqueles. Uma leitura rápida às notas do autor e ao Dicionário Português-Changana tornou possível detectar alguns “conflitos nocionais” que, por inferência exten‐ siva, se colocam nos moçambicanos falantes do Português L2. Nas notas, o autor escreve que “kutswálá <kupsálá” (verbo no infinitivo) tem como equivalente em Português “dar à luz; parir”. No corpo do texto, escreve: “nascer 1. v.int. a) (vir ao mundo; vir à luz; começar a ter vida exterior) com equivalentes em Chan‐ gana/ kupsàliwa ou kuvelekiwa (v. pass). Vamos observar que a traduç-o literal do verbo nascer é kupsala. Traduzindo, igualmente literalmente, o termo kupsàliwa, para português, teremos como correspondente “ser nascido”. Portanto, verbo nascer é transitivo. Resumidamente, temos as oposições: 1.) [dar à luz] (v.t) / [vir à luz] (v. int.) e 2.) [kupsálá] (v no infinitivo) [kupsaliwa] (v na passiva). 257 Ensino-aprendizagem do Português num contexto multilingue de Moçambique Tendo em conta essas oposições, a substituiç-o vai resultar nas seguintes construções, que apesar de prescritas pela norma PE s-o típicas do PM: (7´´) *Os avôs [dar à luz] muitos filhos. (9´´) *Tu também podes [dar à luz] um filho saudável. (3´´) *A pessoa fica sem [dar à luz] ninguém. Estas construções s-o desvios ao PE e esses desvios s-o de ordem sintática e semântica. Em termos sintáticos, é notária a alteraç-o da estrutura argumental do verbo nascer, que se resume na sua transitivizaç-o, passando o verbo a requerer dois argumentos: um externo com funç-o de sujeito ([os avôs]/ [tu]/ [a pessoa]) e outro interno com funç-o de OD ([muitos filhos]/ [um filho saudável]/ [ninguém]). Em termos semânticos, verifica-se a alteraç-o dos traços de seleç-o semântica e restriç-o de seleç-o do verbo. O verbo nascer, entendido como “dar à luz”, alarga sua semântica, pois para além da propriedade inerente de atribuir ao argumento da frase, com funç-o de sujeito, o papel semântico de [+ FEMININO] atribui o papel semântico de [PROGENITOR]. 6 Considerações finais As conclusões da nossa análise apontam para a necessidade de normalizaç-o/ pa‐ dronizaç-o do PM em variantes testadas e já consideradas estabilizadas, o que é defendido pelos autores dos estudos-alvo da nossa abordagem. A instituiç-o da norma culta do PM permitiria a relativizaç-o do erro, através da inclus-o de abordagens de atuaç-o pedagógica baseadas em perspetivas de variaç-o linguística. Consequentemente, o professor, munido de ferramentas sociolinguísticas, passará a ser somente o foco de mestria e n-o de mestria e conflitos advindos da oposiç-o entre a norma do PE e os usos reais do Português em Moçambique. A soluç-o sugerida é a integraç-o das novas estruturas típicas do PM sem a “mudança de todos os materiais de Português” (Carta de Maputo, 2015, 8-27) o que n-o acarretaria grandes investimentos na adaptaç-o de novos materiais e recursos didáticos, através da manutenç-o dos materiais existentes (de natureza prescritiva) e inclus-o de notas explicativas (de natureza descritiva). Referências Bastos, Mónica / Marques, José António / Monteiro, Ana Catarina / Siopa, Conceiç-o (ed.). 2015. Ensinar a língua portuguesa em Moçambique: Desafios, possibilidades e constrangimentos. Porto: Porto Editora. 258 José Rafael Maússe Chimbutane, Feliciano. 2015. “O uso da L1 dos alunos no processo de ensino e apren‐ dizagem de/ em Português/ L2: O contexto de Ensino Bilingue em Moçambique”, in: Mateus, Maria Helena Mira / Pereira, Luísa Teutónio (ed.). Língua portuguesa e cooperaç-o para o desenvolvimento. Lisboa: Colibri e CIDAC, 159-181. Cunha Celso / Cintra, Luís Filípe Lindley. 1984. Nova Gramática do Português Contempo‐ râneo. Lisboa: Ed. Sá da Costa. Dicionário Enciclopédico Alfa. A-L. 1992. Publicações Alfa. Dicionário Universal da Língua Portuguesa. 1995. Lisboa: Texto Editora. Dicionário da Língua Portuguesa. 2006. Porto: Porto Editora. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa. 2001. Lisboa: Verbo. Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. 2009. Novo dicionário Aurélio de língua portuguesa. Editora Positivo. Firmino, Gregório. 2002. A “Quest-o Linguística” na África pós-colonial: O caso do Português e das Línguas autóctones em Moçambique. Maputo: Promédia. Fonseca, Joaquim. 1994. Pragmática Linguística. Introduç-o, Teoria e Descriç-o do Portu‐ guês. Porto: Porto Editora. Gallisson, Robert / Coste, Daniel. 1983. Dicionário de Didáctica das Línguas. Coimbra: Livraria Almedina. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Gonçalves, Perpétua. 1996. Português de Moçambique: Uma variedade em formaç-o. Maputo: Livraria Universitária e Faculdade de Letras da U.E.M. Gonçalves, Perpétua. 2010. A génese do Português de Moçambique. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da moeda. Gonçalves, Perpétua et al. (ed.). 1998. Mudanças do Português em Moçambique: Aquisiç-o e formato de estruturas de subordinaç-o. Maputo: Livraria Universitária e Faculdade de Letras da U.E.M. Gonçalves, Perpétua / Chimbutane, Feliciano. 2003. O Papel das Línguas Bantu na Génese do Português de Moçambique: O comportamento sintático de Constituintes Locativos Direccionais. Maputo: Livraria Universitária e Faculdade de Letras da U.E.M. Houaiss, Antônio / Villar, Mauro de Salles (ed.). 2001. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva. Mapasse, Ermelinda. 2015. Norma e ensino do português no contexto moçambicano. Tese de Doutoramento. Curitiba: Universidade Federal do Paraná. Mateus, Maria Helena Mira et al.. (ed). 2003. Gramática da Língua Portuguesa. 2 ed., Lisboa: Caminho. Peres, Jo-o Andrade / Móia, Telmo. 1995. Áreas Críticas da Língua Portuguesa. Lisboa: Ed. Caminho. 259 Ensino-aprendizagem do Português num contexto multilingue de Moçambique Pinto, Paulo Feytor. 2015. “A Carta de Maputo e Perspetivas sobre o Ensino do Português em Moçambique e Angola”, in: Mónica Bastos/ José António Marques/ Ana Catarina Monteiro/ Conceiç-o Siopa (ed.). Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas - Aprendizagem, ensino, avaliaç-o. 2001. Conselho da Europa (ed.). www.dge.mec.pt/ quadro-europeu-comum-de-refere ncia-para-linguas, 09.07.2020. Santos, Nobre dos. 2016. Estruturadores do discurso na aula de Português em Moçambique. Maputo: Alcance editores. Sitoe, Bento. 2011. Dicionário Changana - Português. Maputo: Texto Editores. 260 José Rafael Maússe Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática Karin N. R. Indart Este artigo é a descriç-o da experiência empírica da própria autora como professora e criadora de material didático e de programas de ensino da Língua Portuguesa em Timor-Leste, país multilingue em que a maioria da populaç-o aprende o português apenas quando entra na escola apesar de ser uma das línguas oficiais. O texto tem como objetivo exemplificar a elaboraç-o de material didático para o ensino da Língua Portuguesa como L2 para três diferentes contextos no período inicial de pós-independência e oficiali‐ zaç-o desta língua: Língua Portuguesa Técnica para Escola Profissionalizante SENAI; Língua Portuguesa Instrumental para funcionários do Ministério da Educaç-o; Língua Portuguesa Oral para trabalhadores rurais analfabetos do Projeto Quinta-Portugal. Estes materiais têm como base teórica principal Kraschen (1981 e 1982), mas n-o se limitam a uma abordagem naturalista pura. Para o curso com funcionários públicos a base teórica principal é a teoria de Input do próprio Kraschen (1982). Especialmente para a Escola Profissionalizante foi também utilizada uma abordagem lúdica baseada em Aufgaben-Handbuch de Häusserman / Piepho (1996). E para o curso oral para analfabetos foi fundamental o conceito de “palavra geradora” de Freire (2011a; 2011b) pois o objetivo era o uso imediato de português no ambiente de trabalho. 1 Introduç-o Ao participar de congressos sobre Língua Portuguesa em diversos países percebo que uma das mais frequentes reclamações de docentes, professores e pesquisadores do ensino de Português como língua n-o-materna é a falta de material didático adequado a realidades distintas. O trabalho de avaliaç-o e elaboraç-o de material didático para ensino de L2 n-o é uma experiência 1 Martins (2018, 74) afirma em sua conclus-o: “Cremos que o número excessivo de alunos é um problema para o funcionamento na escola pública. Apesar disso, apenas os alunos da escola privada acreditam que os recursos da escola n-o s-o completos para o bom aprendizado.” Nos diagramas de extremos e quartis da mesma dissertaç-o, a autora demostra esse número excessivo. As salas podem ter até 90 alunos. 2 Em sua monografia de graduaç-o Ximemes (2018, 57) conclui: “Um dos maiores problemas para as atividades de escrita nas aulas observadas é a falta de espaço ou a falta de mesas. Sugiro à escola e principalmente ao Ministério de Educaç-o tomarem a devida atenç-o para os recursos materiais necessários para o aprendizado.” 3 Gusm-o (2010, 73) descreve as iniciativas educacionais em parceria com a cooperaç-o brasileira e justifica: “O projeto de Telecurso em parceria com a Fundaç-o Roberto Marinho cujo objetivo era formar professores e alunos por meio de tele salas, pouco efeito teve, pois foi implantado precisamente após a destruiç-o total do território. O projeto necessitava de tecnologia de comunicaç-o que n-o existia.” nova para mim. Participei três anos (1999 - 2001) do laboratório de extens-o universitária para avaliaç-o de livros didáticos alem-es e elaboraç-o de material complementar para alunos brasileiros dos cursos de Alem-o do Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná. Tenho uma especial dívida à produç-o dos livros didáticos alem-es pela qualidade de conteúdo e forma. Além disso, as teorias envolvidas na elaboraç-o dos mesmos s-o comunicativas, sem descuidar da comunicaç-o formal da língua, ao contrário do que acontece com os livros de ensino de LP produzidos em Portugal (ainda muito voltadas à gramática e leitura) e no Brasil (que acabam caindo em uma informalidade exagerada). Quando vim trabalhar em Timor (desde 2003) usei esse conhecimento teórico e prático para criar meus próprios materiais didáticos para diversos públicos distintos. O volume de trabalho e investimento é justificado pela necessidade e singu‐ laridade do contexto timorense. Timor-Leste é um país independente há pouco tempo e apesar de contar com recursos minerais para seu desenvolvimento estrutural, ainda é um contexto bastante pioneiro e de difícil aplicaç-o de modelos educacionais do estrangeiro. Os professores nas escolas contam com um quadro e um único manual para dar aulas em salas lotadas (Martins 2018 1 ) que por vezes nem cadeiras e mesas para todos os alunos dispõe (Ximenes 2018 2 ). Recursos tecnológicos como televis-o, projetor, computador para a utilizaç-o de vídeos, áudios, internet s-o praticamente inexistentes 3 . Apesar disso, ao mesmo tempo que língua portuguesa é língua materna de poucos, também n-o é língua estrangeira, nem estranha aos ouvidos dos timorenses mais velhos (alfabetizados no tempo colonial até 1975) ou dos mais novos (alfabetizados depois da independência em 2002). O domínio de Português dos professores do ensino básico (em sua maioria educados no tempo da ocupaç-o indonésia) é precário, mas a língua está presente diariamente no sistema de ensino (que 262 Karin N. R. Indart é bilingue), além disso, o Tétum, língua crioula e co-oficial, tem mais de 50 % de seu vocabulário adotado da Língua Portuguesa (Indart, 2017). Apesar dessa familiaridade, sendo Timor Leste um país plurilingue, o uso do Português n-o é necessário em muitos contextos sociais. Por essa raz-o, os programas descritos a seguir pertencem à categoria de cursos instrumentais da língua para contextos onde o uso do Português é essencial. Este artigo fundamenta-se em uma experiência empírica e tem como obje‐ tivo exemplificar a elaboraç-o de material didático para o ensino da Língua Portuguesa como L2 para 3 diferentes contextos em Timor-Leste: Língua Portuguesa Técnica para a Escola Profissionalizante SENAI; Língua Portuguesa Instrumental para funcionários do Ministério da Educaç-o; Língua Portuguesa Oral para trabalhadores rurais analfabetos do Projeto Quinta-Portugal. 2 Abordagem Teórica Utilizo aqui os conceitos do Quadro Comum Europeu de Referência para as Línguas (2001, 23) que diferencia multilinguismo de plurilinguismo. Nos últimos anos, o conceito de plurilinguismo ganhou importância na abordagem de aprendizagem de línguas feita pelo Conselho da Europa. Assim, distingue-se ‘plu‐ rilinguismo’ de ‘multilinguismo’, que é entendido como o conhecimento de um certo número de línguas ou a coexistência de diferentes línguas numa dada sociedade. […] A abordagem plurilinguística ultrapassa [a perspectiva multilingue] e acentua o fato de que, à medida que a experiência pessoal de um indivíduo no seu contexto cultural se expande, da língua falada em casa para a da sociedade em geral e, depois, para as línguas de outros povos (aprendidas na escola, na universidade ou por experiência direta), essas línguas e culturas n-o ficam armazenadas em compartimentos mentais rigorosamente separados; pelo contrário, constrói-se uma competência comunicativa, para a qual contribuem todo o conhecimento e toda a experiência das línguas e na qual as línguas se inter-relacionam e interagem. Segundo esta nova abordagem pode-se afirmar que Timor-Leste é multilingue, pois coexistem diversas línguas em seu território, mas o uso destas línguas é plurilingue, pois os falantes desta diversidade de línguas transitam entre diferentes contextos linguísticos diariamente e cada um destes contextos n-o exige um domínio completo das distintas línguas. Assim sendo, para cada contexto os falantes utilizam uma língua diferente para distinto propósito. Por essa raz-o, pode-se inferir que com exceç-o da língua materna que carrega um peso identitário primário, todas as outras línguas que um falante timorense fala s-o utilizadas de modo instrumental para uma comunicaç-o muito específica. 263 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática Um mesmo falante pode falar uma língua local em casa, dar aulas na escola em tétum e português, fazer compras em indonésio e participar de um treinamento por alguma ONG internacional em inglês. Se este falante migrou internamente, casou com alguém de outra etnia ou mora em regi-o de fronteira étnica fala com seus vizinhos e parentes em ainda outra língua local. É obvio que o domínio de todas estas línguas por uma mesma pessoa n-o é igual e, dependendo do interlocutor e do tema da comunicaç-o, tem maior conforto em utilizar uma língua em detrimento de outras. Outra informaç-o relevante é que apenas português (como língua oficial e instrucional) e inglês (como LE) s-o línguas aprendidas na escola em contexto formal, as outras línguas s-o adquiridas de forma natural de acordo com o uso comunicativo em situações cotidianas. O conceito de plurilinguismo também afeta a abordagem do conteúdo de ensino de um programa de L2: Deste ponto de vista, a finalidade do estudo das línguas modificou-se profundamente. N-o se trata já de alcançar ‘mestria’ em uma, duas ou mesmo três línguas (cada uma colocada no seu lugar), tendo como modelo final o “falante nativo ideal”. Em vez disso, a finalidade passa a ser o desenvolvimento de um repertório linguístico no qual têm lugar todas as capacidades linguísticas. Isto implica, evidentemente, que a oferta das línguas em instituições de ensino deva ser diversificada e que os estudantes possam ter oportunidade de desenvolver uma competência plurilingue. Para além disso, uma vez admitido o fato de que a aprendizagem de uma língua é tarefa de uma vida, torna-se fulcral o desenvolvimento da motivaç-o, da capacidade e da confiança do jovem para poder enfrentar novas experiências linguísticas fora do meio escolar. As responsabilidades das autoridades que tutelam a educaç-o, que qualificam júris de exames e professores, n-o podem, simplesmente, ser confinadas à exigência de aquisiç-o de um determinado nível de proficiência numa determinada língua, num dado momento, por mais importante que isso seja. (Quadro Comum Europeu de Referência para as Línguas 2001, 24) Assim, para cada contexto distinto de aprendizagem precisamos utilizar temas diferentes que correspondessem à necessidade de uso do português por um falante plurilingue. Um dos exemplos utilizados para uma metodologia voltada a cursos de língua instrumental foi Marktplatz: deutsche Sprache in der Wirtschaft (1998) organizado pela Deutsche Welle, Carl Duisberg Centren, Deutscher Industrie- und Handelstag. Implícito à abordagem do material didático e das próprias aulas dos três programas apresentados aqui está o conceito de linguagem definido por Bakhtin (2012), que segundo Yaguello (2012, 14) “coloca, em primeiro lugar, a quest-o dos 264 Karin N. R. Indart dados reais da linguística, da natureza real dos fatos da língua”. Para Bakhtin, a língua é um fato social fundado na necessidade de comunicaç-o e n-o a analisa como um objeto abstrato ideal. Isso porque o autor valoriza a fala e o enunciado ligado às estruturas sociais. Por ser um fato social “a comunicaç-o verbal, inseparável das outras formas de comunicaç-o, implica conflitos, relações de dominaç-o e de resistência […] mas Bakhtin se interessa, primeiramente, pelo conflito interior de um mesmo sistema” (Yaguello 2012, 14-15). Assim, a variaç-o é inerente à língua e reflete variações sociais. Esse conceito positivo de variaç-o e adaptaç-o linguística à variaç-o social é de extrema importância no trabalho aqui descrito, pois o público alvo dos programas n-o devem ter como objetivo dominar uma variante de língua portuguesa externa (seja europeia, seja brasileira) ao próprio contexto social timorense e sem dúvida existe um conflito linguístico nas salas de aula de português por conta da imposiç-o de uma variante que n-o é local. Explicitamente, porém, a principal base teórica, mas n-o única, para a elabo‐ raç-o dos programas e materiais didáticos aqui apresentados foi Kraschen (1981 e 1985) e a abordagem natural. Foi utilizado o conceito elaborado por Kraschen (1981) que diferencia a aquisiç-o e o aprendizado de línguas. A aquisiç-o de L2, segundo o autor, é muito similar ao processo que as crianças realizam ao adquirir a L1. Este processo exige interaç-o e comunicaç-o natural na língua alvo e a preocupaç-o do falante deve estar na transmiss-o da mensagem e n-o na gramaticalidade da sentença. Na aquisiç-o, a correç-o de erros e a explicaç-o explícita de regras gramaticais n-o s-o relevantes. Neste caso, defende o autor, a autocorreç-o n-o está baseada em regras, mas na intuiç-o do falante e esta é inconsciente. Já o processo de aprendizado é sempre consciente, de acordo com Kraschen (1981), e tem como objetivos a correç-o de erros e a apresentaç-o explícita de regras. Neste caso, o conteúdo é sempre apresentado de forma gradativa, da regra simples à mais complexa. Esta sequência n-o é idêntica ao caso de aquisiç-o, em que o aprendente é introduzido a sentenças de diversos níveis de complexidade gramatical ao mesmo tempo. Para o autor n-o só é possível como é desejável que ambos os processos estejam presentes na sala de aula de cursos de L2. A quest-o principal, porém, é que a aquisiç-o acontece em ambiente natural e a sala de aula é um ambiente formal e artificial. Segundo Kraschen (1981) inúmeros estudos sugerem que adultos n-o apenas desenvolvem a proficiência em L2 em ambientes informais, mas o fazem geralmente de forma melhor do que os alunos que passaram um tempo comparável em situações formais. Essa abordagem foi essencial para definir n-o apenas os conteúdos dos programas de Português Instrumental, mas até mesmo em que ambientes as 265 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática aulas seriam dadas. A linguagem e as unidades temáticas pretendiam ser o mais informais ou naturais possíveis e de uso imediato. Assim, no SENAI várias atividades comunicativas eram realizadas nas oficinas técnicas, onde os instrumentos e as máquinas que os alunos utilizavam no dia a dia estavam localizadas. No Ministério de Educaç-o algumas atividades comunicativas eram realizadas nos escritórios dos funcionários que estavam a participar do curso. E as atividades comunicativas da Quinta Portugal eram realizadas no meio da quinta entre as plantações em que os agricultores e agrônomos trabalhavam. Em artigo posterior Kraschen (1985, 1) também discute especificamente sobre o processo de definiç-o de metodologia e material didático a ser utilizado em um determinado curso de L2. Para o autor a teoria e a pesquisa teórica n-o devem ser a única contribuiç-o para decidir sobre a metodologia e os materiais. Embora em seu estudo a ênfase esteja na teoria e suas implicações, ele afirma ser perigoso confiar apenas na teoria. Assim, Kraschen define que existem pelo menos três maneiras diferentes [teoria da aquisiç-o de segunda língua, pesquisa em linguística aplicada, ideias e intuições da experiência] de chegar a respostas em metodologia e materiais, e todas devem ser consideradas. O autor também argumenta que todas as três maneiras chegam exatamente à mesma resposta: a soluç-o para os nossos problemas no ensino de idiomas n-o está em equipamentos caros, métodos exóticos, análises linguísticas sofisticadas ou novos laboratórios, mas na plena utilizaç-o do que já temos, falantes dos idiomas que os utilizam para comunicaç-o real. Conclui os melhores métodos também podem ser os mais agradáveis e que, a aquisiç-o da linguagem ocorre quando a linguagem é usada para o que foi projetada - para a comunicaç-o. Kraschen (1985, 6-7) define, ent-o, uma teoria que implica que a aquisiç-o da linguagem, primeira ou segunda, ocorre apenas quando ocorre a compreens-o de mensagens reais e quando o adquirente n-o está na defensiva. A aquisiç-o da linguagem n-o requer o uso extensivo de regras gramaticais conscientes e n-o exige exercícios tediosos. N-o ocorre da noite para o dia, no entanto. A aquisiç-o da linguagem real se desenvolve lentamente, e o falar surge significativamente mais tarde do que as habilidades de escuta, mesmo quando as condições s-o perfeitas. Os melhores métodos s-o, portanto, aqueles que fornecem “informa‐ ções compreensíveis” em situações de baixa ansiedade, contendo mensagens que os alunos realmente querem ouvir. Esses métodos n-o forçam a produç-o antecipada no segundo idioma, mas permitem que os alunos produzam quando est-o “prontos”, reconhecendo que a melhoria vem do fornecimento de infor‐ mações comunicativas e compreensíveis, e n-o de forçar e corrigir a produç-o. O autor enfatiza que a pesquisa em linguística aplicada é muito consistente com a pesquisa teórica na aquisiç-o de segunda língua e suas implicações. 266 Karin N. R. Indart Os “melhores métodos”, de acordo com estudos comparativos, parecem ser “métodos de input”, aqueles métodos que se concentram no fornecimento de informações compreensíveis em situações livres de press-o. Um bom input requer qualidade e quantidade adequada para o tempo de aula. Além disso é fundamental que as informações (Input) dadas em sala de aula na língua alvo sejam compreensíveis. Assim, a fala deve ser mais lenta e a articulaç-o mais clara, o que ajuda os adquirentes a identificarem os limites das palavras com mais facilidade e permite mais tempo de processamento. É necessário mais uso de vocabulário de alta frequência, menos gírias, menos expressões idiomáticas nos níveis mais básicos. E o professor deve preferir a simplificaç-o sintática e frases mais curtas. A teoria de input conclui que simplesmente ser um falante nativo de um idioma por si só n-o o qualifica como professor desse idioma. O conhecimento consciente e extenso da gramática também n-o o torna um professor de línguas. Em vez disso, a caraterística definidora de um bom professor é alguém que pode tornar as informações compreensíveis para um falante n-o-nativo, independentemente do seu nível de competência no idioma de destino (Kraschen 1985, 64). Mesmo que os alunos sejam adultos, Kraschen defende que podem e devem adquirir a língua alvo em sala da aula inclusive. O professor deve incentivar a aquisiç-o subconsciente. Essa é uma quest-o importante, pois a principal implicaç-o da teoria da aquisiç-o de segunda língua é que a aquisiç-o é central. Portanto, demonstra que nossos principais esforços pedagógicos precisam ser dedicados a incentivar a aquisiç-o da linguagem, defende o autor (Kraschen 1985, 57). Posteriormente às suas publicações Kraschen foi criticado por n-o apresentar provas concretas para suas novas hipóteses de aprendizado e aquisiç-o de língua. As questões principais apresentadas contra estas hipóteses eram de que n-o há realmente como comprovar que o aprendizado consciente só funciona como monitor e o conteúdo aprendido n-o é utilizado na aquisiç-o natural de uma língua estrangeira ou segunda, assim como, é extremamente subjetivo estabe‐ lecer a quantidade ideal de input em uma aula, mesmo porque as classes nem sempre s-o homogêneas e o input oferecido pelo professor pode ser pequeno demais para um aluno e grande demais para outro (Gass / Selinker 1994). Porém, apesar das críticas, Gass e Selinker reconhecem a contribuiç-o significante que as pesquisas de Kraschen fizeram para a área de estudos de aquisiç-o de segunda língua, pois acabaram por incentivar inúmeros pesquisadores a dar continuidade aos novos campos de conhecimento explorados pelo autor em suas hipóteses. 267 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática O meu próprio trabalho e pesquisa em Timor foram influenciados por essas hipóteses e posteriores adaptações das mesmas. Sendo assim, uma das formas de criar um ambiente de uso natural e incons‐ ciente da língua foi o espaço lúdico. Quando os alunos jogam ou brincam com vocabulário, estrutura frásica, regras de conjugaç-o, etc., tendem a concentrar-se no jogo e na competiç-o em si e o objetivo imediato passa a ser a comunicaç-o e n-o a gramática envolvida na atividade. N-o encontrei reservas, por conta da idade ou posiç-o social, para realizar atividades lúdicas durante as aulas e isso indica que n-o é uma prática pejorativa em Timor. Na seleç-o e elaboraç-o criativa de exercícios o livro Aufgaben-Handbuch de Häussermann e Piepho em muito contribuiu. Em seu prefácio os autores explicam que o objetivo do material é tornar a seleç-o, mas também a criaç-o de tarefas e exercícios fáceis e ensináveis. Eles utilizam 291 exemplos de como devem ser os exercícios e as tarefas atuais, desafiadores, que funcionem e que tornem os alunos livres e independentes o mais cedo possível. O livro foi escrito em forma de manual dirigido a professores de alem-o como língua es‐ trangeira e serve como amostra para usar, experimentar, reconstruir e continuar construindo novos exercícios e tarefas. Como exercícios, os autores referem a exemplos com uma estrutura fechada, bem como a tarefas com uma estrutura mais livre. Estes exemplos vêm dos manuais de Alem-o como LE. Desconheço completamente a existência de livros como esse em português e para o ensino de português como L2 e por essa raz-o adaptei as sugestões do mesmo para as atividades dos programas originais desenvolvidos. O último autor que me serviu como base teórica foi Freire (Freire 2011; Freire / Macedo 2011). Isso porque as teorias de práticas deste autor visavam ser estratégias de alfabetizaç-o de adultos. No programa desenvolvido para a Quinta Portugal me deparei com uma situaç-o sui generis, ensinar português instrumental para adultos analfabetos, sem a pretens-o de ensiná-los a ler e escrever e por isso deveria desenvolver uma metodologia totalmente oral. Ainda assim, o conceito de palavras geradoras de Freire em muito ajudaram a definir o conteúdo e a metodologia do curso. No cerne da pedagogia do saber de Paulo Freire encontra-se a ideia de que nomear o mundo torna-se um modelo para transformar o mundo. […] Ao nomear o mundo, pede-se às pessoas dos Círculos de Cultura de Freire que façam um levantamento de suas roças e aldeias e que coletem os nomes de ferramentas, lugares e atitudes que sejam de importância fundamental em suas vidas. Essas “palavras geradoras” s-o, a seguir, organizadas em “fichas de descoberta”, uma espécie de quadro de vogais, um gerador de léxico feito por cada qual. Algumas palavras que ele produz s-o sem sentido; outras s-o reconhecíveis. O ponto essencial é que o som e a letra (forma) 268 Karin N. R. Indart se emparelham entre si apresentando significado ou a possibilidade de significado. O significado está ali desde o começo […]. O codifica e a codificaç-o - correspondentes a o-que-se-diz e a o-que-se-quer-dizer - s-o aprendidos correlata e simultaneamente. Decodificar - aprender a relaç-o entre letras e sons - caminha lado a lado com a decodificaç-o, ou interpretaç-o. Assim, o significado está presente desde o início à medida que os educandos “problematizam o existencial” (Berthoff 2011, 17-18). No caso das aulas de português L2 os alunos da Quinta Portugal deveriam decodificar sons (palavras) da língua portuguesa e interpretar em forma de imagem, objeto ou traduç-o mental para a língua materna. N-o era esperado que lessem as palavras em nenhuma das línguas. Assim, “as palavras geradoras” para o curso foram escolhidas de acordo com as plantas, flores, frutos e instrumentos com que os alunos trabalhavam diariamente. Além de aprenderem também a comunicarem situações de emergência de trabalho ou problema de saúde. Assim sendo, os materiais didáticos apresentados a seguir têm como base teórica principal Kraschen (1981 e 1985), mas n-o se limitam à uma abordagem naturalista. Para o curso com funcionários públicos baseei-me na teoria de Input do próprio Kraschen (1985). Especialmente para a Escola Profissionalizante foi também utilizada uma abordagem lúdica baseada em Aufgaben-Handbuch de Häusserman / Piepho (1996). E para o curso oral para analfabetos o conceito de “palavra geradora” de Freire (Freire 2011; Freire / Macedo 2011) foi fundamental, pois o objetivo era o uso imediato de português no ambiente de trabalho. 3 Abordagem Metodológica Como um dos objetivos, especialmente do programa criado para o SENAI, mas n-o apenas esse, era o treinamento de professores locais para a continuidade do projeto, apresentamos em seguida a abordagem metodológica criada para esse fim. A metodologia apresentada é uma adaptaç-o parcial de Übungstypologie (Neuner / Krüger / Grewer 1978). A parte teórica do livro reorienta o ensino de línguas estrangeiras no objetivo de comunicaç-o e capacidade de agir do aluno na prática. Para os autores o didático de língua estrangeira, que lida com sua própria língua materna como língua estrangeira, experimenta uma espécie de “distância de papéis” em ambas as áreas. Isso impede que o conhecimento adquirido em uma área seja transferido acriticamente para a outra área. Durante as décadas que se seguiram à primeira publicaç-o do livro em 1978, a discuss-o sobre o ensino comunicativo de línguas estrangeiras foi intensificada, o que levou a um desenvolvimento adicional do conceito de tipologia do exercício - especialmente na área de compreens-o, nas formas sociais de ensino e na base 269 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática teórica de aprendizado das sequências de exercícios (Neuner / Krüger / Grewer 1981, 5). Desta forma, a metodologia desenvolvida para os cursos de Português Instrumental explica os tipos de exercícios criados no material didático, o propósito de cada tipo e como utilizar estes exercícios de forma correta para o propósito proposto. Os exercícios evoluem do simples exercício de estrutura até as possíveis aplicações de tarefas de livre express-o em ambiente extra curso. Em seguida apresentamos a metodologia tal como é descrita no início do material didático do curso no SENAI: Querido Professor! As crianças aprendem Tétum em casa com a família, por isso é considerada uma primeira língua no Timor Leste. As crianças aprendem português na escola com o professor, por isso é considerada uma segunda língua no Timor Leste. Gostaria de conversar um pouco com você sobre o que os grandes pesquisadores de linguística já descobriram. Esses pesquisadores se chamam linguistas porque estudam as línguas e como uma pessoa as aprende. Sabendo como as pessoas aprendem uma, duas ou mais línguas eles também descobriram como é que devemos ensinar línguas para crianças e adultos. Como é essa a sua tarefa, convido você a ler com atenç-o esse manual para depois pensar sobre as aulas que você já deu e as que você ainda dará. Como as pessoas aprendem uma língua? Existem duas maneiras de aprendermos uma língua. A primeira é como criança, que desde que nasce ouve os sons que os pais fazem quando falam com ela e depois, aos poucos, imita esses sons e descobre o sentido das palavras e frases. A língua que os nossos pais nos ensinaram chama-se materna, língua m-e ou primeira língua. Às vezes pode acontecer de os pais falarem mais do que uma língua com seus filhos e por isso dizemos que essa criança é bilingue. Isso acontece com muita frequência no Timor Leste. Para muitos timorenses o tétum é uma das línguas maternas. 270 Karin N. R. Indart Outros exemplos de línguas maternas do Timor Leste s-o fataluco, atauro, mambae, macasae, etc. A segunda maneira de aprendermos uma língua é irmos a uma escola e aprendermos uma língua diferente da que os nossos pais falam conosco. Essa língua chama-se estrangeira ou segunda língua. Para a grande maioria dos timorenses o português é a segunda língua, porque n-o aprendem o português com os pais em casa, mas sim quando v-o a escola. Outros exemplos de segunda língua para muitos timorenses s-o indonésio e inglês. Devemos lembrar que apesar de existirem várias outras línguas no Timor Leste que s-o aprendidas como língua m-e e outras como segunda língua, apenas o tétum e o português s-o as línguas oficiais do país e por isso devem ser a prioridade na escola. O processo de aprendizagem de primeira e segunda língua é diferente. A primeira língua é adquirida aos poucos de maneira natural através da convi‐ vência com outras pessoas que falam essa língua. As crianças aprendem a língua materna para se comunicar com as pessoas à sua volta e aprender a falar é quase um meio de sobrevivência. Já a segunda língua muitas vezes é imposta pela escola ou comunidade e os estudantes, às vezes, n-o conseguem entender a utilidade imediata dela para o seu dia-a-dia. O professor precisa ent-o preparar aulas interessantes para conseguir a atenç-o e a participaç-o dos alunos. Essas informações s-o muito importantes para você professor de línguas. Sabendo como seus alunos aprendem podemos conversar sobre como devemos ensinar uma língua. Como podemos ensinar línguas para nossos alunos? A primeira coisa que precisamos lembrar é que tétum é uma primeira língua e português é uma segunda língua para a maioria dos alunos em Timor Leste. Se as pessoas aprendem de maneira diferente uma primeira e uma segunda língua, ent-o você professor tem que ensiná-las de maneira diferente também. Isso quer dizer que a metodologia de ensino usada para ensinar língua portuguesa deve ser diferente, mesmo que ela seja oficial. Ou seja, o fato de o português ser a língua oficial em Timor Leste é uma escolha recente e n-o podemos supor que ele se tornou língua materna para todos os timorenses automaticamente. Por isso, o ensino de português é muito mais complexo, já que na maioria das vezes os alunos chegam à escola sem nenhum conhecimento anterior e n-o basta apenas aprender as estruturas gramaticais para que o aluno aprenda a falar com fluência. Também é impossível esperar que o aluno fale livremente logo nas primeiras aulas, pois ele n-o conhece o vocabulário básico para a comunicaç-o. 271 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática Ent-o, o professor tem que primeiramente ensinar as palavras, frases e expressões da unidade temática para ent-o trabalhar a leitura e a escrita, fala e escuta. As crianças aprendem a primeira língua no ensino formal de maneira diferente da segunda língua, isso significa que o professor deve usar metodologia diferente para o ensino de cada uma das línguas. As unidades temáticas Outra informaç-o importante que os linguistas descobriram é que a melhor maneira de pessoas aprenderem uma segunda língua é aprendendo as palavras que pertencem a um contexto (situaç-o, tema) comum, por isso os capítulos do livro de português est-o dispostos em unidades temáticas. Tudo o que é falado numa unidade pertence ao mesmo assunto. Outra vantagem das unidades temáticas é que o professor pode usar o tema para fazer atividades práticas. Quando o tema é apresentaç-o, por exemplo, o professor pode trazer uma pessoa que fale português para se apresentar e falar um pouco sobre si para os alunos. Quando o tema é Minha Sala de Aula o professor poderá levar os alunos para as salas de aula prática para treinar o vocabulário. É importante que o professor exercite a fala, a compreens-o, a leitura e a escrita em cada unidade temática antes de passar para a próxima. O aluno entende melhor o conteúdo se ele estiver dentro de um contexto (situaç-o ou tema). As quatro competências linguísticas Existem quatro competências linguísticas que todos nós devemos aprender quando estudamos uma outra língua. Antigamente os professores muitas vezes ensinavam apenas gramática, como verbos, advérbios e pronomes. Depois os professores explicavam como falar essa nova língua, mas n-o faziam exercícios e atividades de fala, escuta, escrita e nem de leitura. Saber sobre uma língua n-o é o mesmo que saber uma língua, porque saber uma nova língua significa que você a fala, a compreende, a escreve e a lê. 272 Karin N. R. Indart No Brasil frequentemente os alunos participam da aula de inglês na escola, mas n-o aprendem a falar inglês. Você acha que esses alunos aprenderam inglês? No Timor Leste os alunos estudam português na escola. Mas os alunos timorenses sabem falar português? Se n-o, por que os alunos n-o sabem falar? Como o professor pode ensinar melhor uma segunda língua? Você tem alguma ideia? Gostaria de apresentar-lhe as quatro competências que devem ser treinadas no ensino de qualquer língua. Primeira Competência: Escuta (compreens-o oral) Quando os falantes (pessoas que falam uma língua) est-o dialogando é preciso que entendam o que est-o ouvindo, caso contrário n-o poder-o responder corretamente. É por essa raz-o que o professor deve fazer exercícios de escuta na sala de aula. É muito bom quando o professor usa em sala de aula a língua que está ensinando. Mesmo que os alunos n-o compreendam todas as palavras, eles poder-o exercitar a escuta e entender o contexto (a situaç-o). O importante n-o é que seus alunos compreendam tudo o que o professor diz, mas sim que entendam a situaç-o. Se o professor explicou no mínimo duas vezes e os alunos ainda n-o compreenderam, ent-o o professor poderá explicar o conteúdo na primeira língua da criança. Quanto mais o aluno avança nos seus conhecimentos na segunda língua, tanto menos o professor deve usar a primeira língua em sala de aula. Existem vários tipos de atividades de escuta: 1. Exercício de Compreens-o Pontual Existem situações em que o aluno precisará compreender só uma ou duas informações. Por exemplo: Assista o filme da costureira e responda qual é a cor do tecido para a calça nova? 2. Exercício de Compreens-o Parcial Primeiramente o professor deve escrever três ou quatro perguntas sobre um texto. Depois o professor lerá o texto duas ou três vezes devagar. Os alunos devem responder corretamente as perguntas feitas previamente. As informações restantes s-o menos importantes. Por exemplo: diálogo de apresentaç-o Responda as seguintes perguntas: a. Qual é o nome do professor? b. Onde ele trabalha? c. Qual é a nacionalidade dos alunos? 273 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática 3. Exercício de Compreens-o Total Existem diálogos em que o aluno deverá compreender todas as informa‐ ções. Mesmo que o aluno n-o entenda todas as palavras é importante compreender o contexto e as informações. Por exemplo: Diálogo na secretaria para pedir informações. Assista o diálogo da secretaria e diga quais s-o as informações que o aluno pergunta para a secretária e quais s-o as respostas que ela dá. 4. Exercício de Compreens-o Global Neste tipo de exercício o aluno deverá escutar o texto sem precisar prestar atenç-o em detalhes. É necessário apenas compreender o tema, o assunto do texto. Por exemplo: entrevista de emprego. Assista o filme e responda por que Abril está a fazer a entrevista. Segunda Competência: Fala (produç-o oral) Falar uma nova língua sempre é uma tarefa difícil, porque é necessário pensar rápido para compreender o que os outros est-o a falar e responder corretamente. Se o aluno tiver vergonha de falar na sala de aula, n-o aprenderá a falar. O professor deve sempre ajudar o aluno a n-o ter medo de exercitar a fala. Você pode fazer isso perguntando diretamente aos alunos coisas relacionadas ao tema da unidade, mostrando figuras e pedindo para que eles as descrevam, fazendo brincadeiras ou pequenos dramas. O mais importante é que seu aluno se comunique, mesmo que existam erros em sua fala. Mais tarde, quando os alunos estiverem mais seguros com o ambiente de sala de aula, você poderá corrigi-los. Existem quatro níveis para treinar a fala: 1. Exercício de Estrutura No início o aluno só será capaz de falar pequenas frases. Um bom exercício é fazer perguntas e respostas. Todos os alunos devem falar na sala de aula e se a classe é muito grande o professor deve dividi-los em pequenos grupos para que todos tenham oportunidade de falar. Exemplo: Meu nome é ……………. Meu apelido é ………… Eu sou ……………………. 274 Karin N. R. Indart 2. Exercício Reprodutivo O professor deve dar um exemplo de diálogo para os alunos e depois os alunos criar-o novos diálogos baseados no modelo, mas com outras informações. Por exemplo: apresentaç-o 1 Assista a apresentaç-o do Sr. Jones e depois se apresente para os colegas de classe seguindo o modelo. 3. Exercício Produtivo O professor deve dar as informações do diálogo, mas o aluno deverá criar o diálogo sem ajuda de um modelo. Por exemplo: apresentaç-o 2 Hoje receberemos a visita do Sr. Edimilson e cada aluno deve se apresentar para ele. Diga seu nome, apelido, idade e curso que está fazendo no SENAI. 4. Exercício de Livre Express-o O aluno deverá falar sobre um tema sem anotações, mas com a estrutura correta. Quando o aluno já é capaz de falar livremente sobre um tema significa que ele já aprendeu aquele determinado tema. Por exemplo: apresentaç-o 3 O aluno encontrou um professor brasileiro numa festa e se apresenta para ele para fazer amizade. Terceira Competência: Leitura (compreens-o escrita) Quando você está a aprender uma nova língua quer ler textos e compreendê-los nessa língua. Textos grandes podem ser difíceis e por isso antes de o aluno conseguir trabalhar com um texto assim, o professor deve encontrar ou escrever textos curtos e fáceis para a aula. A competência da leitura só será treinada se o aluno conseguir juntar o conhecimento que ele já tem ao conhecimento novo, que está no texto que ele vai ler. Ao ler um texto sobre profissões, por exemplo, você poderia antes da leitura perguntar aos alunos que profiss-o eles conhecem, quais dessas profissões existem no Timor e quais n-o. Fazendo isso você usa o conhecimento que o aluno já tem sobre o tema e isso vai ajudá-lo a entender melhor o texto, que tem informações novas sobre profissões. Se você n-o fizer esse uso de conhecimento, a competência da leitura n-o acontecerá, pois quanto mais o aluno misturar o conhecimento que ele já tem ao conhecimento novo, mais fácil será para ele entender o texto. 275 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática Existem dois tipos de texto: 1. Texto Pedagógico: É o texto que está nos livros didáticos ou que o professor escreve especialmente para os alunos. Ele tem apenas palavras que os alunos já conhecem, é curto e de fácil entendimento. Por exemplo: O texto do Sr. Jones na unidade 1 exercício 9. 2. Texto Original: É o texto que n-o foi escrito para ensinar língua e sim para ser simples‐ mente lido. N-o está nos livros didáticos. S-o propagandas, histórias, poesias, músicas etc. O texto original é muito mais interessante, mas muito mais difícil para o aluno, porque tem palavras que o aluno ainda n-o aprendeu. Por exemplo: A ficha de inscriç-o do SENAI na unidade 1 exercício 12. Quando fazemos exercícios de leitura na sala de aula podemos escolher fazer exercícios de vários níveis de dificuldade. Quando um texto é simples podemos criar perguntas mais difíceis de interpretaç-o, mas quando o texto é longo e difícil podemos criar exercícios menos complicados. A seguir temos alguns exemplos de exercícios de leitura: 1. Exercício de compreens-o Pontual: Quando o aluno precisa entender só um ou dois pontos do texto. Por exemplo: Texto “Minha Sala de Aula” unidade 2, exercício 11. 2. Exercício de Compreens-o Parcial: Quando o aluno só precisa entender parte do texto. Por exemplo: Jornal Quando você lê um jornal normalmente escolhe algumas partes para ler com atenç-o. O restante que n-o lhe interessa você só dá uma olhada. 3. Exercício de Compreens-o Completa: Por exemplo: receita de bolo da panificaç-o Se o aluno entender apenas parte de uma receita terá problemas para co‐ zinhar, ou fazer uma massa por que todas as informações s-o igualmente importantes. 4. Exercício de Compreens-o Global: Neste tipo de exercício o aluno deverá ler o texto rapidamente sem precisar prestar atenç-o em detalhes. É necessário apenas compreender o tema, o assunto do texto. Por exemplo: Unidade 1 exercício 12. Leia o texto rapidamente e diga que texto é esse. 276 Karin N. R. Indart O professor deve variar as atividades de leitura e exercitar todos os tipos de texto durante um nível. Quarta Competência: Escrita (produç-o escrita) O aluno deve aprender a escrever seus próprios textos e por isso é muito importante que ele escreva durante a aula. Primeiramente ele será capaz de escrever apenas frases simples, mas com o tempo escreverá textos inteiros também. É o professor quem deve preparar exercícios de escrita dentro do tema abordado na aula que sejam interessantes para os alunos. Se o exercício n-o for interessante para o aluno, ele provavelmente n-o vai conseguir escrever muito, porque ele n-o saberá por onde começar a escrever. Também existem vários tipos de exercícios de escrita. 1. Exercícios de Estrutura Primeiramente o aluno deve aprender escrever frases simples. Se ele escrever repetidamente poderá aprender a estrutura correta das frases, que é diferente em todas as línguas. Nesse tipo de exercício o aluno deve mudar as informações, mas manter a estrutura das frases. Por exemplo: Escreva segundo o exemplo: Eu - ser - a - Maria: Eu sou a Maria. a. ele - ser - casado: b. ela - ser - agricultora: c. vocês - ser - timorenses: d. nós - ser - alunos: e. elas - ser - irm-s: f. você - ser - inteligente: g. eles - ser - brasileiros: h. eu - ser - bonito: 2. Exercício Reprodutivo Nesse tipo de exercício o professor escreve e dá como exemplo o modelo de um texto. Baseado nesse texto o aluno deverá escrever outro mudando algumas informações. Por exemplo: Unidade 1 exercício 9 e 10, texto sobre Sr. Jones e Sr. Edimilson. 3. Exercício Produtivo Nesse tipo de exercício o professor preparará apenas as informações do texto que o aluno deve escrever sem a necessidade de dar um modelo. 277 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática Por exemplo: Escreva um diálogo de apresentaç-o na escola contendo as seguintes informações: nome, curso que estuda, o que acha do curso e quem é o instrutor. 4. Exercício de Livre Express-o Nesse tipo de exercício o aluno tem a liberdade de escrever conforme quer, quando tem vontade ou necessidade de escrever algo. Por exemplo: O aluno quer estudar no Brasil e escreve uma carta de apresentaç-o para pedir bolsa de estudo. Quando o aluno aprende a escrever textos nos quatro níveis o professor poderá passar para outro tema. Os exercícios de estrutura s-o os mais fáceis e os de livre express-o os mais difíceis, ent-o o professor deve começar com o mais fácil para depois mudar o nível. Uma boa aula exercitará as quatro competências. Por exemplo: o professor n-o deve usar uma aula inteira para fazer apenas atividades de escrita. Isso exige que o professor prepare antes de cada aula atividades que trabalhem com as quatro competências. No livro de português as atividades est-o divididas entre escute, fale, leia e escreva. Os símbolos ao lado de cada exercício ajudar-o o professor lembrar e se concentrar no objetivo do exercício. Ou seja, se ao lado do exercício 1 da unidade 1 temos o símbolo da fala, o professor deve incentivar ou pedir que todos os alunos falem e n-o só escutem ou completem as frases por escrito. O bom ensino de línguas deve treinar as quatro competências linguís‐ ticas, que s-o: escuta, fala, leitura e escrita. 278 Karin N. R. Indart 4 SENAI - Escola profissionalizante criada pela cooperaç-o brasileira em Timor-Leste que continha na época sete cursos: marcenaria, carpintaria, construç-o civil (pedreiro), hidráulica, padaria, costura e informática. 4 A Aplicaç-o da Teoria para Timor-Leste Como os programas foram idealizados para públicos-alvo muito distintos, trataremos da aplicaç-o das abordagens teórica e metodológica para cada um dos programas separadamente. 4.1 SENAI (2005-2012) Quando fui designada pela Cooperaç-o Brasileira (Spangnolo 2011, 56), para a qual eu trabalhava, para criar um design de programa de ensino de português para o SENAI 4 foi-me proposto trabalhar em duas etapas. Primeiro deveria elaborar um material didático original para um curso instrumental e segundo deveria treinar os professores timorenses a utilizarem o material. O processo se deu na seguinte sequência: Concepç-o do programa, da metodologia e capacitaç-o teórica do professor 279 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática Primeira vers-o do livro do aluno 280 Karin N. R. Indart Capacitaç-o prática do professor e teste do material didático durante o curso piloto Revis-o do material e aulas para alunos com acompanhamento semanal 281 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática Livro do Professor e avaliaç-o do Programa 282 Karin N. R. Indart 5 Faço quest-o de defender o desenvolvimento de um português timorense e por isso a maioria dos atores dos filmes s-o timorenses funcionários do SENAI mesmo que eles, às vezes, n-o usem estruturas reconhecidas como corretas pelo português padr-o do Brasil ou de Portugal. O conteúdo do livro limita-se às 30 horas disponíveis de curso. Ele foi criado especificamente para a realidade e necessidade de português técnico do SENAI - Becora em Díli, Timor Leste. Por esta raz-o as imagens e os personagens dentro do livro s-o do SENAI-Becora. A ênfase do material é a comunicaç-o do aluno em português na sua área técnica e para isso a linguagem é simplificada e a gramática é um elemento secundário. Os quadros de explicaç-o gramatical s-o bilingues (português-tétum) para que o professor n-o perca tempo com longas explicações de estrutura. Era intencional que a maioria dos exercícios fossem orais, pois o curso pretendia um uso muito específico, no entanto real da língua, por isto a teoria de Kraschen (1981, 1985) acima descrita foi o fundamento do método. Além dos exercícios orais indicados no livro, foram criados filmes contex‐ tualizados em DVD 5 , transparências, música e jogos para fixar o conteúdo e dinamizar o aprendizado. Jogos para memorizar naturalmente o vocabulário técnico: dominó de perguntas e respostas; quarteto de instrumentos; memória de profissões e ludo de direções. 283 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática Transparências para aprender vocabulário técnico 284 Karin N. R. Indart O livro está dividido em unidades temáticas, isto porque a aprendizagem é facilitada desta forma, pois os alunos aprendem palavras de L2 que pertencem a um contexto (situaç-o, tema) comum. Tudo o que é falado numa unidade pertence ao mesmo assunto. Outra vantagem das unidades temáticas é que o professor pode usar o tema para fazer atividades práticas. Quando o tema é Minha Sala de Aula, por exemplo, o professor poderá levar os alunos para as salas de aula prática para treinar o vocabulário. O livro é dividido em quatro unidades: Unidade 1 - Minha Identidade Nesta unidade o aluno deve aprender a dar informações pessoais úteis para seu dia a dia na escola e no trabalho. Unidade 2 - Minha Sala de Aula Nesta unidade o aluno deve aprender a descrever sua sala de aula e os instru‐ mentos de trabalho que pertencem a ela. Unidade 3 - Minha Profiss-o Nesta unidade o aluno deve aprender a descrever a sua rotina de trabalho. Unidade 4 - Minha Escola Nesta unidade o aluno deve aprender a descrever a escola usando expressões de direç-o. 4.2 Ministério da Educaç-o (2006) Por ocasi-o da apresentaç-o oficial do programa de língua portuguesa e de seus resultados em cerimônia pública no SENAI estava presente a ministra da educaç-o, que após o evento solicitou a criaç-o de um programa similar, mas original para os funcionários do Ministério da Educaç-o (Spangnolo 2011, 56). O objetivo principal era o aperfeiçoamento das competências comunicativas em português no ambiente de trabalho. A minha contraproposta foi realizar um projeto piloto. Como projeto piloto tencionava inicialmente trabalhar com funcionários do Ministério de Educaç-o (ME) que já tinham um conhecimento intermediário de língua portuguesa, mas ainda n-o eram capazes de usá-la cor‐ retamente para redigir cartas e documentos oficiais; compreender e interpretar tais documentos; dar informações de trabalho sem dificuldade. A vantagem em prover estes conhecimentos práticos para os funcionários antes de atender aos que têm somente conhecimento básico é de, em um curto espaço de tempo, obter resultados visíveis e solucionar em parte o problema de acúmulo de trabalho dos poucos que dominavam a língua a ponto de usá-la efetivamente. 285 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática O objetivo foi oferecer um curso específico para a necessidade do momento no ME e servir de piloto para outros cursos que atendessem outros grupos com necessidades semelhantes ou particulares. Ao final do curso o material elaborado e testado deveria ter sido compilado em forma de livro para ser usado nas secretarias municipais de educaç-o. A duraç-o do curso foi de dois meses com três aulas de uma hora e meia por semana e carga horária total do curso de 36 horas. O conteúdo programático era essencialmente prático e comunicativo e n-o apenas explicativo e informativo e visava treinar equilibradamente as competências da fala, compreens-o, escrita e leitura. Abaixo pode-se ver o programa apresentado e realizado: Conteúdo Apresentaç-o de pessoas Entrevista I (pessoal) Recepç-o I (informações sobre pessoas) Telefone I (informações sobre pessoas) Rotina de trabalho (tempo presente) Rotina de trabalho (tempo presente) Rotina de trabalho (tempo passado) Rotina de trabalho (tempo passado) Rotina de trabalho (tempo passado) Entrevista II (rotina) Recepç-o II (rotina) Carta I (justificativa escrita) Telefone II (justificativa oral) Documento I (leitura de leis da educaç-o) Documento II (escrita de contratos e certificados) Documento III (escrita de contratos e certificados) Recepç-o III (informações sobre documentos) Telefone III (informações sobre documentos) Carta II (convites e avisos) 286 Karin N. R. Indart Carta III (convites e avisos) Carta IV (convites e avisos) Revis-o e avaliaç-o Encerramento Nos quadros abaixo encontram-se exemplos de atividades: RECEPÇÃO Sra. Fátima - Boa tarde Sr. Miguel! Sr. Miguel - Boa Tarde Sra. Fátima! Sra. Fátima - Gostaria de saber se os certificados dos alunos da pré-primária est-o prontos. Sr. Miguel - Com quem a senhora falou sobre os certificados? Sra. Fátima - Com o Sr. Jo-o há mais ou menos 2 meses atrás. Sr. Miguel - Ent-o, por favor, espere um minuto. -------------------- Sr. Miguel - O Sr. Jo-o está a esperar pela senhora na sala ao lado. Pode entrar, a porta está aberta! Sra. Fátima - Com licença Sr. Jo-o! Sr. Jo-o - Sim, pode entrar! O que deseja? Sra. Fátima - Vim buscar os certificados dos alunos da pré-primária. Semana que vem é a formatura e entrega de certificados. Sr. Jo-o - Sim, agora me lembro. Os certificados est-o prontos, mas ainda faltam as assinaturas e carimbos. Será que a senhora pode voltar daqui a 2 dias para buscar? Sra. Fátima - Sim posso. O senhor tem um telefone para eu ligar antes de vir buscar. Gostaria de confirmar que est-o prontos antes de vir. Sr. Jo-o - Sim. O número é 724-3596. Sra. Fátima - Muito obrigada! Eu ligo daqui a dois dias. Sr. Jo-o - De nada! 287 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática 6 No período colonial apenas as pessoas escolarizadas tinham real acesso à língua portuguesa. Assim, um adulto que tenha vivido o início da infância ainda no fim do tempo colonial (1970-1975), mas que n-o foi alfabetizado nunca aprendeu português (Thomaz 2002, 138). 1. Por que a Sra. Fátima n-o pode levar os certificados ainda? 2. O que ela vai fazer antes de buscá-los? 3. Discuta com seus colegas porque os certificados precisam de carimbos e assinaturas? TELEFONE Sra. Fátima - Alô! Com quem eu falo? Sr. Miguel - Com o Sr. Miguel da Secretaria de Educaç-o. Sra. Fátima - Bom dia Sr. Miguel! Aqui é a Fátima, diretora da Escola Infantil de Malere. Sr. Miguel - Olá Sra. Fátima! O que a senhora deseja? Sra. Fátima - Gostaria de falar com Sr. Jo-o, ele está? Sr. Miguel - Sim, vou chamá-lo. Sr. Jo-o - Bom dia Sra. Fátima! A senhora quer saber sobre os certificados, n-o é? Sra. Fátima - Sim, est-o prontos? Sr. Jo-o - Agora só falta a assinatura do superintendente. Ele está em reuni-o a manh- toda, mas de tarde pode assinar. Sra. Fátima - N-o tem problema. Vou as 4: 00 horas da tarde, está bem! Sr. Jo-o - Sim, até as 4: 00 horas est-o assinados! Sra. Fátima - Até de tarde! Sr. Jo-o - Até de tarde! 4.3 Quinta Portugal (2004) Fui procurada pela agrônoma, ent-o responsável pela quinta, com a proposta de criar um curso cujo público-alvo eram os trabalhadores rurais do projeto Quinta Portugal da Cooperaç-o Portuguesa no município de Aileu. Os agrônomos do projeto eram portugueses e os trabalhadores timorenses 6 em sua maioria analfabetos. O objetivo do curso de português era melhorar a comunicaç-o entre agrônomos e trabalhadores através da língua portuguesa. A comunicaç-o 288 Karin N. R. Indart básica diária limitava-se ao processo de plantio, cultivo e colheita de plantas comestíveis ou de árvores de reflorestamento, por isso, o conteúdo do programa concentrava-se na descriç-o de plantas e processos. O material didático consistia basicamente em desenhos de plantas, alimentos, cores, exemplos de adjetivos e a “sala” era uma cobertura de palha no meio das plantações. Sala de aula improvisada na Quinta Portugal O uso de ilustraç-o nas aulas na Quinta Portugal 289 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática 5 Conclus-o Este artigo é predominantemente empírico e apresenta três distintas experiên‐ cias de criaç-o de programas e materiais didáticos originais para três diferentes contextos. Kraschen explica a validade de uma publicaç-o como essa, pois a teoria, segundo ele, é apenas um dos vários determinantes possíveis de método e material. As próprias implicações da teoria precisam ser confirmadas por pesquisas adicionais (confirmaç-o empírica) e pelas experiências de professores e alunos. “O estado ideal é um relacionamento pelo qual pesquisadores e pro‐ fissionais teóricos e aplicados aprendem (e adquirem) um do outro” (Kraschen 1985, 57). Ainda que a sala de aula n-o seja um ambiente natural para a aquisiç-o e n-o apenas aprendizado de L2, esta é benéfica quando é a principal fonte de informações compreensíveis. A verdadeira vantagem do ambiente informal é que ele fornece informações compre‐ ensíveis. Se, no entanto, enchermos nossas salas de aula do segundo idioma com informações ideais para aquisiç-o, é bem possível que possamos realmente fazer melhor que o ambiente informal, pelo menos até o nível intermediário. O ambiente informal nem sempre está disposto a fornecer informações compreensíveis para o aluno mais velho da segunda língua. No caso de iniciantes adultos, a sala de aula pode se sair muito melhor do que o ambiente informal. Na sala de aula do segundo idioma, temos o potencial de fornecer 40 a 50 minutos por dia de informações compreensíveis, informações que incentivar-o a aquisiç-o da linguagem (Kraschen 1985, 58). No entanto, a variedade de discursos aos quais o aluno pode ser exposto em uma sala de aula de segunda língua é bastante limitada, n-o importa o qu-o “natural” seja. Simplesmente n-o há como a sala de aula corresponder à variedade do ambiente natural e comunicaç-o real, embora certamente possamos expandir além das nossas limitações atuais. As experiências descritas foram uma tentativa de expandir as limitações da sala de aula e do ensino formal. E como primeira tentativa considero a tentativa bem-sucedida. Todas as três instituições afirmam terem sido beneficiadas com os cursos n-o apenas no nível de comunicaç-o em português no ambiente de trabalho, mas porque a experiência de usar a língua em situações reais em seu contexto imediato contribuiu em grande medida para a motivaç-o da aquisiç-o, da aprendizagem e do uso da língua portuguesa. É possível que o fator psicológico tenha sido o maior elemento de motivaç-o e, portanto, resultado mais visível. Devo, no entanto, relatar os fatores de insucesso dos programas. No SENAI, apesar de todas as partes do processo de implementaç-o terem sido realizadas, 290 Karin N. R. Indart por causa de mudança de governo e direç-o da escola, o professor timorense treinado para lecionar os alunos foi transferido menos de um ano depois do início do programa. Muitas promessas de contrataç-o de novos professores foram feitas e o plano era realizar o treinamento destes da mesma forma que foi feito inicialmente, porém, n-o havia vontade política para a implementaç-o total do programa. Ainda assim, os instrutores timorenses das áreas técnicas foram beneficiados com o programa, pois eles foram os alunos do curso durante o teste do material didático e treinamento prático do professor de português. Posteriormente uma ampliaç-o do curso e do material didático foi realizada juntamente com outra cooperante brasileira, Marcia Cavalcante, visando a ida dos instrutores ao Brasil para capacitaç-o técnica, assim, puderam utilizar de forma natural todo o Input recebido nas aulas. O mesmo aconteceu ao programa desenvolvido para o ME. O programa piloto foi implementado até o fim, mas o material didático nunca foi publicado para o uso deste em cursos para funcionários do interior nas secretarias municipais de educaç-o, sendo apenas os funcionários da capital beneficiados com o programa. A avaliaç-o do resultado do curso para os funcionários por parte da ministra e dos diretores da educaç-o foi muito positiva, mas poucos meses depois aconteceram novas eleições e troca de governo, de modo que o novo ministro nunca demostrou interesse em dar continuidade ao programa. Finalmente, o curso na Quinta Portugal foi muito bem recebido pelos agricul‐ tores do projeto e n-o havia ausências nas aulas. Os alunos eram participativos sempre e a agrônoma responsável comprovou progresso na comunicaç-o com estes agricultores. Porém, acesso à Quinta era muito difícil no período das chuvas e tivemos que interromper as aulas. Quando a monç-o de chuvas terminou, eu me encontrava em estado avançado de gravidez e a agrônoma já tinha sido substituída. Desta forma, concluímos o conteúdo inicial definido, mas nunca ampliamos o projeto para outros sítios com situaç-o similar. Referências Achilles, Ulrich / Klause, Dieter / Pleines, Wolfgang. 1998. Marktplatz: deutsche Sprache in der Wirtschaft. Milano: New Interlitho SpA. Bakhtin, Mikhail. 2012. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Traduç-o de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. S-o Paulo: Hucitec Editora. Berthoff, Ann E. 2011. “Prefácio”, in: Paulo Freire / Donald Macedo. Alfabetizaç-o: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 17-18. Freire, Paulo. 2011. A importância do ato de ler. S-o Paulo: Cortez Editora. 291 Ensino contextualizado de Língua Portuguesa em Timor-Leste: da teoria à prática Freire, Paulo / Macedo, Donald. 2011. Alfabetizaç-o: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Gass, Susan M. / Selinker, Larry. 1994. Second Language Acquisition: an introductory course. Hillsdale: Lawrence Erlbaum Associates Publishers. Gusm-o, Maria M. 2010. Cooperaç-o bilateral Brasil-Timor-Leste na profissionalizaç-o docente em serviço: perspectivas e desafios do século XXI. Brasília: UnB. Häusserman, Ulrich / Piepho, Hans. 1996. Aufgaben-Handbuch: Deutsch als Fremdsprache Abriss einer Aufgabe- und Übungstypologie. München: Iudicium. Indart, Karin N. R. 2017. Políticas da educaç-o, políticas de língua, identidade nacional e a construç-o do estado em Timor-Leste. Braga: Universidade do Minho. Indart, Karin N. R. 2006. Português técnico básico I: manual do aluno. Díli: SENAI. Indart, Karin N. R. 2006. Português técnico básico I: manual do professor. Díli: SENAI. Kraschen, Stephen D. 1981. Second language acquisition and second language learning. Oxford: Pergamon Press. Kraschen, Stephen D. 4 1985. Principles and practice in second language acquisition. Oxford: Pergamon Press. Martins, Milênia S. A. 2018. O público e o privado no sistema educativo timorense: análise do funcionamento de duas escolas (uma pública, outra privada) do município de Díli. Díli: UNTL. Neuner, Gerhard / Krüger, Michael / Grewer, Ulrich. 5 1985. Übungstypologie: zum kom‐ munikativen Deutschunterricht. Berlin: Langenscheidt. Quadro Comum Europeu de Referência para as Línguas - Aprendizagem, ensino, avaliaç-o. 2 2002. Conselho da Europa (ed.). Lisboa: Edições ASA. Spagnolo, Fernando. 2011. “Cooperaç-o educacional Brasil/ Timor-Leste, o programa de CAPES/ MEC: qualificaç-o docente e ensino da língua portuguesa”, in: Maurício A. dos Santos (ed.). Experiências de professores brasileiros em Timor-Leste. Florianópolis: UDESC, 11-82. Thomaz, Luís F. 2 2002. Babel Loro sa’e: o problema linguístico de Timor-Leste. Lisboa: Instituto Camões. Ximenes, António P. 2018. A análise da importância do ensino da produç-o textual em língua portuguesa no 3º ciclo do ensino básico central Manleuana, Díli. Díli: UNTL. Yaguello, Marina. 2012. “Introduç-o”, in Mikhail Bakhtin. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Traduç-o de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. S-o Paulo: Hucitec Editora, 11-19. 292 Karin N. R. Indart Estilos de aprendizagem no triângulo lusófono Proposta de uma didática intersticial Manfred F. Prinz A maior preocupaç-o na vida social é a de conseguir transmitir uma men‐ sagem apesar do risco de ser mal entendido ou de n-o ser entendido. Os modos de conseguir s-o diversos e é sempre preciso inventar novos modos pois, em geral, n-o existe um meio universal e geral para os locutores-interlocutores se comunicarem. A Declaraç-o de Barcelona (1996) estipulou os Direitos Linguísticos, os quais incluem - entre outros - o direito fundmental e inalienável de cada indivíduo de se comunicar na sua língua própria materna privada e publicamente, para assegurar o seu direito de participar de todos os setores do mundo social. Na maioria das vezes, a realidade sociolinguística na CPLP e nos PALOP se opõe à realizaç-o desses direitos. Porém, a luta e os esforços pela realizaç-o destes direitos conseguiram criar uma dinâmica vital comunicativa dentro dos conflitos e impecilhos existentes. Eis o caso da comunidade de países de língua portuguesa (CPLP) e particular‐ mente dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) que formam o triângulo lusófono África-Brasil-Portugal, com forças diversas de unidade e diversificaç-o dentro de um multilínguismo variado com ramificações e concretizações na coabitaç-o do português clássico, do crioulo e de múltiplas línguas africanas, índias e outras. 1 Introduç-o A “dinâmica dos Interstícios” como abordagem epistemológica da pós-moder‐ nidade (Baba 2000, Calvet 1994) criou um novo espaço na pesquisa e na prática de todas as disciplinas em desfavor dos dualismos e em favor dos pluriparadigmas (Souza-Santos 2000), destacando criatividade e processualidade na percepç-o e manifestaç-o humanas. Pedagogia(s) e didática(s) do ensino e da aprendizagem das línguas viram um processo de aproximaç-o, incluindo os limites do entendimento como chance e desafio da decifragem dos códigos mais fechados a partir de abordagens múltiplas, superando os limites das incompreensões e do silêncio aparentes para um melhor entendimento, incluindo todo tipo de mídia (música, imagens, contextos n-o-verbais etc.) para uma decifragem da alteridade e do ainda desconhecido. Mostramos isso num recente trabalho sobre as línguas crioulas da francofonia (La Réunion) e da lusofonia (Cabo Verde) (Prinz 2020). Falando do “Triângulo lusófono” tratamos de uma zona geográfica-linguís‐ tica-sociocultural, incluindo Portugal, o Brasil e os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) como zonas de influência da língua e cultura lusas, referindo-se esse termo à antiga província Lusitânia do Império Romano na Península Ibérica ocidental. Triângulo Lusófono (https: / / en.wikipedia.org/ wiki/ Portuguese_language, 31.05.2021) Este conjunto, contando hoje com mais que 200.000.000 habitantes, como continuaç-o do Império Colonial Português, foi constituído por inúmeros repre‐ sentantes inteletuais, dos quais pilares-faróis como o escritor moçambicano Mia Couto, o pedagogo brasileiro Paulo Freire e o sociólogo português Boaventura de Sousa-Santos foram uns dos mais reconhecidos. 294 Manfred F. Prinz 2 Línguas, falas, dialetos … As noções de “língua”, “dialetos” e “falas” se utilizam conforme contextos sociolinguísticos, políticos e didáticos bem determinados, diferenciando “línguas oficiais”, “línguas nacionais” e “línguas locais” nos diferentes países - termos que nem sempre refletem as realidades concretas de comunicaç-o da maioria dos falantes. Os países lusófonos africanos (aliás como os países francófonos) adotaram o português (respetivamente o francês) como língua oficial embora os habitantes - na sua maioria - n-o dominassem essas línguas oficiais, mas sim línguas n-o-europeias africanas - chamadas no tempo do colonialismo de “línguas de c-o”. Algumas dessas línguas constam hoje nas Constituições como línguas nacionais, mas também n-o representam a grande quantidade das falas das populações. As línguas oficiais europeias, sendo meio de comunicaç-o de uma minoria, coabitam às vezes com as falas ou línguas maioritárias as quais - como o crioulo - n-o têm vínculo linguístico ou etimológico com línguas ou falas locais ou as línguas nacionais. Para o português vale por exemplo um Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (desde 1990) assinado - embora sendo debatido por alguns países - por todos os países de língua oficial portuguesa, como tentativa de estabelecer e facilitar normas de comunicaç-o escrita segundo as convenções brasileiras. Esse acordo criou-se como meio de comunicaç-o unificador e coexiste com normas de gramática e ortografia das línguas nacionais africanas, n-o havendo, no entanto, codificaç-o da maioria dessas línguas faladas localmente (websites “Constituições recíprocas dos PALOP e do Brasil”). 295 Estilos de aprendizagem no triângulo lusófono Línguas em Moçambique (www.researchgate.net/ figure/ Figura-1-Mapa-das-zonas-e-gr upos-linguisticos-de-Mocambique-GUTHRIE-1967-71_fig1_311091089, 31.05.2021) 296 Manfred F. Prinz Línguas nacionais em (Angola http: / / ipol.org.br/ plataformas-angolanas-de-aprendizage m-de-linguas-nacionais/ , 31.05.2021) Línguas no Brasil (https: / / mirim.org/ de/ Sprachen/ indigene-Sprachen, 31.05.2021) 297 Estilos de aprendizagem no triângulo lusófono O pluriparadigma que domina na paisagem das falas e códigos, com ou sem normas, a multiplicidade e variedade entre paradigmas que emergem e desapa‐ recem (Sousa-Santos 2000) carateriza a realidade sociolinguística nos países dos PALOP e do Brasil. O language death (Brenzinger 1992) e a glottofagia (Calvet 2005), juntamente com uma criatividade de nascimento de novas falas e códigos, entram em equilíbrio, permitindo uma comunicaç-o conseguida apesar do caos de uma torre de Babel, antiga metáfora do plurilinguismo e do fim da possibilidade de as pessoas se entenderem e compreenderem. Bem ao contrário, parece que a torre de Babel da Génese (11) se vai substituindo pela sala fechada de Pentecostes, nos Atos dos Apóstolos (2), onde as pessoas começam falando línguas estrangeiras que nunca falaram antes, inspiradas pelo Espírito Santo e a vontade intrínseca de querer se comunicar e propagar a mensagem da salvaç-o. 3 Escrita, oralidade, imagens… O famoso ditado africano “Um velho que morre é uma biblioteca que queima” destaca o valor central da oralidade e da tradiç-o oral para as comunidades africanas como paradigma completamente oposto ao paradigma da escritura representada pelo mundo das civilizações baseadas na escritura. O mundo colonial e as referências dele s-o considerados como ameaça a um mundo baseado no ser humano e numa comunicaç-o fútil e passageira. O título African Libraries: western tradition and colonial brainwashing de A. Amadi (1981) ilustra bem os paradigmas opostos e incompatíveis do escrito e do oral (Goody 1977, Prinz 1992), o que constitui também um assunto central nas obras das literaturas africanas (Glinga 1989 e 1990). A oralidade tem uma própria lógica e um valor independente da escrita a qual depende da alfabetizaç-o e do domínio de um código fixo enquanto a oralidade sempre fica flutuante e sem referência duradoura. A comunicaç-o oral precisa de formas de express-o n-o-verbais como gestos, mímica, imagens, sons, dança etc. para ajudar ao seu funcionamento conseguido. As culturas escritas, com finalidade de fixar de maneira definitiva as mensagens, se misturam muitas vezes com elementos orais como no teatro ou introduzindo transcrições de códigos orais nos textos escritos. A música vocal utiliza primordialmente elementos da oralidade, e das mídias visuais, nomeadamente das novas tecnologias como clips de vídeo na música do Rap (Prinz 2014). As mensagens est-o literalmente à procura do público através de vários canais de comunicaç-o (Prinz 1992: 120-138, 1993 e 1995) 298 Manfred F. Prinz Material didático de Educaç-o Cívica em Moçambique em português 4 Lápis e papel, temas geradores, escolas formais … A dinâmica das realidades sociolinguísticas - entre centros e periferias (Clyne 1992, Galtung 1985) - reflete-se numa variedade de materiais didáticos em conformidade com a variedade de contextos de comunicaç-o. As mensagens est-o continuamente procurando meios e canais para conseguirem chegar a uma multipicidade de destinatários. Podemos distinguir materiais na língua oficial portuguesa, nas línguas locais, por meios diversos de transmiss-o e com conteúdos adaptados às necessidades específicas. Os programas da escola formal funcionam diferentemente dos projetos n-o-formais de alfabetizaç-o ou de educaç-o cívica, n-o só considerando as línguas utilizadas, mas também tendo em conta as mídias aplicadas, que v-o do livro tipo “manuais clássicos” até cartazes produzidos com referência a “temas geradores” - nos termos de Freire - transmitindo valores políticos como “direitos humanos”, “funcionamento de eleições políticas” ou “questões de género” (Fundaç-o Friedrich Ebert 1997). 299 Estilos de aprendizagem no triângulo lusófono Material didático de Educaç-o Cívica em Moçambique em Ndao Material didático de Educaç-o Cívica em Moçambique em Makhuwa Além disso existem inúmeras tentativas de traduç-o de textos do património histórico-cultural oral, editados em forma de livros com textos em histórias de 300 Manfred F. Prinz quadrinhos, facilitando o entendimendo pelo público na maioria iletrado (veja-se a “coletânea de textos didáticos” com alguns exemplos desse material em anexo 6.2). A variedade do material demostra mais uma vez a “procura do público diverso” através de vários meios de comunicaç-o o que também se observa nos textos literários escritos em português e que se dirigem, pelas temáticas, principalmente a um público africano que se constitui de receptores na maioria n-o letrados e n-o falantes do português. 5 Currículos, normas, transversalidades Até aqui demostramos que critérios como correto/ certo/ incorreto/ falso e todo outro tipo de dicotomia s-o inadequados na descriç-o de fenômenos linguís‐ ticos-didáticos. Num processo contínuo de fluctuaç-o, misturaç-o, invers-o, o “falso” vira “correto”, o “bem definido” vira dúvida e “novo” segundo os contextos, interlocutores, conteúdos e os estilos de transmiss-o. Currículos como diretrizes obrigatórias, regras gramaticais e prescrições para falar ou escrever corretamente ficam se diluindo na dinâmica entre oralidade e escrita, conteúdos de disciplinas ou matérias desaparecem perante a transversali‐ dade e interdisciplinaridade definindo novos critérios de seleç-o, de percepç-o ou de interesse. Assim a literatura de Cordel, originária do Portugal medieval, vai se estabelecendo como gênero literário-didático do Nordeste brasileiro para leitores populares - na maioria iletrados - mantendo formas rigorosas métricas e rimas com conteúdos locais próprios ilustrados por xilogravuras de novos conteúdos em contextos variados, tornando-se porta-vozes de realidades históricas e socio-culturais diferentes e criando um estilo novo em todods os aspetos. Literatura de Cordel , Fábio Alves “De carona no Corona” 301 Estilos de aprendizagem no triângulo lusófono O Brasil, país com uma língua nacional-franca praticamente “imposta”, o português, o qual se impôs desrespeitando os falantes da grande quantidade de línguas existentes, se torna hoje modelo no mundo da lusofonia em vários países, nas áreas da mídia (p.ex. nas telenovelas), da gramática (cf. Acordo Ortográfico), da lexicologia (cf. o dicionário referencial do Aurélio) até na religi-o (cf. Igreja Universal, entre outras). A didátia de Paulo Freire, com a noç-o do “ensino participativo” e os “temas geradores”, se verifica como método adequado nos estilos pedagógicos de alfabetizaç-o na África, e até mesmo nos estilos de aprendizagem nos países do mundo inteiro, valorizando os aprendentes em des‐ favor dos estilos “bancários” tradicionais. Manuais e livros de infância recentes como “Kid Kamba” de Angola s-o exemplos de transmiss-o de conteúdos atuais adaptados ao mundo infanto-juvenil independentes de matérias pré-definidas, mas adaptadas a realidades atuais e a novos leitores segundo o princípio da transversalidade, um dos principais objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) emitidos pelo Ministério de Educaç-o em Brasília em 1997. Ilustrações seguintes: Livro didático de ensino transversal em Angola de Rode‐ rick Nehone: “Kid Kamba: No dia em que Luanda ficou sem petróleo” 302 Manfred F. Prinz 303 Estilos de aprendizagem no triângulo lusófono 6 Resumo - Didática intersticial Tentei mostrar com essas poucas palavras, num espaço demasiado restrito, como numa impossibilidade comunicativa se realiza - apesar de muitos empecilhos - uma dinâmica de encontro entre interlocutores de línguas e códigos diferentes. Essa dinâmica “milagrosa” se realiza pelos esforços de respeitar e ultrapassar as diferenças para conseguir um entendimento limitado nos “interstícios” e no improviso com resultados muitas vezes impalpáveis, abertos e apesar de tudo reais. Esse processo de entendimento carateriza-se, antes de tudo, pela conscientizaç-o da realidade complexa e sempre de novo desafiadora que determina qualquer contexto didático que n-o se reduz a um simples resultado de aprendizagem, mas que se define pelo conjunto de estilos, modos e rumos didáticos inventados em conformidade com a complexidade dos contextos, assuntos, códigos, instituições e interlocutores. 304 Manfred F. Prinz 7 Biblio-/ Webografia comentada Teria de pedir desculpa pelo tamanho dessa coleç-o ampla de textos e referências completando e ilustrando o conteúdo do texto anterior. Trata-se só de exemplos que mereceriam - cada um deles - de explicações e comentários para criar vínculos entre os detalhes que foram expostos. Me limitei a algumas referências representativas, deixando a maioria de lado e inconsideradas, sobretudo aquele material n-o publicado, n-o publicável e desconhecido que se produz nos inúmeros contextos de aprendizagem. Disponho de uma coleç-o de material filmado durante as minha vistitas em projetos de alfabetizaç-o e educaç-o cívica que ilustrariam ainda melhor, pela visualizaç-o, os enormes esforços dos educadores no conseguimento do entendimento em situações de carência e de falta de condições. Na parte 6.1 reuni obras acadêmicas (livros e artigos) sobre culturas e literaturas africanas, sociolinguística, pedagogia e didática de autores de língua portuguesa, francesa, inglesa e alem- que formaram a base das minhas reflexões neste artigo. Na parte 6.2. encontram-se textos de relevância didática aplicada ou outros de relevância para os países de língua portuguesa, incluindo também textos editados em línguas africanas destinados para serem utilizados como propostas em contextos de aprendizagem. Na parte 6.3. reuni vários textos que se encontram na internet com relevância diversa, sempre relacionados aos assuntos tratados nesse artigo. 7.1 Livros Amadi, Adolph O. 1981. African Libraries - Western Tradition and Colonial Brainwashing. Metuchen u.a.: Scarecrow Press. Anonym. 2010. Das Ende der Diglossie? - Soziolinguistische Beobachtungen auf La Réunion (Bachelorarbeit). Leipzig: GRIN. Baba, Homi. 2000. Die Verortung der Kultur. Tübingen: Stauffenburg Verlag. Brenzinger, Matthias (ed.). 1992. Language death: factual and theoretical explorations with special reference to East Africa. Berlin: Mouton de Gruyter. Calvet, Louis-Jean. 1987, 2005. La guerre des langues et les politiques linguistiques. Paris: Payot. 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Sousa Santos, Boaventura. 2003. “Entre Próspero e Caliban: colonialismo, pós-colonia‐ lismo e interidentidade”, in: Revista Novos Estudos, nº 66, S-o Paulo: CEBRAP. 7.2 Coletânea de textos didáticos (de vários países lusófonos) Acabado, Janeiro. s. d.. ABC dos Pequeninos. Porto: AVIS. Associaç-o dos migos da Ilha de Moçambique. 1992. Contos macuas. Maputo: Minerva Central. Bagno, Marco. 1998. Pesquisa na Escola - o que é como se faz. S-o Paulo: Edições Loyola. Camará, Mussá / Veiga, Luciano. 1989. Talim talim-storia di dus bajuda (ediç-o bililingue). Bissau: Editora NIMBA. Fonseca, Walter / Instituto Nacional de Saúde. 1987. Acidentes de trabalho na Agro Indústria Açucareira. Maputo: Instituto Nacional de Saúde - Ministério da Saúde e Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane. Fundaç-o Friedrich Ebert. 1997. Os meus Direitos e os meus deveres - Constituiç-o da República. Maputo: Fundaç-o Friedrich Ebert. Fundaç-o Friedrich Ebert. 1997. 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Jahrhunderts am Beispiel von Cluny und Cîteaux (https: / / perspectivia.net/ receive/ ploneimport_mods_00000397, 31.05.2021) UNESCO/ PEN. 1996. Declaraç-o dos Direitos Linguísticos (www.dhnet.org.br/ direitos/ deconu/ a_pdf/ dec_universal_direitos_linguisticos.pdf, 31.05.2021) https: / / brasilescola.uol.com.br/ literatura/ literatura-cordel.htm, 31.05.2021 Agradecimentos: Dirijo os melhores agradecimentos à Senhora Amelia Conde, antiga adida de imprensa da Embaixada de Angola que me deu acesso ao material didático atual confeccionado para as escolas angolanas, aos colegas Isidro Chongola, Daniel Reimann e Hans Saar pelos comentários úteis e pela leitura prévia da minha contribuiç-o e aos amigos Jawid Hossaini e Siska pelo apoio contínuo no período de elaborar esse trabalho. 309 Estilos de aprendizagem no triângulo lusófono Os gêneros digitais em um contexto formal de aprendizagem Ana Teresinha Elicker, Débora Nice Ferrari Barbosa, Rosemari Lorenz Martins O tema deste estudo é o desenvolvimento de uma prática pedagógica que propõe a produç-o de textos em espaços digitais, com o uso de dispositivos móveis, tipo smartphones, em um contexto formal de sala de aula, utilizando informações disponíveis na web, transformando-as em saberes úteis aos alunos, transformando a aula em um espaço cultural digital atrativo. Para o desenvolvimento dessa prática, questiona-se como aproveitar gêneros digitais, utilizando dispositivos móveis para construir sentidos e oportunizar o aprendizado, no contexto de comunicaç-o na cultura digital. Para responder a esse questionamento, investigou-se como desenvolver a compreens-o da leitura e a escrita a partir de gêneros digitais multimodais mediante o uso de dispositivos digitais móveis. Essa prática contemplou o uso de aparelhos celulares atuais e linhas telefônicas potentes, que fazem as vezes de computa‐ dores móveis com janelas abertas para informações que podem ser acessadas instantaneamente, de modo a transformá-los em ferramentas pedagógicas, as quais, em alguns momentos, substituem os livros didáticos e os cadernos de registros dos alunos. 1 Introduç-o A prática pedagógica descrita neste artigo propôs a produç-o de textos digitais com o uso de dispositivos móveis, tipo smartphones, em um contexto formal de sala de aula. A proposta foi desenvolvida com uma turma do nono ano do Ensino Fundamental, de uma Escola Municipal, do município de Rolante/ RS/ Brasil, em um contexto formal de ensino, considerando-se os gêneros textuais digitais propostos na Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil 2018). Para o desenvolvimento do trabalho, questionou-se: como trabalhar leitura e escrita utilizando gêneros textuais digitais em dispositivos móveis, produzindo sentidos e oportunizando o aprendizado. Para responder essa quest-o, estabe‐ leceu-se como objetivo geral compreender como desenvolver a leitura e a escrita por meio de gêneros textuais digitais com o uso de dispositivos digitais móveis. E, como objetivos específicos, i) identificar como os estudantes do nono ano fazem uso dos textos digitais multimodais disponíveis gratuitamente na web, focando o desenvolvimento da leitura e da escrita; e ii) desenvolver atividades de desenvolvimento da leitura e da escrita para dispositivos móveis. A proposiç-o deste projeto deu-se em funç-o do que preconiza a Brasil (2018), segundo a qual os alunos devem ser capazes de “compreender e utilizar tecnologias digitais de informaç-o e comunicaç-o de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares), para se co‐ municar por meio das diferentes linguagens e mídias, produzir conhecimentos, resolver problemas e desenvolver projetos autorais e coletivos” (Brasil 2018, 64). E também porque saber usar com competência as tecnologias digitais e compreender textos multimodais veiculados por meio desses novos dispositivos além de saber produzir textos coesos e coerentes nesses novos formatos é essencial, porque, na sociedade contemporânea, surge uma grande variedade de textos multimodais de acesso ilimitado e livre na web. Esses novos textos s-o produzidos e divulgados em novas ferramentas de acesso à comunicaç-o e considerando uma multiculturalidade que é marca forte de uma sociedade, por um lado, globalizada e abrangente e, por outro, que tenta manter as caraterísticas locais. Enfim, tudo isso aliado a aparelhos celulares cada vez mais sofisticados e com linhas telefônicas mais potentes requer novos letramentos, aprendizado pelo qual a escola é responsável. 2 Os gêneros digitais: da informaç-o ao saber De acordo com Sobral (2014, 35), o texto “é o objeto da atividade autoral de mobilizaç-o e de recursos para a realizaç-o de um projeto enunciativo a partir da relaç-o locutor-interlocutor”. Ele é um objeto n-o apenas teórico, embora respeite a materialidade de sequência organizada, com sinais convencionais em seus elementos linguísticos e estruturas sintáticas produzindo sentido, em um todo coerente e coeso. S-o múltiplos e diversificados os textos e enunciados que utilizamos no dia a dia, o que requer letramentos adequados, inclusive de caráter multimodal ou multisemiótico: multiletramentos. O conceito de multiletramento, articulado 312 Ana Teresinha Elicker, Débora Nice Ferrari Barbosa, Rosemari Lorenz Martins 1 Grupo Nova Londres (doravante, GNL), é um grupo de pesquisadores dos letramentos que, reunidos na cidade de Nova Londres, em Connecticut (USA), após uma semana de discussões, publicou um manifesto em favor dos letramentos intitulado A pedagogy of multiliteracies - Designing social futures (Rojo 2013, 11). 2 The languages needed to make meaning are radically changing in three realms of our existence: our working lives, our public lives (citizenship), and our personal lives (lifeworlds). (Cope / Kalantzis 1995, 10, traduç-o nossa). pelo Grupo Nova Londres GNL 1 , surgiu, de acordo com Cope e Kalantzis 2 (1995,10, traduç-o nossa), porque as “linguagens necessárias para criar signifi‐ cados est-o mudando radicalmente em três aspectos da vida: no profissional, no social e no pessoal”, de forma extremamente rápida. E, conforme Rojo (2013, 14), “para abranger esses dois “multi” - a multiculturalidade caraterística das sociedades globalizadas e a multimodalidade dos textos por meio dos quais se comunica e se informa, o grupo GNL cunhou o termo: multiletramentos”. No que diz respeito aos textos multimodais, Lemke (2010, 256) salienta que “você nunca pode construir significado com a língua de forma isolada. É preciso que haja sempre uma realizaç-o visual ou vocal de signos linguísticos que também carrega significado n-o linguístico”, como, por exemplo, o tom da voz ou o estilo da ortografia. Ainda conforme Lemke, para funcionarem como signos, “os signos devem ter alguma realidade material, mas toda forma material carrega, potencialmente, significados definidos por mais de um código”. Esses códigos definem que “toda semiótica é semiótica multimídia e todo letramento é letramento multimidiático” (Lemke 2010, 256) pela inserç-o de diversos signos que constituem o multiletramento. Para a compreens-o desses textos, é necessária uma análise n-o somente lin‐ guística, mas também semiótica. De acordo com a Brasil (2018, 78/ 79), a “Análise Linguística/ Semiótica envolve os procedimentos e estratégias (meta)cognitivas de análise e avaliaç-o consciente, durante os processos de leitura e de produç-o de textos”, sejam eles textos orais ou escritos. E, no que diz respeito à linguagem verbal oral e escrita, as formas de composiç-o dos textos dizem respeito à coes-o, coerência e organizaç-o da progress-o temática dos textos, influenciadas pela organizaç-o típica (forma de composiç-o) do gênero em quest-o. No caso de textos orais, essa análise envolverá também os elementos próprios da fala - como ritmo, altura, intensidade, clareza de articulaç-o, variedade linguística adotada, estilizaç-o etc. -, assim como os elementos paralinguísticos e cinésicos - postura, express-o facial, gestualidade etc. No que tange ao estilo, ser-o levadas em conta as escolhas de léxico e de variedade linguística ou estilizaç-o e alguns mecanismos sintáticos e morfológicos, de acordo com a situaç-o de produç-o, a forma e o estilo de gênero. 313 Os gêneros digitais em um contexto formal de aprendizagem A escrita digital que acontece nos dispositivos móveis, semelhantemente à linguagem oral, é rápida, concisa e abreviada, além de conter uma gama enorme de imagens, os emojis, que s-o utilizadas para a comunicaç-o dos usuários, inclusive substituindo palavras. Atualmente a troca de mensagens e de informações é instantânea, globalizando a comunicaç-o e exigindo usuários com altas habilidades para manusear as ferramentas multimidiáticas. Para facilitar a comunicaç-o, aplicativos, geralmente gratuitos, s-o instalados nos celulares. Esses aplicativos facilitam também as pesquisas, trazendo infor‐ mações disponíveis em links, em páginas ou em sites ou em textos midiáticos que se abrem em um leque de textos multimodais, os quais, para serem lidos, exigem multiletramentos. Os nativos digitais (Prensky 2001) buscam informações em textos multimodais disponíveis gratuitamente na web, com múltiplas leituras em textos diversos com informações verídicas e há também muitas fake News, o que dificulta as pesquisas, para o que a escola também deve estar atenta. Contudo, de acordo com Brasil, há que se considerar, ainda, que a cultura digital tem promovido mudanças sociais significativas nas sociedades contemporâneas. Em decorrência do avanço e da mul‐ tiplicaç-o das tecnologias de informaç-o e comunicaç-o e do crescente acesso a elas pela maior disponibilidade de computadores, telefones celulares, tablets e afins, os estudantes est-o dinamicamente inseridos nessa cultura, n-o somente como consumidores. Os jovens têm se engajado cada vez mais como protagonistas da cultura digital, envolvendo-se diretamente em novas formas de interaç-o multimidiática e multimodal e de atuaç-o social em rede, que se realizam de modo cada vez mais ágil. Por sua vez, essa cultura também apresenta forte apelo emocional e induz ao imediatismo de respostas e à efemeridade das informações, privilegiando análises superficiais e o uso de imagens e formas de express-o mais sintéticas, diferentes dos modos de dizer e argumentar característicos da vida escolar (Brasil 2018, 60). Para dar conta da imediaticidade que os jovens buscam e da possibilidade de expressar emoções no texto escrito, os mecanismos digitais dos teclados apresentam uma escrita cada vez mais inteligente em que um corretor vai completando a palavra enquanto se escreve ou sugerindo imagens. Ao escrever beijo, por exemplo, um desenho de lábios comprimidos aparece na barra de digitaç-o. Esse tipo de evoluç-o requer, conforme a Brasil (2018), refletir sobre as transformações ocorridas nos campos de atividades em funç-o do desenvolvimento das tecnologias de comunicaç-o e informaç-o, do uso do hipertexto e da hipermídia e do surgimento da Web 2.0: novos gêneros do discurso e novas práticas de linguagem próprias da cultura digital, transmutaç-o ou reelaboraç-o dos gêneros em funç-o das transformações pelas quais passam o texto (de formataç-o e em 314 Ana Teresinha Elicker, Débora Nice Ferrari Barbosa, Rosemari Lorenz Martins funç-o da convergência de mídias e do funcionamento hipertextual), novas formas de interaç-o e de compartilhamento de textos/ conteúdos/ informações, reconfiguraç-o do papel de leitor, que passa a ser também produtor, dentre outros, como forma de ampliar as possibilidades de participaç-o na cultura digital e contemplar os novos e os multiletramentos (Brasil 2018, 70/ 71). Isso porque os jovens e adolescentes, identificados como os nativos digitais, utilizam frequentemente essas novas tecnologias, tanto para acessar as redes sociais com vistas à comunicaç-o como para fins de estudo. Assim, com infor‐ mações rápidas, mas nem sempre seguras, os jovens e adolescentes expõem-se e est-o expostos a diversos contextos comunicativos, por isso merecem uma orientaç-o quanto ao uso dessas informações e sobre oportunidades de ampliar seus conhecimentos, inclusive de Língua Portuguesa. Nessa perspectiva, a proposta deste trabalho é contribuir para estudos que envolvam o desenvolvimento da leitura e da produç-o escrita, levando em conta os multiletramentos no âmbito escolar a partir de dispositivos móveis, no contexto da cultura digital, buscando, de forma efetiva, inserir esses dispositivos no contexto de práticas educativas voltadas para os multiletramentos, efetivando o aprendizado. 3 Atividade com gêneros digitais sob o olhar da BNCC: proposta e resultados A prática desenvolvida, vinculada às orientações da Brasil (2018), buscou compreender o desenvolvimento da leitura e da produç-o escrita por meio da inserç-o de gêneros textuais digitais na escola, em um contexto formal de ensino, em uma turma regular do nono ano do Ensino Fundamental, observando a postura dos nativos digitais, auxiliando-os a desenvolverem sua competência comunicativa, para que possam compreender as informações que encontram na internet e sejam capazes de transformá-las em saberes, tornando-se pesqui‐ sadores autônomos, pois as informações, que est-o ao alcance de todos, por si só n-o geram conhecimento, e poucos sabem o que fazer com elas. A turma com a qual a proposta foi aplicada era composta por 20 alunos, nativos digitais, meninos e meninas com idade entre 14 e 16 anos. Entre as produções textuais sugeridas pelo Projeto Político Pedagógico da escola para o nono ano, est-o os artigos de opini-o, notícias e manchetes, gêneros que est-o sendo amplamente divulgados em ambiente virtual. A atividade foi desenvolvida em 3 encontros de 2 horas/ aula cada e por meio de atividades extraclasse, como tarefa complementar entre uma aula e outra. 315 Os gêneros digitais em um contexto formal de aprendizagem A tarefa era redigir um artigo de opini-o com base em uma notícia real publicada em pelo menos dois diferentes meios de comunicaç-o, partindo de um levantamento de informações e notícias, fontes, gêneros textuais e caraterísticas da notícia. A atividade deveria ser postada no google documentos do drive, no grupo da turma. Os Quadros 1 e 2, Quadro 1. Tema/ assunto: taxista desaparecido e Quadro 2. Comentário dos alunos sobre cada um dos textos, apresentados a seguir, mostram os textos que os alunos postaram antes da produç-o do artigo, que representam as possibilidades de busca de informações. 1. Texto jornal Sérgio Jaime Bernardes, 64 anos, conhecido como Zeca, morador da cidade de Rolante, desapareceu no final da tarde desta quinta-feira com o táxi Chevrolet Spin, de cor branca. Encontraram o carro (táxi) abandonado na regi-o do Morro da Figueira, no interior de Santo Antônio da Patrulha. Houve tentativa de incendiá-lo, pois o estofamento traseiro do banco do carona estava queimado. Ele n-o é visto desde o fim da tarde desta quinta-feira (28). 2. Texto jornal digital Na reportagem publicada pelo jornal Vale do Para‐ nhana (NH) “Familiares continuam buscas por taxista desapare‐ cido em Rolante” “A brigada militar localizou o veículo parcialmente queimado na localidade do interior de Santo Antônio da Patrulha, e o desaparecimento do taxista Jaime Bernardes 64 anos morador de Rolante no Vale Paranhana é investigado pela polícia civil. Ele n-o respondeu as tentativas de contato da família segundo delegado Vladimir Medeiros que investiga o caso testemunhas teriam visto que um Toyota Corolla, cor preta teria fechado a frente do taxista na estrada Morro da Figueira. Para informações ligar 190.” [sic] 316 Ana Teresinha Elicker, Débora Nice Ferrari Barbosa, Rosemari Lorenz Martins 3. Texto do facebook 4. Texto plataforma virtual de notícias Quadro 1. Tema/ assunto: taxista desaparecido (Fonte: produzido pelos alunos) Texto 1 “A notícia que está no jornal “correio do povo” online é bem legal. Tem foto, manchete, todas as informações sobre o Jaime, horário da publicaç-o.” Texto 2 “Na reportagem publicada pelo jornal Vale do Paranhana (NH), a reportagem foi feita por Suelen Schaumloeffel, publicada em 29/ 04/ 2019). O jornal dá a notícia de bem objetiva e prática. Tem a manchete e segue o texto. O telefone de contato é da polícia e n-o da família.” 317 Os gêneros digitais em um contexto formal de aprendizagem Texto 3 “As redes sociais s-o um meio de muita influência em nossas vidas, as publicações feitas nessa rede s-o de repercussões rápidas, pois s-o compartilhadas em fraç-o de segundos. Neste caso observamos que a filha do taxista chamada “Maiara” fez uma publicaç-o em sua rede social onde solicitou ajuda para o desaparecimento do seu pai e assim houve vários compartilhamentos o que agrega em trazer alguma notícia sobre o desaparecimento. O facebook é uma página com vários seguidores, que visualizam, compartilham e curtem. O usuário da página pode escolher o modo de compartilhar o que deseja. Maiara publicou no modo público, em que todos podem ver, comentar e compartilhar o que ela postou. Uma coisa legal tbm é que a gente pode replicar o post dela e colocar ainda que a gente conhece ele. Texto 4 “A notícia no Portal é bem completa, tem foto, manchete e atualizaç-o constante. Ela é informal e tem também um apelo emocional. É como se ele estivesse recontando o que a filha falou.” Quadro 2. Comentários dos alunos sobre cada um dos textos (Fonte: extraído dos materiais produzidos pelos alunos) A partir da análise das notícias, os alunos produziram, ent-o, seu artigo de opi‐ ni-o colaborativamente, utilizando seus celulares. O resultado dessa atividade pode ser visualizado no Quadro 3 que segue. A tecnologia e o mundo da notícia Grupo A “A notícia no jornal impresso vem um dia após o fato ter acontecido enquanto nas redes sociais as notícias s-o dadas com mais emoç-o e imediatamente ao momento em que aconteceu. Na aula fomos orientados a buscar informações sobre uma notícia do desaparecimento do seu Jaime, um taxista muito conhecido na nossa cidade. A notícia do fato virou caso de polícia e de fofocas. O jornal impresso apresenta os fatos de forma bem boa, simples e só que a informaç-o chega sempre muito tempo depois, só no outro dia. A redes sociais s-o mais rápidas e as coisas rolam na hora e gente pode replicar e compartilhar para todos os lugares. O jornal impresso tbm tem a vers-o digital, que mais gente lê, mas n-o chega a tantos conhecidos da pessoa que é a notícia. No face a gente pode também fazer a notícia e passar para nossos amigos e amigos de nossos amigos. Quadro 3. Artigo de opini-o redigido pelos alunos. Título sugerido: A tecnologia e o mundo da notícia Analisando-se a atividade desenvolvida com o nono ano, de acordo com a Brasil (2018), pode-se perceber o atendimento de diferentes eixos de habilidades apresentadas pela Brasil (2018), como, 318 Ana Teresinha Elicker, Débora Nice Ferrari Barbosa, Rosemari Lorenz Martins • Analisar os interesses que movem o campo jornalístico, os efeitos das novas tecnologias no campo e as condições que fazem da informaç-o uma mercadoria, de forma a poder desenvolver uma atitude crítica frente aos textos jornalísticos. • Identificar e comparar as várias editoriais de jornais impressos e digitais e de sites noticiosos, de forma a refletir sobre os tipos de fato que s-o noticiados e comentados, as escolhas sobre o que noticiar e o que n-o noticiar e o destaque/ enfoque dado e a fidedignidade da informaç-o. • Analisar o fenômeno da disseminaç-o de notícias falsas nas redes sociais e desenvolver estratégias para reconhecê-las, a partir da verificaç-o/ ava‐ liaç-o do veículo, fonte, data e local da publicaç-o, autoria, URL, da análise da formataç-o, da comparaç-o de diferentes fontes, da consulta a sites de curadoria que atestam a fidedignidade do relato dos fatos e denunciam boatos etc. • Justificar diferenças ou semelhanças no tratamento dado a uma mesma informaç-o veiculada em textos diferentes, consultando sites e serviços de checadores de fatos. • Analisar, em notícias, reportagens e peças publicitárias em várias mídias, os efeitos de sentido devidos ao tratamento e à composiç-o dos elementos nas imagens em movimento, à performance, à montagem feita (ritmo, duraç-o e sincronizaç-o entre as linguagens - complementaridades, interferências etc.) e ao ritmo, melodia, instrumentos e ampliamentos das músicas e efeitos sonoros (Brasil 2018, 80). Destaca-se que os alunos n-o tiveram dificuldades para buscar diferentes tipos de texto e apresentaram fotos do jornal, de um portal de notícias, de um jornal digital e de rede social (facebook), como pode ser visto no Quadro 1. Os textos que circulam nas redes sociais s-o próprios para “ampliar a compreens-o de textos que pertencem a esses gêneros e a possibilitar uma participaç-o mais qualificada do ponto de vista ético, estético e político nas práticas de linguagem da cultura digital” (Brasil 2018, 70). Os alunos, orientados pela professora mediadora, utilizaram as informações que coletaram para ampliar, de forma efetiva, sua comunicaç-o por meio das atividades desenvolvidas utilizando seus celulares. Os textos para leitura e para orientar as produções também foram inseridos, pela professora da turma, nos dispositivos eletrônicos, a partir dos quais os alunos desenvolveram sua competência de escrita em ambiente digital. Esses textos compreenderam o uso da norma padr-o da Língua Portuguesa. A produç-o de textos digitais em plataforma compartilhada contribui para a formaç-o cooperativa dos alunos, 319 Os gêneros digitais em um contexto formal de aprendizagem pois, à medida que um aprende, o outro visualiza o texto e se apropria também de novos saberes. Assim, trabalhar com dispositivos móveis auxilia a produzir novos sentidos e oportuniza novos aprendizados, por meio da infraestrutura de comunicaç-o da cultura digital. Esse é um processo que busca compreender a leitura e a escrita no contexto da BNCC com gêneros textuais digitais com o uso de dispositivos digitais móveis com textos multimodais, utilizando os letramentos emergentes da cultura digital. Isso porque a “leitura, no contexto da BNCC, Brasil (2018, 70), é tomada em um sentido mais amplo, dizendo respeito n-o somente ao texto escrito, mas também a imagens estáticas (foto, pintura, desenho, esquema, gráfico, diagrama)” entre outras que acompanham os gêneros textuais. A participaç-o dos alunos na cultura digital, contemplando os novos (multi)le‐ tramentos e a escrita digital, acontece de forma tranquila “nas diversas prá‐ ticas sociais permeadas/ constituídas pela oralidade, pela escrita e por outras linguagens” (Brasil 2018, 66). O gênero digital é um multitexto composto por texto verbal e n-o verbal veiculado em dispositivos eletrônicos fáceis de manusear pelos alunos, nativos digitais. Eles têm habilidades de uso dos textos digitais multimodais disponíveis livremente na web, embora ainda apresentem dificuldades de identificar quais informações s-o confiáveis e quais devem ser descartadas, o que os faz navegar em diferentes sites em busca de notícias semelhantes e fontes de pesquisa com vínculos a suportes com confiabilidade pública, como buscar se algum jornal conhecido publicou algo sobre o fato pesquisado. Essa navegaç-o e busca em vários sites é rápida e geralmente vinculada a imagens. Há uma relaç-o dialógica entre os textos e o aluno no transitar entre esses diferentes meios informativos, pois eles estabelecem “relações de intertex‐ tualidade e interdiscursividade que permitam a identificaç-o e compreens-o dos diferentes posicionamentos e/ ou perspetivas em jogo” (Brasil 2018, 72). Ao buscar informações através da leitura, o aluno leva “em conta caraterísticas do gênero e suporte do texto, de forma a poder proceder a uma leitura autônoma em relaç-o a temas familiares.” O aluno leitor, no universo digital, além disso, consegue pressupor antecipadamente sentido na forma e na funç-o do texto, pois ele se apoia em conhecimento prévio daquele universo temático. Essas antecipações e inferências acontecem antes e durante a leitura de textos, por exemplo, quando vai “checar/ buscar/ verificar” uma informaç-o no facebook, como na notícia acima, ele, como usuário daquele tipo de texto, sabe que vai encontrar as imagens, fotos, emojis, o curtir, o compartilhar, uma vez que ele se apresenta como um gênero de texto próprio do espaço em que se insere, o que está posto no eixo “Analisar diferentes práticas (curtir, compartilhar, comentar, 320 Ana Teresinha Elicker, Débora Nice Ferrari Barbosa, Rosemari Lorenz Martins curar etc.) e textos pertencentes a diferentes gêneros da cultura digital (meme, gif, comentário, charge digital etc.) envolvidos no trato com a informaç-o e opini-o, de forma a possibilitar uma presença mais crítica e ética nas redes” (Brasil 2018, 77). A BNCC (Brasil 2018) sugere, ainda, como habilidade de leitura, algumas que podemos encontrar na atividade desenvolvida pelos alunos. No momento da leitura e da busca por novos textos, os alunos puderam inferir informações e participar de forma ativa do processo, como, • Reconhecer/ inferir o tema. • Articular o verbal com outras linguagens - diagramas, ilustrações, fotografias, vídeos, arquivos sonoros etc. - reconhecendo relações de reiteraç-o, complementaridade ou contradiç-o entre o verbal e as outras linguagens. • Buscar, selecionar, tratar, analisar e usar informações, tendo em vista diferentes objetivos. • Manejar de forma produtiva a n-o linearidade da leitura de hipertextos e o manuseio de várias janelas, tendo em vista os objetivos de leitura. • Aderir às práticas de leitura. • Mostrar-se interessado e envolvido pela leitura de livros de literatura, textos de divulgaç-o científica e/ ou textos jornalísticos que circulam em várias mídias. • Mostrar-se ou tornar-se recetivo a textos que rompam com seu universo de expetativa, que representem um desafio em relaç-o às suas possibili‐ dades atuais e suas experiências anteriores de leitura, apoiando-se nas marcas linguísticas, em seu conhecimento sobre os gêneros e a temática e nas orientações dadas pelo professor (Brasil 2018, 74/ 75). A leitura esteve presente já na atividade inicial e se manteve em todas as etapas e de forma abrangente, inclusive a leitura de textos multimodais. Ademais, a produç-o de textos, de acordo com a BNCC, “compreende as práticas de linguagem relacionadas à interaç-o e à autoria (individual ou coletiva) do texto escrito, oral e multissemiótico, com diferentes finalidades e projetos enunciativos” (Brasil 2018, 75). Nesse sentido, na produç-o prática dos alunos, observou-se a inter-relaç-o, nos links de busca utilizados e nas produções textuais, tais como : • Refletir sobre diferentes contextos e situações sociais em que se produzem textos e sobre as diferenças em termos formais, estilísticos e linguísticos que esses contextos determinam, incluindo-se aí a multissemiose e cara‐ 321 Os gêneros digitais em um contexto formal de aprendizagem terísticas da conectividade (uso de hipertextos e hiperlinks, dentre outros, presentes nos textos que circulam em contexto digital). • Analisar as condições de produç-o do texto no que diz respeito ao lugar social assumido e à imagem que se pretende passar a respeito de si mesmo; ao leitor pretendido; ao veículo ou à mídia em que o texto ou produç-o cultural vai circular; ao contexto imediato e ao contexto sócio-histórico mais geral; ao gênero do discurso/ campo de atividade em quest-o etc. • Analisar aspetos sociodiscursivos, temáticos, composicionais e estilísticos dos gêneros propostos para a produç-o de textos, estabelecendo relações entre eles. […] • Selecionar informações e dados, argumentos e outras referências em fontes confiáveis impressas e digitais, organizando em roteiros ou outros formatos o material pesquisado, para que o texto a ser produzido tenha um nível de aprofundamento adequado (para além do senso comum, quando for esse o caso) e contemple a sustentaç-o das posições defendidas. Construç-o da textualidade • Estabelecer relações entre as partes do texto, levando em conta a cons‐ truç-o composicional e o estilo do gênero, evitando repetições e usando adequadamente elementos coesivos que contribuam para a coerência, a continuidade do texto e sua progress-o temática. • Organizar e/ ou hierarquizar informações, tendo em vista as condições de produç-o e as relações lógico discursivas em jogo: causa/ efeito; tese/ argumentos; problema/ soluç-o; definiç-o/ exemplos etc. • Usar recursos linguísticos e multissemióticos de forma articulada e adequada, tendo em vista o contexto de produç-o do texto, a construç-o composicional e o estilo do gênero e os efeitos de sentido pretendidos (Brasil 2018, 75). Em um contexto formal de sala de aula, a produç-o textual tem a funç-o de apresentar e trabalhar diferentes gêneros textuais, dando subsídios para que os alunos consigam entender e se fazer entender, por isso os aspectos notacionais e gramaticais est-o inseridos na escrita e cabe ao aluno saber diferentes funções e ainda perceber os efeitos de sentidos provocados nos textos lidos ou produzidos por eles. Mas o aluno n-o desenvolverá essas competências se n-o for orientado por seu professor, mediador indispensável para o desenvolvimento dos processos de leitura e de escrita de seus alunos. 322 Ana Teresinha Elicker, Débora Nice Ferrari Barbosa, Rosemari Lorenz Martins 4 Considerações finais O desenvolvimento deste trabalho mostrou que, para que o aluno aprimore sua competência de leitura e de escrita de gêneros textuais digitais em dispositivos móveis, produzindo sentidos e oportunizando o aprendizado, é necessário prepará-lo, primeiramente, para saber selecionar o que lê na internet, para que saiba separar o que é importante e verdadeiro de fakenews e de textos pouco relevantes. Na sequência, é preciso desenvolver sua capacidade de ler e compreender textos multimodais, isto, desenvolver o multiletramento. E, a partir daí, promover a produç-o escrita, para que ele possa se tornar protagonista de sua própria aprendizagem. Nesse sentido, compreendeu-se, por meio desta investigaç-o que, para desen‐ volver a leitura e a escrita dos alunos por meio de gêneros textuais digitais com o uso de dispositivos digitais móveis, é preciso levar textos desse tipo para a sala de aula e confrontar os alunos com eles, para que se deem conta de que esses textos servem para mais do que entretenimento, que podem também ser usados para produzir novos conhecimentos. Referências Brasil. 2018. Ministério da Educaç-o. Secretaria da Educaç-o Básica. Base Nacional Comum Curricular - BNCC, 3° vers-o. Brasília, DF. Cope, Bill / Kalantzis, Mary. 1995. Productive diversity: Organizational life in the age of civic pluralism and total globalisation. Sydney: Harper Collins. Lemke, Jay L. 2010. “Letramento Multimidiático: transformando significados e mídias”, in: Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, 49 (2), 455-479. Prensky, Marc. 2001. “Digital natives, digital immigrants”, in: On the Horizon, volume 9, number 5, 1 (www.marcprensky.com/ writing/ Prensky%20%20Digital%20Natives ,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf, 27/ 05/ 2019). Rojo, Roxane. 2013. “Gêneros discursivos do Círculo de Bakhtin e multiletramentos”, in: Roxane Rojo (ed.). Escol@ conect@d@: os multiletramentos e as TICs. S-o Paulo: Parábola, 14-16. Sobral, Adail. 2014. “ Uma proposta bakhtiniana de estudo dos gêneros discursivos”, in: Beth Brait; Anderson S. Magalh-es (ed.). Dialogismo: teoria e(m) prática. S-o Paulo: Terracota Editora, 28-35. 323 Os gêneros digitais em um contexto formal de aprendizagem Professora Marineuza Plaster Waiandt: guardi- da língua e da cultura pomerana Claudete Beise Ulrich, Edineia Koeler, Erineu Foerste O presente artigo reflete sobre aspectos da atuaç-o da professora Marineuza Plaster Waiandt em Alto Santo Maria, município de Santa Maria de Jetibá, no Espírito Santo, Brasil, no fortalecimento das diferentes manifestações culturais pomeranas. O povo pomerano é um povo tradicional, originário do norte da Alemanha, que completou em 2019, 160 anos da sua chegada no estado do Espírito Santo, Brasil. O processo de instalaç-o e adaptaç-o no Brasil exigiu dos pomeranos muitas adaptações, algumas decorrentes do processo natural que a imigraç-o demanda, e outros por consequência de descaso por parte de autoridades governamentais. Um exemplo disso, é a Educaç-o. Abandonados pelo Estado, os pomeranos empenharam esforços próprios para minimamente alfabetizarem suas crianças, inicialmente em Língua Alem-. Porém, durante a Segunda Guerra Mundial (1936-1945), o ent-o Governo Vargas, proibiu o uso de línguas estrangeiras no Brasil (Franco 2003). A proibiç-o resultou em analfabetismo em regiões de imigraç-o, pois o Estado n-o supriu a educaç-o em Língua Portuguesa, idioma oficial do país. Por outro lado, o povo pomerano, assim como outros povos tradicionais, entre os quais os indígenas, querem ter sua língua materna valorizada no processo educa‐ cional e buscam constantemente meios de inseri-las nas escolas. O processo de alfabetizaç-o na língua pomerana e na língua portuguesa (alfabetizaç-o bilingue) teve a participaç-o fundante da professora Marineuza. Entrevistas realizadas com ex-alunos alfabetizados por essa professora relatam que a prática pioneira de inserir a língua pomerana no processo de alfabetizaç-o (em português) foi muito positiva, e acabou posteriormente inspirando a criaç-o do PROEPO - Programa de Educaç-o Escolar Pomerano - (Tressmann 2005). Ressaltamos também que a professora Marineuza é reconhecida como guardi- da memória e cultura do povo pomerano. Pois, junto com a sua família criou, na mesma comunidade em que iniciou a carreira docente, a Casa de Memória Pomerana Waiandt’s Huus, sendo esta também uma regi-o de cultivo orgânico, agroecológico e de tradiç-o religiosa luterana. Neste sentido, o artigo trabalha a partir de conceitos que se referem a processos migratórios, especialmente, em relaç-o ao povo pomerano (Stamm-Kuhlmann 1999), comunidade (Buber 1987), comunidade camponesa (Brand-o 2012), educaç-o popular (Freire 1981; 1996), memória (Bosi 1994), mulheres - guardi-s da memória (Perrot 1989, Rago 2001, Pedro 2011). Aponta para a construç-o coletiva identitária nas diferentes manifestações culturais, tendo, no entanto, na mulher, m-e, avó, professora Marineuza uma guardi- da memória, da cultura e da língua pomerana em um país de cultura predominantemente lusitana. 1 Introduç-o: Antecedentes da emigraç-o pomerana para o Brasil Para entender a luta da comunidade pomerana de Alto Santa Maria, na cidade de Santa Maria de Jetibá, no estado do Espírito Santo, por educaç-o, é preciso compreender quem s-o os pomeranos, maioria de sua populaç-o. Os pomeranos chegaram ao Brasil em meados do século XIX e, desde o Decreto 6.040/ 2007, constituem legalmente um Povo Tradicional, ao lado de indígenas, quilombolas, ribeirinhos, quebradeiras de coco babaçu, ciganos, seringueiros, entre outros. As identidades coletivas desses grupos se fundamentam em direitos territoriais e na autoconsciência cultural, com a qual lutam para ter, de fato, efetivados os direitos conquistados na Constituiç-o Brasileira. Os pomeranos, que vivem no Brasil, guardam na memória a sua história, sendo esta preservada oralmente, de modo que investigá-la é tarefa instigante e desafiadora. A partir de Stamm-Kuhlmann (1999), identificamos que a imigraç-o pomerana para o Brasil e outras partes do mundo se deu em um contexto de reorganizaç-o territorial, conflitos religiosos e mudanças na pirâmide social na Europa. Em 1815, o território da Pomerânia foi unificado com o da Prússia, processo em que ambas tiveram seu número de províncias reduzido, mas no qual a organizaç-o administrativa da Pomerânia conservou aspetos como constituiç-o e sistema judicial próprios, administraç-o distrital independente e representaç-o política de senhores feudais que n-o queriam perder seus privilégios, a qual vinha desde 1665. No que diz respeito à pirâmide social, foi somente em 1807 que os pomeranos deixaram de ser submetidos à leibeigenschaft (servid-o), sendo que, em 1811, o decreto Hardenbergs Regulierungsedikt produziu consequências mais drásticas à ordem social, pois 326 Claudete Beise Ulrich, Edineia Koeler, Erineu Foerste determinava que os camponeses presos em dependências feudais, além de poder adquirir sua própria liberdade, podiam descolar-se de diferentes encargos. […] Os donos e os camponeses teriam que se confrontar, de tal modo que, no fim desse processo, a antiga e dividida propriedade feudal fosse convertida em uma propriedade livre e indivisível. (Stamm-Kuhlmann, 1999, 393, traduç-o de Vincent M. Weiss) No século XIX, iniciou-se a unificaç-o entre as igrejas calvinista e luterana, por Frederico Guilherme III, rei da Prússia, sob a justificativa de poder comungar com sua esposa, luterana, mas intencionando, sobretudo, consolidar o poder do Estado dinástico (Trentini 2003). Além disso, desagradando o Estado prus‐ siano, surge o Renascimento (Erweckungsbewegung), movimento que idealizava a restauraç-o do protestantismo, no qual tomou força o Pietismo, formado por grupos que se separaram da “igreja unificada” de Frederico Guilherme III e fundaram as altlutheranische gemeinden (comunidades velho-luteranas). Foi nesse contexto que, em 1840, 477 pessoas abandonaram consensualmente sua pátria e aproximadamente 50 delas foram embora por imposiç-o de autoridades do Estado (Stamm-Kuhlmann 1999). 2 A integraç-o no Brasil e o reconhecimento como Povo Tradicional Pomerano No Brasil, nas primeiras décadas do século XIX, o governo imperial propagan‐ deava o lema “quem quiser viver mais uma vez feliz deve viajar para o Brasil” (Turbino 2007, 72). Tal modelo de imigraç-o objetivava introduzir em terras brasileiras agricultores livres, “civilizados”, em regiões n-o ocupadas pelos latifúndios, sob o controle do Estado, como descreve Seyferth 2004. Até 1873, quando cessou a imigraç-o em massa, mais de dois mil pomeranos já haviam se instalado na regi-o serrana do Espírito Santo (Roelke 1996; Tressmann 2005; Jacob 2007). Todos os assentamentos localizavam-se em áreas de floresta, com demarcaç-o de terras que acompanhavam os vales dos rios e formaç-o de sociedades camponesas cuja economia baseava-se na pequena propriedade familiar (Seyferth 2004). O grupo que teve a colônia Santa Leopoldina como destino dispersou-se pelas montanhas, fundando algumas comunidades que posteriormente se trans‐ formaram em cidades, entre as quais está Santa Maria de Jetibá, onde se situa a comunidade de Alto Santa Maria. Emancipado em 1988, o município de Santa Maria de Jetibá possui aproximadamente 38 mil habitantes, conforme o Censo de 2010, dos quais 80 % s-o descendentes de pomeranos, que mantiveram suas práticas culturais, principalmente a tradiç-o oral da língua pomerana 327 Professora Marineuza Plaster Waiandt: guardi- da língua e da cultura pomerana (Weber 1998; Tressmann 2000 e 2005; Siller 1999; Hartuwig 2011; Schaeffer 2012; Dettmann 2014; Küster 2015). A adaptaç-o dos pomeranos ao Brasil foi perpassada por inúmeras dificul‐ dades, sendo tematizada por Graça Aranha no romance Cana-, de 1902, no qual a imigraç-o é discutida, de um lado, pelo processo de “branqueamento” da populaç-o e, de outro, como ameaça à soberania brasileira. O romance salienta que os pomeranos eram descritos como “perigosos conspiradores, avassaladores do País” (Aranha 2007, 179), destacando, ainda, o embate entre imigrantes e brasileiros no Espírito Santo. Ao mesmo tempo, os colonos alem-es que ali se instalaram aparecem no romance como um povo de fácil adaptaç-o, sendo, na análise do romancista, os que mais desenvolveram suas colônias, sobretudo pelo trabalho dedicado na terra, com a prática de mutirões para a abertura de estradas, construç-o de templos, centros comunitários e escolas, conforme abordamos mais adiante. Contudo, como registro-denúncia, Graça Aranha evidencia a total impotência dos pomeranos perante os “homens da lei”, destacando que, desde o início, os imigrantes germânicos, nos quais eles se incluem, sofreram várias formas de violência. Como fiéis da igreja luterana, os pomeranos n-o podiam, por exemplo, sepultar seus mortos nos cemitérios existentes até ent-o, administrados pelo Estado ou pela religi-o predominante, ambos católicos. Além disso, os que aportaram no Espírito Santo vivenciaram conflitos linguísticos, sendo alvo de desdém porque, aos olhos dos brasileiros, n-o se esforçavam para aprender a língua oficial do País. Tal situaç-o é a que mais carateriza a aç-o de resistência das comunidades pomeranas, nas quais a língua materna se conserva até hoje, 160 anos após a chegada dos primeiros imigrantes ao solo capixaba. As incansáveis lutas para a revitalizaç-o da cultura e da espiritualidade mantêm-se atuais entre os pomeranos. A revitalizaç-o permanente da língua materna e o direito de permanência no território s-o exemplos bem concretos de resistência à dominaç-o realizada pela m-o cada vez mais poderosa e fortalecida do Estado sobre o povo tradicional pomerano, assim como sobre todos os demais povos e comunidades tradicionais no Brasil. De igual modo, a luta por uma educaç-o que atendesse às suas caraterísticas peculiares também faz parte desses conflitos, aos quais coube ao povo tradicional pomerano resistência por meio de uma luta coletiva. Nesse sentido, descrevemos esse percurso de luta por educaç-o empreendida pela comunidade de Alto Santa Maria, destacando, sobretudo, alguns elementos de contradiç-o na relaç-o desse grupo étnico com o poder estatal. A análise dessa luta coletiva por educaç-o está alicerçada nos postulados de Buber (1987) e Brand-o (2012), notadamente em relaç-o ao conceito de 328 Claudete Beise Ulrich, Edineia Koeler, Erineu Foerste comunidade. Em Buber, a comunidade está baseada em relações derivadas da livre escolha, cujas bases encontram-se na prática do diálogo. Assim, ela é entendida n-o apenas como descriç-o histórica, mas como um centro vivo, atual e ativo, no qual as relações se estabelecem pela alteridade, cuja base está na aç-o dialógica. A comunidade se estenderia aos mecanismos de vida, uma vez que o ser humano, conforme esse filósofo, n-o pode ser reconhecido fora de suas relações com o outro. Em funç-o disso, Buber (1987) alerta sobre a importância de se educar para a comunidade, presente na vida do indivíduo desde a infância, expandindo-se com os laços construídos na escola. A educaç-o seria a preparaç-o para o sentido de comunidade, na e com a vida pessoal, introduzindo, a partir da infância, aquilo que o autor chama de aqui e agora. Essa educaç-o, por consequência, n-o deve ser teórica, mas acontecer na prática. Ao fazer essa ressalva, Buber (1987) vê na comunidade do campo o local em que ainda se experimentam vestígios de autênticos sentidos da comunidade a que ele se refere conceitualmente. Desse modo, ao atuar em escolas das zonas rurais, o/ a professor/ a deve procurar ver na comunidade os recursos para tornar sua prática pedagógica significativa para os estudantes e para o conjunto de pessoas que ali habitam. Ao fazê-lo, estará possibilitando aos membros dessa comunidade resistir ao domínio hegemônico e firmar-se como um grupo social que n-o é isolado, mas que se reconhece como comunidade com direitos adquiridos, entre os quais o respeito e a valorizaç-o da cultural local. Igualmente, a ideia de comunidade de resistência está presente em Freire (1996), correspondendo à compreens-o dinâmica do mundo que recusa o discurso segundo o qual as mudanças ocorrer-o por si sós e a se adaptar à realidade tal como ela é. A comunidade necessita participar do processo. No Brasil, a História mostra que, desde o período do “descobrimento”, o prin‐ cípio de viver em comunidades foi violado pela imposiç-o do sistema colonial. As formas de organizaç-o comunitária que vigoravam antes da chegada dos portugueses baseavam-se em relações sociais de parentesco, tradições culturais, produç-o de bens materiais e crenças religiosas. Porém, foram transfiguradas pela imposiç-o da vida societária, que minimizou os laços consanguíneos e na qual as convicções deixaram de ser absorvidas pela tradiç-o, para serem transmitidas pela educaç-o formalizada pelo Estado. Este, necessariamente, impõe valores e crenças estranhas à cultura local, dissolvendo-a, na tentativa de infundir sua dominaç-o. Assim, a vida em comunidade é substituída pela vida em sociedade. Quando a ordem social é baseada no capitalismo, a caraterística essencial é a sobreposiç-o do eu sobre o nós. Contudo, n-o pode haver comuni‐ dade quando os princípios mais elevados s-o os que remetem ao individualismo, 329 Professora Marineuza Plaster Waiandt: guardi- da língua e da cultura pomerana objetificando pessoas e relações, as quais, tendo-se Buber (1987) como base, seriam classificadas como relações Eu-Isso. Os povos e comunidades tradicionais preservam as caraterísticas apontadas por Buber (ibid.), mas Brand-o (2012) alerta para n-o incorrermos no erro de julgá-los como opostos às sociedades modernas, às cidades ou ao mundo urbano. Isso porque, segundo este autor, os lugares concretos ou simbólicos das aldeias indígenas, povos carateristicamente tradicionais, coexistem e s-o anteriores às cidades. Essas comunidades, embora tenham identidade própria, n-o vivem isoladas nem alheias às sociedades, mas convivem, interagem, necessitam e s-o necessitadas por elas. Em síntese, integram-nas de modo muito particular. Assim, as comunidades com caraterísticas primitivas, em que os indivíduos convivem motivados por laços comuns, criando relações por meio do diálogo, ainda est-o presentes nas sociedades atuais e n-o necessariamente est-o loca‐ lizadas em ambientes rurais, embora neles elas sejam mais visíveis. O que carateriza tais comunidades, essencialmente, é a ausência da exploraç-o entre seus membros: em uma comunidade autêntica, em vez de exploraç-o, há o esforço pelo bem da coletividade, relações Eu-Tu, em que, pela palavra e pelo diálogo, o ser humano (Eu) é transportado de seu mundo para o mundo do outro (Tu) (Buber 1987). Brand-o (2012, 352) parte do princípio de que “s-o comunidades tradicionais aquelas que ‘ali estavam’ quando outros grupos humanos, populares ou n-o, ‘ali chegaram’ e ali se estabeleceram”. Quando os pomeranos emigraram para o Brasil, foram destinados a ocupar áreas territoriais consideradas vazias. No Espírito Santo, uma dessas “áreas vazias” localizava-se na regi-o alta do município de Santa Leopoldina, atual Santa Maria de Jetibá. Foram os pomeranos que desbravaram o local, até ent-o coberto por matas virgens. Nessas terras, reinventaram sua cultura, mesclando elementos que trouxeram na bagagem, adaptando-se como puderam para sobreviver no “novo mundo”. Esse recomeço é uma das caraterísticas que poderiam lhes conferir a designaç-o de povo tradicional, pois criou ali a “comunidade com a paráfrase do lugar humano. Aquilo que se cria em um espaço, vida quando aí se chega ou quando para ali se vai de maneira imposta e arbitrária”, afirma Brand-o (2012, 353), esclarecendo que uma comunidade tradicional n-o se reconhece como tal somente por levar um modo de vida diferente, mas, principalmente, por ter presente na memória um histórico de “luta, sofrimento, ameaça, resistência” (ibid., 359). É nessa perspectiva que as comunidades tradicionais sobrevivem, convivem e se reinventam diariamente, em um nítido esforço de cuidar do que ser humano tem de mais humano: o viver coletivo. Nesse viver coletivo, em funç-o das necessidades comuns, a comunidade de Alto Santa Maria compartilha sua 330 Claudete Beise Ulrich, Edineia Koeler, Erineu Foerste história, anseios, identidade e objetivos. Reproduz e compartilha sua cultura, seu modo de vida, sua tradiç-o pomerana, bem como uma história de luta coletiva pela educaç-o. 3 O processo de escolarizaç-o e a emergência de uma comunidade de resistência A luta pelo reconhecimento dos grupos sociais com identidade étnica e coletiva, como s-o designados os diversos povos e comunidades tradicionais no Brasil, entre os quais está o Povo Tradicional Pomerano da comunidade de Alto Santa Maria, continuamente desafiada na manutenç-o da cultura pomerana e na oferta de educaç-o escolar, configura uma memória de resistência. Para narrar essa luta, tomamos como base entrevistas narrativas com moradores, professores, lideranças comunitárias e ex-alunos da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Fazenda Emílio Schroeder, a primeira ali construída. Por diversas vezes, essas narrativas apontaram questões suscetíveis de verificaç-o. Por isso, alguns documentos da escola também foram analisados (projeto político-pedagógico; diários de classe registrados na década de 1970, período em que a comunidade travava lutas constantes com os docentes itinerantes; ofícios recebidos e emi‐ tidos pela escola; cadernos de registro de rendimento dos primeiros alunos, além de documentos de arquivos pessoais de professores e de ex-alunos). A análise põe em relevo, de um lado, episódios em que as promessas do Estado chegam por vias legais, mas sem resposta concreta, e, de outro, situações de enfrentamento, por vias sutis e mesmo inusitadas, das incoerências estatais, traduzindo um sentido de resistência coletiva. Para adentrarmos a análise dos dados, propriamente, é preciso entender como o percurso educacional do povo pomerano se inicia no Brasil, de modo geral, e no Espírito Santo, em particular, inaugurando um pioneiro sistema plurilingue de educaç-o. É preciso ressaltar que a resistência dos pomeranos à língua portuguesa deve-se principalmente ao descaso do governo brasileiro em relaç-o à oferta de educaç-o pública nas comunidades em que os imigrantes se instalaram. Eles haviam saído de uma regi-o em que esse era um serviço oferecido em caráter público e, portanto, consideravam importante que seus filhos e suas filhas aprendessem a ler e escrever (Dettmann 2014; Küster 2015). Diante das frustradas e recorrentes tentativas de diálogo com o Estado, os pomeranos organizaram-se em parceria com a Igreja luterana para promover a educaç-o escolar comunitária de seus filhos e filhas. Na história da educaç-o nas comunidades pomeranas, por consequência, essa parceria foi primordial (Castelluber 2014). 331 Professora Marineuza Plaster Waiandt: guardi- da língua e da cultura pomerana A organizaç-o das escolas paroquiais n-o só favoreceu a escolarizaç-o das gerações mais novas, o que representava, por si só, conquista coletiva de grande significado, como também, de forma muito peculiar, ajudou na preservaç-o da língua pomerana (pomerisch, no idioma nativo), hoje uma língua de imigraç-o viva nas regiões em que os descendentes de pomeranos est-o presentes. Na medida em que as aulas eram ministradas em alem-o (hochdeutsch) pelos pastores-professores e os materiais didáticos eram apresentados na mesma língua (geralmente enviados diretamente da Alemanha), introduziu-se, talvez de modo pioneiro, um projeto de ensino plurilingue em contexto de imigraç-o no Brasil (Savedra / Höhmann 2012). Portanto, o contato entre pelo menos três variedades linguísticas bastante distintas (língua portuguesa, pomerisch e hochdeutsch) encontrou condições de ensino muito favoráveis na sua forma de organizaç-o pedagógica (Tressmann 2005; Bremenkamp 2014). Esse currículo escolar alternativo fez emergir um dinâmico e complexo processo de contatos linguísticos nas comunidades locais, até o momento, pouco explorado por estudos acadêmicos (Foerste / Bremenkamp / Peres 2015). Heinz Friedrich Soboll (2011), pastor-professor luterano que atuou nessas comunidades pomeranas a partir de 1929, narra a sua trajetória a partir de seu engajamento em trabalho eclesiástico associado à educaç-o escolar em comunidades luteranas no município de Domingos Martins, que faz divisa com Santa Leopoldina e Santa Maria de Jetibá - por isso, as histórias da educaç-o dessa regi-o assemelham-se em muitos aspetos. Seus relatos revelam que, para estudar, as crianças seguiam a pé - e, n-o raro, descalças - por picadas abertas nas matas, durante quatro ou cinco horas por dia, expostas a riscos de todo tipo, partindo de seus lares bem cedo e a eles retornando no escuro da noite. Sensibilizados com tal situaç-o, os pastores-professores aceitavam alunos com idade mínima de dez anos. Segundo critérios da igreja, a escolarizaç-o era obrigatória até os 14 anos, idade em que ocorre a confirmaç-o (rito religioso na Igreja Luterana, que corresponde à Crisma na Igreja Católica). As crianças pomeranas n-o compreendiam a língua portuguesa nem a alem-, a qual era usada em seu processo de alfabetizaç-o. Entretanto, Soboll (2011) vangloria-se de suas técnicas pedagógicas, que garantiam aos alunos a alfabetizaç-o em apenas dois anos. Nesse período, aprendiam a ler a Bíblia Sagrada e o Catecismo Menor de Lutero. N-o era possível aos pastores-professores atender a todas as comunidades e, por isso, eles “treinavam” os alunos (especialmente, neste período, os meninos) que consideravam os melhores das turmas para assumir funções docentes nas escolas comunitárias. Seus conhecimentos de leitura, escrita e matemática nas comunidades pomeranas locais se multiplicavam de forma pioneira, por meio de uma espécie de “miss-o”, construindo as bases 332 Claudete Beise Ulrich, Edineia Koeler, Erineu Foerste sobre as quais hoje funcionam, ainda que de forma precária, escolas com ensino fundamental completo e em algumas das quais é oferecido até o ensino médio, como é o caso da hoje Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Fazenda Emílio Schroeder. Pelas narrativas do pastor-professor, percebe-se o espírito de solidariedade e colaboraç-o no que diz respeito à oferta de educaç-o, que começou pautando-se pelo compromisso com a alfabetizaç-o das crianças, mas que se encontra presente até hoje entre os descendentes de imigrantes pomeranos. A estratégia adotada pelas comunidades em parceria com a igreja luterana parece, apesar das limitações, ter sido bem-sucedida, pois n-o havia em toda a regi-o uma única escola construída pelo governo. Contudo, a igreja se orgulhava de “em todas as comunidades n-o haver um único analfabeto, enquanto que, no Brasil, se contavam de 30 a 60 % de analfabetos” (Soboll 2011, 105). O valor dado à educaç-o escolar pelos pomeranos deve-se justamente ao domínio que a presença da igreja luterana exerce nessas comunidades. Já em 1524, Lutero pregava entre seus seguidores a importância da educaç-o escolar, lançando luzes para a pedagogia lúdica, ao sugerir que as crianças aprendessem brincando (Ulrich 2006). No entanto, o engajamento da Igreja luterana na educaç-o dos pomeranos foi duramente golpeado entre 1937 e 1945, quando ocorreu a Campanha de Nacio‐ nalizaç-o, promovida pelo governo de Getúlio Vargas (Hess / Franco 2003; Ulrich 2006). Durante esse período, as escolas que ensinavam em idiomas estrangeiros sofreram perseguiç-o e foram fechadas, especialmente as de língua alem-, vistas em associaç-o com o nacional-socialismo. A educaç-o passou, ent-o, a ser assumida pelo Estado, mas a “escola brasileira”, como alguns pomeranos ainda a denominam, n-o chegou a todos, especialmente às localidades mais isoladas do campo, negando um direito social fundamental a esse povo. Esse abandono das populações do campo na oferta educacional durou até a década de 1990. No período entre o decreto getulista para a nacionalizaç-o do ensino até a Constituiç-o de 1988, o governo brasileiro n-o promoveu nas áreas rurais políticas educacionais, mas políticas de ensino, com ações intermitentes. Nesse ínterim, a populaç-o rural, de um modo geral, e a pomerana, especificamente, ficaram submetidas a uma legislaç-o em que o Estado brasileiro assumia oficialmente em ofertar-lhes educaç-o, mas, na prática, esta n-o lhes alcançava ou, quando isso ocorria, havia falhas e, por consequência, conflitos. Assim também ocorreu na comunidade de Alto Santa Maria, onde a trajetória de luta dos moradores pela educaç-o é longa. Em 1968, eles se organizaram em torno da construç-o da primeira escola da comunidade. A primeira sala de aula, no entanto, funcionou provisoriamente em um cômodo na casa do professor Emílio Schroeder, designado para atuar nas séries iniciais, organizadas, mais 333 Professora Marineuza Plaster Waiandt: guardi- da língua e da cultura pomerana 1 Constituída por alunos de várias séries, geralmente, sob a responsabilidade de um único professor, sendo muito comum na realidade educacional brasileira. tarde, em classes multisseriadas 1 . Recém-chegado à comunidade, em 1967, Schroeder havia conseguido adquirir seu primeiro pedaço de terra. Seu objetivo era, com a família, desenvolver a pequena propriedade agrícola. Porém, como havia sido professor em Tijuco Preto, no município vizinho de Domingos Martins (ES), a comunidade de Alto Santa Maria viu nele uma oportunidade de, pela primeira vez, ter alguém que alfabetizasse seus filhos e filhas, tarefa até ent-o realizada pelos próprios pais. Nessa experiência, introduziu-se um ensaio de educaç-o privada, no qual os honorários do professor eram pagos em dias de serviço pelos moradores. Con‐ comitantemente, os pais fizeram mutirões para construir a primeira sala de aula. Para tanto, organizaram uma caderneta na qual registravam as doações em dias de trabalho, convertidos em valor monetário. Quem n-o tinha disponibilidade de tempo contribuía com dinheiro ou com materiais de construç-o. Considerada de caráter emergencial, em 1969, essa escola passou a ser oficialmente gerenciada pela Prefeitura Municipal de Santa Leopoldina, que assumiu o pagamento do salário do professor, o que representou um grande alívio para a comunidade, de acordo com os moradores Selene Hammer e Franz Gering, cujos nomes aparecem na lista de doadores de dias de trabalho em uma antiga caderneta preservada por um membro da comunidade. “Ajudei a serrar toda a madeira para fazer as paredes e as telhas”, lembrou o sr. Franz Gering, o único da lista que ainda vivia em 2017, com voz tímida e cansada, quando Edineia Koeler realizou entrevista para sua dissertaç-o de mestrado. A partir do momento em que o Estado assumiu seus honorários, o professor Emílio passou a ter de prestar contas de suas atividades, frequência, resultados do seu trabalho, bem como redigir relatórios. Até sua didática precisou ser adaptada, para obter sucesso com os estudantes da escola, cujas paredes foram arduamente erguidas pelos pais e m-es, e n-o pelo Estado. Os ex-alunos recordam do professor Schroeder como uma pessoa muito sábia, que gostava de conversar, mas que era rígido em relaç-o ao aprendizado. “Ele queria que a gente aprendesse de qualquer jeito, n-o admitia que n-o entendêssemos o que ele ensinava”, recorda o morador Vandelino Tesch. Contudo, porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educaç-o Nacional (LDBEN) 5.692/ 1971 regulamentou o nível de instruç-o dos professores de acordo com a série e a faixa etária dos alunos, a Escola Fazenda Emílio Schroeder precisou se adaptar. Como o nível de ensino ofertado limitava-se à alfabetizaç-o, a qualifi‐ caç-o do professor que nela atuasse deveria obedecer, no mínimo, à formaç-o 334 Claudete Beise Ulrich, Edineia Koeler, Erineu Foerste em nível do ent-o 2º grau, destinada a formar o professor polivalente das quatro primeiras séries do 1º grau. Essa normatizaç-o oficial acabou afastando o professor Emílio de suas funções, visto que seu nível máximo de instruç-o naquele momento era a 4ª série do ensino fundamental. Fatores pessoais, como o desejo de se dedicar à sua propriedade, fizeram com que ele aceitasse sem muita relutância essa decis-o das autoridades oficiais. A partir da substituiç-o do professor Emílio Schroeder pelas professoras itinerantes, acirraram-se as lutas em favor de uma escola que contemplasse os anseios da comunidade. Isso porque o município passou a ter dificuldades para garantir um professor qualificado conforme a lei para atender às crianças de Alto Santa Maria. Em funç-o da distância, do difícil acesso e da dificuldade com a língua pomerana, os professores que vinham da sede de Santa Leopoldina ou de outros municípios, inclusive de Vitória, n-o conseguiam se estabelecer na regi-o. Desse modo, a escola passou por um intenso rodízio de docentes, chegando a ser fechada por dois anos (1977-1979) pela falta deles. Somente a partir de 1979, quando a pomerana Marineuza Plaster Waiandt assumiu as aulas, a comunidade passou a ter novamente uma professora com vínculos efetivos à cultura local. A conquista que garantiu a contrataç-o dessa professora concretiza uma caraterística típica das comunidades de resistência, segundo o conceito freireano de n-o conformismo (Freire 1996). Como a escola foi fechada compulsoriamente, sem que o Estado oferecesse qualquer outra opç-o, e diante de frustradas tentativas de diálogo com o poder público, a comunidade tomou uma atitude inusitada, conforme relato de Marineuza. Segundo ela, certo dia, o prefeito de Santa Leopoldina estava em Alto Santa Maria, quando, dirigindo seu próprio carro, foi surpreendido por uma forte chuva, que fez seu veículo atolar no barro. Isso o fez recorrer aos moradores para prosseguir viagem. Já era noite e estes viram na situaç-o uma oportunidade: só ajudariam a desatolar o carro se, em troca, o prefeito garantisse a reabertura da escola. Sem saída, ele concordou, desafiando a própria comunidade a encontrar entre ela alguém instruído, apto a assumir as aulas. Como Marineuza era, à época, a única que havia cursado até a 6ª série do ensino fundamental, a comunidade a elegeu como professora. Assim tem início sua trajetória profissional, aos 15 anos de idade. Porém, persistia um problema: a pouca idade da schaullërersch (professora) recém-contratada, quest-o que foi resolvida diplomaticamente. Como a nova alfabetizadora adolescente estava sendo contratada em caráter emergencial, entendeu-se que a idade n-o seria empecilho. Após muitas negociações, a nova docente comprometeu-se formalmente a tomar parte da formaç-o realizada pelo programa do governo federal conhecido como Hapront, criado na década de 335 Professora Marineuza Plaster Waiandt: guardi- da língua e da cultura pomerana 2 Nessa comunidade, a religi-o predominante é de Confiss-o Luterana (IECLB), como na maioria das comunidades rurais de Santa Maria de Jetibá. No entanto, a festa em 1970 e ofertado em nível do ent-o 2º grau, visando a adequar a habilitaç-o de professores leigos do ensino fundamental de zonas rurais. Numa entrevista realizada em 2015, a professora Marineuza Plaster Waiandt relatou que, ao iniciar a docência, por causa de seus 15 anos de idade, era comumente confundida com os alunos, crianças e adolescentes de 7 a 14 anos. Assim, adicionalmente à consciência que trazia consigo, a pouca idade também contribuiu para que ela iniciasse sua carreira trabalhando n-o para, mas com os alunos. Ao fazer isso, partilhou e aprendeu com eles, tornando-se, desse modo, uma professora que procurou com os alunos e com a comunidade uma relaç-o horizontal, baseada no diálogo. Estabelecia com eles/ as uma relaç-o Eu-Tu, transportando-se, pela linguagem, para o mundo dos alunos e da comunidade, conforme preceitua Buber (1987). Mesmo sabendo de sua posiç-o de professora, nos momentos do intervalo, Marineuza relatou que virava criança e brincava com os alunos, partindo daí o princípio de horizontalidade que marca sua atuaç-o. Na sala de aula, assumia uma postura que sugere o equilíbrio entre a amizade, que nutria, especialmente, com os alunos de idade próxima à sua, e a docência dialogada. Na sua relaç-o com a comunidade, era preciso demonstrar ser merecedora do voto de confiança dos moradores, correspondendo às expetativas de quem lhe confiou a importante miss-o de alfabetizar e oferecer instruç-o primária. Por isso, apresentava uma postura firme, comunicada pela participaç-o ativa na igreja, nas aulas que também lecionava no ensino confirmatório (preparaç-o para o rito da confirmaç-o na Igreja Evangélica de Confiss-o Luterana no Brasil - IECLB) e nas reuniões de associações dos camponeses/ as e outras atividades. Marineuza assim se expressou Estive vinte e nove anos em sala de aula e cinco anos na administraç-o. Ser professora é a oportunidade de ajudar na formaç-o do caráter. Tive a oportunidade de ser professora de três gerações (pais/ m-es, filhos/ filhas, netos/ netas). Minha vida como professora sempre foi muito conturbada, isto é, de luta. No início era proibido dialogar em pomerano na escola. Ent-o, depois conseguimos poder ensinar em pomerano. Tive a confiança e a amizade da comunidade. (Entrevista realizada em 20 de abril de 2019) A pesquisadora Edineia relata que o primeiro contato que teve com a professora Marineuza foi na realizaç-o de uma festa junina organizada pela ent-o Escola Estadual de Ensino Fundamental Fazenda Emílio Schroeder, em 2004, em Alto Santa Maria 2 . Essa seria uma festa como outra qualquer, n-o fosse por um motivo 336 Claudete Beise Ulrich, Edineia Koeler, Erineu Foerste homenagem a S-o Jo-o foi costumeiramente instituída nas escolas como forma de arrecadar fundos. especial: pela primeira vez, vimos uma apresentaç-o em língua pomerana em uma escola da regi-o. A professora organizou com as crianças da turma de educaç-o infantil, todas pomeranas, duas apresentações, unindo canto em pomerano e dança. Em 2015, esses alunos cursavam o 3º ano do ensino médio e ainda guardavam na memória a letra de uma das músicas da apresentaç-o, a qual falava sobre um sapateiro enamorado de uma moça bonita. Ao introduzir o universo dos alunos (língua e cultura pomerana) na festa junina, a professora Marineuza transpôs para sua prática o que Buber (1987) chama de aqui e agora: o exercício de educaç-o que consiste na preparaç-o para o sentido de comunidade, introduzido a partir da infância. Assim, o respeito pela cultura da comunidade demonstrado na apresentaç-o dá sinais de que se trata de uma professora consciente de sua realidade. Mas n-o é apenas isso. Ao valorizar no espaço escolar as práticas sociais dos alunos, a língua materna, sua cultura, expressando publicamente seu modo de fazer educaç-o a partir do conhecimento prévio que eles possuem, a professora estava praticando o preceito principal de Paulo Freire: a aç-o-reflex-o (1981, 145), ou seja, entende sua realidade e é capaz de agir sobre ela. Sua atuaç-o é também uma possibilidade de a comunidade prosseguir com suas caraterísticas tradicionais, pois, na prática, necessita de um professor crítico, que labore em favor de diálogos com suas culturas e seus saberes vivos, produzindo uma pedagogia comprometida e responsável diante dos dilemas sociais (Buber 1987). A professora Marineuza n-o se curvou diante do “anarriê” junino, mas também n-o o negou. Em vez disso, introduziu a dança do sapateiro enamorado na escola (na língua pomerana), em uma clara demonstraç-o de afirmaç-o da cultura local, recriando a canç-o. Nesta atividade, aconteceu um encontro de culturas, no processo de aç-o-reflex-o da professora com sua comunidade. No dia dessa apresentaç-o, embora o movimento de pais e m-es estivesse concentrado na área externa da quadra em que acontecia a festa, quando as crianças começaram a cantar em pomerano, imediatamente, a concentraç-o se deslocou para onde as crianças cantavam e dançavam. A atenç-o dos pais e m-es em observar e acompanhar as crianças demonstrou uma reaç-o positiva da comunidade em relaç-o à prática escolar da professora. No fim da década de 1970, quando Marineuza iniciou suas atividades do‐ centes, vigoravam no Brasil as orientações tecnicistas no sistema educacional, fortemente determinadas pelo behaviorismo norte-americano. Conhecido como teoria comportamentalista, o behaviorismo trouxe influência que se traduziu em 337 Professora Marineuza Plaster Waiandt: guardi- da língua e da cultura pomerana alterações na organizaç-o da escola e no currículo, culminando no tecnicismo que se instalou oficialmente com a LDBEN 5.692/ 1971. Essa tendência tinha como principal caraterística a preocupaç-o com os métodos de ensino. O eixo do ensino nessa perspetiva era a organizaç-o racional dos meios, e n-o propriamente o aluno e o aprendizado. Contrariando o tecnicismo, Marineuza, de partida, engajou-se em trabalhar na perspetiva dos pressupostos da Escola Nova, cujos meios s-o definidos pelos professores e alunos, prezando pelo processo de ensino-aprendizagem. A estratégia ent-o estabelecida pela professora, seus alunos e comunidade para viabilizar o ensino envolvia recorrer à língua materna, o pomerano. Assim, ela conseguia estabelecer o diálogo, ensinar a língua portuguesa e cumprir seu papel de professora. Alfabetizadora, ao introduzir no currículo a cultura pomerana, ela questiona a orientaç-o do Estado, que prima pela educaç-o tecnicista. Marineuza resiste e persiste na educaç-o para a comunidade, alinhada com o que preceitua Buber (1987). Os efeitos produzidos pela professora nesse período s-o recordados saudosa‐ mente pelos ex-alunos. Em depoimento, um deles, Jorge Schneider, relatou que Marineuza é a única de suas professoras de quem se lembra. Segundo contou, ela mantinha o hábito de cantar com os alunos em pomerano. Ele ainda mostrou recordar-se das letras das músicas, apesar de mais de duas décadas terem decorrido desde ent-o. Lembrou também que, primeiro, a professora explicava os conteúdos em língua portuguesa e, depois, em língua pomerana. Marineuza usava essa estratégia para que os estudantes se familiarizassem também com a pronúncia na língua oficial. Assim, fazia o duplo trabalho: alfabetizar e ensinar a língua oficial do Brasil. O processo de aprendizagem da língua portuguesa, conforme Jorge, represen‐ tava dificuldade para a turma inteira. Todos os seus colegas eram descendentes de pomeranos. Em casa, usavam somente a língua pomerana e raramente saíam da comunidade. Os eventos sociais dos quais participavam eram todos em contexto pomerano, de modo que o contato com a língua portuguesa era restrito à escola. Até mesmo os meios de comunicaç-o eram pouco utilizados na comunidade. Jorge foi aluno de Marineuza na década de 1990, sugerindo que, desde o início de sua atividade profissional até mais de uma década depois, a comunidade continuou, pela atuaç-o dessa professora, a se identificar com sua cultura e com a língua materna e a fortalecer o ethos camponês pomerano. Marineuza, assim, adentra o mundo dos alunos e da comunidade tradicional pomerana, tendo como via de acesso aquilo que em suas identidades há de mais marcante: a língua pomerana. 338 Claudete Beise Ulrich, Edineia Koeler, Erineu Foerste Enquanto Jorge preserva na memória a didática da professora que marcou sua infância, Ingrity Plaster, também ex-aluna, recorda que a professora n-o desa‐ nimava diante da escassez de materiais didáticos. Substituía facilmente tintas industrializadas por outras produzidas a partir de beterrabas, cebolas coloridas e argila. Logo, a relaç-o com a comunidade, dedicada à hortifruticultura, também foi estendida na busca de recursos para desenvolver o processo educativo dos alunos. Ainda de acordo com Ingrity, para “produzir cartazes, quando n-o tinha cartolina ou papel kraft, Marineuza usava aqueles sacos de raç-o, a parte de dentro, que estava em branco. Brinquedos de madeira, como ‘belisca’, ela pedia nas serrarias. Eles adoravam ajudar a escola”. Os registros nos documentos d-o conta dessa prática diferenciada da profes‐ sora Marineuza, rememorada por seu ex-aluno Jorge e e sua ex-aluna Ingrity. Se observarmos as narrativas e as atividades presentes nos trabalhos produzidos por seus/ suas ex-alunos, que ainda os mantêm guardados, notamos o destaque à cultura pomerana a partir da realidade local, o que também pode ser visto nos materiais didáticos produzidos pela própria professora. Sua ousadia pode ser percebida quando s-o analisados alguns documentos da escola. No ofício 01/ 1972, uma segunda professora registra suscintamente a festa junina ocorrida na escola naquele ano, relatando a presença de aproximadamente 40 pessoas, fazendo referência à ornamentaç-o da escola e às atividades apresentadas pelos alunos: eles “recitaram, cantaram e dançaram quadrilha”, ou seja, atividades comuns às tradicionais festas juninas. No ofício 02/ 1972, esta mesma professora relata a comemoraç-o do Dia do Soldado, registrando a presença de 20 pais e m-es. Novamente, a “escola estava enfeitada, e os alunos recitaram, cantaram e terminaram a apresentaç-o com o grito: ‘Viva Duque de Caxias’”. Esta professora demonstra subserviência à ordem vigente no período, que correspondeu à Ditadura Militar no Brasil. As atividades relatadas eram comuns às escolas da época e pouco acrescentavam ao cotidiano dos alunos, muito menos tinham por objetivo refletir sobre a realidade social; traduzem maior interesse em agradar ao Estado do que educar para a realidade. A professora Marineuza, por outro lado, embora também tenha iniciado suas atividades docentes sob a vigência do regime militar, introduziu, na medida do possível, a realidade dos alunos em suas aulas, mesmo quando a Secretaria de Educaç-o orientava evitar o uso da língua pomerana nas escolas - segundo Guerlinda Berger, professora aposentada que atuou como superintendente de educaç-o no município de Santa Leopoldina nas décadas de 1970 e 1980 e como secretária de educaç-o no município de Santa Maria de Jetibá no fim dos anos 1980 - a língua pomerana n-o era proibida, mas havia “uma recomendaç-o [de se evitá-la], para acelerar a aprendizagem da língua portuguesa”. Sempre que sentia 339 Professora Marineuza Plaster Waiandt: guardi- da língua e da cultura pomerana necessidade, ou por achar que facilitaria a aprendizagem, Marineuza recorria à língua pomerana. Isso ocorria especialmente quando os estudantes realizavam atividades que envolviam diretamente os pais e m-es. De acordo com a ex-aluna Ingrity, ela dava muita coisa que nós conhecíamos… Aprendíamos a escrever com coisas concretas. Por exemplo, se era para fazer um texto sobre bois, ela nos levava fora da sala, e nos fazia observar o boi, descrever oralmente e, depois, pedia para escrever. Se íamos estudar sobre os alimentos, ela pedia para trazermos verduras e legumes de casa, nos fazia sentir o cheiro, o sabor, ver as diferentes cores… O que dava para comer cru, experimentávamos na sala mesmo, o que n-o dava, ela pedia para a merendeira cozinhar e comíamos na merenda. E aí, na hora de escrever sobre aquilo, começávamos desde a produç-o de mudas, cultivo, colheita, cuidados para a comercializaç-o, por que evitar o uso de veneno, essas coisas. Era muito bom! (Entrevista realizada em 2015) Essa aproximaç-o com a realidade rendeu boas lembranças aos ex-alunos. Eles afirmam que Marineuza n-o era exatamente uma professora “boazinha”. “Ela fazia a gente apagar atividades malfeitas e mandava refazer. Enviava bilhete para os pais”, conforme o relato de Ingrity. Mesmo assim, as melhores lembranças dos anos iniciais da educaç-o escolar desses alunos remetem a ela. Isso ocorreu possivelmente porque a schaullërersch conquistou afetivamente os alunos, talvez pela maneira como foi construindo sua carreira: aprendendo com eles, que partilhavam da mesma juventude. Nessa dinâmica, o processo de ensino-apren‐ dizagem frutificou por meio da relaç-o estabelecida entre os sujeitos, na qual o objeto de estudo e a forma como acontece a aprendizagem encontram-se em sintonia com o aluno. Professor/ a e alunos estabelecem uma parceria de estudo, relaç-o dialógica que se torna fundamental para o crescimento dos sujeitos envolvidos e de toda a sua comunidade. 4 Waiandt’s Huus - Casa Memória Pomerana Além da preocupaç-o com a escolarizaç-o na comunidade, a professora Mari‐ neuza participa também da vocaç-o agroecologia. Atualmente, ela está aposen‐ tada. Mora em uma pequena propriedade agrícola, onde cultiva os principais produtos consumidos pela família: feij-o, aipim, inhame, entre outros. Além de praticar a agroecologia, preserva uma casa tipicamente pomerana, da década de 1960, carinhosamente chamada de Waiandt’s Huus (casa da família Waiandt). Trata-se de uma iniciativa particular de preservaç-o da cultura por meio de memórias, o que faz de Marineuza uma guardi- da cultura e da memória 340 Claudete Beise Ulrich, Edineia Koeler, Erineu Foerste pomerana. As historiadoras Perrot (1989, 13), Rago (2001, 9) e Pedro (2011, 270) apontam para as mulheres como guardi-s da memória. Pedro (2011, 270) afirma “os acervos que permitem a pesquisa das grandes figuras do mundo público foram guardados, principalmente, pelas esposas, filhas, netas. Elas têm sido as guardi-s da memória”. Segundo Gomes O guardi-o ou o mediador, como também é chamado, tem como funç-o primordial ser um “narrador privilegiado” da história do grupo a que pertence e sobre o qual está autorizado a falar. Ele guarda / possui as “marcas” do passado sobre o qual se remete, tanto porque se torna um ponto de convergência de histórias vividas por muitos outros do grupo (vivos e mortos), quanto porque é o “colecionador” dos objetos materiais que encerram aquela memória. Os “objetos de memória” s-o eminentemente bens simbólicos que contêm a trajetória e a afetividade do grupo. Sejam documentos, fotos, filmes, móveis, pertences pessoais, etc., tudo tem em comum o fato de dar sentido pleno, de “fazer viver” em termos profundos o próprio grupo. Tais objetos podem ser, assim, um bom exemplo do que Pierre Nora consagrou, em sua metodologia, com a designaç-o de “lugares da memória”. (Gomes 1996, 7) O próprio nome casa-memorial fala da importância da memória. A casa é uma memória, ligada à família Waiandt, que está ligada com a história da escola, da igreja luterana, da comunidade de Alto Santo Maria, do trabalho dos camponeses. Como afirma Eclea Bosi, em seu livro Memória e sociedade: lembrança de velhos, “(…) esse registro alcança uma memória pessoal que, como se buscará mostrar, é também uma memória social, familiar e grupal” (Bosi 1994, 1). Portanto, a memória do indivíduo n-o depende somente de sua subjetividade, “mas do seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a igreja, com a profiss-o; enfim, com os grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse indivíduo” (Bosi 1994, 54). Professora Marineuza foi perguntada, se ela se considera uma guardi- da cultura pomerana. Ela respondeu Na verdade, esse é um título que me foi dado, eu gosto muito das coisas pomeranas, eu guardo elas com todo o carinho e eu sou conhecida pela comunidade como uma guardi-, que guarda, que cuida e assim, por exemplo, é incrível porque depois que a comunidade tomou conhecimento do espaço, que viu o espaço, viu o que que é, eu recebi muitas doações de utensílios, de coisas antigas né, mas n-o assim, doado de forma definitiva, dizendo pra mim, toma, agora é seu, mas de chegarem pra mim e dizer assim, guarda isso pra mim, guarda esse objeto aqui na sua casa pra mostrar, pra contar história. Ent-o o objeto continua sendo do dono, das pessoas, mas eu os guardo. Ent-o, hoje, eu sou considerada sim, guardi- da cultura pomerana. (Entrevista realizada com Marineuza no dia 20 de abril de 2019) 341 Professora Marineuza Plaster Waiandt: guardi- da língua e da cultura pomerana A professora Marineuza é reconhecida pela comunidade como aquela que cuida dos objetos materiais que s-o caros às pessoas da comunidade. Ela tem a con‐ fiança da comunidade que irá guardar bem dos objetos colocados na Waiandt’s Huus. Neste sentido, a professora Marineuza e a casa memória Waiandt’s Huus se tornaram referências na comunidade, como um lugar onde s-o guardados objetos, livros, documentos, memórias. É um lugar de memória onde Marineuza narra contos, histórias, lendas e parlendas. Representa a concretizaç-o de um espaço de revitalizaç-o da memória do Povo Tradicional Pomerano. É a representaç-o genuína de preocupaç-o em preservar a identidade de um povo tradicional que se vê ameaçado dentro de um país no qual as diferenças nem sempre s-o respeitadas. O que significa que a cultura pomerana mantém-se viva, apesar das frágeis fronteiras; mantém-se viva apesar das políticas públicas apresentarem, na maioria das vezes, um caminho inverso. N-o somente inverso às pretensões de preservaç-o da cultura pomerana, mas também dos demais povos tradicionais, cotidianamente ameaçadas por interesses capitalistas que veem os grupos minorizados como ameaça aos seus interesses. A professora Marineuza, portanto, interage com as transformações que ocorrem na comunidade e quando n-o lidera o movimento, a ele se integra como acontece com o turismo rural que se evidencia na regi-o. Viu na casa antiga da família Waiandt, preservada em sua propriedade, atualmente Waiandt’s Huus uma oportunidade de se integrar ao novo potencial da comunidade de Alto Santa Maria, na reinvenç-o da cultura camponesa pomerana. 5 Considerações finais O trabalho da professora n-o se dissocia da sua vida histórico-cultural-social. Buber (1987, 92) destaca a iniciativa pessoal do professor como fundamental para mudar a realidade das escolas nas comunidades. De acordo com o autor, somente os professores que, apesar de todas as dificuldades, enfrentam os problemas e se arriscam em uma iniciativa individual, conseguem promover a educaç-o para a comunidade. Foi o que Marineuza fez durante sua vida profissional, trabalhando em favor da cultura e língua pomeranas em Santa Maria de Jetibá no Estado do Espírito Santo, Brasil. E, após a aposentadoria, abriu a própria casa (Waiandt’s Huus) para a escola, de modo que o seu modo de fazer educaç-o parte agora da comunidade, retribuindo o voto de confiança que recebeu ao iniciar sua carreira. A maneira de preservar as raízes culturais do Povo Tradicional Pomerano, zelando pela preservaç-o da memória material, denota um profundo senso de responsabilidade para com essa cultura e comunidade. A esse cuidado com a memória, soma-se o zelo com a culinária e com o meio ambiente. Uma infinidade 342 Claudete Beise Ulrich, Edineia Koeler, Erineu Foerste de fatores positivos, que, ao serem colocados em prática, s-o verdadeiras aulas de Ciências Humanas e Ciências Naturais. Dessa forma, a professora Marineuza, ao abrir sua Waiandt’s Huus, demonstra que uma educaç-o alternativa de qualidade é possível em caráter popular, criado a partir da comunidade local. Referências Aranha, Graça. 2007. Cana-. S-o Paulo: Martin Claret. Bosi, Ecléa. 1994. 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Tendo por enquadramento teórico uma conceç-o pragmática da língua, atenta aos usos, foram selecionados dois tó‐ picos em que há diferenças pragmáticas e discursivas entre as duas variedades estabilizadas do português, o Português Europeu (PE) e o Português do Brasil (PB): Formas de Tratamento e Marcadores Discursivos (no caso, entretanto). Estes tópicos s-o testemunho de que uma análise contrastiva entre variedades n-o se deve ficar pelas áreas mais tradicionais da investigaç-o linguística. Essa análise também n-o deveria restringir-se ao PE e ao PB. A quest-o das Formas de Tratamento servir-nos-á ainda para equacionar a variaç-o diatópica e diafásica dentro de uma mesma variedade, sublinhando o facto de que nenhuma variedade é linguisticamente homogénea. A pesquisa de que se dá conta é meramente exemplificativa, exploratória e qualitativa. Dela pretendemos retirar consequências para o ensino do português, língua pluricêntrica, enquanto língua n-o materna, pelo que se propõe, no final do texto, uma breve exemplificaç-o de questões gramaticais e pragmáticas que podem ser abordadas a partir de um documento oral. 1 Introduç-o Esta reflex-o parte da consideraç-o do caráter pluricêntrico da língua portu‐ guesa, segundo os critérios e estudos de Clyne 1992, Muhr 2012, Baxter 1992, e Silva 2018; 2017; 2014a e 2014b. Quando se tem em conta o português como língua policêntrica, s-o as duas variedades estabilizadas, o Português Europeu (PE) e o Português do Brasil (PB), que s-o geralmente consideradas, embora houvesse vantagem, em nossa opini-o, em também atentar em outras variedades em formaç-o. No que se refere 1 Como Barron (2005) confirma, “Indeed, this focus of dialect studies is nicely reflected in overviews of variation in regional dialectology, such as those by Bauer (2002) and Kortmann and Schneider (2005). Both of these works discuss variation only on the levels of phonology, morphology and syntax; pragmatic variation is not even mentioned.” 2 Designaç-o genérica para abranger, agora, o português que n-o é língua materna do aprendente. à descriç-o contrastiva do PE e do PB, os estudos mais frequentes debruçam-se sobre diferenças a nível de léxico, de fonologia e de morfossintaxe. O enquadramento teórico deste texto será a pragmática, tendo nós em conta o uso efetivo da língua e procurar-se-á sublinhar a importância de atender à variaç-o diatópica, mas também à diafásica. Muito raramente s-o referidas, no contraste PB/ PE, questões de pragmática, apesar de Baxter notar que também há divergências a esse nível entre as duas variedades: “[t]he two standards differ from each other in phonology, morphology, syntax, lexicon, spelling and pragmatics” (Baxter 1992, 35). O facto de as diferenças pragmáticas n-o terem quase sido sequer referidas até agora, deve-se a uma conceç-o inadequada de que cada uma das variedades é homogénea, correspondendo à respetiva norma padr-o, característica de um falante nativo ideal, que seria, como refere Pennycook (1999, 339) para o Inglês, a família branca prototípica que conhecemos de “the back of Kellogg’s Corn Flakes packets” 1 . A pragmática procura, justamente, atentar na variaç-o intralinguística, mostrando como o uso da língua varia consoante diferentes parâmetros. Quanto às preocupações pedagógicas, esta perspetiva defende que a língua a apresentar como input aos aprendentes estrangeiros (ou falantes de herança, ou de língua oficial, p.e.) n-o deve ser falsamente apresentada como homogénea mas, pelo contrário, tem de ser mostrada na sua heterogeneidade, fruto de mudança e variaç-o. Pensamos, no entanto, que n-o é sensato nem sequer viável que um estudante aprenda todas as variedades de uma língua, qualquer que ela seja. Como, aliás, Bardovi-Harlig et al. (1991, 5) sugerem: “It is impossible to prepare students for every context, or even all of the most common situations they will face in natural language settings.” Há, portanto, vantagem em ensinar sobretudo uma das variedades nacionais da língua: a variedade nativa do professor, ou aquela que o docente aprendeu e fala, a que conhece melhor, aquela para cujo ensino foi contratado. Mas já valerá a pena e será cientificamente adequado que, na aula, se promova a consciência da variaç-o linguística e o respeito e até a curiosidade em relaç-o a outros modos de falar uma mesma língua alvo, como Barron (2005) propõe. Para exemplificar a proposta que fazemos de ter em conta a pragmática e a variaç-o no ensino de Português Língua Estrangeira (PLE) 2 , na segunda parte 350 Isabel Margarida Duarte desta apresentaç-o, elegemos duas questões pragmático-discursivas. Por um lado, num primeiro momento, ser-o tidas em conta (1) formas de tratamento, porque há diferenças conhecidas PE/ PB, de que resultam mal entendidos e que colocam problemas complexos aos aprendentes de Português como Língua N-o Materna. Falaremos também de variaç-o dentro de cada variedade. No caso do Português Europeu, há por vezes censura que certos professores, falantes da norma padr-o, exercem sobre alunos, por exemplo, alunos falantes de herança, que adquiriram, na infância, outra variedade diatópica, que usam vós (ou até você), porque essas formas pronominais existem na variedade diatópica e diastrática de origem das suas famílias. Por outro lado, num segundo momento, ocupar-nos-emos de (2) marcadores discursivos, apontando diferenças entre PB e PE, focando, concretamente, o marcador entretanto. Estes dois temas servir-nos--o para refletir, finalmente, sobre (a) a necessi‐ dade de descrever as variedades do português, também as emergentes, porque Angola, Cabo Verde, Timor Leste, Guiné-Bissau, Moçambique e S-o Tomé e Príncipe adotam a variedade europeia como padr-o, embora a usem, na prática, de forma própria, e alguns desses países tenham variedades emergentes, o que coloca questões cruciais para o ensino do português nesses contextos. Também, por fim, refletiremos sobre (b) estratégias e recursos de ensino da língua portuguesa que tenham em conta os diferentes estatutos que ela apresenta nos vários países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa e as suas diferentes variedades. A reflex-o que aqui fazemos tem, portanto, os seguintes objetivos: (i) pro‐ blematizar as vantagens e as desvantagens de apresentar aos estudantes de português como língua estrangeira ou segunda alguns traços da variaç-o que a língua apresenta; (ii) mostrar alguns exemplos de variaç-o pragmática quanto ao PE e ao PB; (iii) sugerir hipóteses de trabalhar alguns aspetos de variaç-o em aulas de PLE. 2 A Pragmática e o ensino da variaç-o linguística No que concerne à variaç-o linguística no ensino de Português Língua N-o Materna (PLNM), Ana Costa (2018) propõe inúmeros exemplos de intervenç-o didática, a partir da quest-o do ensino dos pronomes átonos, exemplos que poder-o servir de inspiraç-o para os caminhos a percorrer: a sua oficina de gramática é facilmente adaptável para outros tópicos gramaticais. Se bem que esta n-o seja uma quest-o da área da pragmática, a perspetiva da autora interessa-nos, porque ela atenta na diferença entre as prescrições normativas no que respeita ao uso desses pronomes, quer em PE quer em PB, e o uso efetivo 351 Variaç-o e ensino: diferentes variedades, diferentes públicos 3 Ver, por exemplo, o Corpus de Produções Escritas de Aprendentes de PL2 (PEAPL2), disponível em http: / / teitok2.iltec.pt/ peapl2/ 4 O resultado foi apresentado na comunicaç-o ao colóquio DISROM6 Discourse Markers in Romance Languages, em Bérgamo, em maio de 2019, intitulada “Marqueurs discursifs et variation dans le Portugais Européen et dans le Portugais du Brésil se calhar / de repente, imagina, pois n-o, entretanto e em Duarte (2019). e concreto dos pronomes nessas duas variedades. Como Ana Costa salienta, “[…] basta saírem da aula e começarem a interagir em registos coloquiais para os estudantes contactarem com usos que entram em contradiç-o com o que aprendem nas aulas.” (Costa 2018, 152). Fernandes / Cortez-Smith (2019) defendem, com base na literatura sobre a área e em exemplos de corpus de produç-o de estudantes de PLNM, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra 3 , o ensino explícito de alguns tópicos de pragmática para esses aprendentes, nomeadamente formas de tratamento, normas de interaç-o, graus de cortesia, atos de fala, entre outros. Poderíamos acrescentar a adequaç-o dos registos mais ou menos familiares ou formais à situaç-o enunciativa e ao tema de que se fala, os marcadores conversacionais, a capacidade de fazer inferências a partir de implícitos, o uso de indireç-o como forma de atenuaç-o cortês, fenómenos linguístico-discursivos de atenuaç-o e intensificaç-o, etc. Iremos exemplificar a variaç-o em PB e PE com dois tópicos concretos: as Formas de Tratamento (FT) e um marcador discursivo. Esta comunicaç-o re‐ toma, assim, outros trabalhos que temos vindo a fazer sobre estas duas questões (Duarte, 2019). E, embora nos ocupemos apenas, mesmo que brevemente, do contraste entre PB e PE, gostaríamos de alargar a pesquisa a outras variedades em constituiç-o. Trata-se de assinalar diferenças pragmáticas e discursivas entre PB e PE, no que respeita a formas de tratamento e a marcadores discursivos, como exemplo de uma análise contrastiva que n-o se deve ficar pelas áreas mais tradicionais da investigaç-o linguística. A pesquisa de que se dá conta aqui será exploratória e sobretudo qualitativa e dela pretendemos retirar consequências para o ensino do PLNM. Quando, no início desta investigaç-o, há dois anos atrás 4 , confrontei alguns Marcadores discursivos (MD) em variedades do português, só tive em conta corpora do PB e do PE. Assim, procurei contrastar dois MD diferentes, mas que têm praticamente o mesmo valor nessas duas variedades, se calhar (PE) / de repente (PB), por um lado. Por outro lado, tentei também verificar como marcadores aparentemente iguais nestas duas variedades tinham, afinal, usos e valores bem diversos. A seleç-o recaiu sobre os marcadores imagina, pois n-o, entretanto, usados nas duas variedades, mas com valores diferentes. Ora, depois 352 Isabel Margarida Duarte 5 Transcrições em anexo à tese de Amália Lopes (2011). As línguas de Cabo Verde: uma radiografia sociolinguística. Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (tese de doutoramento); http: / / hdl.handle.net/ 10451/ 4699, acesso em 03 de dezembro de 2019. de ter consultado também um corpus de transcriç-o de entrevistas orais feitas por Amália Lopes, a professores de Cabo Verde 5 , posso avançar que esses marcadores se usam, neste país da CPLP, pelo menos tanto quanto este corpus atesta, como em PE. Só o MD se calhar, por exemplo, tem, no corpus caboverdiano, 253 ocorrências e quer elas quer os exemplos da locuç-o de repente se comportam como em PE. Repito: neste corpus concreto. N-o nos iludamos, no entanto. Há especificidades do português falado no arquipélago que o afastam do PE, como uma tendência clara para a próclise, em situações em que, em PE, se usa ênclise, por exemplo. Quero com isto dizer que há um longo trabalho de investigaç-o a fazer nesta área, para podermos apresentar, com alguma segurança, dados do português falado nos diferentes países da CPLP, apesar das descrições que já existem sobre alguns deles (Inverno 2011; Heigemeijer 2016, para Angola, ou Rita Gonçalves 2016, para S. Tomé e Príncipe, para citar apenas estudos para dois países). Passemos, ent-o, aos exemplos das duas variedades a contrastar. 2.1 Formas de tratamento em PB e PE: algumas considerações Em trabalho anterior (Duarte / Marques 2019), analisámos uma longuíssima troca de opiniões, de 135 posts, na página do Facebook Ensinar Português como Língua Segunda, procurando compreender o uso de você / tu como exemplo de variaç-o diatópica em PB e o uso de você, vocês, vós como exemplo de variaç-o diatópica e diafásica em PE. É de ressaltar, desse trabalho, o desconhecimento mútuo, entre falantes das duas variedades, no que toca a formas de tratamento (FT). Sublinho apenas, nos exemplos seguintes, todos retirados do Facebook e datados de 2018, (1) que também se usa tu no PB: colegas, o pronome TU é muitíssimo usado no sul do país, no Rio Grande do Sul, PORTO ALEGRE, minha terra, ao contrário do VOCÊ. (Tereziha Juraci Brasil MSilva) que, em PE, (2) o uso do pronome você é fonte de permanentes incómodos e juízos negativos: EU nunca (em boa consciência) tratarei um deputado com o foleiro “você”. EU n-o gosto de ouvir à minha volta o tal “você” (Mário de Carvalho, escritor) e, por fim, (3) que o pronome vós n-o é próprio do discurso religioso, n-o desapareceu, n-o é exclusivo das Beiras, nem é utilizado apenas por pessoas idosas: 353 Variaç-o e ensino: diferentes variedades, diferentes públicos Queridos alunos […], ide dormir… e bem! […] quando tiverdes o enunciado, pensai: […]. Depois, com calma, lede tudo MUITO BEM! (Ana Rosa Silva). Como Ana Costa refere em relaç-o ao uso do pronome átono, é difícil a situaç-o do aprendente a quem ensinam que já n-o se diz vós em português (mesmo os livros de PLE n-o trazem, muitas vezes, essa forma) e que ouvem dizer, a uma colega de turma “Já ides? Ide indo que já vou ter convosco”. As FT constituem um item de difícil aprendizagem para os estudantes de PLNM. Os falantes de PB e de PE usam-nas de modo bastante diferente, como se sabe. Ora o seu uso tem impacto nas relações que se estabelecem entre os falantes, o que quer dizer que se devem utilizar de forma adequada. Além disso, s-o uma área de clara instabilidade, sensível à variaç-o diafásica e com variaç-o diatópica mesmo dentro da mesma variedade nacional, para além da óbvia variaç-o diacrónica. Há, com efeito, uma simplificaç-o abusiva quando se fala de FT no Brasil, porque é sabido que existe variaç-o diatópica a esse respeito e que, no Rio Grande do Sul, assim como noutras regiões (no Acre, p.e.), se usa o tu, diferentemente do resto do país, onde o você é a forma mais frequente de o locutor se dirigir ao interlocutor. Já em Portugal, o uso de vós e o de você s-o também sensíveis à variaç-o diatópica (e até diafásica). Para uma síntese das principais características das FT em PB/ PE, temos em conta, sobretudo, Carreira, 1998, 2004; Duarte, 2010, 2011; Gouveia, 2008; Hammermüller, 2004; Marques, 2010, 2014 a, 2014b; Marques / Duarte, 2019; Oliveira, 1993. As diferenças entre as FT em Portugal e no Brasil geram, nos estudantes bra‐ sileiros que, neste momento, estudam em Portugal, um conjunto de equívocos decorrentes de hipercorreç-o e da ideia de que os portugueses s-o muito formais e podem, portanto, ser fonte de desconforto e até de mal-entendidos. Eis um exemplo: Prezada Professora, Peço desculpas por meus e-mails. Desejo uma ótima recuperaç-o. Estou trabalhando no projeto. Antes do próximo semestre começar, enviarei todas essas questões que solicitastes. Muito obrigada por tamanho cuidado em suas orien‐ tações. Sou só gratid-o. Desejo que possas descansar nessas férias e estejas com a saúde completamente recuperada. Um grande abraço, O vós usado para um interlocutor único, portanto, no singular (solicitastes), a oscilaç-o entre essa 2.ª pessoa, inadequadamente usada para o singular e 354 Isabel Margarida Duarte a terceira pessoa do possessivo (suas orientações); e o “tu”, 2.ª pessoa de familiaridade e proximidade (“possas” e “estejas”) s-o marcas de inadequaç-o que decorrem n-o apenas de desconhecimento do uso, mas da consequente hipercorreç-o. 2.2 Marcadores discursivos: algumas diferenças PB / PE. O caso de entretanto No que toca aos MD, deixo os que abordei em trabalhos anteriores já referidos e foco-me, neste texto, sobretudo em entretanto, que revela comportamentos e valores diferentes em PE e PB. Em PE, entretanto é um advérbio temporal “cujo sentido original se refere à coexistência de algo no tempo” (Castilho 2019, 74) e, muito raramente, uma conjunç-o contrastiva. No PB, o marcador perdeu o valor temporal e é, sobretudo, um marcador de contraste. Se, nesta variedade, encontramos ainda entretanto que, como já aconteceu em PE, por exemplo, em ocorrências atestadas da Crónica Geral de Espanha, como (1), já na variedade europeia apenas temos, hoje, ocorrências de entretanto, esmagadoramente com valor temporal e entretanto que deixou de se usar. (1) E, depois que todos foron ante el rey, entretanto que hûûs falavõ con elle, os outros entraron onde estava aquela judya e acharõna seer en muy nobres estrados e degolaron ella e quantos con ella estavam. Crónica Geral de Espanha (corpusdoportugues, Davies / Ferreira) José Carlos Azeredo (2008) atesta que entretanto é amplamente utilizado na escrita brasileira moderna - ensaística, jornalística e literária - com valor contrastivo. Talvez só no século XIX - em Machado de Assis, por exemplo - ainda se nos depare o uso com valor temporal. [Cf. item 14.10.3, p. 305, da Gramática Houaiss). (2) Manuela era uma dessas mulheres desiludidas do amor, e que, entretanto, se guardam toda a vida para um homem desconhecido. Aníbal Machado, contista (1894-1964). As diferenças de valor do marcador nas duas variedades tidas em conta s-o testemunhadas pela pergunta do Ciberdúvidas que transcrevemos, feita por uma consulente brasileira: Tenho notado que o uso de “entretanto” em Portugal é bem diferente do que ocorre no Brasil. 355 Variaç-o e ensino: diferentes variedades, diferentes públicos Aqui, e me parece mais correcto, “entretanto” tem um sentido temporal, de simultanei‐ dade, enquanto que no Brasil é frequentemente usado no mesmo contexto que “no entanto”, “contudo”, “porém”, “mas”, ou seja, com sentido adversativo. É esse o sentido oficial no Brasil? Ou é apenas uma distorç-o? https: / / ciberduvidas.iscte-iul.pt/ consultorio/ perguntas/ entretanto/ 7804 Quanto ao PE, dos 75 exemplos de entretanto que constam do CRPC, só dois n-o s-o temporais. O mais frequente é, portanto, o valor que tem em (3): (3) Depois de eu ter acabado a minha licenciatura, fui ter com o meu marido a África, porque entretanto resolvemos casar assim rapidamente, com esta coisa da, da tropa. [CRPC] Mesmo os dois exemplos que n-o s-o temporais, n-o parecem ter o valor adversativo que as construções com entretanto têm no PB. Segundo Ataliba de Castilho, este é, de facto, o valor mais frequente em PB: “Em dados do PB, extraídos dos séculos XIX a XXI, a presença de entretanto no segundo membro da construç-o é índice de adversidade, estando seu sentido original temporal já bastante opaco.” (Castilho, 2019, 75). Ora, como se disse, nos 75 exemplos de PE estudados, 73 s-o temporais, referindo a “coexistência de algo no tempo, sendo parafraseável por entre tantas coisas, entrementes, nesse meio tempo, enquanto isto sucede. Os dois que n-o s-o temporais parecem ter mais um valor de aditivo, de juntivo, do que propriamente contrastivo, como no exemplo do C-Oral-Rom: (4) JOA - mérito do trabalho ofensivo / / três minutos passados / quatro golos mar‐ cados / / PAU - pode ser entretanto também a acç-o dos guarda-redes / / vamos ver / / [pmedsp02] Neste exemplo, entretanto parece apontar para uma explicaç-o que se acrescenta ao facto de haver tantos golos marcados, podendo ser parafraseado por entre tantas outras coisas, além disso. Também o outro exemplo encontrado n-o parece contrastivo, mas antes indicar argumentos coorientados: (5) JFE - o futebol n-o é para meninas / / quando um jogador se queixa “ai / ai / e tal / ele bateu-me”/ / o futebol n-o é para meninas/ / mas/ prontos/ entretanto + é / é um jogo duro / / ZEB - é um jogo duro/ / mas há mulheres que s-o muito resistentes / / [ CRPC] 356 Isabel Margarida Duarte 6 Meisnitzer (2019) faz também uma interessante proposta a partir de um excerto de O menino do espelho, de Fernando Sabino. Relembro ainda o artigo de Ana Costa (2018) sobre os pronomes átonos, também ele com valiosas sugestões didáticas. Querem estes exemplos testemunhar t-o só que os valores de entretanto n-o est-o ainda devidamente estudados e s-o mais complexos do que as descrições dos dicionários sugerem. Acresce, como se disse, que os estudos contrastivos entre variedades, no âmbito da pragmática, n-o abundam. Para MDs, concretamente, os que conheço s-o escassos (Lopes, A. C., Pezatti, G., Erotilde / Barbosa Novaes, Norma (2001); Rosa, F. (2015); Tavares, M. A. (2002)). Urge, portanto, levar a cabo descrições contrastivas sistemáticas também na área da pragmática, isto é, dos usos do sistema. 3 Variaç-o e ensino de PLE: sugestões breves Sobre variaç-o e ensino do PLNM há interessantes sugestões recentes (Meis‐ nitzer 2020), que têm em conta, implícita ou explicitamente, a noç-o de “compe‐ tência de variedades recetiva” (Reimann, 2011), assim definida: “A competência de variedades recetiva é a capacidade de descodificar variedades diatópicas e normas-padr-o regionais na percepç-o auditiva (aqui: a compreens-o do oral de variedades regionais do português).” (Reimann / Koch, 2019, 11). Com efeito, n-o será possível que um aprendente de PLNM adquira total proficiência em todas as variedades nacionais do português. Mas é possível que compreenda a produç-o oral de falantes dessas variedades (e, a nosso ver, que se faça entender por eles). Sem ter agora concretamente em atenç-o questões meramente pragmáticas, vale a pena conhecer as propostas práticas de Meisnitzer (2019, 2020), em cuja sensatez pedagógica me revejo, ou as de Bag-o (2019), especificamente desenhadas a pensar nos aprendentes de PLNM que frequentam o ensino oficial em Portugal. Os autores convergem para a valorizaç-o dos textos orais dos media como fonte privilegiada de materiais autênticos com que trabalhar, em aula, a pluricentralidade do português 6 . Sem dúvida que os media, e os media digitais em particular, põem à nossa disposiç-o uma quantidade infindável de materiais que podem servir de recurso em aulas de PLNM, n-o apenas para treino da compreens-o oral, mas de todo o tipo de competências implicadas na aprendizagem de uma língua, incluindo as culturais. Há, no entanto, outros recursos: desde os corpora que podem servir de base para estudo de material autêntico, até aplicações que permitam interações orais em tempo real, como o Skype, o WhatsApp e outras que facilitem a comunicaç-o síncrona. Os estudantes de diferentes partes do mundo podem envolver-se em partilhas de 357 Variaç-o e ensino: diferentes variedades, diferentes públicos 7 Partilhado em https: / / 1drv.ms/ v/ s! Aj8qezDUdKNUm0Sv-h5HnJMW5qdf 8 O vídeo destinou-se ao nível A1, a ser apresentado numa Universidade Francesa, Université Bordeaux-Montaigne, a estudantes de PLE (alguns de PH). 9 Apesar de este modo verbal n-o ser estudado nos níveis iniciais de aprendizagem de PLE, ele é t-o produtivo e frequente em português que n-o há como contornar o seu uso desde cedo. vídeos da sua autoria, em que se deem a conhecer aos outros em português, pedindo comentários e facilitando a interaç-o. Por exemplo: a partir da visualizaç-o do curto vídeo de apresentaç-o de uma estudante timorense 7 a viver temporariamente no Porto, podemos abordar algumas questões interessantes 8 . Com a sua visualizaç-o, um conjunto de atividades e aprendizagens pode ser delineado, sobre questões pragmáticas e mais estritamente gramaticais: apresentações e saudações formais e informais (a informalidade está presente na saudaç-o inicial “olá” e na apresentaç-o só pelo nome próprio), o presente do indicativo (“sou”, “vivo”, “é”, “s-o”, “espero”), o sujeito pronominal nulo do PE, a express-o da origem nacional (“sou de Timor”), do tempo (“há um ano e meio”), o deítico de lugar “cá”, a produç-o de atos de fala expressivos (saudaç-o, agradecimento), a express-o de opiniões por meio de adjetivos subjetivos com valor avaliativo positivo (“acolhedor”, “simpáticas”), do advérbio “muito” e do semantismo do verbo “gostar”, a forma de tratamento com pronome nulo e verbo na 3.ª pessoa do plural (“visitem”), o ato expressivo de desejo, que configura um contexto de uso obrigatório de conjuntivo (“espero que visitem”) 9 . A gravaç-o permite ainda que se fale de Timor e do lugar da Língua Portuguesa nesse país multilingue, e o discurso oral pode ser confrontado, do ponto de vista fonológico, com os de outras variedades de português. Além disso, o documento também pode dar azo a que se fale do Porto ou da Igreja de Santo Ildefonso, cenário da gravaç-o. A apresentaç-o com um outro estudante nativo de outro país da CPLP permitiria dirigir a atenç-o para outra variedade ou variedade em constituiç-o. 4 Considerações finais Embora o docente de PLE tenha de escolher uma variedade para ensinar aos seus estudantes (o que dependerá da sua origem, da própria competência linguística em Língua Portuguesa, do contexto em que trabalha, do que dele se espera, etc.), é inegável que esses estudantes devem saber que a variedade aprendida n-o é a única. Ter-o vantagens em conhecer alguns traços das restantes variedades nacionais e n-o apenas. Quem estuda no Porto, compreende melhor as intervenções orais alheias depois de saber em que consiste o betacismo, por 358 Isabel Margarida Duarte 10 De futuro, fica ainda à espera de estudo mais aprofundado a forma entretanto, para que se procure perceber por que motivos se gramaticalizou em PB, tendo perdido o valor temporal, mas o mesmo n-o sucedeu em PE. exemplo. Por outro lado, perceber que uma língua é intrinsecamente variaç-o ajuda a combater o preconceito linguístico relativamente a quem a fale de forma diferente do esperado pelo aprendente. A apresentaç-o de diferentes variedades de uma língua pluricêntrica como o português pode servir-se dos recursos sugeridos, mas tem de ter por base descrições contrastivas sólidas, com base em corpora comparáveis, dando conta de usos reais (como tentámos exemplificar com as FT e o marcador entretanto) 10 e, portanto, alargando-se, crucialmente, à área da pragmática. Referências Azeredo, José Carlos. 2008. 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Os pronomes oblíquos no ensino do Português como Língua Estrangeira a alunos adultos - a quest-o do Português Europeu e do Português Brasileiro 1 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange O presente artigo focaliza as regularidades da formaç-o e colocaç-o dos pro‐ nomes de objeto / complemento direto (acusativo) e indireto (dativo) na aula do PB e do PE como língua estrangeira - uma área que costuma constituir uma das “zonas de desconforto” entre docentes e aprendentes que lidam com as duas variedades ao mesmo tempo. Coloca-se a quest-o de como os paradigmas pronominais distintos das duas variedades s-o abordados em gramáticas didá‐ ticas e manuais de língua recentes e como podem ser abordados, de uma forma comparativa, em aulas dirigidas a um público adulto universitário. 1 Introduç-o Devido à situaç-o pluricêntrica do português 2 , as variações gramaticais entre a variedade brasileira (PB) e a variedade europeia (PE) acarretam uma série de dificuldades no ensino do Português como Língua Estrangeira (PLE), parti‐ cularmente quando se trata duma aula “mista”, ou seja uma aula que conta com a interaç-o de alunos e professores familiarizados com o PB ou o PE, respetivamente. Essas dificuldades envolvem p.ex. a auto-avaliaç-o do aluno e a atuaç-o corretiva do professor. Sendo a nossa área de trabalho o ensino universitário que se destina a um público-alvo adulto, incluindo n-o só futuros licenciados em romanística, mas também alunos de outras faculdades interes‐ sados em aprofundarem a sua competência linguística, a nossa perspetiva é sobretudo uma perspetiva linguístico-didática. O sistema pronominal chamou a nossa atenç-o por duas razões: • O uso distinto dos pronomes - logo a seguir à assimilaç-o das diferenças fónicas entre o PB e o PE - é uma marca diferenciadora saliente e de percepç-o imediata para os aprendentes estrangeiros. • O sistema pronominal, na gramaticografia e no ensino de línguas, é tradicionalmente considerado um fenómeno regular e ordenado, sendo que uma certa ordem e transmissibilidade de regras na gramática (e n-o tanto as particularidades do léxico) costumam ser consideradas pelos alunos adultos como cerne de uma norma. Pretendemos documentar aqui que uma “ordem pronominal normativa culta” própria (atribuída até há poucas décadas apenas ao PE) se tem vindo a desen‐ volver dentro do PB, contribuindo para um status shift (cf. Martins / Meisnitzer 2015, 11) - uma alteraç-o de estatuto que tem sido acompanhada e talvez até mesmo impulsionada pelos manuais do PLE, os quais, desde a segunda metade do século XX, refletem a situaç-o do português como língua pluricêntrica, debruçando-se apenas sobre uma das duas variedades. As questões que queremos colocar em seguida s-o: 1. Como s-o abordados os pronomes oblíquos em manuais e gramáticas didáticas recentes? 2. Como se podem ensinar as normas gramaticais do PE e do PB no caso dos pronomes oblíquos quando estamos numa “aula mista” de PLE para alunos universitários? Partiremos aqui de duas hipóteses: a. Os sistemas dos pronomes oblíquos no PE e no PB s-o t-o diferentes que n-o deviam ser ensinados numa unidade didática, s-o precisas unidades separadas. b. Os sistemas dos pronomes oblíquos no PE e no PB, embora havendo diferenças, deveriam ser ensinados - comparativamente - numa unidade didática. Para podermos dar resposta à quest-o, ser-o analisadas, nos pontos 2 e 3, manuais e gramáticas didáticas do PE-LE e do PB-LE recentes. Nos pontos 4 e 5, faremos uma síntese comparativa e daremos sugestões relativamente às duas posições hipotéticas colocadas. Antes de procedermos à análise, ilustraremos melhor o nosso ponto de partida e clarificaremos ainda alguns conceitos linguísticos que nos servir-o de base de apresentaç-o. 364 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange 3 Designaremos os pronomes de complemento ou de objeto como “pronomes oblíquos” ao longo do texto, querendo dessa forma abranger tanto os pronomes clíticos e átonos como os plenos (tónicos) na posiç-o de complemento do verbo. Gráfico 1: Confus-o numa aula mista do PLE Preconceito linguístico Para além da “simples” diferença estrutural entre o PB e o PE, o aluno estrangeiro defronta-se com (pré-)conceitos sociolinguísticos ainda existentes, como mostram as duas citações seguintes: k. “Estive seis meses no Brasil, já falo português, mas quero aprender a gramática.” [aluno, numa aula universitária de gramática de nível médio B1 (norma PE)] l. “Tudo bem, mas em português brasileiro posso escrever assim? ” [aluno, numa aula universitária de traduç-o, nível B2, a comparar variantes sintáticas de uma frase] Convém ter em mente que, no caso do PE e do PB modernos, n-o se trata em primeiro lugar de variedades diatópicas de “uma língua”, mas de duas PRÓCLISE? PRONOME ÁTONO? MESÓCLISE? ÊNCLISE? PRONOME TÓNICO? HÍFEN? Rui nos apresentou a Ana. O Rui apresentounos a Ana. O Rui apresentarnos-ia a Ana. O Rui apresentouno-la. Rui apresentou ela para a gente. Gráfico 1: Confus-o numa aula mista do PLE Confus-o na sala de aula Para ilustrarmos a problemática, veremos alguns exemplos do uso do pronome oblíquo 3 da terceira pessoa em Portugal (PE) e no Brasil (PB): (1) Cumprimentaram-no. (PE) (2) (Eles) N-o o cumprimentaram. (PE e PB) (3) Eles o cumprimentaram. (PB) (4) Eles __ cumprimentaram. (PB) (5) Eles cumprimentaram ele. (PB) (6) Eles podem cumprimentar ele. (PB) (7) (Eles) Podem cumprimentá-lo. (PE e PB) A hipótese geral do aluno (iniciante) de que o PE seja “normalmente enclítico” falha logo em exemplos como (2), e a ideia generalizada de que o PB seja “normalmente proclítico” falha em exemplos como (7). Além disso, aparecem no PB omissões de pronomes (4) ou pronomes plenos / tónicos na posiç-o do pronome oblíquo (5, 6) que o PE atual n-o usa. Dessa forma resulta - muitas vezes - uma certa confus-o de estruturas na sala de aula: 365 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB 4 Oliveira / Jesus (2018, 1046) falam em tens-o e normatizaç-o (de uma língua-padr-o) como instrumento de poder, referindo-se a uma hegemonia sociolinguística do Brasil e de Portugal perante os restantes países de express-o portuguesa. 5 Para uma síntese dos conceitos (socio)linguísticos, psicológicos e discursivos, veja-se p.ex. Bagno (2003, 39-70). Preconceito linguístico Para além da “simples” diferença estrutural entre o PB e o PE, o aluno estran‐ geiro defronta-se com (pré-)conceitos sociolinguísticos ainda existentes, como mostram as duas citações seguintes: a. “Estive seis meses no Brasil, já falo português, mas quero aprender a gramática.” [aluno, numa aula universitária de gramática de nível médio B1 (norma PE)] b. “Tudo bem, mas em português brasileiro posso escrever assim? ” [aluno, numa aula universitária de traduç-o, nível B2, a comparar variantes sintáticas de uma frase] Convém ter em mente que, no caso do PE e do PB modernos, n-o se trata em primeiro lugar de variedades diatópicas de “uma língua”, mas de duas variedades nacionais normativas dominantes 4 e que o PB, em relaç-o ao PE e também em relaç-o a outras variedades nacionais, assume a liderança em termos de impor‐ tância comunicativa mundial. Mesmo assim, a normalizaç-o e normatizaç-o de um padr-o gramatical autónomo do PB ainda está em curso, pelo que às vezes se transmite ao aluno a ideia de que existam formas “mais corretas” ou “mais padr-o” e “menos padr-o” - as últimas supostamente encontráveis na variedade brasileira. Este muito discutido preconceito linguístico 5 afeta n-o só o aluno nacional brasileiro, mas também o estrangeiro que aprende ou adquire a língua no Brasil, deixando o aluno inseguro e receoso de cometer erros gramaticais (veja-se a citaç-o em a.). Por outro lado, os falantes cultos e os mídia brasileiros transmitem ao aluno a consciência da nova normatividade brasileira do séc. XX / XXI (citaç-o em b.). Quanto aos professores do PLE, o desconhecimento mútuo das respetivas regularidades gramaticais, reforçado pelo preconceito linguístico, pode causar atitudes de evas-o ou de hipercorreç-o. Parece-nos uma grande vantagem - tanto para professores nativos como para n-o-nativos - que se conheçam e reconheçam as diferenças gramaticais estáveis entre as duas variedades. Para além dos pronomes que ser-o focalizados neste texto, as duas normas possuem, evidentemente, inúmeros outros elementos diferenciadores (fonéticos, 366 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange léxico-semânticos e gramaticais) que até podem estar entrelaçados com os pronomes, mas que ser-o, por uma quest-o metodológica, descuidados aqui. Pronomes “escritos” e pronomes “falados” - distância e imediatez Na aula de língua, o aluno médio-avançado e o professor do PLE precisam de se basear - ainda que seja para uma primeira orientaç-o - numa noç-o de normatividade: o aluno quer saber se o enunciado produzido está “correto”. Para corresponder à realidade comunicativa complexa e aos vários níveis linguísticos existentes, uma segunda distinç-o feita na sala de aula - para além de “correto” e “incorreto” - costuma ser a de língua falada e língua escrita. Vejamos, a título de ilustraç-o, alguns exemplos que mostram variantes pronominais usuais de uma frase com predicado simples em português: PE PB ESCRITO (8) O presidente apre‐ sentou-no-lo. (10) O presidente nos apresentou o novo candidato. FALADO (9) O presidente apresentou-nos o novo candidato. (11) O presidente nos apresentou ele. (12) O presidente apresentou ele para nós. (13) O presidente apresentou ele para a gente. Tabela 1: Variantes pronominais em frases com predicado simples O PE apresenta aqui menos variabilidade quanto à dimens-o escrito/ falado, contando com uma variante única usada (9) e uma forma escrita muito formal (8). O PB exibe maior variaç-o e uma linha de separaç-o bastante nítida entre escrito (10) e falado ((11) - (13)). A frase (9), que seria o padr-o geral purista, é percebida como pelo menos “estranha” por um falante do PB. Sendo a distinç-o escrito/ falado, por momentos, uma espécie de guia para o aluno do PLE, ela indu-lo prontamente em associações normativas, diafásicas e diastráticas, nem sempre adequadas. Tal como outros autores, Marcuschi (2010, 28) afirma que há uma longa tradiç-o de vis-o dicotómica em que a fala é considerada menos complexa, menos planeada, n-o normatizada, “o lugar do erro e do caos gramatical” (id.). A escrita, por sua vez, é considerada fiel à “norma”, que representa o “bom uso da língua” e que está associada ao fator da 367 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB 6 Ao comparar (16) e (18), e desconsiderando o hífen, podia o aluno chegar à conclus-o de se tratar de variantes idênticas. Veremos mais adiante, porém, que se regem por diferentes normas gramaticais subjacentes. educaç-o formal (ibid., 31). Temos ent-o frequentemente o seguinte esquema de raciocínio: ESCRITA FALA planeada caótica normatizada n-o normatizada padr-o n-o padr-o educada / culta pouco educada / inculta neutra ou formal informal Tabela 2: Atributos frequentes da escrita e da fala É exatamente esse raciocínio que leva os alunos (e professores) do PLE a assumirem que frases como (11) até (13) n-o sejam apenas faladas, mas ao mesmo tempo menos corretas e menos cultas. Mas será esse o caso? Vejamos mais alguns exemplos, desta vez com predicado complexo: PE PB ESCRITO (14) O presidente vai apre‐ sentar-no-lo. (16) O presidente vai nos apresentar o novo candidato.  6 (15) O presidente vai apre‐ sentar-nos o novo candidato. (17) O presidente vai nos apre‐ sentá-lo.(? ) FALADO (18) O presidente vai-nos apre‐ sentar o novo candidato. (20) O presidente vai apresentar o novo candidato para nós / para a gente. (19) O presidente vai-nos apre‐ sentá-lo.(? ) (21) O presidente vai apresentar ele para nós / para a gente. Tabela 3: Variantes pronominais em frases com predicado complexo Neste caso, vemos mais variaç-o em ambas as variedades: O PE conta com uma variante altamente artificial, raras vezes usada (14) e duas variantes usuais (15, 18), sendo (15) de valor escrito-falado e (18) tendencialmente mais falado. O PB conta com uma variante escrita (16) e duas faladas (20, 21). Outra 368 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange 7 Citamos a esse respeito Martins / Meisnitzer (2015, 11): “Against prescriptive gramma‐ rians (…) there is such a thing as an endogenous Brazilian clitic system which arises from the mixing of the Classic, European and Brazilian Portuguese system. If we accept that present-day Brazil grosso modo has two co-dominant varieties, one for spoken language, one for formal written discourse, closer to European Portuguese, the (new) endogenous Brazilian Portuguese clitic system thus combines both features of the former and features allocatable to the latter.” 8 cf. p.ex. Perini 2004, Barros 2 1999, Preti 1994, Cunha 1985 9 Terminologia no original (ibd.): prescriptive written norm, which is quite close to standard EP; the actual written production; the spoken variety of erudite, literate speakers; spontaneous speech of literate speakers; popular spoken (urban) varieties, which are marked as low on a diastratic level. vez, como no caso anterior do exemplo (9), a frase (15) da norma purista, embora possível no PB, já n-o é sentida como natural. As frases (17) e (19) s-o construções gramaticais possíveis na perspetiva de um falante n-o-materno, mas consideradas como agramaticais pelo falante nativo do PE e do PB. Para os pronomes oblíquos, mesmo com os poucos exemplos de (8) a (21), salientam-se três aspetos: • Ambas as variedades apresentam variaç-o interna. A flutuaç-o n-o é apenas um traço do PB. • Quanto à norma escrita, já n-o podemos partir da existência de uma norma única, próxima da europeia. • A variaç-o interna do PB atual orienta-se mais perceptivelmente por um princípio escrito / falado do que a variaç-o interna do PE. 7 Voltando à quest-o acima colocada, se as variantes faladas deviam ser conside‐ radas menos corretas e menos cultas, referimo-nos à classificaç-o de Martins / Meisnitzer (2015, 13) quanto às normas e variedades do PB moderno, assumidas atualmente, de forma similar, pela maioria dos sociolinguistas brasileiros. 8 Os autores estabelecem cinco níveis (traduç-o nossa do inglês 9 ): i. a norma-padr-o escrita (bastante próxima do PE) ii. a produç-o escrita atual iii. a variedade falada de falantes cultos e letrados iv. a fala espontânea de falantes cultos v. variedades faladas populares (urbanas) Fica evidente, pela própria escolha terminológica (assinalada por nós a negrito), que a situaç-o sociolinguística brasileira atual apresenta um contínuo de “normalidades” que n-o se coadunam completamente com as ideias valorativas de escrita e fala acima delineadas. 369 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB 10 S-o muitos os autores brasileiros que numa perspetiva linguística descrevem esse processo de tens-o e nivelamento entre a fala culta e a produç-o escrita, comentando também as consequências para o ensino-aprendizagem. No que concerne ao ensino de língua materna, destacamos p.ex. Mattos e Silva (2000, 31-48 e 78-83), Bagno (2003 e 13 2004), Ilari / Basso (2006) e, numa perspetiva de ensino de língua estrangeira, realçamos p.ex. Bierbach (1998, 489-504), Jensen (2002), Döll (2003) e Matos (2007). Os autores referem para o Brasil uma escrita idealizada, inerte e limitada a poucas tradições discursivas altamente formais (i) que “paira” sobre uma escrita real (ii), a qual, por sua vez, está ligada a uma fala culta (iii) e a uma fala bastante culta (iv). O nível iii, em muitos contextos chamado de norma falada culta, é percebido pelos falantes como formalmente neutro, pelo que os seus traços morfológicos e sintáticos entram cada vez mais na esfera da comunicaç-o escrita formal (ii). 10 Ora, para o aluno do PB-LE do nível médio-avançado, isso significa que precisa de conhecer e de se movimentar em dois espaços comunicativos: • no nível real escrito (ii) • no nível falado culto (iii - iv). Para designar essas duas esferas de comunicaç-o no PB, optamos por utilizar, neste artigo, dois termos que ajudam a evitar associações de normatividade e n-o-normatividade, as quais costumam surgir sempre que se fala em língua escrita ou língua falada. Trata-se dos termos Linguagem de Distância (do alem-o Distanzsprache) e Linguagem de Imediatez (do alem-o Nähesprache). Pensamos que os dois termos, cunhados por Koch / Oesterreicher (1990) e consagrados na linguística românica alem-, podiam inclusive ser úteis para a metalinguagem didática do professor de PLE. N-o teremos aqui espaço para entrar em uma descriç-o aprofundada das bases teóricas expostas pelos dois autores, querendo resumir apenas que se trata de termos que identificam como e em que situaç-o (muito formal, formal ou menos formal) um enunciado ou um discurso s-o concebidos pelo falante (mentalmente e em consonância com a situaç-o) e n-o se referem ao canal ou código (gráfico ou fónico) pelo qual a mensagem é transmitida. Para uma maior clarificaç-o, remetemos para Urbano / Caldas (2013), cuja traduç-o linguagem de imediatez nos parece bastante conseguida pelo seu caráter neológico que ajuda a evitar associações provocadas até mesmo pelo termo alem-o Nähesprache. O quadro seguinte ilustra a nossa abordagem: 370 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange 366 PB: ZONA DE ARTIFICIALIDADE PB: ZONA DE ERRO Rui informou -o(s) . Rui escreveulhe(s) . Rui o(s) informou. Rui lhe(s) escreveu. Rui informou ele(s). Rui escreveu para ele(s). Rui informounos . Rui escreveunos . Rui nos informou. Rui nos escreveu. Rui informou a gente . Rui escreveu para a gente . Rui informoume . Rui escreveume . Rui me informou. Rui me escreveu. Rui me informou. Rui me escreveu. Rui escreveu para mim . Rui informou eu*/ mim* . Gráfico 2: Pronomes oblíquos entre linguagem de distância e de imediatez no PB Depois destas reflexões preliminares, passaremos à realidade da sala de aula de gramática, através da análise de gramáticas didáticas e manuais de língua. DISTÂNCIA IMEDIATEZ i. norma padr-o (próxima PE) ii. norma escrita usada iii. norma falada culta iv. norma falada culta espontânea v. normas (urbanas) populares PB: Z O N A D E A R T I F I C I A L I D A D E PB: Z O N A D E E R R O Rui informou-o(s). Rui escreveu-lhe(s). Rui o(s) informou. Rui lhe(s) escreveu. Rui informou ele(s). Rui escreveu para ele(s). Rui informou-nos. Rui escreveu-nos. Rui nos informou. Rui nos escreveu. Rui informou a gente. Rui escreveu para a gente. Rui informou-me. Rui escreveu-me. Rui me informou. Rui me escreveu. Rui me informou. Rui me escreveu. Rui escreveu para mim. Rui informou eu*/ mim*. Gráfico 2: Pronomes oblíquos entre linguagem de distância e de imediatez no PB Depois destas reflexões preliminares, passaremos à realidade da sala de aula de gramática, através da análise de gramáticas didáticas e manuais de língua. 2 Pronomes oblíquos no PE Neste capítulo descrever-se--o, com base em manuais e gramáticas didáticas, o inventário e a colocaç-o dos pronomes oblíquos no PE contemporâneo. Além de apresentar afirmações básicas das obras de referência escolhidas, o capítulo inclui algumas observações resultantes da nossa prática diária de ensino, seja no que se refere ao uso linguístico contemporâneo em Portugal, seja no que toca à quest-o da didatizaç-o em aulas dirigidas à aquisiç-o do PE, às quais assistem alunos com conhecimentos prévios do PB. 371 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB 2.1 Obras selecionadas Num primeiro passo da investigaç-o, comparamos a descriç-o dos pronomes oblíquos em gramáticas didáticas e manuais / cursos de língua, partindo da obra de Luise Ey de 1910, tendo em conta a produç-o das obras nos anos 1980-90 e chegando às obras mais atuais publicadas desde os anos 2000. As obras de referência, em ordem do ano da respetiva publicaç-o, s-o: Portugiesische Konversationsgrammatik, por Luise Ey(-Krüger), de 1910/ 5 1939; Lehrbuch der portugiesischen Sprache, por Helmut Rostock, Helmut, de 1984/ 5 2007; Português sem fronteiras, por Olga Mata Coimbra e Isabel Coimbra Leite, de 1989 (vol. 1) / 1990 (vol. 2); Portugiesische Grammatik, por Maria Teresa Hundertmark-Santos Martins, de 1992/ 2 1998; Gramática Ativa, por Olga Mata Coimbra e Isabel Coimbra Leite, de 1998/ 3 2011; Vamos lá continuar! , por Leonel Melo Rosa, de 1998; Português XXI, por Ana Tavares, de 2003; Gramática Aplicada (Níveis inicial e elementar A1, A2 e B1; Níveis B2, C1), por Carla Oliveira e Luísa Coelho, de 2007; Está bem! Intensivkurs Portugiesisch, por Joaquim Peito, de 2006/ 2 2008; Kurzgrammatik Portugiesisch, por Nair Nagamine Sommer e Maria José Peres Herhuth, de 2010; Olá Portugal! , por Maria Prata e Alexandra Fonseca da Silva, de 2011; Grammatikübungsbuch Portugiesisch, por Cornelia Döll e Christine Hundt, de 2012; Praktische Grammatik der portugiesischen Sprache, por Wolfgang Reumuth e Otto Win‐ kelmann, de 2013; Übungsgrammatik Portugiesisch, por Joaquim Peito, de 2015; Português em Foco 2, por Luísa Coelho e Carla Oliveira, de 2017. Os livros podem ser agrupados em funç-o do seu respetivo público-alvo e pelo facto de os seus autores serem falantes nativos do português ou n-o. Cruzando os três parâmetros (funç-o, autoria e público-alvo), resulta o seguinte quadro: 372 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange Manuais Gramáticas didáticas Público-alvo de L1 alem-o Prata / da Silva 2011 Hundertmark 1992 Peito 2006 Sommer / Herhuth 2010 Peito 2015 Ey(-Krüger) 1910 Rostock 1984 Döll / Hundt 2012 Reumuth / Winkel‐ mann 2013 Público-alvo de qualquer L1 Coimbra / Leite 1989/ 90 Tavares 2003 Coelho / Oliveira 2017 Coimbra / Leite 1998 Rosa 1998 Oliveira / Coelho 2007 Autores nativos Autores nativos Autores n-o na‐ tivos Tabela 4: Manuais e gramáticas de referência agrupados de acordo com funç-o, autoria e público-alvo Os livros por nós classificados de gramáticas didáticas, por sua vez, representam publicações de dois tipos: por um lado s-o gramáticas descritivas com explicaç-o e exemplificaç-o detalhadas para aprendentes e professores do PLE, por outro, trata-se de gramáticas práticas (Grammatikübungsbücher) com foco no exercício dos fenómenos previamente explicitados. Nesta segunda categoria também incluímos os livros de Rostock 1984 e de Peito 2006 que oferecem cursos completos de A1 a B2/ C1. Gramáticas didáticas descritivas Gramáticas didáticas práticas (Grammatikübungsbücher) Ey(-Krüger) 1910 Hundertmark 1992 Sommer / Herhuth 2010 Reumuth / Winkelmann 2013 Rostock 1984 Coimbra / Leite 1998 Rosa 1998 Peito 2006 Oliveira / Coelho 2007 Döll / Hundt 2012 Peito 2015 Tabela 5: Gramáticas de referência agrupadas de acordo com a funç-o 2.2 Formas pronominais ensinadas para o PE No presente e nos seguintes subcapítulos, ser-o escritos em maiúsculas pe‐ quenas os pronomes tônicos e formas substantivais gramaticalizadas como E U , 373 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB V O C Ê ou A S E NH O R A , sejam eles de sujeito ou de objeto, e em itálico os pronomes átonos como me, te ou a. No PE persiste um paradigma pronominal estável e, por consequência, uma apresentaç-o “tradicional” do inventário nas gramáticas. Sem diferença, as gramáticas e manuais contêm o panorama geral sobre o inventário dos pronomes pessoais de complemento (em uso neutro), e pode-se constatar unanimidade na apresentaç-o: C O M P L E M E N T O D I R E T O C O M P L E M E N T O I N D I R E T O E U me T U te E L E / E L A o / a lhe NÓ S nos V O C Ê S vos E L E S / E L E S os / as lhes Tabela 6: Formas pronominais oblíquas no PE Acrescentamos aqui os pronomes de retomada discursiva da segunda pessoa no tratamento formal - também consensuais nas gramáticas - que costumam ser dados numa fase mais tardia da progress-o gramatical, sendo o tratamento formal o único caso de uso neutro, n-o enfático do PE em que um complemento direto ou indireto podem (também) ser expressos por uma forma lexical tónica e n-o só por uma forma átona clítica: C O M P L E M E N T O D I R E T O C O M P L E M E N T O I N D I R E T O O S E N H O R / A S E N H O R A o / a, O S E N H O R / A S E N H O R A lhe, A O S E N H O R / À S E N H O R A O S S E N H O R E S / A S S E N H O R A S os / as, O S S E N H O R E S / A S S E N H O R A S lhe, A O S S E N H O R E S / À S S E N H O R A S Tabela 7: Retomada anafórica no tratamento formal 374 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange 2.3 Regras de colocaç-o pronominal ensinadas para o PE 2.3.1 Regras de colocaç-o em predicados simples (PE) Nas obras consultadas, há consenso quanto à apresentaç-o da ênclise normativa no PE, enquanto se constatam diferenças no ensino da próclise e da mesóclise (ver mais adiante). A. ÊNCLISE (PE) A posiç-o neutra normativa reflete-se na colocaç-o enclítica dos pronomes que é dada por todas as gramáticas com as respetivas explicações. No PE, os pronomes pessoais átonos colocam-se depois do verbo, nas frases simples e em frases coordenadas, desde que sejam declarativas, afirmativas e ativas, falando-se de ÊNCLISE NORMATIVA. Os pronomes ligam-se por meio de hífen. (22) Convido-o para a minha festa. (23) Convido-te para a minha festa. Os pronomes das terceiras pessoas do complemento direto (-o, -a, -os, -as) assumem ainda determinadas formas de acordo com a terminaç-o da forma verbal. • Se a forma verbal terminar em vogal ou ditongo oral, n-o há qualquer alteraç-o das formas pronominais: (24) Convido-o para a minha festa. • Se a forma verbal terminar em -R, -S, -Z, o pronome toma as formas -lo, -la, -los, -las, suprimindo-se as referidas consoantes -R, -S, -Z: (25) Vou convidá-lo para a minha festa. (26) (Tu) Convida-lo para a tua festa? (27) Fá-lo pela tua m-e! • Se a forma verbal terminar em nasal, o pronome toma as formas -no, na, -nos, -nas: (28) Convidam-no para a festa deles. Chamamos esses processos de assimilaç-o dos pronomes da terceira pessoa do complemento direto, na prática didática, de REGRA -R, -S, -Z e REGRA NASAL. No que diz respeito a essas regras, as gramáticas e manuais consultados s-o unânimes. 375 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB 11 Para uma análise linguística mais aprofundada da situaç-o no PE, remetemos para Martins (2013 e 2016), que descreve os contextos sintáticos seguintes como indutores de próclise em frases simples afirmativas: quantificadores, marcadores de foco, marcadores de ênfase, advérbios focalizados, constituintes n-o adverbiais focalizados, interrogativas e exclamativas QU- (id. 2013, 2242). 12 Os autores dos manuais PLE parecem aqui, intuitivamente, acompanhar a sequência da aquisiç-o da próclise ativada num contexto L1, que se inicia em contextos salientes: “As frases negativas e as orações completivas finitas s-o os dois domínios em que, desde mais cedo, as crianças adquirem o padr-o de colocaç-o proclítico […].” (Martins 2016, 403). B. PRÓCLISE (PE) Se na parte inicial da frase, anteposto ao verbo, se encontrar um chamado “ati‐ vador de próclise” ou “proclisador”, os pronomes oblíquos antepõem-se ao verbo finito, falando-se linguisticamente de PRÓCLISE NORMATIVA ATIVADA. Os contextos de próclise ativada - de forma didaticamente condensada 11 - podem ser resumidos nos seguintes moldes: NEGAÇÃO: (29) N-o o convido para a minha festa. SUBORDINAÇÃO: (30) Queria que o convidássemos. (31) Esquecemo-nos de o convidar. CERTOS ADVÉRBIOS: (32) Talvez a minha irm- o convide? PRONOMES INTERROGATIVOS: (33) Quem [é que] o convida? PRONOMES INDEFINIDOS: (34) Ninguém o convidou. Quanto às obras consultadas, as regras da colocaç-o s-o tratadas de maneira diferente no que diz respeito à consideraç-o de todas as causas para ativaç-o da próclise. As gramáticas oferecem o panorama completo (cf. p.ex. Ey 5 1939, 185-187; Rostock 5 2007, 86; Hundertmark-Santos 2 1998, 89-92; Döll / Hundt 2012, 86-87; Reumuth / Winkelmann 2013, 165-166). Os manuais / cursos consultados limitam-se ao exemplo da negaç-o e a advérbios. Em vez de oferecerem listas de proclisadores, os autores incluem, implicitamente, alguns exemplos nos exercícios (p.ex. Oliveira / Coelho 2007a, 77) ou indicam parte dos proclisadores sob o ponto “Notas” (p.ex. Tavares 2003) ou no apêndice gramatical do manual (p.ex. Prata/ da Silva 2011, 200-201). Essa forma de apresentaç-o pode justificar-se pela falta de espaço disponível nos livros, mas parece ao mesmo tempo ser considerado menos importante por parte dos autores mostrar as regras pormenorizadamente desde o início. Segundo a nossa experiência didática, os casos essenciais da próclise ativada acima mencionados (cf. também Costa 2018, 151-152) adquirem-se, pela prática comunicativa ao longo de dois ou três semestres de ensino (até ao nível B1), começando-se pelos contextos mais salientes: as frases negativas. 12 N-o obstante, convém sublinhar que se trata de um aspeto linguístico complicado de adquirir e que carece de uma certa sistematizaç-o prática para um público PE-LE adulto. Além 376 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange disso, é igualmente um dos aspetos que suscitam confus-o no espaço de uma aula mista (ver o nosso capítulo introdutório) pelo facto de a próclise ser “ambivarietal”, em que um pronome oblíquo anteposto ao verbo n-o é automaticamente um traço gramatical do PB ou do PE. C. MESÓCLISE (PE) A mesóclise pronominal do PE - bastante citada e n-o raras vezes tomada como “emblemática” em comparações gramaticais entre o PE e o PB - é apenas tratada numa fase tardia, e mesmo nas gramáticas nem sempre aparece no momento da introduç-o dos pronomes oblíquos. É abordada, de forma mais incidental, dentro do contexto dos respetivos paradigmas verbais - simples e compostos - do futuro simples ou do condicional (Hundertmark-Santos 2 1998; Coimbra / Leite 1989; Peito 2 2008, 2015; Rosa 1998). No processo da mesóclise, o pronome átono é colocado entre a raiz da forma verbal e a sua terminaç-o: (35) Convidar-te-ei para a minha festa. (36) Convidá-lo-ei para a minha festa. (37) Convidá-lo-ia para a minha festa. (38) Ter-te-ia convidado para a minha festa. SUBSTITUIÇÃO DA MESÓCLISE O tratamento reduzido do fenómeno nos manuais pode ser um índice do grau de complexidade e / ou da restriç-o de uso desta estrutura gramatical. Quanto à restriç-o de uso, é preciso observar que a mesóclise - para além do contexto verbal circunscrito em que aparece - é um fenómeno da linguagem de distância no PE moderno, sendo sentida como pouco natural na comunicaç-o de imediatez. Quanto à complexidade, esta parece óbvia e é confirmada, na aula, pelos alunos do PE-LE que costumam considerar o processo complicado e perguntam se n-o há outra soluç-o para exprimir a mesma ideia. De facto, a observaç-o da realidade linguística em Portugal indica que os falantes nativos contornam o uso da mesóclise na linguagem de imediatez, usando formas verbais semanticamente equivalentes ao futuro e ao condiconal, mas que n-o pedem mesóclise: (35’) convidar-te-ei → vou convidar-te (36’) convidá-lo-ei → vou convidá-lo (37’) convidá-lo-ia → convidava-o (38’) ter-te-ia convidado → tinha-te convidado O futuro simples pode ser substituído pelo chamado futuro perifrástico (35’) e o condicional pelo pretérito imperfeito (37’) ou mais-que-perfeito (38’). Dar essas 377 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB 13 Veja-se também a progress-o gramatical proposta pelo Referencial Camões (Camões 2017). equivalências ao aluno costuma “facilitar” uma vez que o futuro perifrástico e os pretéritos já apareceram previamente no programa regular do ensino PLE, nomeadamente no nível A2. 13 No entanto, conhecer as equivalências nem sempre resolve todas as dúvidas, sendo que aluno e professor, mesmo assim, se sentem numa situaç-o de aparente mudança linguística no PE e têm perguntas que os manuais e gramáticas de momento ainda n-o comentam: Qual é o valor comunicativo dos paradigmas de substituiç-o? S-o usuais apenas na linguagem de imediatez? Haverá consequências para a frequência do uso do futuro simples e do condicional? D. CONTRAÇÃO PRONOMINAL (PE) Outra particularidade do PE é a aglutinaç-o ou contraç-o de formas quando aparecem pronomes do complemento indireto juntamente com os pronomes do complemento direto -o, -a, -os, -as na mesma frase: (39) Ele quer dar-lho amanh-. (40) Ele quer dar-no-lo amanh-. (41) Ele n-o lho quer dar amanh-. (42) Ele dar-lho-ia. Incluímos a contraç-o de pronomes neste capítulo, embora seja antes uma quest-o de formas pronominais que podem aparecer em posiç-o enclítica (39, 40), proclítica (41) e mesmo mesoclítica (42). Observamos que as gramáticas didáticas continuam a dar o inventário completo das contrações possíveis (cf. p.ex. Hundertmark-Santos 2 1998, 86-87; Peito 2015) mas que, ou nas anotações ou nas formas incluídas nos exercícios, começam a fazer adaptações e a dar atenç-o ao uso moderno. Assim, Sommer / Herhuth (2014, 70) sublinham: “Quanto à contraç-o dos pronomes, no-lo e vo-lo já n-o se usam no Português Europeu informal.” Reumuth / Winkelmann (2013, 163) acrescentam: “In der Umgangssprache der jüngeren Generation werden auch im EP die kontrahierten Formen kaum verwendet.” Döll / Hundt (2012, 87) apresentam a tabela tradicional, mas juntam, numa das colunas, comentários de uso como häufig e veraltet. Combinando os comentários das três fontes citadas, chega-se ao seguinte quadro: 378 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange me + o, a, os, as → -mo, -ma, -mos, -mas frequente, sobretudo na linguagem de distância te + o, a, os, as → -to, -ta, -tos, -tas lhe + o, a, os, as → -lho, -lha, -lhos, -lhas nos + o, a, os, as → -no-lo, -no-la, -no-los, no-las antiquado formal vos + o, a, os, as → -vo-lo, -vo-la, -vo-los, vo-las lhes + o, a, os, as → -lho, -lha, -lhos, -lhas frequente, sobretudo na linguagem de distância Tabela 8: Contrações pronominais possíveis no PE Sobretudo quanto às contrações bissilábicas (no-lo, vo-lo, etc.) consideradas arcaicas e só ainda usadas na comunicaç-o de alta distância, os autores começam a ter em conta o uso atual: A gramática prática Vamos lá continuar! de Leonel Melo Rosa de 1998, já n-o apresenta o quadro completo, mas dá, por outro lado, ainda alguns exercícios com as formas antiquadas. Coimbra / Leite 3 2011, desde a primeira ediç-o de 1998, excluem as respetivas formas, também dos exercícios. Também Peito, no seu curso de língua de 2006 e Oliveira / Coelho (2007a) já n-o mencionam as contrações bissilábicas. SUBSTITUIÇÃO DA CONTRAÇÃO PRONOMINAL Sendo a arcaizaç-o da contraç-o bissilábica obviamente uma área de mudança no uso moderno do PE, o falante nativo procurará contornar essa forma de express-o, sendo a estratégia mais viável a substituiç-o do pronome átono do complemento direto pelo substantivo de referência do contexto (43’) ou - no caso de referência vaga - por um pronome tónico demonstrativo (43’’): (43) Ele quer dar-no-lo amanh-. (43’) Ele quer dar-nos o livro / o presente amanh-. (43’’) Ele quer dar-nos isso amanh-. É essa a estratégia neutra que costumamos oferecer aos nossos alunos, aconse‐ lhando que a apliquem também às formas monossilábicas (44) - pelo menos no que toca à produç-o escrita e falada próxima da linguagem de imediatez nos níveis médios de competência: (44) Ele quer dar-lho amanh-. → Ele quer dar-lhe isso / o livro / o presente amanh-. 379 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB 14 Os autores tratam o tema de forma bastante exaustiva, incluindo exemplos do PE e do PB, embora nem sempre traçando uma linha nítida de separaç-o entre as variedades. Convém ressaltar que, no presente artigo, nos limitamos à descriç-o de pronomes em predicados com verbos auxiliares nucleares (ir, vir, estar, ser, ter) e que Reumuth / Winkelmann (id.) n-o só incluem mais verbos como também a ocorrência de pronomes átonos em orações subordinadas reduzidas de infinitivo e de gerúndio. Embora haja semelhanças, a colocaç-o pronominal neste último caso ainda obedece a mais fatores (cf. também Martins 2013, 2278-2294). A segunda estratégia de contorno aplicável é a eliminaç-o formal do pronome do objeto direto (45), uma estratégia que faz lembrar o objeto nulo do PB (que será tratado mais adiante), embora seja mais rara no PE: (45) Trago-te o livro amanh-. → Trago-to amanh-. → Trago-te Ø amanh-. Esta segunda estratégia é, às vezes, sentida como pouco natural por alunos de língua materna alem- pelo facto de o alem-o precisar de ambos os objetos formalmente explícitos. 2.3.2 Regras de colocaç-o em predicados complexos (PE) Predicados complexos s-o aqueles que se constituem por mais que um elemento verbal, sendo o primeiro elemento uma forma verbal conjugada auxiliar e o se‐ gundo uma forma verbo-nominal infinita (1. um INFINITIVO, 2. um GERÚNDIO ou 3. um PARTICÍPIO). Predicados complexos surgem na comunicaç-o diária com frequência, seja na formaç-o do futuro perifrástico (eu vou CONVIDAR), nas formas dos tempos verbais do passado (eu tinha CONVIDADO) ou na formaç-o de perífrases modais (eu fui CONVIDANDO). N-o admira, portanto, que os alunos perguntem desde cedo onde colocar, neste caso, um pronome de complemento. As gramáticas do PE-LE identificam a temática como pertinente para o aprendente, mas tratam dela de forma heterogénea, desde uma exemplificaç-o complexa 14 em Reumuth / Winkelmann (2013, 167-172) a um capítulo sobre o infinitivo em Hundertmark-Santos ( 2 1998, 91-92) ou a uma breve referência aos três casos em Ey ( 5 1939, 187). Os manuais consultados n-o fazem referência a predicados complexos (ou termos afins como “perífrases verbais”) como sendo um caso particular na co‐ locaç-o pronominal. Unicamente o traço de o particípio nunca admitir pronome clítico costuma ser mencionado em anotações referentes aos tempos do passado (Coimbra / Leite 1990, 80). A apresentaç-o restrita deve-se possivelmente à pressuposiç-o dos autores, exclusivamente falantes nativos do Português neste caso, que os predicados complexos sigam o esquema canónico do PE, ou seja, ênclise pronominal ao verbo conjugado em orações principais declarativas (46, 380 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange 47, 48) e próclise pronominal ao verbo conjugado na presença de “proclisadores” como p.ex. a negaç-o (46’, 47’, 48’): (46) Vou-te convidar para a festa. (46’) N-o te vou convidar para a festa (47) Tinha-o convidado para a festa. (47’) N-o o tinha convidado para a festa. (48) Fui-lhe dando comida. (48’) N-o lhe fui dando comida. Embora essa ordem seja consensual no PE, ela nem sempre é óbvia para o aprendente e, além disso, ela pode ser facilmente modificada pelo falante nativo, produzindo-se frases igulamente corretas (exemplos 46’’ e 48’’), o que n-o significa que n-o haja também a noç-o de “erro gramatical” (frase 47’’). (46’’) Vou convidar-te para a festa. (47’’) *Tinha convidado-o. (48’’) Fui dando-lhe comida. (46’’’) N-o vou convidar-te para a festa. [IMEDIATEZ, PE] (47’’’) *N-o tinha convidado-o. (48’’’) N-o fui dando-lhe comida. [IMEDIATEZ, PE] Vemos que o particípio verbal n-o admite um pronome clítico (47’’). Ao contrário disso, o gerúndio e o infinitivo possuem afinidade (en)clítica no PE, removendo o pronome da sua posiç-o junto ao verbo auxiliar (46’’ e 48’’), sendo assim possíveis duas posições pronominais. No caso de existirem essas duas posições, aparece no PE uma certa variaç-o diafásica: A linguagem de distância prefere a ênclise ao verbo principal (49, 50, 51) enquanto a de imediatez prefere a ênclise “canónica” ao verbo auxiliar (49’, 50’, 51’): Tendência para DISTÂNCIA (PE) Tendência para IMEDIATEZ (PE) (49) Vou convidar-te. (49’) Vou-te convidar. (50) Ele queria surpreender-nos. (50’) Ele queria-nos surpreender. (51) Fui dando-lhe comida. (51’) Fui-lhe dando comida. A afinidade clítica do infinitivo e do gerúndio pode até mesmo, e sobretudo em predicados longos, sobrepor-se ao efeito dos proclisadores, como p.ex. o da negaç-o (46’’’ e 48’’’). Apesar de esta regra variável de colocaç-o pronominal ser há muito tempo conhecida na gramática didática do PE (cf. Ey 1910, ibid.), e apesar de ser descrita por autores contemporâneos (cf. Hundertmark-Santos e Reumuth / Winkelmann, ibid.), apenas em poucos manuais modernos se faz referência a estas ocorrências. Resumindo, podemos constatar que a colocaç-o clítica em predicados com‐ plexos pode, para o ensino do PE-LE, ser reduzida ao padr-o canónico (46 381 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB a 48 e 46’ a 48’), mas que esse padr-o, na realidade, representa uma zona normativamente “frágil”. 2.4 Conclus-o (PE) Quanto aos pronomes clíticos de complemento direto e indireto, as gramáticas didáticas e os manuais do PE-LE refletem uma norma-padr-o estável com pouca diferenciaç-o entre a linguagem de distância e a linguagem de imediatez. Alguns processos pronominais descritos pelas gramáticas precisariam - do nosso ponto de vista de um ensino PLE universitário - de um tratamento mais sistemático nos manuais a partir do nível B1, sendo este o caso do repertório dos contextos ativadores da próclise e da posiç-o dos clíticos em predicados complexos. Apesar da relativa estabilidade normativa, constatamos, em contextos autênticos da linguagem de imediatez, uma tendência de mudança linguística que se reflete na prática usual de se evitarem e substituírem tanto a mesóclise quanto a contraç-o pronominal. Estas tendências inovadoras só em parte s-o representadas na descriç-o didática gramatical, mas podiam facilitar o acesso ao tema no ensino-aprendizagem do PE-LE. 3 Pronomes oblíquos em PB 3.1 Obras selecionadas Para a elaboraç-o do presente capítulo, foram escolhidas sete obras didáticas que tematizam a quest-o dos pronomes oblíquos no ensino do PB como língua estrangeira. Essas obras, em ordem do ano de sua publicaç-o, s-o: Lehrbuch des brasilianischen Portugiesisch, por Erhard Engler, de 1989; Langenscheidts Praktisches Lehrbuch Brasilianisch, por Claus Metzger, de 1990; Novo Avenida Brasil: curso básico de português para estrangeiros em dois tomos, por Emma Lima Eberlein, Lutz Rohrmann, Tokiko Ishihara, Samira Abirad Iunes e Cristián Gonzáles Bergweiler, de 2008 / 2009; Oi, Brasil! Der Kurs für brasilianisches Portugiesisch, por Nair Nagamine Sommer e Odete Nagamine Weidmann, também de 2009; Beleza! , por Maria Prata, de 2010; Modern Brazilian Portuguese Grammar. A Practical Guide, por John Whitlam, de 2011; e Praktische Grammatik der portugiesischen Sprache, por Wolfgang Reumuth e Otto Win‐ kelmann, de 2013. Essas sete obras, por sua vez, podem ser agrupadas em funç-o de seu respetivo público-alvo - estudantes com o alem-o como língua materna ou com qualquer língua materna - e pelo fato de suas autoras ou seus autores serem falantes 382 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange 15 Apesar da falta de provas estatísticas para essa afirmaç-o, a popularidade das obras se deduz do fato de tanto Beleza quanto Oi, Brasil já terem ganhado uma reediç-o em 2016 e 2017 / 2018, respetivamente (cf. Katalog der Deutschen Nationalbibliothek, <portal.dnb.de>, entradas de pesquisa “Oi, Brasil! ” e “Beleza! ”, último acesso em 12 de fevereiro de 2020). nativos do português (brasileiro) ou n-o. Cruzando esses dois parâmetros, resulta o seguinte quadro: Por autores nativos Por autores n-o nativos Para alunos de alem-o L1 Beleza 2010 Oi Brasil 2009 Engler 1989 Metzger 1990 Reumuth / Winkelmann 2013 Para alunos de qualquer L1 Novo Avenida Brasil 2008 Whitlam 2011 Manuais Gramáticas didáticas Tabela 9: Obras analisadas, agrupadas em funç-o da autoria e do público-alvo Por coincidência, as três obras da autoria de falantes nativos do português s-o manuais, enquanto as quatro obras escritas por autores que n-o têm o português como língua materna s-o gramáticas didáticas. Essas últimas, como indica o próprio nome, buscam transmitir o máximo possível das estruturas gramaticais do português com forte foco na morfossintaxe, deixando de lado aspetos culturais ou sociolinguísticos da lusofonia e, em especial, do Brasil. Por sua elevada densidade teórica, n-o s-o necessariamente adequadas para pessoas sem prévios conhecimentos linguísticos. Nesse aspeto, contrastam com os manuais que, ao n-o explicarem com demasiado detalhe os fenômenos linguísticos apresentados, os simplificam até um grau acessível para iniciantes. Em consequência dessas finalidades diferentes, as gramáticas didáticas abordam questões t-o avançadas que n-o têm nem podem ter cabida em um manual dirigido a pessoas sem qualquer pré-conhecimento de português. No âmbito dos pronomes oblíquos, isso diz especialmente respeito à combinaç-o entre pronomes oblíquos e predicados complexos. A escolha de justamente essas sete obras se deve, principalmente, a dois fatores: por um lado, quisemos representar a temática nas obras mais relevantes para o ensino do PB como língua estrangeira na Alemanha; por isso, foram incluídos Beleza e Oi Brasil, que parecem ser os mais utilizados nas universidades germanófonas. 15 Por outro lado, também foram incluídas as duas obras n-o especificamente dirigidas ao público germanófono para verificar se n-o teriam 383 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB uma outra maneira de abordar a quest-o dos pronomes oblíquos, ampliando, por isso, a gama de acessos didáticos à problemática. De fato, a obra de Whitlam se mostrou como relativamente inovadora em sua maneira de transmitir os pronomes oblíquos. Em certa medida, o autor supera o quadro tradicional das três pessoas gramaticais em dois números e passa a orientar o ensino pela posiç-o sintática do pronome junto ao verbo. Buscaremos expor com mais pormenor essa nova maneira de ensinar os pronomes oblíquos a seguir. Já as obras de Engler e Metzger, publicadas aproximadamente vinte anos antes das outras, permitem observar se houve (ou n-o) uma mudança no ensino de nosso tema desde a publicaç-o dessas obras, seja na metodologia, seja no teor. Por fim, a obra de Reumuth e Winkelmann é de especial interesse por buscar ensinar o português como um diassistema integral, apresentando tanto o PB quanto o PE apesar das evidentes diferenças estruturais, especialmente no âmbito do quadro e da colocaç-o pronominal. A seleç-o das obras, portanto, procura oferecer um corte transversal por dois sistemas: o do português (brasileiro) como diassistema, e o do ensino do português (brasileiro) enquanto língua estrangeira. Dessa forma, espera-se poder apresentar os pronomes oblíquos desde vários pontos de observaç-o, sempre mantendo essa observaç-o curta e concisa. 3.2 Formas pronominais apresentadas como produtivas para o PB Todas as sete obras fazem uma diferença básica entre objeto direto e objeto indireto, o que tem implicações sobretudo para o paradigma da terceira pessoa do discurso e para as formas substantivais. Essas últimas dominam a segunda pessoa do discurso ( V O C Ê ( S ), A ( S ) S E NH O R A ( S ) / O ( S ) S E NH O R ( E S )) e est-o presentes também na primeira pessoa do plural ( A G E NT E ) como alternativas frequentes às formas átonas. Para marcar a diferença do objeto indireto frente ao direto nos pronomes tônicos e nas formas substantivais, é utilizada uma preposiç-o marcadora, ora A , ora P A R A , com preponderância para essa última. Algumas obras, inclusive, indicam ambas como possíveis marcadores do objeto indireto. O inventário apresentado pelas sete obras mostra duas tendências importantes: por um lado, o inventário é reflex-o da realidade sociolinguística brasileira, e por outro lado, é prova da mudança linguística, sobretudo normativa, que o Brasil vem percorrendo desde os anos 80 do século passado. Nesse sentido, observa-se que a mais antiga dentre as sete publicações, Engler (1989, 38-39), ainda inclui um paradigma para a segunda pessoa gramatical, tanto em singular como em plural; isto é, ainda aborda as formas verbais referentes a T U e VÓS apesar de já naquela altura n-o pertencerem mais ao PB atual, nem sequer em circunstâncias comunicativas 384 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange mais formais. No entanto, ainda faziam parte da norma prescritiva do português, de forma que Engler n-o as excluiu por completo de sua obra. Já a partir de Metzger (1990, 90-92), essas formas caem em favor de V O C Ê e V O C Ê S , as formas usuais para a esmagadora maioria da sociedade brasileira. As formas de tratamento formal A S E NH O R A e O S E NH O R e suas respetivas formas no plural ganham especial menç-o; no entanto, por serem formas substantivais gramaticalizadas, n-o abrem novos paradigmas, mas se enquadram na terceira pessoa morfossintática. Assim, o quadro pronominal se reduz, do ponto de vista morfossintático, a quatro formas: a primeira e a terceira, cada uma em singular e plural. Com isso, deu-se o primeiro passo para a adequaç-o ao português conforme utilizado majoritariamente no Brasil. Desde os anos 2000, dá-se o segundo grande passo nesse sentido, pois s-o incluídos, ao lado dos pronomes oblíquos átonos, os pronomes oblíquos tônicos que, apesar de n-o plenamente aceitos pela norma linguística, sim representam a estratégia de pronominalizaç-o preferida pela comunidade linguística. Porém, isso se mostra em graus diferentes: enquanto o Novo Avenida Brasil (2008, 48 / 2009, 137) menciona apenas as formas tônicas nos casos de V O C Ê ( S ) e do objeto indireto em geral, Whitlam (2011, 55-56) ainda apresenta uma forma tônica A G E N T E como alternativa para o pronome átono nos do complemento direto. Whitlam, de resto, é frequentemente o mais progressivo dos autores, pois n-o só indica formas tônicas para todas as pessoas exceto E U , como também oferece formas um tanto diferentes no paradigma de V O C Ê , aqui exclusivamente no sin‐ gular; pois, como é geralmente sabido, o pronome oblíquo te, tradicionalmente associado a T U , se agrupou com V O C Ê em PB, sendo nesse paradigma muito mais usual do que as formas normativamente prescritas lhe e o / a. Mas Whitlam n-o só inclui te como alternativa para V O C Ê , como até restringe as formas lhe e o / a a contextos formais, “equivalentes a A S E NH O R A / O S E NH O R ” (Whitlam 2011, 57), e à terceira pessoa do discurso E L E / E LA . Esse é um de vários aspetos em que a obra do norte-americano sobressai das restantes obras, como se verá mais vezes ao longo do presente capítulo. Observando a totalidade das obras, é notável que a primeira e a segunda pessoa morfossintática se apresentem como bastante estáveis em sua pronominalizaç-o na posiç-o de objeto. No entanto, esses estados comparáveis se devem a fatores bastante diferentes. Pois se, por um lado, a primeira pessoa ( E U e NÓS ) é a que permite pronomes átonos mais frequentemente ou (no caso de E U ) até exclusivamente, já a segunda pessoa morfossintática ( T U e VÓS ) se apresenta estável por ser funcionalmente extinta: ela já n-o tem lugar na comunicaç-o corrente no Brasil. Por isso, já n-o constitui um desafio para o aprendente do PB. O fato de T U ainda existir regionalmente n-o contradiz essa observaç-o, pois mesmo naquelas 385 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB zonas onde ainda é utilizado, T U se associa quase exclusivamente à terceira pessoa morfossintática e se comporta, por isso, exatamente igual a V O C Ê . E, como já foi dito, o único resquício de T U plenamente vivo, te, hoje em dia pertence a V O C Ê , tendo mudado, pois, de pessoa morfossintática. Já para a terceira pessoa morfossintática, que abrange tanto a segunda como a terceira pessoa do discurso - e inclusive as variantes tônicas da primeira pessoa do plural do discurso -, pode-se afirmar que essa multifuncionalidade inevitavelmente causou um inventário complexo de formas e associações. Na terceira pessoa morfossintática, quase sempre existe uma competiç-o entre formas tônicas e átonas cujo uso se diferencia n-o ao longo de isoglossas - portanto, n-o se trata de variaç-o diatópica -, mas em funç-o de contextos comunicativos. Trata-se, portanto, de uma distinç-o diafásica. Concretamente, os pronomes átonos, vistos como formas tradicionais, s-o empregados em contextos da distância comunicativa, enquanto os pronomes tônicos, percebidos como inovadores, servem os contextos de imediatez comu‐ nicativa. Evidentemente n-o se trata de uma separaç-o total, pois há contextos que poderiam permitir ambas as formas. Porém, seguindo o princípio da reduç-o didática, resulta um quadro bastante estável para a terceira pessoa morfossintática que depende, em linhas gerais, da situaç-o comunicativa. Um tanto curioso resulta o quadro apresentado por Reumuth / Winkelmann (2013, 158) que busca incluir usos marcados como altamente informais. Prova disso é a transferência de lhe(s) para o objeto direto na terceira pessoa morfos‐ sintática, processo que, apesar de comprovado, é marginal em todo o diassistema variacional do português. Certamente, sua inclus-o n-o apoia o objetivo da re‐ duç-o didática, mas é interessante observar o peso que Reumuth e Winkelmann, em contraste aos demais autores, atribuem a lhe(s). Para completar a vis-o do quadro pronominal, é necessário mencionar que as obras mais recentes também fazem alus-o ao famoso objeto nulo, ou seja, à retomada anafórica por meio de uma categoria vazia (cf. Whitlam 2011, 56-57 e 59; Oi Brasil 2017, 96). Estudos quantitativos têm mostrado que, provavelmente por causa da diferenciaç-o diafásica entre pronomes átonos e tônicos, o objeto nulo apresenta a estratégia mais frequentemente utilizada para a terceira pessoa do discurso, justamente por ser comunicativamente neutra, n-o marcando o falante nem como demasiado culto nem como demasiado inculto (cf. Bagno 2001, Othelo et. al. 2018). Porém, para n-o exceder o formato do presente artigo, a tabela seguinte subentende o objeto nulo nos casos referidos sem o visibilizar. 386 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange E N G L E R M E T Z G E R W H I T L A M R E U M U T H / W I N K E L M A N N E U me me me me T U te V O C Ê E L E E L A O / A S E N H O R / A lhe lhe lhe lhe o / a oao / a lhe lhe lhe lhe o / a oao / a te / P A R A V O C Ê lhe / P A R A E L E lhe / P A R A E L A lhe / P A R A O S R . te / V O C Ê (o) / E L E (a) / E L A o / a / O S R . te / lhe lhe / P A R A E L E lhe / P A R A E L A lhe / P A R A O S R . te / o / a / V O C Ê / lhe o / E L E / lhe a / E L A / lhe o / a / O S R . / lhe NÓ S nos nos nos / ( P A R A ) A G E N T E nos VÓ S vos V O C Ê S E L E S E L A S O S / A S S E N H O R E S / A S lhes lhes lhes lhes os / as os as os / as lhes lhes lhes lhes os / as os as os / as lhes / P A R A V O C Ê S lhes / P A R A E L E S lhes / P A R A E L A S lhes / P A R A O S S R S . os / as / V O C Ê S os / E L E S as / E L A S os / as / O S S R S . lhes / P A R A V O C Ê S lhes / P A R A E L E S lhes / P A R A E L A S lhes / P A R A O S S R S . os / as / V O C Ê S / lhes os / E L E S / lhes as / E L A S / lhes os / as / O S S R S . / lhes Tabela 10.1: Quadro pronominal apresentado como produtivo nas gramáticas didáticas do PB 387 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB N O V O A V E N I D A B R A S I L B E L E Z A O I B R A S I L E U me me me T U (te) V O C Ê E L E E L A O / A S E N H O R / A lhe / ( P A R ) A V O C Ê lhe / ( P A R ) A E L E lhe / ( P A R ) A E L A o / a / V O C Ê oa te / lhe / ( P A R ) A V O C Ê lhe / ( P A R ) A E L E lhe / ( P A R ) A E L A lhe / ( P A R ) A O / A S R ª te / o / a / V O C Ê o / E L E a / E L A o / a / O / A S R ª lhe / P A R A V O C Ê lhe / P A R A E L E lhe / P A R A E L A lhe / P A R A O / A S R ª o / a / V O C Ê o / E L E a / E L A o / a / O / A S R ª NÓ S nos nos nos VÓ S V O C Ê S E L E S E L A S O S / A S S E ‐ N H O R E S / A S lhes / ( P A R ) A V O C Ê S lhes / ( P A R ) A E L E S lhes / ( P A R ) A E L A S os / as / V O C Ê S os as lhes / ( P A R ) A V O C Ê S lhes / ( P A R ) A E L E S lhes / ( P A R ) A E L A S lhes / ( P A R ) A O S S R S . os / as / V O C Ê S os as os / as / O S S R S . lhes / P A R A V O C Ê S lhes / P A R A E L E S lhes / P A R A E L A S lhes / P A R A O S S R S . os / as / V O C Ê S os / E L E S as / E L A S os / as / O S S R S . Tabela 10.2: Quadro pronominal apresentado como produtivo nos manuais do PB 388 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange Tentando sintetizar os inventários das sete obras, e deixando de lado casos isolados como o paradigma de VÓS em Engler ou o lhe de objeto direto em Reumuth / Winkelmann, abstrai-se o seguinte quadro de pronomes oblíquos no PB, válido tanto em situações de distância quanto de imediatez comunicativa: 389 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB O B J E T O I N D I R E T O O B J E T O D I R E T O D I S TÂN C I A I M E D I A T E Z D I S TÂN C I A I M E D I A T E Z E U me me V O C Ê E L E E L A O / A S E N H O R / A lhe te / ( P A R ) A V O C Ê ( P A R ) A E L E ( P A R ) A E L A ( P A R ) A O / A S E N H O R / A o / a oao / a te / V O C Ê E L E E L A O / A S E N H O R / A NÓ S nos nos / ( P A R ) A A G E N T E nos nos / A G E N T E V O C Ê S E L E S E L A S O S / A S S E N H O R E S / A S lhes ( P A R ) A V O C Ê S ( P A R ) A E L E S ( P A R ) A E L A S ( P A R ) A O S / A S S E N H O R E S / A S os / as os as os / as V O C Ê S E L E S E L A S O S / A S S E N H O R E S / A S Tabela 10.3: Síntese de formas pronominais oblíquas em PB 390 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange 3.3 Regras de colocaç-o pronominal ensinadas para o PB 3.3.1 Comparaç-o das obras Se o quadro pronominal do PB já se apresenta bastante complexo, também a colocaç-o dos pronomes em relaç-o ao predicado da oraç-o tende a suscitar dúvidas. As dificuldades se acentuam ainda mais quando a oraç-o contém um predicado complexo, isto é, composto por mais que uma unidade lexical. Sendo assim, e seguindo a estrutura didática sugerida em Whitlam (2011, 63-65), a diferenciaç-o entre predicados simples e predicados complexos guiará o presente capítulo. É importante lembrar que as regras de colocaç-o e os possíveis problemas relacionados a elas concernem exclusivamente os pronomes átonos, uma vez que os pronomes tônicos sempre seguem imediatamente o predicado, tanto simples quanto complexo. Mas como foi demonstrado antes, o uso dos pronomes átonos está sempre ligado a determinadas situações comunicativas que, por consequência, também ganham importância para a colocaç-o dos mesmos. É por isso que cinco das sete obras didáticas alertam sobre essas questões de distância ou imediatez comunicativa e sua influência sobre a formaç-o de frases no PB. Com todos esses fatores em jogo, complicando bastante a quest-o, n-o surpreende que a introduç-o dos pronomes átonos se dê relativamente tarde em todas as obras, nem que se evite fazer referência à colocaç-o de pronomes no português europeu na maioria das obras, pois essas diferem profundamente das regras de colocaç-o brasileiras. Apenas Reumuth / Winkelmann (2013) e Beleza informam sobre as regras de colocaç-o no PE, os primeiros, pela sua orientaç-o pan-lusófona, o segundo - provavelmente - por ser concebido paralelamente ao manual Olá Portugal da mesma editora. Olá Portugal dirige-se a aprendentes do PE e inclui, por sua vez, referências ao PB, pelo qual se estabelece uma espécie de intertextualidade entre os manuais para português dos dois lados do Atlântico. 3.3.2 Regras de colocaç-o em predicados simples (PB) A. PRÓCLISE (PB) Para orações com predicados simples, há uma relativa uniformidade no que as obras ensinam sobre a colocaç-o. A colocaç-o neutra, segundo cinco das sete obras, é a próclise ao predicado. As únicas obras que fogem desse padr-o s-o Reumuth / Winkelmann (2013), que n-o chegam a uma conclus-o explícita sobre que posiç-o seria neutra no Brasil, descrevendo a próclise como marcada frente ao uso no PE e a ênclise como marcada por contextos de distância comunicativa, e Engler (1989, 39), a obra de publicaç-o mais antiga, que ensina a ênclise normativa. Embora Engler 391 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB 16 Evidentemente, essa constelaç-o é facilmente contornada: é suficiente colocar um pronome de sujeito explícito antes do predicado. O pronome de sujeito ent-o licita a próclise do pronome oblíquo ao predicado, justamente por remetê-lo à segunda posiç-o da frase. De fato, o pronome de sujeito tende a ser explícito no PB apesar de esse constituir estruturalmente uma língua pro-drop. Assim, essa regra na maioria dos casos nem sequer se aplica. (1989, 38-39) também mencione a existência da próclise no Brasil, restringe-a a contextos de imediatez comunicativa e desaconselha seu uso. B. ÊNCLISE (PB) Nas publicações que apresentam a próclise como processo neutro de colocaç-o, é lógico que a ênclise seja o processo marcado por determinadas circunstâncias. Em Whitlam (2011), Beleza e Oi, Brasil encontramos dois condicionadores, um de faç-o sintática, o segundo de natureza sociolinguística. O contexto sintático especialmente salientado é o predicado em posiç-o inicial absoluta. Nesse caso, ainda existe um estigma grave para a próclise do pronome na linguagem de distância, preferindo-se a ênclise. A regra de ouro na express-o mais cuidada seria, segundo as três obras, de nunca iniciar uma frase por um pronome átono (cf. Beleza 2014, 199; Oi Brasil 2017, 97; Whitlam 2011, 61-62). 16 Por contraste, em Metzger (1990) e Nova Avenida Brasil, n-o se cita nenhum contexto específico para a ênclise em predicados simples. C. MESÓCLISE E CONTRAÇÃO PRONOMINAL Um terceiro padr-o de colocaç-o, a mesóclise, já n-o entra na maioria das obras. Apenas em Engler (1989, 160-161) e Reumuth / Winkelmann (2013, 167) se faz uma breve menç-o ao fenômeno, e nos dois com restrições de uso: aquele a classifica como própria da linguagem de distância, onde inclusive só aparece junto com o tempo verbal do futuro simples - o segundo paradigma mesoclítico no PE, o condicional, já nem sequer ganha menç-o - enquanto esses descrevem a mesóclise como fenômeno da extrema distância comunicativa. Parece, portanto, válido afirmar que a mesóclise já n-o faz parte da sintaxe em qualquer variedade sincrônica do PB, podendo ser descartada do ensino do PB-LE. O mesmo pode ser afirmado sobre a contraç-o de pronomes átonos de objeto indireto e direto, pois ela n-o consta de nenhum dos sete livros didáticos, pelo menos n-o para o PB. A quest-o das contrações é, por consequência, um desafio próprio do PE, tendo sido resolvido no PB pelo uso de um pronome tônico ou do objeto nulo em pelo menos um dos dois objetos da oraç-o. Assim, evita-se qualquer encontro de dois pronomes átonos. 392 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange 3.3.2 Regras de colocaç-o em predicados complexos (PB) Como referido antes, predicados complexos s-o aqueles que se constituem por mais que um elemento verbal, sendo o primeiro elemento uma forma conjugada e o segundo uma forma verbo-nominal. Isso significa que o segundo elemento pode ser: 1. um infinitivo, sobretudo em combinaç-o com verbos modais; 2. um gerúndio, ou 3. um particípio. Neles, a forma conjugada carrega a informaç-o morfossintática: ela é o núcleo sintático. Já a forma verbo-nominal transmite o valor semântico: ela é o núcleo semântico. O tema é t-o complexo (ou t-o periférico) que é tratado por apenas quatro das sete obras: Whitlam (2011), Reumuth / Winkelmann (2013), Novo Avenida Brasil e Beleza. Os manuais se restringem a apresentar predicados complexos com infinitivos, provavelmente por serem os primeiros que o aprendente do PB encontrará. Somente as gramáticas didáticas de Whitlam e Reumuth / Winkelmann buscam apresentar a quest-o em toda sua complexidade, aceitando, para esse fim, uma apresentaç-o muito mais teórica e menos didatizante do que aquelas dos manuais. Nesse sentido, é na obra de Whitlam (2011, 63-65) que se apresenta o esquema mais abrangente, aplicável a todos os predicados complexos. É nesse complexo temático que o autor propõe seu esquema inovador de pronomes: ele ordena os pronomes em funç-o de sua colocaç-o junto a predicados complexos, e n-o segundo a pessoa do discurso, como é tradicionalmente feito. Concretamente, Whitlam descreve como os pronomes átonos me, nos, te, lhe e lhes têm um comportamento sintático diferente dos pronomes o, a, os e as. Segundo o linguista norte-americano, me, nos, te, lhe e lhes sempre se colocam entre forma conjugada e forma nominal, ou seja, em posiç-o proclítica ao núcleo semântico do predicado, pelo que denominamos essa posiç-o de próclise semântica. Já o segundo grupo, a, o, as e os, diferencia entre predicados complexos com infinitivo e predicados complexos com particípio ou gerúndio. Frente a infinitivos, esses pronomes se posicionam encliticamente, o que, em paralelo ao que foi dito acima, chamamos de ênclise semântica. Junto com gerúndios ou particípios, porém, entram em próclise à forma conjugada, isto é, ao núcleo sintático, em posiç-o de próclise sintática. Em casos isolados, também a combinaç-o entre o primeiro grupo de pronomes e infinitivos e a combinaç-o entre o segundo grupo e gerúndios causaria, segundo Whitlam, ênclise semântica. A quarta combinaç-o teoricamente imaginável, a ênclise sintática, n-o existe em PB, contrastando nesse aspeto com o PE que sim permite tais construções. Numa tentativa de esquematizaç-o de todas essas observações, chega-se ao quadro abaixo. Para exemplificar cada combinaç-o, foram indicadas orações exemplares. Nelas, o pronome está em negrito, enquanto a forma verbal de 393 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB referência clítica está sublinhada. Os exemplos (54’) e (58’) representam as alternativas (semântico-)enclíticas indicadas por Whitlam: Grupo pronominal Constituinte verbo-nominal me, nos, te, lhe(s) o(s), a(s) Infinitivo Próclise semântica Ênclise semântica (54) Minha irm- veio me visitar. (57) A irm- do Jo-o veio visitá-lo. (54’) Minha irm- veio vi‐ sitar-me. Gerúndio (55) A gente está te espe‐ rando no shopping. Próclise sintática (58) Um cachorro a ficou seguindo todo dia. (58’) Um cachorro ficou seguindo-a todo dia. Particípio (56) Você tinha nos dado uma informaç-o er‐ rada. (59) Ele perguntou se eu n-o a teria encontrado alguma vez. Tabela 11: Processos de colocaç-o pronominal junto a predicados complexos 3.4 Conclus-o (PB) Na linguística lusófona e na didatizaç-o do PB, mantém-se o mito de que o sistema pronominal brasileiro seja irregular e por isso difícil de ensinar. Porém, sabemos e tentamos demonstrar, no início do artigo, que o Brasil continua em busca de uma norma endógena, com as instituições normativas como a Academia Brasileira das Letras ainda insistindo em padrões europeizantes. Apesar disso, pode-se afirmar que existe um uso estável dos pronomes. E é mais: esse uso e o quadro pronominal derivado dele, longe de preconceitos puristas, podem muito bem ser ensinados na aula do PB-LE. Claro é que se deve aludir a questões sociolinguísticas específicas do PB; esse é o caso da diferenciaç-o fundamental entre a linguagem de imediatez e a linguagem de distância, a partir da qual todo o sistema pronominal se explica. Desde um ponto de vista linguístico, incluindo uma certa reduç-o com finalidade didática, os dois paradigmas podem ser sintetizados e comparados como apresentamos a seguir. 394 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange 4 Os pronomes oblíquos em comparaç-o (PE vs. PB) 4.1 Comparaç-o geral A análise das obras didáticas analisadas demonstra que os manuais de PLE des‐ crevem dois sistemas pronominais distintos que se caraterizam por sobreposições e por diferenças marcadas, havendo zonas de variabilidade diafásica (distância vs. imediatez) e de mudança linguística (arcaico vs. moderno) dentro de cada variedade. • Nos manuais do PE, variedade com descriç-o linguística e norma-padr-o mais antigas, a descriç-o e didatizaç-o dos pronomes manifestam-se como fixas e tradicionais, mantendo - em vários casos - formas arcaizantes e da linguagem de alta distância. Enquanto, no PE, as formas pronominais representam um inventário circunscrito, as colocações destas formas na frase obedecem a regras pouco transparentes vistas pela perspetiva de um aluno do PLE. • As obras consultadas para o PB refletem um caminho percorrido - desde os anos 80 até aos anos 2011-2013 - na busca da descriç-o didática de uma norma própria para o ensino PLE. A atual norma gramatical quanto aos pronomes oblíquos é caraterizada por uma certa complexidade diafásica e encontramos uma situaç-o inversa à do PE: As regras de colocaç-o na frase tornaram-se mais transparentes enquanto o inventário de formas (ainda) é bastante complexo. A seguir, pretendemos encontrar uma síntese comparada e didaticamente reduzida da temática antes de tentarmos responder, no capítulo 5, à nossa pergunta inicial de como integrar essa comparaç-o nas aulas de PLE. 4.2 Formas pronominais (PE vs. PB) Quanto às formas pronominais, encontramos a seguinte situaç-o: PE PB Existem no PB moderno Existem no PE moderno - no uso neutro, n-o enfático - só pronomes clíticos átonos. (1) (2) (3) pronomes clíticos átonos P R O N O M E S P L E N O S / TÓN I C O S pronomes “nulos” (da terceira pessoa do objeto direto) Os pronomes no PE - fora as contrações pronominais (2.3.1 D) - n-o têm um valor diafásico especial. Há uma distribuiç-o dos três tipos de pro‐ nomes ao longo de um eixo diafásico de DISTÂNCIA / IMEDIATEZ. Tabela 12: Situaç-o atual das formas pronominais no PE e no PB 395 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB O seguinte quadro compara as formas pronominais em uso atual nas duas variedades do português. Para melhor contraste didático, optamos por uma visualizaç-o que difere do sequenciamento tradicional de primeira, segunda e terceira pessoas, agrupando os pronomes em primeira e terceira pessoas e segunda pessoa. Anotações: • Incluem-se aqui apenas as formas de tratamento básicas T U / V O C Ê S / O S E NH O R para o PE e V O C Ê / V O C Ê S / O S E NH O R para o PB, representando O S E NH O R também as formas derivadas A S E NH O R A , O S S E NH O R E S , A S S E NH O R A S . • Ø = pronome nulo, omiss-o de pronome 396 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange PE PB DISTÂNCIA PB IMEDIATEZ S U J E I T O PE = PB O B J E T O D I R E T O O B J E T O I N D I R E T O O B J E T O D I R E T O O B J E T O I N D I R E T O O B J E T O D I R E T O O B J E T O I N D I R E T O Primeira Pessoa E U me me me me me ( P A R ) A M I M NÓ S nos nos nos nos nos ( P A R ) A NÓ S A G E N T E ( A G E N T E ) ( À G E N T E ) A G E N T E À G E N T E A G E N T E ( P A R ) A A G E N T E Terceira Pessoa E L E / E L A o / a lhe o / a / Ø lhe E L E / Ø E L A / Ø ( P A R ) A E L E ( P A R ) A E L A E L E S / E L A S os / as lhes os / as / Ø lhes E L E S / Ø E L A S / Ø ( P A R ) A E L E S ( P A R ) A E L A S Segunda Pessoa (tratamento) T U te te V O C Ê o / a lhe V O C Ê / os A V O C Ê / lhe V O C Ê / te ( P A R ) A V O C Ê / te V O C Ê S vos vos V O C Ê S / os A V O C Ê S / lhes V O C Ê S ( P A R ) A V O C Ê S O S E N H O R O S E N H O R / o A O S E N H O R / lhe O S E N H O R / o A O S E N H O R / lhe O S E N H O R ( P A R ) A O S E N H O R Tabela 13: Comparaç-o das formas em uso atual, PE vs. PB 397 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB 4.3 Colocaç-o dos pronomes clíticos em predicados simples (PE vs. PB) Como já foi dito anteriormente, colocar uma forma lexical plena ou um pronome tónico na posiç-o de objeto pós-verbal corresponde a um padr-o universal de muitas línguas e n-o costuma apresentar dificuldade para a maioria dos alunos do PLE que naturalmente produzem frases como (60), (61) e (62), sendo pouco provável que surjam produções como em (60’), (61’) e (62’). (60) A Maria viu O SENHOR. (61) A Maria viu ELE. (62) A Maria viu A GENTE. (60’) *A Maria O SENHOR viu. (61’) *A Maria ELE viu. (62’) *A Maria A GENTE viu. A dúvida surge quanto à colocaç-o dos pronomes clíticos: (63) A Maria o viu. vs. A Maria viu-o. (64) A Maria nos viu. vs. A Maria viu-nos. Para a posiç-o dos clíticos no português europeu e brasileiro atuais, podemos formular a seguinte síntese comparativa: PE PB 1. A ênclise é o padr-o básico. 1. A próclise é o padr-o generalizado. 2. Existem numerosos contextos sintá‐ ticos pré-verbais que exigem pró‐ clise ativada normativa, como • negaç-o • subordinaç-o • advérbios • pronomes indefinidos • pronomes interrogativos. 2. Devido à próclise generalizada, os ativadores de próclise do PE deixaram de ter funç-o na frase. 3. Existem contextos sintáticos de mesóclise [que, na língua de ime‐ diatez, s-o “contornados” pelos fa‐ lantes]. 3. Devido à próclise generalizada, (já) n-o há contextos de mesóclise no PB neutro. Tabela 14: Síntese da posiç-o dos clíticos em PE e PB O quadro a seguir apresenta e contrapõe ênclise / próclise e P R O N O M E TÓNI C O em uso atual nas duas variedades do português para o predicado simples (sem verbo auxiliar). Para melhor contraste, optamos de novo por uma visualizaç-o que 398 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange 17 Embora ultrapassando o âmbito deste artigo, diga-se de passagem que na escrita acadêmica do PB, já há várias décadas, se verifica um padr-o de ênclise que já n-o pode ser classificado como simplesmente “hipercorreto”. Esse padr-o é inverso ao do PE, sendo a ênclise usada em contextos de subordinaç-o de oraç-o (finita e infinita), nos quais em PE seria obrigatória a próclise ativada. distingue primeira e terceira pessoas versus segunda pessoa. Juntamos as formas dos objetos direto e indireto porque permite uma melhor visualizaç-o gráfica e também porque essa distinç-o gramatical muitas vezes n-o desempenha um papel consciente na produç-o linguística dos alunos. Para n-o sobrecarregar a tabela que, na nossa ideia, poderia funcionar como base de reflex-o comparativa (a partir dos níveis B1 / B2), excluímos - para cada variedade - as formas e colocações que s-o marcadas pelo traço [ALTA DISTÂNCIA], ou seja: 1. Excluímos a mesóclise do PE que - para além de ser marcada - na co‐ municaç-o neutra é cada vez mais substituída por estruturas equivalentes (ponto 2.3.1 C). 2. Excluímos a contraç-o dos clíticos pronominais do PE, que - sobre‐ tudo quanto às contrações bissilábicas - já é considerada arcaica e também muitas vezes “contornada” pelos falantes nativos em Portugal (ponto 2.3.1 D). 3. Excluímos a ênclise do PB por apenas existir em contextos sintáticos muito particulares que na realidade linguística raras vezes se produzem (ponto 3.3.2 B) e por aparecer, de resto, apenas em discursos da alta distância. 17 4. Excluímos os pronomes clíticos o(s) / a(s) + lhe(s) do PB como forma de retomar a segunda pessoa ( V O C Ê ou O S E NH O R ) no discurso, ensinados ainda pelas gramáticas PB-LE (e incluídos também nas nossas tabelas 10 e 13), mas já marcados como formas de elevada distância também. Por uma quest-o de espaço, excluímos também exemplos do pronome nulo da terceira pessoa do objeto direto (ponto 3.2), tratando-se de uma estratégia “ima‐ terial” muito procurada pelo falante nativo brasileiro na linguagem da distância, mas de certa forma pouco saliente ou “imperceptível” para o aprendente do PLE. 399 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB P E ÊNCLISE P B D I S TÂ N C I A PRÓCLISE GENERALIZADA P B I M E D I A T E Z Primeira Pessoa me, nos me, nos me, nos + A G E N T E + ( P A R ) A A G E N T E 1. Ele informou-me. 2. A Maria viu-nos. 1. Ele me informou. 2. Maria nos viu. 1. (Ele) me informou. 2. Maria nos viu. / Maria viu A G E N T E . Terceira Pessoa o(s) / a(s) + lhe(s)+ adaptações -R, -S, -Z, -NASAL aplicáveis a o(s) / a(s) o(s) / a(s) + lhe(s) E L E ( S ) / E L A ( S ) + ( P A R ) A E L E ( S ) / ( P A R ) A E L A ( S ) 1. Ela elogiou-o. 2. Eles procuraram-na. 3. Nós conhecemo-las. 4. Ele ofereceu-lhes um presente. 1. Ela o elogiou. 2. Eles a procuraram. 3. Nós as conhecemos. 4. Ele lhes ofereceu um presente. 1. Ela elogiou E L E . 2. Eles procuraram E L A . 3. Nós conhecemos E L A S . 4. Ele ofereceu um presente ( P A R ) A E L E S / ( P A R ) A E L A S . Segunda Pessoa (tratamento) te / vos O S R . + A O S R . + o / a + lhe V O C Ê ( S ) + A V O C Ê ( S ) O S R .+ A O S R . V O C Ê ( S ) + ( P A R ) A V O C Ê ( S ) + te O S R . + P A R A O S R . 1. Ele convidou-te. 2. Ele convidou-vos. 3. Ele contou-te? 4. Ele convidou O S E N H O R ? Ele convidou-o? 5. Ele contou A O S E N H O R ? Ele contou-lhe? 1. Ele convidou V O C Ê . 2. Ele convidou V O C Ê S . 3. Ele contou A V O C Ê ? 4. Ele convidou O S E N H O R ? 5. Ele contou A O S E N H O R ? 1. Ele convidou V O C Ê . / Ele te convidou. 2. Ele convidou V O C Ê S . 3. Ele contou ( P A R ) A V O C Ê ? 4. Ele convidou O S E N H O R ? 5. Ele contou P A R A O S E N H O R ? 400 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange P E PRÓCLISE ATIVADA Primeira - Terceira - Segunda Pessoa Estruturas proclíticas idênticas no PE e PB, embora provindas de regras diferentes: próclise ativada (PE) e próclise generalizada (PB) N E G AÇÃ O S U B O R D I ‐ N AÇÃ O S U B O R D I ‐ N AÇÃ O A D V É R B I O S P R O N . I N ‐ D E F I N . P R O N . I N T E R R . P R O N . I N T E R R . 1. Ele NÃO me informou. 2. Ela sabe QUE a Maria nos viu. Ele pediu PARA a Maria nos visitar. 3. Ela TAMBÉM o elogiou. 4. TODOS a procuraram. 5. ONDE as conhecemos? 6. QUEM lhes ofereceu um presente? 1. Ele n-o me informou. 2. Ela sabe que Maria nos viu. Ele pediu para a Maria nos visitar. 3. Ela também o elogiou. 4. Todos a procuraram. 5. Onde as conhecemos? 6. Quem lhes ofereceu um presente? 1. (Ele) n-o me informou. 2. … que Maria nos viu. … que Maria viu A G E N T E Ele pediu para a Maria visitar A G E N T E . 3. Ela também elogiou E L E . 4. Todos procuraram E L A . 5. Onde conhecemos E L A S ? 6. Quem ofereceu um presente P A R A E L A S ? Tabela 15: Colocaç-o de clíticos PE vs. PB (Predicado com verbo simples) 401 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB 4.4 Colocaç-o dos pronomes clíticos em predicados complexos (PE vs. PB) Como referido, predicados complexos s-o constituídos por mais do que um elemento verbal, compondo-se • por um auxiliar e um particípio (tinha visto) • por um auxiliar e um gerúndio (est-o chamando) ou • por um auxiliar e um infinitivo (vai ver). Vimos que poucos manuais do PB tratam o tema dos pronomes oblíquos junto a predicados complexos, e, se o fazem, tratam-no só de forma tardia ou parcial. As gramáticas dedicam algum espaço à quest-o, sendo a de Whitlam 2011 a primeira que dá uma sistematizaç-o (ver ponto 3.3.3). Um motivo para a didatizaç-o reduzida nos manuais do PB será talvez o facto de o PB recorrer, em muitos casos, a pronomes tónicos, e ao facto de o uso da maioria dos pronomes clíticos se apresentar sobretudo como problema da linguagem de distância. De forma que os autores consideram suficiente tocar no assunto só a partir do nível intermédio, ou seja, mais ou menos a partir do nível B1 de acordo com o QECR. No entanto, tal introduç-o tardia n-o resulta frutífera para uma aula “pan-lusófona”, em que os pronomes clíticos, devido à sua elevada frequência no PE frente ao PB e às estratégias de colocaç-o discrepantes entre ambas as normas, se colocam muito mais cedo como possíveis dificuldades. No entanto, também para o PE, a situaç-o da didatizaç-o n-o está muito avançada (ver ponto 2.3.2). O tema parece ser didaticamente periférico tanto para os autores do PE-LE como para os do PB-LE. Mas como se pode deduzir - pelos exemplos dados em 2.3.2 e 3.3.3 - a raz-o para a falta de atenç-o n-o pode ser meramente didática, no sentido de os pronomes oblíquos serem pouco frequentes (PB) ou de os predicados complexos serem formas verbais pouco necessárias na comunicaç-o. Essa falta deve, em grande parte, ser atribuível à complexidade da quest-o. Mostrando já a norma europeia um padr-o pouco transparente à primeira vista, o PB apresenta a evoluç-o de um novo padr-o surpreendentemente independente que se tem consolidado só nas últimas décadas (cf. Torres / Ribeiro 2004, 40), tendo sido integrado nas gramáticas do PLE apenas muito recentemente (cf. Whitlam 2011, 68-69). Daremos aqui uma síntese comparativa dos dois padrões: 402 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange PE PB 1. O PE pede a ênclise de todos os pro‐ nomes a seguir ao verbo auxiliar • ênclise “sintática” Esta regra é muitas vezes quebrada em predicados nos quais o verbo principal é um infinitivo ou um gerúndio. O PB favorece a próclise diferenciada con‐ forme dois grupos pronominais: 1. próclise ao verbo principal dos pro‐ nomes me, nos, te, lhe(s) • próclise “semântica” 2. Na presença de ativadores de próclise o PE exige próclise de todos os pronomes ao verbo auxiliar • próclise “sintática” Esta regra pode, às vezes, ser quebrada em predicados longos nos quais o verbo principal é um infinitivo ou um gerúndio. 2. próclise ao verbo auxiliar dos pro‐ momes o(s) / a(s) • próclise “sintática” Esta regra costuma ser quebrada em predicados nos quais o verbo principal é um infinitivo, favorecendo-se as formas enclíticas -lo(s) / -la(s). Tabela 16: Síntese comparativa dos padrões de colocaç-o de clíticos Na nossa opini-o, a frequência de predicados complexos na comunicaç-o quotidiana associada à discrepância e complexidade dos dois padrões subjacentes à colocaç-o dos clíticos (e n-o-clíticos para o PB) contribuiu em grande parte para a ideia de um “caos pronominal” na sala de aula mista, chegando-se à conclus-o de que o PE, como “variedade-m-e”, teria nas suas m-os a chave normativa. O quadro a seguir tenta documentar a equiparaç-o das duas va‐ riedades e exemplificar os dois padrões pronominais contemporâneos. Para uma comparaç-o útil e entendível, é preciso entrarmos pela porta nova que a “variedade-filha” criou, isto é, é preciso separarmos dois grupos pronominais segundo Whitlam (ibid.): • um grupo pronominal 1: me, nos, lhe(s), te e vos só PE • um grupo pronominal 2: o(s) / a(s) 403 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB GRUPO PRONOMINAL 1 PE me, nos, lhe(s) te, vos PB - DISTÂNCIA me, nos, lhe(s) PB - IMEDIATEZ me, nos, te Ele foi-me pressionando. Ele foi pressionando-me. G E R Ú N D I O Ele está me pressionando. Ele está me pressionando. Eu tinha-lhe dito isso. Ø P A R T I C Í P I O Eu tinha lhe dito isso. Eu tinha dito isso P A R A E L E . Ele vai-nos convidar. IME‐ DIATEZ Ele vai convidar-nos. DIS‐ TÂNCIA I N F I N I T I V O Ele vai nos convidar. Ele vai nos convidar. / … convidar A G E N T E . PRÓCLISE ATIVADA Ele n-o me foi pressionando. G E R Ú N D I O Ele n-o está me pressionando. Ele n-o está me pressionando. Eu n-o lhe tinha dito isso. P A R T I C Í P I O Eu n-o tinha lhe dito isso. Eu n-o tinha dito isso P A R A E L E . Ele n-o nos vai convidar. I N F I N I T I V O Ele n-o vai nos convidar. Ele n-o vai nos convidar. / … convidar A G E N T E . GRUPO PRONOMINAL 2 PE o(s) / a(s) PB - DISTÂNCIA o(s) / a(s) PB - IMEDIATEZ Eles foram-no pressio‐ nando. Eles foram pressionando-o. G E R Ú N D I O Eles o estavam pressionando. Eles estavam pressionando E L E . Tu tinha-la encontrado. Ø P A R T I C Í P I O Você a tinha encontrado. Você tinha encontrado E L A . Ele vai-os convidar. IMEDIATEZ Ele vai convidá-los. DISTÂNCIA I N F I N I T I V O Ele vai convidá-los. Ele vai convidar E L E S . PRÓCLISE ATIVADA Eles n-o o foram pressionando. G E R Ú N D I O Eles n-o o estavam pressionando. Eles n-o estavam pressionando E L E . 404 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange Tu n-o a tinhas encontrado. P A R T I C Í P I O Você n-o a tinha encontrado. Você n-o tinha encontrado E L A . Ele n-o os vai convidar. I N F I N I T I V O Ele n-o vai convidá-los. Ele n-o vai convidar E L E S . Tabela 17: Colocaç-o de clíticos PE vs. PB (em predicados complexos com verbo auxiliar + infinitivo, gerúndio ou particípio) 405 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB O quadro exemplifica que a próclise diferenciada, segundo o respetivo grupo pronominal, se estabeleceu no PB e que os tradicionais ativadores de próclise do PE têm abandonado a sua funç-o, sendo gramaticalmente corretas frases como (65) - (69) as quais seguem apenas as regras 1. e 2. do novo padr-o. Além disso, vemos que o PB mantém uma “ilha enclítica -lo(s) / -la(s)” quanto ao infinitivo (69) como “marca de lembrança” da afinidade enclítica que o infinitivo tem no PE. (65) Ele está me pressionando. Ele NÃ O está me pressionando. (66) Eu tinha lhe dito isso. Eu NÃ O tinha lhe dito isso. (67) Ele vai nos convidar. Ele NÃ O vai nos convidar. (68) Ele a tinha convidado. Ele NÃ O a tinha convidado. (69) Ele vai convidá-la. Ele NÃ O vai convidá-la. 5 Resumo ou Como ensinar as normas gramaticais do PE e do PB no caso dos pronomes oblíquos? Traduzindo a situaç-o linguística delineada nos capítulos anteriores para a prática da sala de aula e voltando à nossa quest-o inicial de como ensinar essa situaç-o morfossintática complexa numa aula de PLE “mista”, confirmaríamos agora, de certa forma, ambas as hipóteses colocadas: 1. O uso dos pronomes oblíquos no PE e no PB é t-o diferente que n-o devia ser ensinado numa unidade didática, mas sim em unidades separadas. Isto é sobretudo válido para níveis iniciais de aprendizagem equivalentes aos níveis A1 até B1 do QECR. 2. Por outro lado, os dois sistemas podem ser conduzidos a uma tomada de consciência e refletidos comparativamente. Isto é sobretudo válido para os níveis avançados de aprendizagem correspondentes aos níveis B2 e C1 do QECR. (1) Didatizaç-o independente para níveis básicos A1 - B1 O PE, como vimos no ponto 2, é “difícil” nos estágios de aprendizagem iniciais porque a ênclise pronominal é contraintuitiva para muitos alunos que já falam outras línguas românicas, e porque há quatro contextos fonéticos que exigem formas enclíticas assimiladas. Paralelamente à ênclise surgem, para o principi‐ ante do PE, os numerosos casos sintáticos em que esta deve ser substituída pela próclise ativada. Pelo contrário, a dificuldade na aprendizagem do PB, para alunos dos pri‐ meiros níveis, consiste na situaç-o de haver duas formas pronominais (átonas e 406 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange 18 Para o PE, essa sequência encontra-se explicitada pelo Referencial Camões (Camões 2017). tónicas) para quase todas as pessoas gramaticais e pelo facto de estas formas se distribuírem ao longo de um eixo diafásico de difícil interpretaç-o. Pensamos que nos níveis básicos, desde A2 até B1, os alunos - mesmo tendo já alguns conhecimentos da outra variedade - beneficiam mais de uma situaç-o de homogeneidade normativa (cf. também Meisnitzer 2020, 192), ou seja, o professor deveria - se possível - separar a turma e oferecer unidades didáticas que focalizassem os seguintes aspetos: TURMA PE TURMA PB PASSO 1 ▸ apresentaç-o das formas clíticas (átonas) (cf. capítulo 2, Tabela 3) PASSO 1 IMEDIATEZ ▸ apresentaç-o das formas átonas e TÓN I C A S (cf. capítulo 3, Tabela 6.3) PASSO 2 ÊNCLISE ▸ exercício da ÊNCLISE de me, te, nos, vos ▸ exercício da ÊNCLISE de -o(s), -a(s) e das adaptações fonéticas -lo(s), -la(s), -no(s), -na(s) PASSO 2 IMEDIATEZ ▸ exercício da PRÓCLISE de me, te, nos ▸ exercício dos pronomes TÓN I C O S a seguir ao verbo PASSO 3 PRÓCLISE ▸ exercício dos casos mais sa‐ lientes da próclise ativada PASSO 3 DISTÂNCIA ▸ exercício da PRÓCLISE de lhe(s), o(s), a(s) ▸ menç-o do pronome nulo ▸ exercício de -lo(s), -la(s) enclíticos ao infinitivo Tabela 18: Passos no ensino dos pronomes clíticos em turmas separadas Os passos aqui propostos correspondem, grosso modo, à sequenciaç-o dos níveis de A1 a B1 do QCER 18 e deviam, numa turma homogénea, idealmente ser 407 Os pronomes oblíquos no ensino do PLE a alunos adultos - a quest-o do PE e do PB seguidos ao longo do tempo previsto de aprendizagem. Porém, numa situaç-o de heterogeneidade, da qual partimos aqui, também podiam ser dados dentro de dois blocos separados e comprimidos, incorporáveis num curso A2 / B1. (2a) Sistematizaç-o comparativa para níveis avançados B2 - C1 Para os níveis médio-avançados de aprendizagem, temos experiências positivas quanto à consciencializaç-o dos alunos para a situaç-o normativa bicêntrica através de quadros comparativos como o que resumimos para o predicado simples na tabela 15 deste capítulo. Este tipo de quadros permite uma refe‐ rência rápida para alunos que gostam de ter um guia gramatical, por exemplo, na preparaç-o de textos em casa. Já usamos a tabela também, com sucesso, com alunos do nível C1 para a composiç-o de exercícios de transformaç-o PE a PB. (2b) Sistematizaç-o comparativa para níveis C1+ No que toca ao predicado complexo (tabela 17), as nossas considerações comparativas dirigem-se sobretudo ao pessoal discente do PLE e talvez a alunos muito avançados, querendo dar-lhes algum material de referência e de consulta na esperança de estimular o diálogo e de reduzir o preconceito linguístico “inter-varietal”. Para finalizar, gostaríamos de sublinhar que temos plena noç-o do nosso enfoque restrito quanto à quest-o tratada. Como linguistas e professores de gramática defendemos uma abordagem didática de focus on form e uma consciencializaç-o quanto ao funcionamento de estruturas (cf. Costa 2018, 149). No entanto, entramos diariamente em contacto com múltiplos outros aspetos da aquisiç-o do português como língua estrangeira pluricêntrica, sabendo que um quadro de formas ou regras n-o produzirá automaticamente mais competências linguísticas e que um pronome inusitado numa frase n-o vai prejudicar a compreens-o. O professor deve decidir em que medida os alunos est-o prontos a aceitar e a aplicar rigorosamente regras gramaticais, e deve conceder o espaço adequado aos alvos comunicativos a serem alcançados, ao enquadramento do curso e a outras especificidades. Acreditamos, no entanto, que uma base gramaticográfica plurinormativa sistemática do PLE pode contribuir, sobretudo entre alunos e professores universitários, para o desenvolvimento de uma maior competência variacional recetiva no sentido de Reimann (2017) e Meisnitzer (2020), bem como para uma reflex-o imparcial da heterogeneidade do português. 408 Cornelia Döll, Christine Hundt, Sebastian Stange Referências Literatura primária (Corpus) Coelho, Luísa / Oliveira, Carla. 2017. Português em Foco 2. Lisboa: Lidel - Edições técnicas. Coimbra, Olga Mata / Coimbra Leite, Isabel. 1989. Português sem fronteiras 1, Lisboa: Lidel - Edições técnicas. Coimbra, Olga Mata / Coimbra Leite, Isabel. 1990. 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Mostramos quais das transferências realizadas causam problemas no portu‐ guês, ou seja, quais dos fenómenos qualificáveis como interferências podem ser relevantes em outros contextos de ensino do português. As entrevistas d-o informações adicionais sobre as dificuldades que as pessoas percebem em falar português e sobre estratégias de distinç-o que elas consideram efetivas. Em matéria do português como língua pluricêntrica, também é preciso respeitar as divergências internas da língua com as duas grandes variedades-padr-o de Portugal e do Brasil. Com base em uma confrontaç-o de construções teóricas, aplicando análises contrastivas sistemáticas a fim de antecipar possíveis dificuldades, chegamos, através dos resultados empíricos, à conclus-o que n-o só as estruturas linguísticas que provocam efeitos de transferência, mas sobretudo o estado pessoal e as constelações de línguas mais ou menos consolidadas na competência individual. 1 A maioria das publicações realizadas neste projeto foram escritas em alem-o, Koch (2020b) aborda uma outra temática em português, para leitores de espanhol também s-o acessíveis Koch (2019a) e Eibensteiner / Koch (2018). 1 Introduç-o Em muitos contextos, o português n-o é a primeira língua da família românica que os aprendentes escolhem; muitas vezes é precedido por uma das línguas românicas mais frequentemente estudadas na escola o que permite um acesso facilitado ao português graças ao potencial da transferência de estruturas semelhantes. Particularmente o espanhol tem este caráter de língua-ponte (cf. Berschin 2016), que constitui, porém, um desafio particular se se toma em consideraç-o que existem poucas convergências fonéticas e ortográficas e que as duas línguas se distinguem também em vários aspetos morfossintáticos e lexicais. Também é preciso respeitar as divergências interiores do português como língua pluricêntrica com as duas grandes variedades-padr-o de Portugal e do Brasil dado que a distinç-o fónica entre o espanhol e o português se relativiza na variedade-padr-o brasileira. Neste contributo, analisamos o desafio de falar o português como língua terciária (L3) à base empírica da fala de pessoas poliglotas. O termo ‘poliglota’ designa pessoas com competência ativa num grande número de línguas estran‐ geiras. Num projeto mais extenso (Koch 2020a), dedicámo-nos às particulari‐ dades linguísticas de poliglotas românicos - quer dizer pessoas capazes de falar quatro ou mais línguas românicas -, às suas estratégias de aprendizagem e de manutenç-o, assim como às suas estratégias para distinguir as semelhanças das línguas irm-s (cf. Koch 2017a; 2017b; 2017c; 2019a; 2020b; Eibensteiner / Koch 2018). O presente trabalho entende-se como um extrato do inteiro projeto especificado para a aprendizagem do português (cf. sobretudo Koch 2020a, 273-288) e, além disso, apresentado em português. 1 Em primeiro lugar, esclareceremos o conceito de L3 e as particularidades do português neste contexto. A secç-o 3 introduz a metodologia para analisar as ca‐ raterísticas na fala de uma L3. A secç-o 4 é uma compilaç-o de resultados quanto ao uso das diferentes variedades do português e aos fenómenos de transferências interlinguísticas observadas no português como L3. Finalmente, discutiremos a confrontaç-o dos resultados empíricos com as análises contrastivas sistemáticas para revisar se e onde a produç-o da L3 se distingue dos constructos teóricos. 416 Christian Koch 2 O português como L3 2.1 O conceito de L3 O conceito de língua terciária ou L3 n-o se deve confundir com língua terceira, ou seja uma terceira língua na ordem cronológica das línguas na aquisiç-o. A L3 é uma língua estrangeira que se aprende depois da primeira língua estrangeira (L2) com um grau maior de experiência, ou nas palavras de Britta Hufeisen (2000, 24): While beginning to learn a second foreign language the learner has already developed a set of experiences, mechanisms and strategies […] that incorporate his/ her L2-ex‐ periences, and this seems to be the main determining difference between L2and L3-learning. A ideia de Hufeisen fez-se notável como didática de língua terciária com ênfase nas estratégias de aprendizagem previamente adquiridas. O conceito n-o precisa necessariamente de uma relaç-o tipológica entre L2 e L3 e por isso, trata-se de um conceito universal para qualquer combinaç-o de línguas. Na área da filologia românica, a proximidade entre as línguas torna-se, porém, o aspeto central de uma didática de L3. Neste contexto existe a didática da intercompreens-o que enfoca a competência recetiva da L3 como objetivo final ou às vezes como primeiro passo para aceder depois à produç-o em forma de falar e escrever (cf. Meißner 2003, 65sq.). A competência produtiva está no centro das novas orientações da didática do plurilinguismo românico proposta por Daniel Reimann (2016; cf. Reimann / Koch 2019, 11). L3 num contexto românico significa que o aprendente tem uma outra língua românica como L2, mas também seria possível aplicar a metodologia da L3 a pessoas com uma língua românica como língua materna (L1) e que lucram com estratégias de intercompreens-o e transferência linguística para aceder mais facilmente a uma outra língua românica. 2.2 O português e as outras línguas românicas Enquanto o português infelizmente desempenha apenas um papel marginal como língua estrangeira no sistema escolar alem-o (cf. Reimann 2014; Melo-Pfeifer / Koch 2019), existe mais interesse pelo idioma no setor universi‐ tário. Mas n-o só na Alemanha, o português é uma L3 típica, especialmente aprendida após o espanhol. Em relaç-o com a didática da intercompreens-o, pode-se mencionar o livro Kontrastsprache Portugiesisch de Arntz / Ré (2007) que propõe um módulo passivo para contrastar espanhol e português em combinaç-o com um módulo ativo. Também Berschin (2014; 2016) enfatiza a 417 Acessos ao português como L3 - falada por poliglotas em línguas românicas 2 Traduç-o [C.K.]: Afinal, [as línguas] n-o têm nenhuma conex-o necessária entre si: exceto que talvez sejam vizinhas, surgidas de alguma origem comum. Mas deve-se ter em conta que as línguas vizinhas se impedem mutuamente quase tanto mais, quanto mais tempo est-o separadas: especialmente na pronúncia. 3 Cf. Hoffmann (2001, 22): “language mixing occurs more frequently at the lexical-se‐ mantic than at the phonetic-articulatory level where […] the links between the systems are weakest.” ponte do espanhol para o português. Vale ainda mencionar a livro de trabalho Spanisch/ Portugiesisch kontrastiv de Schäfer-Prieß / Schöntag (2012) que cria acessos linguísticos - práticos e filológicos - para a outra língua. Ao lado destes trabalhos baseados na comparaç-o estruturada dos sistemas linguísticos, é preciso considerar também estudos empíricos sobre os fenómenos reais na produç-o da L3, ainda escassos no campo do português. Na sua Análise de Erros em Falantes Nativos e N-o Nativos, José Manuel Cristiano (2010) examina p. ex. os tipos de erro de 41 pessoas com 16 diferentes L1 (cf. ibid., 18sq.), embora encontre poucos erros devido à interferência: “N-o s-o muito usados, em termos quantitativos, os erros relacionados com interferências causadas pela língua materna, embora isso seja uma causa facilmente identificável” (ibid., 79). Deve-se notar que Cristiano n-o oferece nenhuma análise contrastante relativa a uma das muitas L1, de modo que a sua conclus-o da ausência de interferências parece questionável e incita o desiderato de comparar dados empíricos com enfoque na influência de outras línguas. Falando de contrastes entre o português e as outras línguas românicas, a diferença mais notável é sem dúvida a distância da pronúncia. Seria possível citar uma observaç-o geral de Jo-o Amós Comênio (2005, 379) sobre a distância entre línguas vizinhas: Tandem, neque [linguæ] inter se habent nexum aliquem necessarium: nisi forsan quæ vicinæ sunt, à communi aliqua matrice ortæ. Sed deprehensum est vicinas linguas magis propemodum si invicem impedire, quàm longiùs dissitas: præsertim pronuntiatione. 2 Entre os vizinhos espanhol e português, praticamente n-o existem lexemas fonética e ortograficamente idênticos, de modo que a separaç-o mental dos idiomas com base na fonética parece provável. 3 O grande contraste do som associa-se sobretudo à variedade europeia do português (PE) e a distância relativiza-se para o português do Brasil (PB), que - na medida em que se pode falar de caraterísticas gerais - também possui certas peculiaridades fonéticas, mas onde o s implosivo se realiza sem chiamento (cf. Noll 1999, 44sqq.) e as vogais se articulam mais claramente que no PE, o que torna a pronúncia do 418 Christian Koch 4 Para a distinç-o fonética exata entre espanhol e a variedade-padr-o do PB cf. Simões (2014, 424sq.). PB certamente mais próxima da do espanhol. 4 Por isso, a quest-o da forma do português como L3 também depende sempre da variedade que o aprendente usa. 3 Método O presente trabalho baseia-se na análise de um corpus de 15 pessoas poliglotas que s-o capazes de falar quatro ou mais línguas românicas em níveis variados entre B1 e C2. S-o principalmente jovens adultos entre 20 e 30 anos cuja língua materna é em oito casos uma língua românica (italiano, espanhol, francês, português, romeno), em seis casos uma língua germânica e em um caso uma língua eslava. Para os exemplos que citamos no parágrafo seguinte, veja aqui as línguas que as pessoas falam, nomeadamente a(s) língua(s) materna(s) (L1) e as línguas românicas por ordem de autoavaliaç-o com R1 para o nível mais avançado e R4, R5, R6… como os níveis menos avançados, mas com um mínimo de B1 na produç-o oral: 419 Acessos ao português como L3 - falada por poliglotas em línguas românicas Pseudó‐ nimo L1 R1 R2 R3 R4 R5-R8 Vide exemplo P01 Felix alem-o francês espanhol italiano catal-o português 5, 6, 21 P02 José espanhol espanhol italiano português francês 3, 7, 8, 10, 11, 13, 19 P03 Thomas alem-o francês espanhol italiano português baixo engadino 9 P04 Jürgen alem-o / croata português espanhol italiano francês catal-o - P05 Alessandro italiano italiano francês espanhol português latim, catal-o, ro‐ meno, galego - P06 Maurizio italiano italiano espanhol português francês 4, 22 P07 Frédéric francês / inglês francês espanhol italiano português 16, 24 P08 Júlia português português francês italiano espanhol - P09 Giuseppe italiano italiano espanhol português francês 12, 14, 23 P10 Krzysztof polaco espanhol catal-o italiano francês - P11 Matthijs neerlandês francês espanhol português occitano italiano 1, 15 P12 Colin inglês / irlandês espanhol francês português catal-o italiano 18 P13 Felipe espanhol espanhol português italiano catal-o francês, romeno - P14 Liam inglês / alem-o espanhol francês português italiano 2, 17, 20 P15 Antoaneta romeno / húngaro catal-o espanhol romeno francês - Tab. 1: As línguas dos poliglotas 420 Christian Koch 5 Para a transcriç-o das narrações, usamos uma vers-o modificada do sistema alem-o GAT 2 (= Gesprächsanalytisches Transkriptionssystem 2, cf. Selting et al. 2009), concebido para a análise conversacional. Para os símbolos cf. o anexo. 6 A reduç-o a duas variedades-padr-o do português ainda é habitual na didática do PLE, embora haja novas tendências em expandir a vis-o para as áreas lusófonas da África e da Ásia (cf. Koch / Reimann (ed.). 2019). Os dados coletaram-se através de uma narraç-o da banda desenhada Der wehr‐ hafte Schneemann (‘O boneco de neve defensor’) de Erich Ohser (= e.o.plauen 2015, 118). Todas as pessoas contaram a história duas vezes, no presente e no passado e com combinações variadas das suas línguas. O corpus contém assim 30 narrações com um total de 2 horas e 49 minutos ou 14.838 palavras. Para o presente estudo, s-o relevantes os dados de onze pessoas (P01-P03, P05-P07, P09, P11-P14). Das outras, duas n-o falam português (P10, P15), uma pessoa é falante nativa (P08) e um participante fala-o como primeira língua românica (P04). A partir das transcrições 5 podemos constatar sobretudo as transferências, que nos permitem encontrar indícios da interdependência no uso dos idiomas e das dificuldades e desafios especiais que os aprendentes têm quando falam em por‐ tuguês. O grande problema na análise de transferências é o desequilíbrio entre os processos interlinguísticos que resultam em formas corretas maiormente invisíveis e as interferências visíveis como erros na língua-alvo. N-o obstante, há transferências positivas analisáveis através de comentários metalinguísticos ou da entonaç-o notável graças à transcriç-o detalhada. 4 Resultados 4.1 A quest-o das variedades No que diz respeito às variedades, é muito comum que os aprendentes do português como língua estrangeira posicionem a sua fala diatopicamente entre Portugal e o Brasil. 6 Portanto, a quest-o da variedade falada foi levantada várias vezes durante as entrevistas com os poliglotas, quando parecia útil esclarecer a variedade usada na narraç-o da banda desenhada. Das pessoas que mencionam a variedade diatópica, Matthijs e Liam afirmam que falam o PE: (1) P11-I: Matthijs 112 - P11: Non, je parle pas le brésilien, j’ai pas l’habitude. 113 - I: Oui. 421 Acessos ao português como L3 - falada por poliglotas em línguas românicas 114 - P11: J’ai toujours conservé, euh, l’accent du Portugal. 115 - I: Oui. Mais là, dans/ dans ce language café par exemple, tu parles aussi aux Brésiliens ou tu/ 116 - P11: Jamais, jamais. […] 124 - P11: Et les Brésiliens et les Portugais, quand on est là, il y a des étrangers, enfin des/ des/ des non-lusophones on va dire, 125 - I: Hm. 126 - P11: Et ils parlent portugais comme moi, il y a des locuteurs natifs du Portugal et du Brésil, et nous, on se/ on se dit toujours, […] 130 - P11: Euhm, bon là, on dit toujours euhm, nous ne comprenons pas les gens qui disent que le brésilien, c’est incompréhensible, ou les Brésiliens que le portugais, c’est incompréhensible, parce que c’est, 131 - I: Hm. Oui. 132 - P11: Pour nous, on se comprend toujours. 133 - I: Oui. 134 - P11: Des fois, il y a des mots différents, mais, euh, 135 - I: Oui. 136 - P11: ça se comprend quoi […] Matthijs diz que n-o fala o PB. A quest-o de saber se ele fala com brasileiros (l. 115) provavelmente foi entendida como uma pergunta repetida sobre se ele fala em PB. Porque Matthijs afirma mais tarde (l. 124) que tem experiência em conversas com brasileiros e portugueses, mas permanece na sua variedade do PE. Quer dizer que n-o tenta um variety shift (cf. Moreno Fernández 2015, 11) ou code-meshing (cf. Spaëth / Narcy-Combes 2014, 381), ou seja, uma adaptaç-o da sua própria linguagem à variedade do interlocutor. Matthijs n-o vê uma barreira linguística difícil que comprometa a compreens-o mútua. Liam também descreve a compreens-o de ambas as variedades, combinando essa competência com a produç-o do PE: 422 Christian Koch 7 Traduç-o: 055 - P14: Sim, tenho um amigo de Portugal e é por isso que percebo (056 - I: Sim.) 057 - P14: principalmente […] o português de Portugal, mas a maioria dos média s-o brasileiros. (058 - I: Hm.) 059 - P14: Ent-o (1) de alguma forma/ Mas acho que como eu falo é mais europeu, […]. 8 Este exemplo discute-se também em Koch (2019b, 108). (2) P14-I: Liam 055 - P14: Ja, ich habe einen Kumpel aus Portugal und deswegen höre ich 056 - I: Ja. 057 - P14: meistens […] das Portugiesisch aus Portugal, aber die meisten Medien sind brasilianisch. 058 - I: Hm. 059 - P14: Also (1) irgendwie/ Aber ich glaube, wie ich spreche, ist eher europäisch, […]. 7 O peruano José, por outro lado, tem experiências ativas com ambas as varie‐ dades: (3) P02-I: José 058 - P02: […] yo aprendí el portugués de Brasil con el acento carioca. 059 - I: Sí. 060 - P02: Pero cabe que, a ver, en mi trabajo/ ya pues trabajo casi diez años y también conozco gente de Portugal. […] 064 - P02: Y cuando hablo con un portugués, empiezo como un/ como de Portugal. […] 066 - P02: […] Pero me encanta la forma como se habla en Río de Janeiro. […] 076 - P02: […] Eles falam: você n-o parece, n-o parece peruano, parece de aqui, deles. José indica que prefere o carioca do Rio de Janeiro, mas é capaz de mudar a variedade quando fala com portugueses. Nos dados aqui disponíveis da narraç-o da banda desenhada, a variedade n-o é predeterminada pela tarefa. Como n-o conversámos em português de antem-o, n-o houve nenhum ajuste à minha variedade. Em geral, as caraterísticas da pronúncia brasileira, como a palatizaç-o das oclusivas dentais (cf. Noll 1999, 46-49), s-o claramente audíveis na fala em português de José. Este também é o caso de Maurizio: 8 423 Acessos ao português como L3 - falada por poliglotas em línguas românicas (4) P06: Maurizio 040 - I: […] E il portoghese è marcato del/ del, eh, brasiliano, no? Eh, piuttosto il brasiliano che il portoghese europeo? 041 - P06: Eh, non lo so, perché i miei amici brasiliani mi dicono che parlo portoghese europeo, mentre […] 043 - P06: dei portoghesi mi dicono che ho l’accento brasiliano, quindi credo che non parli <<rindo>nessuno dei due (termini.)> Credo che mi parlino male. 044 - I: Sì. 045 - P06: Solo che, sì, ho imparato quello con brasiliano. Poi al/ all’università ho fatto un corso di portoghese europeo perché appunto era richiesto lo standard europeo, soprattutto per cui riguarda la grafia, eh, insomma lo scritto. 046 - I: Sì. 047 - P06: Però diciamo che quello port/ hm, è brasiliano. Embora a sua fala mostre traços caraterísticos do PB, Maurizio tem experiência com falantes nativos que o situam na outra variedade. Além de ser a língua estrangeira dele, essa classificaç-o pode ser devida ao facto de a produç-o de Maurizio também estar em conformidade com o padr-o europeu que ele aprendeu como padr-o da escrita. Felix ilustra a dificuldade de estabelecer um padr-o para o PB: 424 Christian Koch 9 Traduç-o: 022 - P01: […] porque lá […] provavelmente assimilei em maior parte a variante brasileira, o que significa que n-o apenas a assimilei inconscientemente, mas também conscientemente, […] confrontei-me com ela. Olhei o que é que é tipicamente brasileiro, […] como a norma se relaciona com certas variações e, em seguida, tentei aprender conscientemente a variaç-o brasileira também […] na pronúncia. E eu acho que estou agora (1) mais firme em pronunciar certas coisas de forma brasileira do que de forma europeia, sim, definitivamente. Embora seja difícil justamente em português quando se trata do padr-o, porque muitas coisas n-o est-o (5) P01-I2: Felix 022 - P01: […] denn da […] habe ich mir wahrscheinlich weitestgehend die brasilianische Variante angeeignet, das heißt, ich habe sie mir nicht nur unbewusst angeeignet, sondern auch bewusst, […] ich habe mich halt damit auseinandergesetzt. Ich […] habe geguckt, was ist typisch brasilianisch, […] wie steht die Norm zu gewissen Variationen, und habe dann bewusst versucht, mir die brasilianische Variation auch […] in der Aussprache anzueignen. Und ich glaube, da bin ich mittlerweile (1) fester oder gefestigter darin, gewisse Dinge brasilianisch auszusprechen als europäisch, ja, auf jeden Fall. Wobei es gerade im Portugiesischen schwierig ist, auch, was die Norm angeht, denn viele Dinge sind nicht lupenrein von der Norm geklärt. Also da weiß man gar nicht, wie steht denn die Norm jetzt zu gewissen Aussprachen? Gerade was die Variation der Frikative angeht, und so weiter, da gibt es eine große Unsicherheit, auch innerhalb der Bevölkerung. Das habe ich übrigens in Brasilien auch gemerkt. Ich habe da auch, wenn ich mit Leuten ins Gespräch gekommen bin, direkt gefragt, wie sie sich an der Norm orientieren oder was sie eigentlich denken von/ darüber, was sie sprechen und wie sie sprechen, und viele konnten mir das gar nicht richtig beantworten. Die sagen immer halt, manches spreche ich so aus und manches so. Aber irgendwie ist irgendwie alles akzeptabel oder tolerabel […]. 9 425 Acessos ao português como L3 - falada por poliglotas em línguas românicas completamente claras quanto ao padr-o. Ent-o n-o se sabe: qual é a norma agora para certas pronúncias? Especialmente quando se trata da variaç-o das fricativas, e assim por diante, há uma grande incerteza, mesmo dentro da populaç-o. Eu também notei isso no Brasil. Quando conversei com as pessoas, perguntei diretamente como elas se orientam pelo padr-o ou o que elas realmente pensam sobre o que falam e como falam, e muitas dessas pessoas n-o me conseguiram responder realmente. Sempre dizem, eu pronuncio algumas coisas assim e algumas assim. Mas de alguma forma tudo é aceitável ou tolerável […]. Felix, estudante avançado em filologia românica, interessa-se pela norma per‐ cetiva do PB apercebendo-se das ambiguidades de um padr-o brasileiro (cf. Simões 2014, 428). Para a análise da interlíngua orientada por normas que segue no próximo parágrafo, isso significa que se permitem algumas liberdades normativas - especialmente na área de posiç-o e uso dos pronomes - como parte da norma de tolerância (cf. Stehl 2012, 114), embora existam recomendações como as de Simões (2014, 428): “A good rule of thumb for non-natives is to use the pronouns in a more consistent manner and understand that natives may not do so.” 4.2 Fenómenos de transferência no português como L3 Nas histórias dos onze poliglotas com o português como L3, encontrámos 21 fenómenos de transferência, que apresentaremos em sua maioria nesta secç-o. 4.2.1 Fonética e léxico O primeiro exemplo mostra como pode ser uma transferência (parcialmente) bem-sucedida: (6) P01-BG-1: Felix (R5) 38 P01P: ehm hhh° (8.1) na (1.4) quarta imagem, (2.0) 39 ehm se vê (2.0) que (1.5) o homem, (-) ehm (1.5) 40 ehm (---) se: : (1.3) tem (.) vestido, (1.1) ehm (3.0) 41 o costume {a fantasia} ((ri)) ehm (2.1) e (--) 42 e ehm (1.4) o filho, (2.0) ehm (1.0) tem (1.2) 43 nas suas (.) nas suas (m-os/ m-es) eh (2.1) a (1.6) 44 a cara, (--) ou (---) (isso) é uma é uma cara, (-) 45 °h ehm (1.0) para o homem de: (1.2) <<p>neve? > 426 Christian Koch 10 Piske ( 2 2010, 156) diferencia phonological awareness como a capacidade de discriminar caraterísticas distintivas (incluindo supra-segmentais) e phonetic awareness como o conhecimento de caraterísticas específicas dos sons. Felix fala relativamente pouco português: é a sua quinta língua românica, na qual ainda n-o tem muita experiência em falar. Numerosas pausas preenchidas e n-o preenchidas mostram a baixa fluência da fala (medida com 27.7 palavras por minuto). Os lexemas marcados costume, cara e neve têm caraterísticas paraverbais indicando que podem ser transferências espontâneas ou suposições. Costume é um falso amigo de fr. costume ou de al. Kostüm. De vez em quando o vocabulário do português está mais próximo do francês do que do espanhol - p. ex. pt. greve / fr. grève vs. esp. huelga -, neste caso, no entanto, a proximidade está entre pt. costume e esp. costumbre ou fr. coutume. O riso (l. 41) indica que a palavra foi adivinhada. O lexema cara é posteriormente tratado por um comentário metalinguístico que manifesta incerteza, mas depois Felix ratifica a palavra. De facto, o lexema cara em português n-o é totalmente análogo a esp. cara. Rosto ou face seriam formas mais apropriadas neste contexto. Na forma de neve, a transferência do espanhol (nieve) é conseguida. A pausa anterior e a entonaç-o silenciosa e altamente crescente indicam a incerteza. Que a transferência para o lexema correto é bem-sucedida, embora o lexema n-o seja idêntico a esp. nieve, pode explicar-se pela consciência fonológica (cf. Piske 2 2010, 156) 10 e pelo facto de que em português - diferentemente do italiano e do francês onde Felix produz formas como *nieve e *nieige - n-o há este ditongo. O processo de transferência realizado aqui pode ser descrito com o termo de foreignising no sentido de Kropp (2015, 173) “als wissensgeleitetes Verfahren”, como um processo baseado no conhecimento. José hesita no momento da transiç-o entre falar italiano ou português: (7) P02-BG-2: José (R3) 30 P02 P : na quinta <<I>immagine (---) c’è (-) eh c’è> 31 na quinta <<I>immagine> (--) na (-) <<I>la> (-) 32 na quinta imagem (.) sim na quinta imagem (--) José volta duas vezes para o italiano articulando immagine. Ent-o, consegue articular imagem e o timbre da voz muda significativamente. Isso é visível na formaç-o dos formantes na vogal a em contraste: 427 Acessos ao português como L3 - falada por poliglotas em línguas românicas 11 As frequências médias dos centros formânticos F 1 e F 2 da vogal marcada s-o F 1 = 711Hz e F 2 = 1528Hz em italiano e F 1 = 753Hz e F 2 = 1161Hz em português. Este exemplo já foi introduzido em Koch (2017b, 410; 2017c, 411). Para o método da mediç-o de formantes em L2 cf. também de Groot (2011, 274). Fig. 1: Posiç-o dos formantes (italiano vs. português) Pode-se ver aqui que a vogal a em italiano é articulada longa, anterior e em movimento à africada [d͡ʒ]. A vogal portuguesa, porém, é curta, compacta e articulada numa posiç-o horizontal mais central, o que se vê no segundo centro formântico (F 2 ). 11 José e outras pessoas também mencionam durante as entrevistas o som como elemento central da diferenciaç-o das línguas românicas. Os próximos três trechos mostram erros performativos, nos quais se supõe a influência do italiano: (8) P02-BG-1: José (R3) 63 P02P: o senhor está vestindo: (--) es/ (-) e/ (.) e/ (.) 64 está vestindo as roupas que lhe desenharam, (---) 65 e o <<I>bambi/ > (o/ ou) a criança (.) está: (1.0) 66 está entregando para e: le (-) para (focar) (.) 67 a máscara (---) 428 Christian Koch José suspende a articulaç-o de it. bambino para usar o vocábulo correto. O facto de esta suspens-o funcionar, pode-se explicar com a teoria de language tags, quer dizer, entradas no léxico mental para assinalar as diferentes línguas (cf. Riehl 2014, 42). O falante ainda se pode conscientizar após a articulaç-o no processo de monitoring. No caso seguinte de Thomas, a interpretaç-o n-o é fácil: (9) P03-BG-1: Thomas (R4) 36 P03 P : e: : e: hm (2.5) o filho (-) lhe está: (.) 37 oferecendo (-) a testa: {cabeça} 38 que o pai tem que (.) pôr-se (---) 39 sobre a cabeça, Obviamente, a forma testa pode ser uma importaç-o do italiano, mas também poderia ser pt. testa como metonímia de cabeça. Mesmo que, pela imagem, a descriç-o da cabeça do “falso” boneco de neve em relaç-o à cabeça do pai possa pedir um vocabulário diferenciado, achamos que a escolha da palavra portuguesa é pouco provável em comparaç-o com a interferência do italiano, interpretaç-o nossa que é apoiadada pela revis-o e o uso subsequente de cabeça por Thomas (l. 39). O próximo erro performativo é mais claro: (10) P02-BG-1: José (R3) 99 P02 P : o homem cae na terra eu acho ((ri)) 100 e tem a criança que está olhando, (--) d/ (--) 101 está olhando e: hm (-) da <<I>finestra>, {janela} (---) 102 é muito engraçada a imagem (2.1) A pronúncia realiza-se sem chiamento como [fiˈnɛstɾɐ], ent-o perto do italiano. Mais tarde, José usa o lexema correto em uma express-o quase idêntica: (11) P02-BG-2: José (R3) 35 P02 P : a criança (-) se escondeu na casa, (-) mas: está (--) 36 está olhando (--) através da janela (--) ehm (1.9) A palavra janela n-o tem cognatos nas outras grandes línguas românicas, só xanela em galego. Giuseppe provavelmente n-o a conhece: 429 Acessos ao português como L3 - falada por poliglotas em línguas românicas 12 Kellerman (1979, 38) designa tais interferências curtas como “involuntary linguistic hiccups”. 13 Para o ceticismo global sobre a analisabilidade de avoidance cf. Kellerman (1983, 113). Se se usa a palavra esp. helado em vez da forma mais provável de esp. congelado, isso pode ser o resultado de uma co-ativaç-o de palavras semelhantes e semanticamente similares (cf. Riehl 2002, 70). (12) P09-BG-1: Giuseppe (R3) 110 P09 P : e: h tirou um eh empurrou com o pé, (--) 111 eh o: a criança está: na <<E>ventana> {janela} É interessante aqui que Giuseppe n-o recorra à sua língua materna, o italiano, mas segue a estratégia de derivar a palavra do espanhol que em geral está lexicalmente mais próximo. José, por sua vez, deriva possivelmente da sua língua materna: (13) P02-BG-1: José (R3) 93 P02 P : a pessoa que parece (de um) (---) 94 que parece estar (<<Em>hela: / >) 95 que n-o tinha uma (.) vida (1.0) Se a nossa interpretaç-o da forma percebida [eˈlaː] como o início de esp. helado está correta, este é um performance switch, ou seja, um salto n-o intencional à língua materna (cf. Poulisse 1997, 207), que o falante mesmo percebe imedia‐ tamente. 12 Interpretamos a descriç-o do estado da pessoa congelada na linha 95 como avoidance strategy, e n-o apenas no sentido de evitar estruturas desconhecidas (cf. Williams / Hammarberg 1998, 297; Martín Martín 2004, 273), mas como rejeiç-o de uma palavra semelhante ou idêntica para prevenir os falsos amigos (cf. Jessner 2003, 53). Esta palavra poderia ser o homógrafo espanhol-português congelado. 13 Ocorrem interferências lexicais onde parece mais difícil descrever uma estratégia de transferência: (14) P09-BG-1: Giuseppe (R3) 105 P09 P : parece uma: um <<E>escenario> {cenário} (--) 106 familiar (.) como uma família (.) O facto de os raros lexemas originários de étimos latinos com scinicial n-o formarem uma prótese em português como acontece em espanhol, mas sim uma reduç-o inicial, pode receber pouca atenç-o na comparaç-o estrutural das duas línguas e, portanto, os aprendentes de português L3 n-o conhecem esta diferença. Mais comum que cenário seria o substantivo cena (esp. escena) que é 430 Christian Koch 14 Wandruszka (1981, 238) fornece a abordagem para uma análise contrastiva de sufixos em francês, espanhol e italiano. um falso amigo com esp./ it. cena (‘jantar’), um falso amigo também relevante na vida cotidiana. Pode-se facilmente cometer um erro também com o seguinte adjetivo: (15) P11-BG-1: Matthijs (R3) 43 P11 P : e depois (1.6) o {a} criança está muito 44 <<E>contento> {contente} na casa; Emprestado de fr. content, o adjetivo termina em português nos dois gêneros em -e em vez de -o ou -a. No próximo caso, a desinência de -ente n-o é usada, mas existe em italiano: (16) P07-BG-2: Frédéric (R4) 88 P07 P : ent-o pensava de (<<Fm>faire>) fazer a mesma coisa, 89 (--) e dá uma grande bastonada na na: na cara do (--) 90 de homem de neve (--) tá pensando está muito (-) 91 <<I>divertente> {divertido} (2.1) Como na verdade existem várias palavras semelhantes em português (divergente, diferente…), é compreensível uma formaç-o espontânea de *divertente. Talvez a metodologia da didática multilingue com orientaç-o produtiva alcance os seus limites com diferenças t-o subtis, mas talvez o fenómeno também exija uma análise mais enfática dos sufixos divergentes nos cognatos lexicais. 14 4.2.2 Partículas e artigos definidos Existem várias peculiaridades em português nas palavras estruturais que o distinguem de outras línguas românicas (além do galego). Contudo, há poucas ocorrências no corpus dos poliglotas, p. ex.: (17) P14-BG-2: Liam (R3) 58 P14 P : ehm <<I>poi> {depois} (-) ehm (---) [ǁ] o pai do: (.) 59 do: (--) raparigo (.) No entanto, o uso de depois é detetável na fala de Liam (vide ex. 20). Para o significado de ‘mas’, Colin usa uma vez esp. pero corrigindo-se diretamente: 431 Acessos ao português como L3 - falada por poliglotas em línguas românicas (18) P12-BG-1: Colin (R3) 82 P12 P : eh (-) n-o sei por quê, <<E>pero> ah mas ele (-) Ao usar o artigo definido, às vezes ocorre uma espécie de tag switching (cf. Helmich 2016, 18), ou seja, o uso de uma forma gramatical de outro idioma, que os poliglotas geralmente corrigem de imediato: (19) P02-BG-1: José (R3) 59 P02 P : na última parte (1.5) eh ((ri)) (--) ((ri)) 60 <<Em>el> (--) o homem vestido est/ (--) (20) P14-BG-2: Liam (R3) 35 P14 P : e: h (.) [ǁ] e depois (---) eh (-) <<F/ I>il> (---) 36 eh o pai, (--) do eh (--) do jovem (-) O determinante possessivo do PE em combinaç-o com o artigo definido é semelhante ao italiano e ao catal-o, mas diferente do francês e do espanhol. No caso do PB, o uso do artigo é em geral facultativo: (21) P01-BG-2: Felix (R5) 133 P01 P : com s: / com <<E>su> eh (1.2) com eh (--) 134 com seu pede. Assim como no exemplo (6) de Felix, a posiç-o proclítica do pronome (se vê) n-o é considerada incorreta, o determinante possessivo seu sem artigo pode ser considerado parte de uma protonorma brasileira. 4.2.3 Morfologia verbal A morfologia verbal do português mostra irregularidades maiores em compa‐ raç-o com outras línguas românicas como o espanhol: (22) P06-BG-1: Maurizio (R3) 31 P06 P : esse como está esperando ele (-) 32 para: (-) para ver (.) outra vez que <<Im>va> vai (.) 33 vai fazer ele (1.1) A forma *va, inicialmente articulada, pode ser atribuída aqui à língua materna de Maurizio e à influência das outras duas línguas conhecidas por ele, espanhol e francês. O caso seguinte ainda é mais claro: 432 Christian Koch 15 Os significados e usos diferem ligeiramente entre os idiomas. (23) P09-BG-2: Giuseppe (R3) 105 P09 P : podemos aqui ver, (---) eh como o homem (.) 106 eh tive {teve} uma reaç-o agressiva, (--) 107 e: h contra o senhor, (--) e: : h (1.1) ehm (1.3) 108 e e: h <<E>rea[s]ionó> {reagiu} desta maneira (.) O espanhol conhece vários verbos que foram derivados novamente de substan‐ tivos, enquanto outros idiomas mantiveram formas verbais mais originais. Isso é o caso de esp. reaccionar (‘reagir’). No entanto, n-o se pode inferir disso que tais verbos n-o existam em português (p. ex. adicionar, dececionar, além de relatar também relacionar). Nesse sentido, em vez de interlinguística, sempre poderia tratar-se de uma transferência intralinguística e, portanto, de uma generalizaç-o de uma estrutura que, de acordo com Coseriu ( 3 1979), faz parte do sistema, mas n-o da norma de uma língua. No corpus dos poliglotas ocorrem formas semelhantes também em francês (*réactionné em vez de réagi) e em catal-o (*decepcionat em vez de decebut) porque nenhuma outra língua comparte a regularidade da formaç-o do espanhol: Espanhol Português Catal-o Francês Italiano reaccionar reagir reaccionar réagir reagire decepcionar dececionar decebre décevoir deludere emocionar emocionar emocionar émouvoir emozionare traicionar trair (atraiçoar) trair trahir tradire inspeccionar inspecionar inspeccionar inspecter ispezionare seleccionar selecionar seleccionar sélectionner selezionare Tab. 2: Alguns verbos espanhóis com terminaç-o em -cionar em outras línguas româ‐ nicas 15 Dificuldades com o uso dos tempos do passado como no exemplo (23) na linha 106 (*tive em vez de teve) s-o bem conhecidas na didática do PLE, mas também podemos mencionar a complexidade das formas do pretérito perfeito simples no contexto de L3 já que há particularidades que o português tampouco comparte 433 Acessos ao português como L3 - falada por poliglotas em línguas românicas com as outras línguas românicas. A forma tive corresponde à 1ª pessoa do singular do perfeito simples. Giuseppe conhece a raiz irregular do verbo ter nesse tempo. Em vários verbos, no entanto, há uma metafonia na 3ª pessoa do singular com a vogal final idêntica à 1ª pessoa - isso é inabitual em comparaç-o com as outras línguas românicas. Outros verbos como dizer, porém, mostram sincretismo. O uso de *tive no exemplo pode ser motivado pelo sincretismo em formas verbais semelhantes que também terminam em -e. Os principais verbos do português com sincretismo ou metafonia e terminaç-o em -e ou consonântica s-o os seguintes (comparados com o espanhol): Portu‐ guês 1ª ps. sg. perfeito simples 3ª ps. sg. perfeito simples Espanhol 1ª ps. sg. perfecto simple 3ª ps. sg. perfecto simple dizer disse decir dije dijo haver houve haber hube hubo querer quis querer quise quiso saber soube saber supe supo trazer trouxe traer traje trajo estar estive esteve estar estuve estuvo fazer fiz fez hacer hice hizo poder pude pôde poder pude pudo pôr pus pôs poner puse puso ter tive teve tener tuve tuvo Tab. 3: Sincretismo e metafonia de verbos portugueses no perfeito simples em compa‐ raç-o com o espanhol Como o pretérito perfeito composto do português só pode ser usado de maneira muito restritiva, a narraç-o no passado exige o uso do tempo narrativo mais importante, o pretérito perfeito simples, com a sua morfologia complexa: (24) P07-BG-2: Frédéric (R4) 31 P07 P : ent-o o dia de eh dia de <<I>dopo,> 32 dia dePOIS depois? eh (--) 33 I P : sim (-) 34 P07 P : n-o (-) n-o lembro (--) 434 Christian Koch 16 Na análise do italiano como L3, o Frédéric também mostra transferências invertidas do português para o italiano. 35 ent-o: tem (o/ um) pequeno filho, que vai fora, (-) 36 e que (.) e que: (2.1) 37 n-o (<<I>conosco>/ <<E>conozco>) {conheço} o passado 38 ((lacht)) que <<I>è andato> {foi} fora, (--) 39 e há: {tem} visto: isto: (1.1) 40 isto {este} homem {boneco} de: de neve: (-) 41 <<I>distrutto> {destruído} (--) agora (inicia: ) (1.0) 42 <<pp>(xxx)> (1.6) eh (1.3) eh (2.5) lágrimas? (1.4) 43 I P : sim (--) [H°] 44 P07 P : [eh] (.) o <<E/ I>padre> {pai} está (.) 45 (nem) na na janela e diz-se <<H>o que? que que (---) 46 que é o que é o problema; (--) 47 a: h o homem de neve tá (1.2) tá morto> (3.3) Em um comentário linguisticamente híbrido (l. 37), Frédéric informa que n-o conhece os tempos do passado em português e, em seguida, usa continuamente o passato prossimo do italiano, que neste trecho também tem outras influências lexicais (ll. 31 e 44). Mas por que recorre Frédéric aqui ao italiano, embora fale melhor espanhol e possa facilmente transferir formas mais próximas de lá? 16 Um desvio à L3 português, através de uma outra L3 - aqui do italiano - também se pode constatar nos exemplos de José e de Thomas. Por que acontece, por outro lado, embora seja mais óbvio, que p. ex. José volte à sua L1 espanhol? As constelações linguísticas dos poliglotas permitem a formulaç-o de uma hipótese sobre transferências mútuas entre L3 que vai concluir o artigo. 5 Conclus-o A partir das transferências observadas entre as diferentes línguas terciárias que os poliglotas falam, podemos supor que há menos identificaç-o consolidada de estruturas por serem idiomas relativamente menos bem desenvolvidos. Assim a análise dos dados empíricos mostra que transferências prováveis como do 435 Acessos ao português como L3 - falada por poliglotas em línguas românicas espanhol para o português n-o sempre se realizam; a identificaç-o de formas como espanholas impede a transferência pelo risco de erros no sentido do conceito de avoidance. Se a estrutura da língua-alvo n-o é clara, porém, o potencial de transferência de uma outra língua terciária aumenta, uma vez que ali as estruturas também s-o menos claras. Conforme a diferenciaç-o funcional de L2 e L3 feita na secç-o 2, a análise do português como L3 na fala dos poliglotas românicos sugere uma maior impermeabilidade para a transferência das línguas melhor aprendidas ou da L1, enquanto outras L3 s-o mais permeáveis uma à outra: Dokumentvorlage • Narr Verlage | C 3.3 das línguas melhor aprendidas ou da L1, enquanto outras L3 s-o mais permeáveis uma à outra: Fig. 2: Hipótese para baixa e alta permeabilidade de transferência entre as línguas em constelações poliglotas Se essa ideia fosse consistente, contradizia a suposiç-o de que a(s) L1 e L2 e as línguas tipologicamente mais próximas foram as fontes mais importantes para a transferência. No entanto, como a interdependência das línguas terciárias é percetível apenas em três das onze pessoas examinadas para o português, a hipótese n-o pode de forma alguma levar à exclus-o das suposições mais convencionais, principalmente porque estas também podem ser comprovadas nos dados. A hipótese, contudo, dá uma oportunidade para refletir uma vez mais sobre a quest-o se a análise contrastiva n-o-empírica é capaz de formular os potenciais de transferência tanto facilitando o acesso como antecipando dificuldades potenciais. L1 L2 consolidada L3 3 Fig. 2: Hipótese para baixa e alta permeabilidade de transferência entre as línguas em constelações poliglotas Se essa ideia fosse consistente, contradizia a suposiç-o de que a(s) L1 e L2 e as línguas tipologicamente mais próximas foram as fontes mais importantes para a transferência. No entanto, como a interdependência das línguas terciárias é percetível apenas em três das onze pessoas examinadas para o português, a hipótese n-o pode de forma alguma levar à exclus-o das suposições mais convencionais, principalmente porque estas também podem ser comprovadas nos dados. A hipótese, contudo, dá uma oportunidade para refletir uma vez mais sobre a quest-o se a análise contrastiva n-o-empírica é capaz de formular 436 Christian Koch os potenciais de transferência tanto facilitando o acesso como antecipando dificuldades potenciais. A análise empírica mostra quais s-o os aspetos relevantes que os aprendentes necessitam no acesso ao português como L3: Vimos que a complexidade morfológica pode ser um desafio, mas também o léxico, sobretudo quanto a transformações fonológicas que s-o pouco comuns para aprendentes com experiência na aquisiç-o de outras línguas românicas. Mas a análise também enfoca dificuldades subtis que talvez tenham menos relevância para aprendentes fora do grupo de poliglotas românicos. Por isso fica desejável continuar a análise da língua dos aprendentes em outros contextos e de combinar os dois métodos - análise contrastiva teórica e análise empírica - como caminho mais praticável para a criaç-o de uma didática competente do português como L3. Referências Arntz, Reiner / Ré, Andrés. 2007. Kontrastsprache Portugiesisch. Ein neuer Weg zum Portugiesischen auf der Grundlage des Spanischen. Wilhelmsfeld: Egert. Berschin, Benno H. 2014. “Transfer und Kontrast im gesteuerten Tertiärsprachenerwerb - mit Beispielen zum Katalanischen und Portugiesischen”, in: Daniel Reimann (ed.). Kontrastive Linguistik und Fremdsprachendidaktik Iberoromanisch - Deutsch. Studien zu Morphosyntax, Mediensprache, Lexikographie und Mehrsprachigkeitsdidaktik (Spa‐ nisch, Portugiesisch, Katalanisch, Deutsch). Tübingen: Narr, 241-257. Berschin, Benno H. 2016. “Romanische Mehrsprachigkeit: Spanisch nur Brücke? 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Anexo: Símbolos da transcriç-o das narrações (Ex. 6-24) (.) - micropausa (-)/ (--)/ (---) - pausa estimada < 0.5/ <0.8/ <1 segundo (2.6) - pausa medida ≥ 1 segundo (bem) - palavra incerta (um/ uma) - palavra incerta com variante . - entonaç-o cadente , ? - entonações crescentes de grau meio e alto TEnho - acento focal visto: - som prolongado ((ri)) - comentário 440 Christian Koch [ ] - transcriç-o fonética [ǁ] - clique lingual °h - inspiraç-o <<E>> - lexema de outra língua (E=Espanhol) { } - forma correta, n-o articulada. 441 Acessos ao português como L3 - falada por poliglotas em línguas românicas Divergências no domínio dos tempos verbais entre o Português Europeu e o Português Brasileiro como desafio no ensino do Português como Língua Estrangeira e Língua N-o Materna Benjamin Meisnitzer Resumo O objetivo do presente artigo é retratar desafios para o ensino do Português como Língua Estrangeira (PLE) na Alemanha, devido ao seu caráter pluricên‐ trico, com pelo menos dois centros normativos: o eixo Coimbra - Lisboa para o Português Europeu (PE) e o eixo S-o Paulo - Rio de Janeiro para o Português Brasileiro (PB). As respetivas diferenças s-o o resultado de processos de mudança linguística numa das variedades respetivamente. O foco incidirá sobre os domínios no campo da semântica verbal onde o sistema alem-o e o sistema português divergem substancialmente e os domínios onde a norma brasileira e a norma portuguesa registam diferenças substanciais. Do ponto de vista didático focalizaremos os problemas abordados de acordo com o princípio atualmente vigente da aprendizagem por via indutiva. 1 O Português como Língua Pluricêntrica: as variedades do PE e do PB O Português é indubitavelmente um exemplo prototípico, por assim dizer, de uma língua pluricêntrica na aceç-o de Clyne (1992), pelo menos, se tivermos em conta as variedades do PE e do PB (cf. Arden/ Meisnitzer 2013, 21-22). Variedades emergentes como o Português Angolano e o Português Moçambicano n-o ser-o contempladas neste artigo, devido à atual (lamentável) reduzida importância nos cursos de PLE na Alemanha (cf. Meisnitzer 2019, 28-31). Quanto ao PE e ao PB, ambos apresentam diferenças estruturais profundas nos diversos níveis linguísticos aceites em contextos formais e no registo escrito, nomeadamente o alçamento do <e> como sílaba átona no final de palavra (ex. - 1 Os pontos 1-3 foram definidos como parâmetros para caraterizar uma língua pluricên‐ trica por Bierbach (2000, 144-147). lev[i] em vez de PE lev[ɨ] ou [lɛv] (Mattos e Silva 2013, 149)); a preferência pela próclise no caso de clíticos (PE - Ø Deu-me um presente. vs. PB Ele me deu um presente.), bem como a marcaç-o explícita do sujeito através de um pronome em posições de predominância do sujeito nulo no PE (cf. Meisnitzer 2019, 26) ou a omiss-o da preposiç-o nas orações relativas, sendo a relaç-o sintática marcada exclusivamente pelo pronome relativo (Ex. - Esse é um livro Ø que eu gosto muito.) (Arden 2010, 7). Para além das diferenças profundas ao nível do sistema da língua, o PE e o PB satisfazem os seguintes requisitos, que definem uma língua como sendo pluricêntrica: 1 1. Existência de um centro urbano, cuja variedade serve de modelo linguís‐ tico, reconhecido também pelos falantes de outras variedades da mesma língua histórica e ativo em matéria de política linguística; 2. Associaç-o da respetiva norma a um estado nacional, servindo esta de referência na educaç-o, nos meios de comunicaç-o e nos diferentes domínios discursivos; 3. Codificaç-o das respetivas variedades em gramáticas, dicionários e pron‐ tuários ortográficos; 4. Elementos linguísticos considerados pela comunidade de falantes como neutros do ponto de vista da marcaç-o diassistemática (diatópica, dias‐ trática e diafásica) (Oesterreicher 2001, 308); 5. Sistema educativo e de meios de comunicaç-o social difusores da respetiva norma (Mateus / Cardeira 2007, 39). O caráter pluricêntrico do Português n-o deve ser confundido com uma possível simetria de ambas as normas, que n-o se verifica, uma vez que apesar de se atribuir ao PE um maior prestígio cultural, pela tradiç-o literária, o PB regista maior número de falantes e maior difus-o através das produções da TV Globo, sobretudo das telenovelas. Devido à importância geográfica e económica do Brasil, o PB é a variedade com crescente procura a nível dos cursos PLE (Arden / Meisnitzer 2013: 46). Ao mesmo tempo, as caraterísticas do PB aceites em larga escala pela comunidade linguística, enfrentam ainda algumas dificuldades em implementar-se nas gramáticas prescritivas, por norma bastante conservadoras (Martins / Meisnitzer 2016: 81). A língua, independentemente das respostas ou da ausência destas na grama‐ ticografia, evolui e muda, consolidando-se progressivamente normas endógenas (diferentes) em ambos os lados do Atlântico. 444 Benjamin Meisnitzer 2 O ensino de gramática nos cursos de Línguas Estrangeiras Modernas: modelos didáticos A gramática para além de abranger o conjunto de regras de uma língua (noç-o 1), corresponde à descriç-o das respetivas regras numa obra (as diversas gramáticas de uma língua) (noç-o 2) e designa os conhecimentos das regras de uma língua de um falante ou de um estudante de uma língua (noç-o 3) (Fäcke 2010, 152). O ensino da gramática das línguas modernas inicialmente foi fortemente marcado pelas aulas e o ensino do Latim e a respetiva terminologia, que foi transferida para a descriç-o das línguas modernas, suscitando todo um conjunto de pro‐ blemas (Reinfried 2006, 38). Terminologia como sujeito, predicado, nominativo, dativo, nome predicativo, pronome possessivo s-o apenas alguns vestígios dessa inscriç-o na tradiç-o gramaticográfica das línguas clássicas (Decke-Cornill / Küster 2015, 108-109). Descrições sintático-funcionais como complemento direto e complemento indireto, por seu turno, correspondem a adaptações resultantes de diferenças morfossintáticas, neste caso a perda da marcaç-o de casos. O método de ensino de línguas estrangeiras conhecido como método tra‐ duç-o-gramática é o resultado desta orientaç-o no modelo das aulas de Latim (Reinfried 2006, 38). Os exercícios e os manuais utilizados têm o seu foco em determinadas formas gramaticais, que devem ser repetidas e praticadas, em textos com lacunas para preencher, ou testadas através de perguntas formais (Decke-Cornill / Küster 2015, 109). O conteúdo temático é secundário e as in‐ tenções comunicativas s-o maioritariamente ignoradas. Desde o communicative turn, na década de 70 do século passado, que resultou numa subordinaç-o da gramática a finalidades comunicativas, a focalizaç-o da didática passou da forma para a funç-o gramatical (Reinfried 2006, 41). A forma morfológica deixou de ser a prioridade máxima do ensino, cujo interesse recaiu sobre determinados conteúdos e fins comunicativos, ou seja, a vertente pragmática passou a assumir uma componente central. O papel da gramática na aprendizagem de línguas estrangeiras evolui de uma concepç-o de gramática na qual a forma tem a primazia para uma aceç-o na qual a gramática tem uma funç-o auxiliadora de objetivos comunicativos e da transmiss-o de conteúdos, encontrando-se subordinada a estes. Sprachliche Mittel wie Wortschatz und Grammatik werden neuerdings vor allem in ihrer Funktion für den Erwerb kommunikativer Kompetenzen gesehen. [...]. Das induktive, inferentielle Lernen [...] erwies sich [...] für den Erwerb grammatikalischer Kenntnisse als besonders relevant. Allerdings musste hinterfragt werden, ob bzw. inwieweit explizites Regelwissen für das Erreichen kommunikativer Kompetenzen förderlich oder gar unabdingbar ist. Eine zu starke unterrichtliche Betonung dieses 445 Divergências no domínio dos tempos verbais no PLE e no PLNM 2 O processo dedutivo de ensino carateriza-se por, partindo da regra, chegar ao exemplo. Ou seja, o docente ensina a regra gramatical e os discentes aplicam esta em exercícios com frases exemplares (Decke-Cornill / Küster 2015, 110). 3 No ensino por via indutiva o discente é confrontado com exemplos procurando formular regras e explicações a partir dos exemplos da linguagem real em situações comunicativas da vida real (Decke-Cornill / Küster 2015, 110). Bereichs, so zeigt die Vergangenheit, führt jedenfalls zu Vereinseitigungen, die einer aktiven Sprachverwendung eher im Wege stehen. (Decke-Cornill / Küster 2015, 177) Uma consequência direta desta mudança de prioridades reside no fato de os cursos de LE se regerem por conteúdos e aspetos comunicativos, em detrimento da tradicional progress-o de item gramatical para item gramatical (Reinfried 2006, 38). Por conseguinte, docentes na sua correç-o devem ou pelo menos deveriam dar mais peso a erros estilísticos e de compreens-o intercultural do que aos tradicionais erros gramaticais, embora a realidade nas salas de aula continue frequentemente a ser outra (Decke-Cornill / Küster 2015, 123; 173). Os cursos devem ser estruturados por temas, situações e conteúdos e n-o mediante o grau de dificuldade de regras e estruturas gramaticais (Decke-Cornill / Küster 2015, 122). A quest-o central dos diversos modelos didáticos do ponto de vista do ensino e da aquisiç-o da gramática na Língua N-o-Materna (LNM) ou Estrangeira (LE) debate-se com as seguintes questões: vantagens de optar por uma via dedutiva 2 ou indutiva 3 no ensino das regras e estruturas gramaticais, ensino das regras de gramática explícito ou implícito, consolidaç-o mais eficaz dos conhecimentos de gramática e da utilizaç-o da LE ou da LNM através da habitualizaç-o ou da cognitivizaç-o, a relaç-o entre forma e conteúdo, e ensino monoou bilingue (Reinfried 2006, 43). Através do método de ensino de gramática e traduç-o os discentes têm acesso às estruturas da língua a aprender a partir de regras e aspetos do domínio da linguística sistémica, tendo acesso à língua-destino focalizando a transmiss-o de regras gramaticais (Reinfried 2006, 38). O seu ensino é feito descontextualizado e através da memorizaç-o das regras. Pelo contrário, no método direto a gramática passa para segundo plano. No método audiovisual dominam os exercícios pattern drill, apostando-se na interiorizaç-o de regras e estruturas gramaticais através de uma repetiç-o quase mecânica ainda que em contextos reais. Partindo de textos mais ou menos autênticos certas estruturas gramaticais s-o introduzidas de forma implícita, sem que as regras sejam transmitidas de forma explícita (Reinfried 2006, 39). O objetivo é que os discentes apliquem as respetivas regras interiorizando-as através de processos de automatizaç-o e habitualizaç-o, sem que seja necessária uma convers-o 446 Benjamin Meisnitzer 4 Por habitualizaç-o na didática entende-se um método no qual conteúdos s-o adquiridos sem um ensino explícito, apenas através da repetiç-o do aprendido de forma a os discentes adquirirem rotinas comunicativas. Em vez de ensinar regras explícitas de gramática, os estudantes aprendem a gramática repetindo as estruturas em exercícios concretos (Fäcke 2010, 158). da gramática implícita em gramática explícita, ou seja, sem que a tenham de entender num nível metalinguístico que permita explicar as mesmas. Por fim, no método comunicativo, vigente atualmente, estruturas e regras gramaticais s-o transmitidas contextualizadas, sendo focalizado o significado e a funç-o das mesmas (Reinfried 2006, 41). Os métodos de ensino de gramática modernos têm por isso como objetivo transmitir conhecimentos de modo a que as respetivas regras sirvam de auxílio para alcançar objetivos comunicativos e para uma estruturaç-o sistemática da LE, auxiliando o processo de aquisiç-o da LE. Este método encontra-se estreitamente veiculado à ideia de que uma orientaç-o cognitiva (Decke-Cornill / Küster 2015, 57), uma aprendizagem construtivista (Fäcke 2010, 157), autonomia de aprendizagem e uma didática comunicativa s-o a chave para o sucesso na aprendizagem de uma língua (Reinfried 2006, 41-42). O método comunicativo de ensino de LNM e LE pressupõe: a) a primazia da funç-o sobre a forma; b) uma concepç-o de gramática como auxiliar para alcançar determinados fins comunicativos; c) utilizaç-o de uma metalinguagem gramatical adequada ao nível dos discentes; d) o ensino de estruturas gramaticais integrado em conteúdos e unidades temáticas, e e) a compreensibilidade das re‐ gras gramaticais formuladas (Reinfried 2006, 41-42). Os docentes têm de decidir se pretendem um ensino das regras gramaticais através da habitualizaç-o 4 ou da cognitivizaç-o, recorrendo a um método dedutivo ou indutivo e se pretendem veicular os conhecimentos gramaticais apenas na língua objeto de aprendizagem ou se d-o preferência a aulas bilingues. O método indutivo focaliza bastante as necessidades dos discentes, pois após a reativaç-o de conhecimentos preliminares, s-o apresentados exemplos linguísticos para que os discentes reconheçam e identifiquem o novo fenómeno gramatical e analisem a sua forma e funç-o, abstraindo num passo seguinte a regra gramatical e formulando uma regra, um lembrete ou um modelo explicativo. Por fim, devem aplicar a regra formulada a outros contextos de grau de complexidade sucessivamente crescente (Reinfried 2006, 47). Compa‐ rando o método dedutivo e o indutivo, o primeiro tem como vantagem a economia de tempo, a aplicaç-o de regras direcionadas, o fomento da capacidade de abstraç-o e a reduç-o de equívocos e ambiguidades, enquanto o método indutivo tem como vantagem o incremento da compreensibilidade das regras, uma aprendizagem mais eficiente e de maior sustentabilidade, o respeito por 447 Divergências no domínio dos tempos verbais no PLE e no PLNM ritmos e caminhos de aprendizagem individuais e o fomento da autonomia de aprendizagem (Fäcke 2010, 162). Um problema do método dedutivo reside no fato de docentes e manuais explicarem explicitamente regras gramaticais, sugerindo a regularidade destas (Decke-Cornill / Küster 2015, 175), mas se por exemplo olharmos para os tempos verbais, a sua complexidade e a quantidade de exceções - basta pensarmos nos tempos do passado numa perspectiva contrastiva entre as diversas línguas românicas -, percebemos que as regras gramaticais n-o passam de fuzzy sets (Decke-Cornill / Küster 2015, 175). O ensino explícito de regras gramaticais na concepç-o da didática moderna deve cingir-se a regras de grande extens-o, isto é, com poucas exceções e aplicáveis em grande quantidade de situações comunicativas, relativas a fenómenos com elevada frequência na língua estudada, tendo em conta a compreensibilidade da regra formulada e dependendo do grau de competência na utilizaç-o da respetiva regra gramatical pretendido (Decke-Cornill / Küster 2015, 174). Em suma, a didática de LE e LNM, do ponto de vista metodológico, afasta-se de um “aprender” gramática rumo a uma “aquisiç-o” de gramática, uma vez que o método tradicional da “instruç-o gramatical” n-o resulta na competência comunicativa desejada pelas aulas de LE e LNM (Decke-Cornill / Küster 2015, 173). O desafio para o ensino de gramática no geral nas aulas de LNM e LE reside em conseguir o equilíbrio entre aulas demasiado centradas no ensino estruturado de regras gramaticais, com o risco implícito de uma ênfase excessiva na correç-o gramatical, em detrimento do desenvolvimento de competências comunicativas e progress-o das mesmas e um excesso de aquisiç-o indutiva que pela sua tolerância com incorreções gramaticais, se n-o forem nocivas à intenç-o comunicativa, alberga em si o risco de fossilizações de erros no processo de aquisiç-o (cf. Decke-Cornill / Küster 2015, 174). Deste modo, as aulas de línguas modernas como LE ou LNM devem centrar-se no desenvolvimento de uma language awareness, mais do que no ensino de um conjunto de regras formais. Importa, contudo, nestas reflexões distinguir entre discente de uma LE ou LNM e os respetivos docentes, que, por seu turno, devem possuir um profundo conhecimento da gramática explícita da língua ensinada e uma apurada sensibilidade linguística, uma vez que o seu objetivo é ensinar a respetiva língua. Quanto à gramática e ao vocabulário, servem para auxiliar o processo de aquisiç-o de competências comunicativas (Decke-Cornill / Küster 2015, 177). 448 Benjamin Meisnitzer 3 O sistema verbal do Português numa perspetiva contrastiva para aprendentes com L1 Alem-o Para o ensino dos tempos verbais importa por um lado frisar, sobretudo, diferenças entre a língua de partida (L1) e a língua ensinada (LE, LNM ou língua de herança (LH)). Importa aqui salientar que os discentes já dispõem de catego‐ rias verbais, ou seja, já têm uma conceptualizaç-o daquilo que as categorias verbais expressam. Deste modo, têm uma noç-o de anterioridade (‘passado’) e posterioridade (‘futuro’) e de simultaneidade (com diferentes localizações temporais), no caso de alem-o como L1 e português como língua estrangeira, n-o materna ou de herança. N-o se trata, portanto, de compreender o sentido de anterioridade como no processo de aquisiç-o da linguagem em crianças, presas no hic et nunc (Dittmann 2010, 13-15; Meisnitzer 2016, 50-53). Assim, os docentes devem focalizar especialmente tempos verbais divergentes entre o português e o alem-o. Tal deverá ser feito através de um método indutivo, com pequenos textos e descriç-o de situações que permitam aos discentes «descobrir» as diferenças entre a sua L1 e a língua n-o-nativa estudada. Poder-se-á, no caso de pequenas histórias ou descriç-o de situações retratadas em imagens, solicitar aos discentes, que, numa segunda instância, façam a mesma descriç-o em alem-o, questionando os restantes sobre as diferenças linguísticas identificadas. Num terceiro passo, poder-se-á pedir-lhes que expliquem as diferenças constatadas - entre outros, no campo dos tempos verbais, para sucessivamente consolidarem o seu conhecimento do tempo verbal da língua objeto de estudo. A primeira diferença a ser realçada diz respeito à oposiç-o aspetual entre pretérito imperfeito e pretérito perfeito (simples) (PS) do indicativo. Ambos localizam os eventos verbais antes do tempo de enunciaç-o, distinguindo-se na perspectiva codificada. O pretérito imperfeito codifica um evento (A) simultâneo a outro evento (B). A focalizaç-o incide sobre o evento B contemplado integral‐ mente, com início e fim (bounded), enquanto o evento no pretérito imperfeito (A) é co-temporal, ou seja, ocorre no mesmo intervalo temporal, mas é localizado num plano secundário, como algo cuja relevância advém apenas do fato de ter ocorrido, enquanto o evento verbal B teve lugar (1). (1) Cheguei (B) enquanto a minha m-e dormia (A). 449 Divergências no domínio dos tempos verbais no PLE e no PLNM 5 E - Tempo de ocorrência do evento verbal; R - Tempo de referência, a partir do qual o evento verbal é comtemplado; F - Tempo de fala ou da enunciaç-o, em relaç-o ao qual o evento verbal é localizado (cf. Reichenbach 6 1960). 6 Aqui o PPC poderia ser substituído pelo PS. 7 A gramaticalizaç-o da forma encontra-se descrita em Becker (2020). O evento relevante é a minha chegada, ou seja é aquele que é localizado em relaç-o ao tempo de enunciaç-o (E,R<F). 5 A perspectiva “interna” sobre o evento no seu decurso, ou seja, sem que seja focalizado na sua íntegra com início e fim, justifica a possibilidade de utilizar o pretérito imperfeito para eventos verbais com caráter durativo (C) ou com ocorrência regular, isto é, iterativos (D), num espaço de tempo terminado antes do tempo da enunciaç-o (2). (2) Quando éramos (C) crianças, visitávamos (D) os nossos avós todos os anos na época da Páscoa. Esta oposiç-o aspetual constitui um desafio para falantes do alem-o, língua que desconhece oposições aspetuais ao contrário das línguas eslavas, por exemplo. De salientar, que a oposiç-o entre o pretérito imperfeito e os demais tempos verbais nas línguas românicas, é a única oposiç-o aspetual nas mesmas (codificada através de dois tempos verbais). Uma outra diferença a introduzir nos primeiros anos de aprendizagem, é a oposiç-o entre o pretérito perfeito simples e o pretérito perfeito composto no Português, oposiç-o que do ponto de vista sincrónico n-o corresponde à oposiç-o entre Perfekt e Präteritum no Alem-o. Assim, o pretérito perfeito composto (PPC) pode ser utilizado para codificar eventos verbais que se estendem a um período anterior ao tempo da enunciaç-o e que se estende quase até este (3, E), que têm início anteriormente ao tempo da enunciaç-o, que se estendem até este e / ou além deste (4, F). (3) Tenho trabalhado (E) imenso, mas há duas horas acabei o projeto. 6 (4) Tenho falado (F) muito com a minha ex-mulher, pois ela está doente há algumas semanas. A semântica aspetual do PPC corresponde a um valor durativo e / ou iterativo (5). 7 (5) Tenho trabalhado muito ultimamente. (Schäfer-Prieß / Schöntag 2012, 136) Apesar da complexidade funcional do pretérito perfeito composto do indicativo, que põe em causa a oposiç-o tradicional definida entre o pretérito perfeito com‐ posto do indicativo no espanhol e no português, conforme demonstrado num 450 Benjamin Meisnitzer 8 O autor distingue entre um presente atualizador do passado, quando se trata de acontecimentos anteriores, que s-o verbalizados numa perspetiva A Q U I e A G O R A , ou seja, n-o da perspetiva do momento da narraç-o do acontecimento, mas da perspetiva de quem vivenciou e presenciou os acontecimentos relatados e um presente narrativo, típico dos romances e contos modernos, onde um história ficcional é integralmente contada no presente do indicativo, sendo a perspetiva semelhante à adotada nos filmes sobre o mundo ficcional. A diferença do ponto de vista funcional é que este último n-o traduz uma mudança de perspetiva e n-o é do ponto de vista da linguística textual uma forma marcada, uma vez que se trata do tempo verbal dominante. Ambas as utilizações estudo empírico de Müller (2021), para o ensino nos níveis iniciais de Português Língua N-o-Materna, poder-se-á comparar o tempo com o present perfect do inglês, por norma, do conhecimento dos discentes. Trata-se obviamente de um reducionismo didático, contudo, essencial para uma aprendizagem consolidada dos tempos verbais por parte dos discentes. O pretérito mais-que-perfeito (6) é pouco comum na língua falada e geral‐ mente substituído pelo pretérito mais-que-perfeito composto (7) (ter no pretérito imperfeito + particípio passado), que lhe equivale de um modo geral semantica‐ mente. (6) O Presidente afirmou que a ministra criticara aquela convenç-o. (Oliveira 2013, 524) (7) O exército atacou a aldeia que tinha assinado o acordo de paz. (adaptado, Oliveira 2013, 525) No ensino das formas do pretérito mais-que-perfeito deve ser dada primazia à sua forma perifrástica, uma vez que esta é muito mais frequente na língua falada, contudo, o discente deve pelo menos ter um conhecimento passivo da forma sintética, para compreender esta quando utilizada em textos (maioritariamente escritos). Devido ao caráter de exceç-o da forma e com o intuito de otimizar o tempo de aprendizagem, uma vez adquirida a forma analítica, pode-se recorrer ao método dedutivo para ensinar a forma sintética. A oposiç-o entre um pretérito mais-que-perfeito simples e uma forma composta, é algo que no alem-o n-o existe, pelo que importa introduzir as duas formas relativamente próximo uma da outra, uma vez que o nível dos textos em que ambas podem ocorrer é semelhante, se o ensino for feito a partir de textos (orais e escritos) autênticos. Se o ensino for feito seguindo um manual, o docente pode decidir quando introduzir a forma sintética, uma vez que esta geralmente n-o é abordada. Relativamente ao presente, o tempo verbal n-o-marcado poder-se-ia, num nível avançado e uma vez consolidada a estrutura básica do sistema verbal português, introduzir o presente histórico (presente atualizador do passado na terminologia de Meisnitzer 2016 8 ), que revela maior produtividade no alem-o 451 Divergências no domínio dos tempos verbais no PLE e no PLNM se distinguem de um presente aspetual ou aorístico, caraterístico dos textos medievais, onde o presente podia ser utilizado de forma divergente dos usos atuais dependendo do valor aspetual da forma verbal (télico vs. atélico) (cf. Meisnitzer 2021). do que no português, podendo o contexto delimitar o acontecimento verbal, em situações em que o português exige uma âncora temporal (advérbio temporal ou express-o temporal). (8) Vou-te contar: ontem vou muito tranquilo pela rua a caminho de casa, quando de repente me aparece um louco de mota e quase me atropelou. Importa realçar que se trata de um contexto de língua falada - num discurso escrito o presente seria substituído por tempos do passado - e de uma utilizaç-o marcada do presente, que traduz uma mudança de perspectiva. O falante muda da sua perspectiva de narrador que conta um acontecimento anterior para a perspetiva do sujeito que viveu os acontecimentos narrados «recolocando-se» na sua situaç-o de experiencer mantendo a sua perspetiva (hic et nunc) sobre os acontecimentos verbais narrados como se os estivesse a viver ou a presenciar de novo (E,R,F). A localizaç-o temporal real é definida pelo advérbio temporal que delimita o intervalo de tempo dos acontecimentos contados. Relativamente à localizaç-o de eventos verbais posteriormente ao tempo da enunciaç-o, o português revela um futuro sintético bastante gramaticalizado, ao contrário do alem-o, onde este segundo Leiss (1992) ainda se encontra em pleno processo de gramaticalizaç-o. Assim, em ambas as línguas é possível utilizar o presente para expressar eventos posteriores, sempre que no tempo da enunciaç-o já haja uma decis-o concreta de executar ou levar a cabo a aç-o verbal (9 e 10). (9) Esta noite o treinador da seleç-o nacional fala no Telejornal. (10) Nächste Woche fliege ich nach Lissabon. (‘Na próxima semana viajo para Lisboa.’) Nos exemplos supracitados verifica-se uma tens-o entre o intervalo de tempo definido para a localizaç-o do evento verbal pelo complemento circunstancial de tempo e a perspetiva codificada sobre este pelo tempo verbal. Convém, no entanto, salientar, que o presente com valor de futuro tanto pode ser utilizado em contextos onde a localizaç-o temporal é induzida pelas expressões temporais, como em contextos alargados que permitem uma inferência temporal futura (Oliveira 2013, 525). O valor de certeza relativamente à concretizaç-o do evento verbal é maior no caso da utilizaç-o do presente do que no caso da utilizaç-o do futuro simples no caso no português (9 vs. 11). (11) Esta noite o treinador da seleç-o nacional falará no Telejornal. 452 Benjamin Meisnitzer Esta nuance deve-se à certeza do plano de aç-o expressa pelo presente pro futuro. No caso do alem-o, pelo contrário, a utilizaç-o do presente com valor de futuro ou do werden-futuro é determinada pelo valor aspetual, ou seja, pela telicidade (ex. - finden ‘encontrar’) ou atelicidade (ex. - suchen ‘procurar’) dos verbos (Leiss 1992, 226). Enquanto os verbos télicos devido à sua incompatibilidade semântica com o momento presente (= tempo de enunciaç-o ou t 0 no caso de textos narrativos ficcionais, que define o centro deítico destes), formam o seu futuro através do presente do indicativo, os verbos atélicos formam este através do recurso ao futuro perifrástico (14). (12) Ich finde meine Schlüssel. (= futuro) (‘Eu (vou) encontrar as minhas chaves.’) (13) Ich suche meine Schlüssel. (= presente) (‘Eu estou à procura das minhas chaves.’) (14) Ich werde meine Schlüssel suchen. (= futuro) (‘Eu vou procurar as minhas chaves.’) O presente com valor de futuro é bastante mais frequente no alem-o do que no português, dada a ausência de uma forma plenamente gramaticalizada. Além disso, o presente pro futuro é mais frequente na língua escrita monitorizada do que na língua falada em contextos de elevada privacidade e familiaridade (di Meola 2013, 239). No português o presente com valor de futuro é mais frequente e revela maior aceitabilidade no discurso falado do que no discurso escrito. No caso do futuro do português poderá constituir alguma dificuldade para discentes de Português como Língua N-o-Materna (PLNM) distinguir entre a utilizaç-o do futuro perifrástico (15) e do futuro sintético (16). (15) Eu vou entregar os documentos na câmara municipal. (16) Eu entregarei os documentos na câmara municipal. É de salientar que, em ambos os casos, temos uma relaç-o temporal de poste‐ rioridade relativamente ao tempo da enunciaç-o. Tradicionalmente, a diferença é frequentemente definida como oposiç-o entre um futuro próximo e um futuro mais distante do tempo da enunciaç-o. Uma análise minuciosa das ocorrências das respetivas formas, permite, todavia, concluir que o futuro perifrástico revela uma maior afinidade com a semântica temporal dos verbos, enquanto o futuro sintético revela uma maior afinidade com o valor modal (15 e 16). É, aliás, por isso que em instruções muitas vezes encontramos o futuro perifrástico e n-o o futuro sintético. (17) A penugem e as penas têm um odor natural, que vai / irá desaparecer / *desapare‐ cerá quando retirar o produto da embalagem e o deixar arejar durante algum tempo. Em (17) o futuro sintético com a sua maior afinidade com uma leitura modal epistémica, seria inaceitável, pois veicula incerteza ou n-o comprometimento do falante relativamente ao valor de verdade do dito, abrindo uma margem de 453 Divergências no domínio dos tempos verbais no PLE e no PLNM dúvida relativamente ao sucesso do evento verbal. A utilizaç-o do verbo auxiliar ir no futuro e n-o no presente observa-se com bastante frequência na língua falada no PE e na escrita no PB. Possíveis motivos ser-o abordados na seç-o seguinte. É também por isso que o valor modal epistémico do futuro n-o pode ser traduzido pela forma perifrástica (18). (18) Neste momento, o Primeiro-Ministro estará / *vai estar a ser recebido pelo Presidente. (Oliveira 2013, 526) O futuro do pretérito é pouco comum na língua falada e escrita e serve para localizar uma situaç-o anteriormente ao tempo da enunciaç-o, mas posterior‐ mente ao tempo de referência, que neste caso é relativa a outra aç-o igualmente localizada anteriormente ao tempo de enunciaç-o (19). (19) Os bombeiros chegaram, mas um minuto depois a criança afogar-se-ia. (Oliveira 2013, 527) A forma verbal é mais frequentemente utilizada como condicional, portanto como modo e n-o como tempo, “na oraç-o consequente das construções condicionais com o verbo no imperfeito do conjuntivo” (Oliveira 2013, 527), quando o predicado da oraç-o condicional é estativo, com uma interpretaç-o contrafatual (20) ou com predicados do tipo eventivo, quando é possível que a situaç-o ilustrada se concretize (21) (Oliveira 2013, 527). (20) Se a Ana fosse simpática, eu convidá-la-ia para jantar fora. (21) Se a Ana acabasse o relatório, eu ainda a convidaria para jantar fora. (Oliveira 2013, 527) A comparaç-o entre o sistema verbal da língua de partida e da língua de aprendizagem pode ter a vantagem de, paralelamente a uma aprendizagem através do método indutivo, reduzir o número e o risco de interferências, devido à consciencializaç-o das diferenças entre as duas línguas. Este risco é reduzido através de uma abordagem focalizada e explícita de diferenças significativas. A abordagem contrastiva dos tempos verbais serve para estabelecer dife‐ renças entre a língua de partida, ou seja, a língua ou as línguas (no caso do ensino bilingue) que s-o do domínio de parte dominante dos discentes e a língua ensinada, para evitar interferências, que induzam em erro. Este passo, deve, todavia, apenas ser adotado uma vez consolidada a aprendizagem de um tempo verbal por via indutiva. A aprendizagem pelo método indutivo permite aos discentes “descobrir” os tempos verbais e entendê-los no seu funcionamento e na sua dinâmica de forma bem consolidada e oferece a vantagem de no caso das Línguas N-o-Maternas ou de Herança, todos os discentes, independen‐ 454 Benjamin Meisnitzer temente da sua própria L1, aprenderem de forma consistente os respetivos tempos verbais. A abordagem contrastiva, como complemento, permite reduzir interferências automáticas da L1, resultantes do fato de os discentes, pelo menos nos níveis iniciais, ainda revelarem uma grande tendência a n-o pensarem na língua estudada. Ao mesmo tempo, importa consciencializar os docentes, de que abordagens contrastivas excluem, pelo menos parcialmente, estudantes com línguas-maternas divergentes, isto é, para os quais a língua utilizada contrasti‐ vamente é também uma língua estrangeira. Este fator, face ao plurilinguismo das salas de aula hoje em dia, n-o deve de modo algum ser menosprezado. 4 Variaç-o nos sistemas verbais do PE e PB e consequências para o ensino do PE como Língua N-o Materna Demonstrada a utilidade de uma abordagem contrastiva de alguns tempos verbais para reduzir o número de interferências e, por conseguinte, melhorar a competência dos aprendentes, importa tecer algumas reflexões relativamente às diferenças mais significativas entre o sistema verbal do PE e do PB. O conjuntivo, aliás subjuntivo no PB, n-o será objeto de estudo no presente artigo. Ainda que as diferenças n-o sejam t-o profundas como na utilizaç-o dos pro‐ nomes pessoais, s-o suficientemente profundas para poderem causar nalguns casos dificuldades de compreens-o ou problemas a nível da pragmática, quando os discentes os aplicam ignorando as diferenças entre as variedades do PB e do PE. O ensino das respetivas divergências constitui um desafio para o ensino do Português como LNM, LE ou LH, na medida em que é importante que, nos níveis iniciais, os professores definam uma norma a ser ensinada nas aulas, devendo esta ser mantida nos níveis iniciais, para garantir o sucesso de aprendizagem. Para assegurar a autenticidade do Português ensinado na sala de aula, convém o docente aplicar a sua norma nativa ou aquela que melhor domina, no caso de n-o ser falante nativo. Do ponto de vista do discente, é recomendável escolher aulas na variedade da norma do país para onde pretende ir ou com o qual irá trabalhar - dependendo da motivaç-o para estudar a Língua Portuguesa. Quer nas escolas, quando estas oferecem cursos de português, quer na universidade, muitas vezes existe apenas um leitor ou uma leitora, um professor ou uma professora de Português, o que frequentemente determina a variedade ensinada à priori. Importa, por isso, dependendo da variedade que constitui a base da aula, introduzir pontualmente a outra variedade, desenvolvendo a partir do nível B1 ou o mais tardar B2 uma competência recetiva das variedades da língua estudada (cf. Reimann 2017, 72-73). Ou seja, garantir que os discentes dominem uma variedade de forma coerente e desenvolvam uma consciência linguística para 455 Divergências no domínio dos tempos verbais no PLE e no PLNM 9 Em níveis avançados (C1 e C2), quando se recorre a material audiovisual, importa evitar diálogos ou pelo menos abordar criticamente situações comunicativas nas quais se pode observar uma tendência no PB, em contextos de interaç-o comercial, por parte de comerciantes, em utilizar excessivamente construções progressivas (estou/ vou estar / posso estar e vou poder estar + gerúndio) como express-o de cortesia, quando na realidade o emprego do infinitivo seria muito mais cortês (ex. - O senhor pode estar experimentando o casaco, se quiser.) (Bagno 2016, 973). a outra variedade (no caso do português). Trata-se de adquirir competências linguísticas que permitam aos aprendentes identificar uma variedade de uma língua histórica e entender a outra variedade (domínio passivo), sendo capazes de enumerar as caraterísticas mais importantes. Deste modo, no caso dos tempos verbais, importa sensibilizar os aprendentes para diferenças na utilizaç-o do presente progressivo, do pretérito imperfeito, do pretérito mais-que perfeito, do futuro do perfeito / condicional e do futuro. No caso do presente, apenas a forma progressiva diverge de forma signifi‐ cativa do ponto de vista morfossintático. Os predicados eventivos que s-o classificados aspetualmente como processos, processos culminados e culmina‐ ções, representando um evento único, cujo tempo coincide com o tempo da enunciaç-o ou se sobrepõe a esta (Oliveira 2013, 515), s-o expressos recorrendo à construç-o perifrástica estar a + infinitivo, com o verbo auxiliar no presente do indicativo, no PE padr-o, enquanto no Brasil é utilizada a construç-o perifrástica estar + gerúndio, com o verbo auxiliar igualmente no presente (cf. Bagno 2016, 972-974). (22) O Pedro está a ver televis-o. (PE) (23) Pedro está vendo televis-o. (PB) A diferença pode ser ensinada recorrendo ao método indutivo utilizando quadradinhos nos quais alguém refere uma situaç-o simultânea ao tempo de enunciaç-o no Brasil e em Portugal, uma vez consolidada a aprendizagem da forma. 9 Na utilizaç-o dos tempos verbais do passado convém destacar a inexistência da forma sintética do pretérito mais-que-perfeito sintético (em -ra) no PB, onde na linguagem do cotidiano é apenas utilizada a forma composta (24). (24) Ela tinha escrito a carta, antes de partir para a Europa. Relativamente ao pretérito imperfeito do indicativo, importa sensibilizar os discentes para a tendência a utilizar este tempo em orações condicionais, na oraç-o consequente em vez do condicional (Oliveira 2013, 520). 456 Benjamin Meisnitzer 10 Tendo em conta os dados dos corpora, Bagno (2016, 560), defende que devemos considerar o condicional um modo, uma vez que a sua utilizaç-o modal é muito mais importante e frequente do que a temporal. (25) A Maria tomava esse medicamento, se o médico lho recomendasse. (Oliveira 2013, 520) No PB, neste contexto (25), é exclusivamente utilizado o condicional. Também na utilizaç-o epistémica do condicional, como forma de cortesia, o PE revela uma tendência a empregar o pretérito imperfeito do indicativo (26 e 27), uma utilizaç-o estranha ao PB. (26) Eu queria perguntar uma coisa ao professor. (27) Era uma bica, por favor! Estas divergências podem ser introduzidas através de diálogos reais com ma‐ terial áudio ou audiovisual ou através de textos, onde ocorram estas formas, pedindo aos discentes que expliquem as situações apresentadas no texto numa primeira instância e que comentem utilizações dos tempos divergentes das que conhecem. Estas formas podem ser introduzidas, uma vez consolidada a utilizaç-o temporo-aspetual do pretérito imperfeito na variedade estudada. Relativamente ao condicional 10 e tendo em conta os dados do corpus NURC/ Brasil, Bagno (2016) constata que 95,5% das ocorrências (223 ocorrências) correspondem a usos modais e apenas 4,5% a usos temporais (10 ocorrências) (Bagno 2016, 559). As ocorrências com uma semântica temporal registam-se na fala de três falantes, uma advogada e duas professoras universitárias em contexto de aula, conforme anota Bagno (2016, 559). O futuro do pretérito é frequentemente expresso pela perífrase ir + infinitivo (7 ocorrências), com o verbo auxiliar no pretérito imperfeito do indicativo (Bagno 2016, 618). (28) Ela estava com um aspeto muito doente. Uma semana mais tarde, os médicos iam nos informar que ela tinha cancro. A separaç-o funcional das formas é mais nítida no PB do que no PE, embora também nesta variedade se possa observar uma maior afinidade das formas sintéticas com uma semântica modal e das formas perifrásticas com um valor temporal, quer no caso do condicional, quer do futuro. Para o futuro podemos igualmente constatar que este está a perder terreno para a forma perifrástica (vou falar), tal como constatado para o condicional (ia falar), tendência emergente na língua falada e que cada vez mais se estende à língua escrita, processo mais avançado no PB do que no PE, ainda que em ambas as variedades se encontrem ocorrências quer na língua falada, quer na língua 457 Divergências no domínio dos tempos verbais no PLE e no PLNM escrita. As formas sintéticas, de um modo geral, est-o circunscritas a tradições discursivas faladas e escritas elaboradas, correspondentes à distância comuni‐ cativa (Koch / Oesterreicher 2013). No caso do PB, no corpus NURC-Brasil Bagno (2016, 618) regista 64 ocorrências de futuros (ir no presente do indicativo + infinitivo), contra 9 futuros simples, dos quais 5 correspondem a ocorrências na fala de uma mesma professora universitária em contexto de aula (Bagno 2016, 618). Do ponto de vista didático importa sensibilizar os discentes, em primeiro lugar, para a necessidade de distinguir entre língua falada e língua escrita para utilizar adequadamente o futuro e o condicional. Enquanto na língua falada se regista um predomínio crescente das formas perifrásticas, as formas sintéticas continuam a dominar na língua escrita no PE, ainda que se registe um incremento das formas perifrásticas nas tradições discursivas da proximidade comunicativa ou menos monitoradas. No PB, as formas sintéticas constituem a exceç-o tanto na língua falada como na língua escrita. Nas aulas de PLNM, PLE ou PLH importa ensinar ambas as formas (em ambas as variedades, cf. Bagno 2016, 990), destacando a frequência do seu uso, de acordo com a variedade ensinada e o seu valor semântico. (29) O Luís comprará o fog-o (amanh-). (30) O Luís vai comprar o fog-o (amanh-). Enquanto (29) codifica uma leitura dominantemente modal epistémica, que traduz o grau de convicç-o do sujeito de enunciaç-o relativamente ao conteúdo da proposiç-o, em (30) o futuro perifrástico permite exclusivamente uma leitura temporal. O advérbio de tempo delimita o intervalo de tempo em que terá lugar o evento verbal ( C O M P R A R ). Igualmente frequente é o presente com valor de futuro em ambas as variedades (31). (31) Amanh- o Luís compra o fog-o. A utilizaç-o da forma perifrástica com o auxiliar ir no futuro é bastante frequente no PB, sobretudo, em textos escritos pertencentes a tradições discursivas da distância comunicativa redigidas por pessoas com um nível baixo ou médio de formaç-o, sendo uma hipercorreç-o resultado de uma certa estigmatizaç-o do futuro perifrástico no ensino e da falta de prática do uso da forma verbal sintética por parte de pessoas que escrevem pouco. A forma está, contudo, em expans-o na língua falada e encontramos ocorrências em textos escritos (sobretudo utilitários e no discurso jornalístico em ambas as variedades), devendo ser do conhecimento passivo dos aprendentes do português, mas sendo ainda questionável o seu ensino ativo. 458 Benjamin Meisnitzer (32) O Luís irá comprar o fog-o amanh-. No fundo, a forma constitui uma reanálise e destina-se a reforçar a certeza do enunciador relativamente ao conteúdo da proposiç-o no PE, combinando com a semântica temporal da forma perifrástica novamente uma determinada componente modal. A forma terá ainda de ser alvo de mais estudos linguísticos empíricos para a relaç-o entre as diversas formas do futuro do indicativo poder ser reavaliada, ficando aqui o desafio para estudos contrastivos (PE vs. PB) que abordem o assunto. Do ponto de vista didático é recomendável trabalhar com quadradinhos ou banda desenhada, descriç-o de imagens, textos falados e escritos autênticos de diferentes graus de monitorizaç-o para que os aprendentes descubram os tempos verbais (método indutivo) e a sua utilizaç-o. Em níveis avançados convém introduzir material autêntico da outra variedade para que os aprendentes se possam familiarizar com a variaç-o linguística que se regista no domínio dos tempos verbais. 5 Conclus-o: Desafios para o ensino dos tempos verbais no PLNM, PLE ou PLH e o modelo de competência variacional percetiva O presente estudo mostrou diferenças substanciais entre os tempos verbais no alem-o e no português e num segundo passo entre as variedades do PE e do PB. A sensibilizaç-o de docentes para os respetivos contrastes, permite desenvolver e adotar estratégias didáticas que permitam evitar défices na aprendizagem do domínio dos tempos verbais em contextos de PLNM, PLE ou PLH, possibilitando aos estudantes o aperfeiçoamento dos seus conhecimentos linguísticos e um desenvolvimento mais eficaz das suas aptidões linguísticas. A consciência de divergências entre a L1 e a LNM, LE ou LH, permite ao ou à aprendente reduzir o número de interferências no seu uso ativo da língua e a tomada de consciência de diferenças entre as variedades contribui para o desenvolvimento de uma sensibilidade para a variaç-o linguística e um melhor entendimento quando confrontado com a outra variedade. Além disso, a abordagem mediante o modelo de competência variacional percetiva desenvolvido por Reimann (2011 e 2017) melhora a compreens-o intercultural e a sensibilidade e competência linguísticas no caso de línguas pluricêntricas. Além disso, oferece pelo menos uma resposta parcial ao desafio das aulas de Português LNM, LE e LH ministradas para grupos com objetivos comunicativos distintos e, sobretudo, interesse ou objetivos profissionais em áreas geográficas distintas. A sensibilizaç-o linguística necessária para a apren‐ 459 Divergências no domínio dos tempos verbais no PLE e no PLNM dizagem dos tempos verbais deverá ser alargada a todos os domínios linguísticos das línguas modernas ensinadas. O método indutivo permite um incremento da compreensibilidade das regras, uma aprendizagem mais eficiente e de maior sustentabilidade, o respeito por ritmos e caminhos de aprendizagem individuais e o fomento da autonomia de aprendizagem do discente, consolidando os seus conhecimentos de forma individualizada e adaptada ao estilo e ritmo individual de aprendizagem, isto é, ao seu tipo de aprendente. O “descobrir” da utilizaç-o dos tempos verbais e das diferenças diatópicas implica ativaç-o dos discentes, sendo os resultados interiorizados com maior profundidade e os conhecimentos consolidados de forma mais sólida. Referências Arden, Mathias. 2010. “Zum Verhältnis von Gattungskonventionen und sprachlichen Normen in der Fernsehkommunikation - Telenovelas und Jornal Nacional von TV Globo”, in: Annette Endruschat / Rolf Kemmler (ed.): Portugiesische Sprachwissens‐ chaft: traditionell - modern - innovativ. Tübingen, Calepinus, 5-32. Arden, Mathias / Meisnitzer, Benjamin. 2013. “Plurizentrik und massenmediale Normen: der Fall des Portugiesischen”, in: Aurélia Merlan / Jürgen Schmidt-Radefeldt (ed.): Das Portugiesische Diasystem innerhalb und außerhalb des lusophonen Raums. Berlin: Lang, 19-52. Bagno, Marcos. 2016. Gramática Pedagógica do Português Brasileiro. S-o Paulo: Parábola. Becker, Martin. 2020. “Das Pretérito Perfeito Composto - ein Perfekt? Zur Semantik und Diachronie der ter + Partizip-Konstruktion”, in: Benjamin Meisnitzer / Elissa Pustka (ed.): Zwischen Sprechen und Sprache / Entre fala e língua. Berlin: Lang, 83-110. Bierbach, Mechthild. 2000. “Spanisch - eine plurizentrische Sprache? Zum Problem von norma culta und Varietät in der hispanophonen Welt”, in: Vox Romanica 59, 143-170. Clyne, Michael. 1992. “Pluricentric Languages - Introduction”, in: Michael Clyne (ed.): Pluricentric Languages. Differing Norms in Different Nations. Berlin, New York: de Gruyter, 1-9. Decke-Cornill, Helene / Küster, Lutz. 3 2015. Fremdsprachendidaktik. Eine Einführung. Tübingen: Narr, Francke, Attempto Di Meola, Claudio. 2013. Die Versprachlichung von Zukünftigkeit durch Präsens und Futur I. Eine ebenenübergreifende Untersuchung samt kontrastivem Ausblick auf das Italienische. Tübingen: Stauffenburg (Studien zur deutschen Grammatik; 85). Dittmann, Jürgen. 3 2010. Der Spracherwerb des Kindes. Verlauf und Störungen. München: Beck. Fäcke, Christiane. 2010. Fachdidaktik Französisch. Eine Einführung. Tübingen: Narr. 460 Benjamin Meisnitzer Koch, Peter / Oesterreicher, Wulf. 2013. “Linguagem da imediatez - linguagem da distância: Oralidade e Escrituralidade entre a Teoria da Linguagem e a História da Língua”, in: Linha d’Água, n°26 (1), 153-174. Leiss, Elisabeth. 1992. Die Verbalkategorien des Deutschen. Ein Beitrag zur Theorie der sprachlichen Kategorisierung. Berlin: de Gruyter. (Studia Linguistica Germanica; 32). Martins, Marco Antonio / Meisnitzer, Benjamin. 2016. “The use of clitics in Brazilian Portuguese - the development of an endogenous standard variety”, in: Rudolf Muhr (ed.): Pluricentric Languages and Non-Dominant Varieties Worldwide. Part II: The Pluricentricity of Portuguese and Spanish. New Concepts and Descriptions. In collabora‐ tion with Eugênia Duarte, Amália Mendes, Carla Amorós Negre and Juan Thomas. Frankfurt am Main: Lang (Österreichisches Deutsch Sprache der Gegenwart; 19), 67-84. 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Lisboa: Fundaç-o Calouste Gulbenkian, 509-553. 461 Divergências no domínio dos tempos verbais no PLE e no PLNM Reichenbach, Hans. 6 1960. Elements of Symbolic Logic. New York: Macmillan. Reimann, Daniel. 2011. “Diatopische Varietäten des Französischen, Minderheitenspra‐ chen und Bilinguismus im transkulturellen Fremdsprachenunterricht”, in: Michael Frings / Frank Schöpp (ed.): Varietäten im Französischunterricht. Stuttgart: Ibidem (Französischdidaktik im Dialog; 1). 123-168. Reimann, Daniel. 2017. “Rezeptive Varietätenkompetenz: Modellierung einer Teilkom‐ petenz zwischen funktionaler und kommunikativer Kompetenz und Sprachbewusst‐ sein”, in: Eva Leitzke-Ungerer / Claudia Polzin-Haumann (ed.): Varietäten des Spanis‐ chen im Fremdsprachenunterricht. Ihre Rolle in Schule, Hochschule, Lehrerbildung und Sprachenzertifikaten. Stuttgart: Ibidem (Romanische Sprachen und ihre Didaktik; 61). 69-96. Reinfried, Marcus. 2006. "Im Rückspiegel: die „großen“ Methoden - Le poids de la tradi‐ tion" (Kap. 2.2); "Didaktisch-methodische Prinzipien - Petit discours de la méthode" (Kap. 2.3), in: Andreas Nieweler (ed.). Fachdidaktik Französisch: Tradition - Innovation - Praxis. Stuttgart: Ernst Klett, 38-54. Schäfer-Prieß, Barbara / Schöntag, Roger. 2012. Spanisch / Portugiesisch kontrastiv. Berlin, Boston: de Gruyter (Romanistische Arbeitshefte; 56). 462 Benjamin Meisnitzer Sobre os autores Débora Nice Ferrari Barbosa é Bolsista de Produtividade em Desenvolvi‐ mento Tecnológico e Extens-o Inovadora do CNPq. É professora titular na Universidade Feevale, atua como professora permanente do Programa de Pós-graduaç-o em Diversidade Cultural e Inclus-o Social (PPGDiver). Também atua nos cursos de bacharelado em Sistemas de Informaç-o e Ciência da Computaç-o. Como pesquisadora desenvolve projetos na área de Tecnologias Educacionais e Sociais e Jogos Digitais voltados para a Educaç-o e Saúde. Os principais temas de pesquisa est-o relacionados à Tecnologia e Saúde, Neurociência e Educaç-o, Games na Educaç-o e Aprendizagem Móvel e Ubíqua. Currículo académico: Doutora e Mestre em Ciência da Computaç-o pela Uni‐ versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS - 2007, 2001). Bacharel em Análise de Sistemas pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel - 1998). Pós-doutora pela University of Califórnia Irvine, EUA. Isidro António Samo Chongola ocupa o cargo de chefe do Departamento de Extens-o e Inovaç-o da Faculdade de Letras e Ciências Sociais, na Univer‐ sidade Rovuma, Nampula. Ensina Linguística Geral, Introduç-o aos Estudos Linguísticos e Técnicas de Express-o em Língua Portuguesa no Departamento de Ciências da Linguagem, Comunicaç-o e Artes. Os seus interesses de pesquisa s-o dirigidos para as áreas de línguas e sociolinguística. Currículo académico: Mestrado em Ciência Política e Estudos Africanos pela Universidade Pedagógica de Moçambique (2014), Licenciatura em Ensino do Português pela Universidade Pedagógica de Moçambique (2007), Bacharelato em Ensino do Português pela Universidade Pedagógica de Moçambique (2005). Cornelia Döll é colaboradora científica na Universidade de Leipzig, Instituto de Romanística. Ensina linguística portuguesa nos Programas de Licenciatura e de Mestrado em Línguas Românicas e dá cursos práticos de língua portuguesa a alunos universitários em 3 níveis. O seus interesses de pesquisa est-o direcio‐ nados para a comparaç-o de fenómenos sintáticos do PE e do PB e a sua aplicaç-o ao ensino de PLE. Currículo académico: Doutoramento (Promotion) em Linguística Portuguesa pela Universidade de Leipzig (1989), Mestrado em Português e Inglês como Línguas Estrangeiras no Ensino a Adultos pela Universidade de Leipzig (1983). Isabel Margarida Duarte é Professora Associada de Linguística com agregaç-o na Universidade do Porto, Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Românicos. As suas áreas de investigaç-o s-o pragmática, análise do discurso (relato de discurso, marcadores discursivos), confronto entre línguas românicas e aplicaç-o da linguística ao ensino do Português. Currículo académico: Doutoramento em Linguística pela Universidade do Porto (2000), Mestrado em Ensino da Língua Portuguesa (1990) e Licenciatura em Filologia Românica (1977) pela Universidade do Porto. Ana Teresinha Elicker é professora da rede pública de Ensino Fundamental e Médio. Atua como pesquisadora com bolsa da CAPES com pesquisa em Literacia Digital e Aprendizagem Criativa. Como escritora, publicou livros de contos e poesias, além de ter realizado inúmeras participações em antologias. É ainda autora de livros técnicos sobre Literacia Digital, Gêneros e Mídias em sala de aula. Currículo académico: Doutoranda em Diversidade Cultural e Inclus-o Social, Mestra e Bacharel em Letras pela FEEVALE/ RS. Possui especializaç-o em Gest-o Escolar pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e em Educaç-o de Jovens e Adultos pela PUC/ RS. Irene Fally é colaboradora científica e docente no Instituto de Línguas Româ‐ nicas na Universidade de Viena. Os seus interesses de pesquisa s-o morfologia e formaç-o de palavras, ensino de línguas românicas e aprendizagem e ensino de línguas de herança. Currículo académico: Doutoranda em Linguística Românica pela Universidade de Viena. Formaç-o de professora de liceu com as disciplinas de Francês, Italiano e Inglês (Mestrado, 2018 e 2020) e licenciada em Estudos Românicos com especiali‐ zaç-o em Linguística Portuguesa e Culturas Lusófonas (2019). Erineu Foerste é Professor Associado da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) no Departamento de Linguagens, Culturas e Educaç-o e Programa de Pós-Graduaç-o em Educaç-o (PPGE/ UFES). Pesquisa temas de culturas, línguas e educaç-o. Currículo acadêmico: Doutorado em Educaç-o pela Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2002) e Mestrado em Educaç-o pela Universidade Federal de Goiás (1996). Maria de Lurdes Gonçalves coordena o Ensino Português no Estrangeiro na Suíça desde 2013, sendo responsável pela orientaç-o de projetos pedagógicos, formaç-o contínua e avaliaç-o de professores. É colaboradora do CIDTFF, Universidade de Aveiro, em projetos de investigaç-o e da HEP-BEJUNE, em 464 Sobre os autores Biel/ Bienne, Suíça, em projetos de formaç-o. As áreas de investigaç-o englobam o desenvolvimento profissional docente, plurilinguismo e educaç-o intercul‐ tural. Faz investigaç-o sobre o desenvolvimento profissional dos professores de Língua de Herança, estando em curso o projeto de pós-doutoramento “Desenvolvimento profissional de professores de português no estrangeiro: que possibilidades de supervis-o? ” Currículo académico: Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas - Estudos Ingleses e Alem-es (Universidade de Lisboa, 1987), Mestre em Gest-o Curricular e Doutorada em Didática de Línguas (Universidade de Aveiro, 2002 e 2011). Christine Hundt é colaboradora científica na Universidade de Leipzig, Insti‐ tuto de Romanística. Ensina linguística portuguesa nos Programas de Licencia‐ tura e de Mestrado em Línguas Românicas e dá cursos de língua portuguesa a alunos universitários em 3 níveis. Os seus interesses de pesquisa centram-se na fraseologia e lexicologia do português. Currículo académico: Doutoramento (Promotion) em Linguística Portuguesa pela Universidade de Leipzig (1992), Mestrado em Filologia Românica pela Univer‐ sidade de Leipzig (1982). Karin Noemi Rühle Indart reside e trabalha em Timor-Leste desde 2003. Atualmente é professora convidada da Universidade Nacional Timor Lorosa’e e trabalha na elaboraç-o do Currículo de Pós-graduaç-o em Ensino de Língua Portuguesa. Desenvolve pesquisa nas áreas de educaç-o, sociologia, sociolin‐ guística, antropologia linguística e linguística aplicada. Ensina Linguística Aplicada, Linguagem e Produç-o, Didática de Ensino de Língua Portuguesa como Segunda Língua, Português Acadêmico e Métodos Qualitativos e Análise de Conteúdo no Programa de Pós-graduaç-o. Currículo acadêmico: Doutora em Sociologia da Educaç-o e Mestre em Avaliaç-o Educacional pela Universidade do Minho. Licenciada em Letras Português e Alem-o pela Universidade Federal do Paraná. Licenciada em Teologia pelo Seminário Teológico Palavra da Vida. Christian Koch é colaborador científico em Linguística Aplicada e Didática das Línguas Românicas na Universidade de Siegen. Os seus interesses de pesquisa s-o o plurilinguismo (poliglotismo, línguas de herança, variedades linguísticas no ensino), a análise de língua estrangeira falada e os marcadores discursivos. Currículo académico: Doutoramento (Promotion) em Linguística Românica pela Universidade de Siegen (2019). Formaç-o de professor de liceu com as disciplinas de Francês, Espanhol e Italiano, primeiro Exame de Estado pela Universidade de Kiel em 2011, segundo Exame de Estado em 2013. 465 Sobre os autores Edineia Koeler é professora da rede pública de ensino desde 2004. Atuou com formaç-o de professores da Educaç-o do Campo e com formaç-o de Conselheiros Escolares, ambos pela Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente é professora de História na Secretaria Municipal de Educaç-o do Município de Santa Maria de Jetibá - ES, e coordenadora de turno pela rede estadual. Os seus interesses de pesquisa s-o educaç-o, educaç-o popular, comunidades tradicionais camponesas, pedagogias alternativas, história de vida, interculturalidade. Currículo académico: Doutoranda em Educaç-o pela UFES em cotutela com a Europa-Universität Viadrina, Alemanha. Mestra em Educaç-o (UFES, 2016) na linha de pesquisa Cultura, Currículo e Formaç-o de Educadores. Licenciada em História pela Faculdade Castelo Branco (2006). Christina Märzhäuser Christina Märzhäuser é docente afiliada na Universi‐ dade de Munique. Trabalhou nos Departamentos de Letras Românicas das Universidades de Munique, Erlangen-Nuremberga, Vienna, Mannheim e Kassel. Foi Visiting Researcher na University of California, Berkeley (2013), e também Professora Visitante na Universidade do Minho (2014) e na Universidad de Praia, Cabo Verde (2011). É investigadora afiliada na Universidade do Minho e FLUC Coimbra. As suas áreas de especializaç-o incluem: contato de línguas, multilinguismo e línguas de herança; dinâmicas linguísticas pós-coloniais; relações entre língua e música; interfaces semântico-sintáticos e referência nominal. Currículo académico: Estudou Letras Românicas (Linguística do Português, Francês e Espanhol) na Universidade de Munique e na Universidade Nova de Lisboa (2001-2006), concluindo com o título de Mestre. O seu Doutourado foi realizado nas Universidades de Munique e Coimbra (cotutelle de thèse) e versa sobre o Caboverdiano e o Português na música rap (2009). A sua Habilitation, defendida em 2015 na Universidade de Munique, leva por título Bare Noun constructions in French and Spanish. Ermelinda Lúcia Atanásio Mapasse trabalha no Departamento de Ciências da Linguagem, Comunicaç-o e Artes da Universidade Rovuma, Nampula desde 1984 onde ensina Língua Portuguesa, Sociolinguística, Didática do Português, Trabalho de Culminaç-o do Curso e Literaturas Africanas de Express-o Portu‐ guesa. Tem experiência na área de Educaç-o, há mais de 30 anos, com atuaç-o em instituições de nível secundário, médio e superior (graduaç-o e pós-graduaç-o). Currículo académico: Doutora em Letras, Área de Concentraç-o em Estudos Linguísticos, pela Universidade Federal de Curitiba (2015), Mestre em Linguística 466 Sobre os autores Portuguesa pela Universidade Clássica de Lisboa (2005), Licenciada em Língua e Cultura Portuguesas pela Universidade Clássica de Lisboa (2000). Rosemari Lorenz Martins é professora permanente do Mestrado Profissional em Letras e do Programa em Diversidade Cultural e Inclus-o Social e professora do curso de Letras da Universidade Feevale/ RS. Atua como pesquisadora nos grupos de pesquisa Linguagens e Manifestações Culturais e Informática na Educaç-o. Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: leitura, aquisiç-o da linguagem e letramento, inclus-o escolar e variaç-o linguística e ensino. Currículo académico: Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2013). Mestre em Ciências da Comunicaç-o (1999), Especia‐ lista em Linguística do Texto (1996) e Graduada em Letras- Português/ Alem-o (1993) pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. José Rafael Maússe trabalha no Departamento de Ciências da Linguagem, Comunicaç-o e Artes da Universidade Rovuma, Nampula. Possui experiência na área de docência (32 anos), pesquisa e consultoria, lecionando atualmente as disciplinas de Psicolinguística, Semântica, Sintaxe e Pragmática do Português e Técnicas de Express-o em Língua Portuguesa. Na pesquisa, tem interesse na área de Linguística Textual e Linguística Aplicada, com destaque na supervis-o de monografias de estudantes sobre a escrita e leitura nas classes iniciais. Currículo académico: Mestrado em Educaç-o / Ensino do Português pela Uni‐ versidade Pedagógica de Moçambique (2012), Licenciatura em Língua e Cultura Portuguesas pela Universidade Clássica de Lisboa (2000), Bacharelato em Ensino do Português pela Universidade Pedagógica de Moçambique (1999). Benjamin Meisnitzer é professor catedrático de linguística portuguesa e espanhola na Universidade de Lípsia desde 2018. Estudou em Lisboa e Munique, onde fez a sua tese de doutoramento e foi assistente. Entre 2014 e 2018 foi professor associado da Universidade Johannes Gutenberg em Mogúncia. A sua investigaç-o centra-se na semântica temporal, na mudança e variaç-o linguísticas, bem como na linguística de contato. Um outro pilar do seu trabalho constitui o estudo do ensino de estruturas gramaticais e de fenómenos de vari‐ aç-o linguística na interface entre didática e linguística. Benjamin Meisnitzer é atualmente Presidente da Associaç-o Alem- de Lusitanistas e da Associaç-o Alem- de Catalanistas. Currículo académico: Doutoramento em Filologia Românica pela Universidade de Munique (2014). Mestrado em Estudos Românicos e Alem-es pela Universidade de Munique (2006). 467 Sobre os autores Ana Catarina Monteiro é leitora do Camões - Instituto da Cooperaç-o e da Língua desde 2007, encontrando-se a desempenhar as funções de cooperaç-o na Universidade Rovuma (Moçambique), onde lecionou/ a as seguintes disciplinas: Literatura Portuguesa e Brasileira, Mundo Lusófono, Práticas Pedagógicas, Introduç-o aos Estudos Literários, História da Literatura Portuguesa, Didática da Literatura, Literaturas Africanas I e II, e supervisiona as práticas do Estágio Pedagógico do Português. É investigadora do CIDTFF (Universidade de Aveiro), com comunicações, oficinas/ workshops e publicações na área da didática de línguas, nomeadamente no campo de investigaç-o da educaç-o intercultural. Currículo académico: Doutorada em Educaç-o pela Universidade de Aveiro (2021). Mestre em Estudos Literários Comparados pela Universidade Nova de Lisboa (2002). Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas - Variante de Português/ Francês pela Universidade Nova de Lisboa (2000) e em Línguas Estran‐ geiras Aplicadas - Variante de Relações Empresariais pela Universidade Católica Portuguesa (1998). Manfred F. Prinz é professor emérito da Unversidade Justus-Liebig de Giessen/ Alemanha. É professor-pesquisador-palestrante, autor de várias publicações, entre outras nas áreas de letras e didáticas românicas e de comunicaç-o intercultural, atuando em várias universidades e organizações. É fundador da ONG Fönix. Daniel Reimann é Professor universitário de Didática das Línguas Românicas na Universidade de Duisburg-Essen. Aí é também diretor do Centro de Línguas e Competências Chave da universidade. Anteriormente, foi professor em escolas secundárias do estado da Baviera, senior lecturer para Didática das Línguas e Literaturas Românicas na Universidade de Würzburg e Professor Universitário na Universidade de Regensburg. A sua investigaç-o centra-se na didática do plurilinguismo (também línguas de herança, línguas antigas), mediaç-o linguística, competência inter e transcultural, bem como na história do ensino de línguas românicas e na história da investigaç-o em didática das línguas estrangeiras. Currículo académico: Habilitaç-o em Filologia Românica e Didática das Línguas Românicas pela Universidade de Würzburg (2012), Doutoramento em Filosofia pela Universidade de Kassel (2004). Mestrado (Staatsexamen) em Filologia Clássica, Filologia Romância e Educaç-o pela Universidade de Würzburg (1998/ 2000), Maîtrise de Lettres Modernes pela Universidade de Estrasburgo (1997). Paula Santos é professora de liceu no Geschwister-Scholl-Gymnasium (GSG) em Stuttgart-Sillenbuch desde 2001, com as disciplinas de português (PLE), inglês e alem-o e responsável pelo departamento de português no GSG. 468 Sobre os autores No âmbito do desenvolvimento dos novos currículos escolares de 2004 e 2016 para Baden-Württemberg participou no desenvolvimento dos currículos para o ensino de PLE no liceu assim como no desenvolvimento de materiais didáticos para os diversos níveis (A1 até B2) do ensino de português (PLE) no liceu. Interessa-se pela comparaç-o de vários métodos e materiais / manuais do ensino de línguas e a adaptaç-o dos meios necessários para um ensino de português (PLE) comunicativo e intercultural perante o historial linguístico dos alunos e a heterogeneidade dos grupos de ensino. Currículo académico: Licenciatura em Línguas e Literaturas modernas - Estudos Ingleses e Alem-es pela Gerhard-Mercator-Universität-GH Duisburg e Curso Superior de Língua e Cultura Portuguesas pela Universidade de Coimbra. Henrick Stahr trabalha na Kurt-Schwitters-Schule (Staatliche Europa-Schule Berlin SESB / Escola Oficial Europeia de Berlim) na combinaç-o portu‐ guês-alem-o. É professor secundário (Studienrat) de História e Política (em português) e Alem-o e Coordenador das Escolas Europeias SESB (escolas secundárias) no Senado de Berlim. Os seus interesses de pesquisa s-o o ensino bilingue e a heterogeneidade linguística e cultural dos grupos de ensino; além disso, interessa-se pela história da fotografia e da imprensa ilustrada e pela política de memória. Currículo académico: Doutorado em Ciências de Cultura e de Artes pela Univer‐ sidade de Artes (Universität der Künste) Berlim (2004). Mestrado (Staatsexamen) em História (Iberoamericana) e Germanística (1986) pela Freie Universität Berlim. Sebastian Stange tem interesses de pesquisa em mudanças linguísticas na diacronia e sua apresentaç-o na aula de PLE, em contatos linguísticos das línguas iberorromânicas, em dialetologia e fraseologia. Currículo acadêmico: Mestrado em Estudos Românicos, com especializaç-o em Estudos Hispânicos e Portugueses pela Universidade de Leipzig (2021). Claudete Beise Ulrich realizou pesquisas de pós-doutorado na Universidade Federal do ES-Brasil (2018-2019). É professora na graduaç-o e pós-graduaç-o na Faculdade Unida de Vitória-ES. É líder do Grupo de Pesquisa (CNPq) Relig-o, Gênero, Violências: Direitos Humanos. É pesquisadora integrante do Grupo de Pesquisa (CNPq) Culturas, Parceria e Educaç-o do Campo (UFES). Seus interesses de pesquisa s-o mulheres, relações de gênero, educaç-o popular, comunidades tradicionais camponesas, sustentabilidade ecológica, economia do cuidado, religi-o, história de vida, interculturalidade e interdisciplinaridade. Currículo acadêmico: Graduada em Teologia pela Faculdade EST, S-o Leo‐ poldo-RS (1987) e Licenciada em Pedagogia pela UDESC, Florianopólis-SC (2005). 469 Sobre os autores Doutorado em Teologia: área de concentraç-o Religi-o e Educaç-o pela Faculdades EST S-o Leopoldo, RS (2006). Pós-doutora em História UFSC-SC (2008). Juliane Pereira da Costa Wätzold é brasileira e vive na Alemanha desde 2000. É docente de Português e Alem-o como línguas estrangeiras na Universi‐ dade Católica de Eichstätt-Ingolstadt e na Technische Hochschule Ingolstadt. Atualmente realiza seu doutoramento na Universidade de Hamburgo, Faculdade de Educaç-o, sob a orientaç-o da professora Dra. Sílvia Melo-Pfeifer. Seus interesses de pesquisa s-o o Multilinguismo, Educaç-o plurilíngue e o Ensino do Português como Língua de Herança. Currículo acadêmico: No Brasil estudou Direito na PUC-MG e Letras na UFMG. É mestre em Völkerrecht pela Universidade de Colônia e pós-graduada em Estudos Europeus pela Universidade de Hamburgo. Rosane Werkhausen trabalha como Leitora de Português no Centro de Lín‐ guas da Universidade Técnica de Munique onde coordena a Área de Português e o programa TUMtandem, que envolve 17 línguas. A sua ênfase no trabalho está focada na aprendizagem autônoma, levando em conta a interculturalidade, o plurilinguismo, a variaç-o linguística e, principalmente, a ressignificaç-o do ensino-aprendizagem em seus diferentes contextos na área de português como língua estrangeira em seu contexto pluricêntrico. Currículo acadêmico: Pesquisadora convidada na cátedra de Linguística Apli‐ cada (Romanística) da Universidade de Augsburgo, com ênfase em Línguas em Contato, principalmente Português na sua variante brasileira, o vestfaliano, o hunsriqueano e o alem-o. Mestre em Linguística Aplicada pela PUCRS, de Porto Alegre, Brasil, e Licenciada em Português e Inglês e suas respetivas literaturas pela UNIVATES, de Lajeado, Brasil. 470 Sobre os autores Romanistische Fremdsprachenforschung und Unterrichtsentwicklung Bisher sind erschienen: 1 Daniel Reimann, Andrea Rössler (Hrsg.) Sprachmittlung im Fremdsprachenunterricht 2013, 304 Seiten €[D] 68,- ISBN 978-3-8233-6824-3 2 Daniel Reimann (Hrsg.) Kontrastive Linguistik und Fremdsprachendidaktik Iberoromanisch- Deutsch Studien zu Morphosyntax, Mediensprache, Lexikographie und Mehrsprachigkeitsdidaktik (Spanisch, Portugiesisch, Katalanisch, Deutsch) 2014, 292 Seiten €[D] 68,- ISBN 978-3-8233-6825-0 3 Christine Michler, Daniel Reimann (Hrsg.) Sehverstehen im Fremdsprachenunterricht 2016, 446 Seiten €[D] 68,- ISBN 978-3-8233-6876-2 4 Lieselotte Steinbrügge Fremdsprache Literatur Literarische Texte im Fremdsprachenunterricht 2016, 134 Seiten €[D] 49,- ISBN 978-3-8233-8002-3 5 Ferran Robles i Sabater, Daniel Reimann, Raúl Sánchez Prieto (Hrsg.) Angewandte Linguistik Iberoromanisch - Deutsch Studien zu Grammatik, Lexikographie, interkultureller Pragmatik und Textlinguistik 2016, 259 Seiten €[D] 68,- ISBN 978-3-8233-6941-7 6 Ferran Robles i Sabater, Daniel Reimann, Raúl Sánchez Prieto (Hrsg.) Sprachdidaktik Spanisch - Deutsch Forschungen an der Schnittstelle von Linguistik und Fremdsprachendidaktik 2016, 188 Seiten €[D] 68,- ISBN 978-3-8233-8014-6 7 Christoph Bürgel, Daniel Reimann (Hrsg.) Sprachliche Mittel im Unterricht der romanischen Sprachen Aussprache, Wortschatz und Morphosyntax in Zeiten der Kompetenzorientierung 2017, 419 Seiten €[D] 88,- ISBN 978-3-8233-8096-2 8 Elena Schäfer Lehrwerksintegrierte Lernvideos als innovatives Unterrichtsmedium im fremdsprachlichen Anfangsunterricht (Französisch/ Spanisch) 2017, 374 Seiten €[D] 78,- ISBN 978-3-8233-8089-4 9 Theresa Venus Einstellungen als individuelle Lernervariable Schülereinstellungen zum Französischen als Schulfremdsprache - Deskription, Korrelationen und Unterschiede 2017, 418 Seiten €[D] 88,- ISBN 978-3-8233-8136-5 10 Victoria del Valle Luque Poesía Visual im Spanischunterricht Von der literaturwissenschaftlichen Analyse zur gegenstands- und kompetenzorientierten Didaktik 2018, 311 Seiten €[D] 78,- ISBN 978-3-8233-8170-9 11 Bernd Sieberg Gesprochenes Portugiesisch aus sprachpragmatischer Perspektive 2018, 260 Seiten €[D] 78,- ISBN 978-3-8233-8186-0 12 Silvia Melo-Pfeifer, Daniel Reimann (Hrsg.) Plurale Ansätze im Fremdsprachenunterricht in Deutschland State of the art, Implementierung des REPA und Perspektiven 2018, 354 Seiten €[D] 88,- ISBN 978-3-8233-8189-1 13 Clémentine Abel Ausspracheschulung Erhebung der Kompetenzen, Überzeugungen und Praktiken von Französischlehrkräften. Entwicklung eines bedarfsbezogenen Fördermoduls 2018, 214 Seiten €[D] 58,- ISBN 978-3-8233-8264-5 14 Christian Koch, Daniel Reimann (Hrsg.) As Variedades do Português no Ensino de Português Língua N-o Materna 2019, 225 Seiten €[D] 68,- ISBN 978-3-8233-8221-8 15 Daniel Reimann, Ferran Robles i Sabater, Raúl Sánchez Prieto (Hrsg.) Kontrastive Pragmatik in Forschung und Vermittlung Deutsch, Spanisch und Portugiesisch im Vergleich 2019, 381 Seiten €[D] 78,- ISBN 978-3-8233-8124-2 16 Marta García García, Manfred Prinz, Daniel Reimann (Hrsg.) Mehrsprachigkeit im Unterricht der romanischen Sprachen Neue Konzepte und Studien zu Schulsprachen und Herkunftssprachen in der Migrationsgesellschaft 2020, 409 Seiten €[D] 68,- ISBN 978-3-8233-8385-7 17 Lukas Eibensteiner Transfer im schulischen Drittspracherwerb des Spanischen Wie L2-Kenntnisse des Englischen, Französischen und Lateinischen den L3- Erwerb von perfektivem und imperfektivem Aspekt im Spanischen beeinflussen 2021, 361 Seiten €[D] 78,- ISBN 978-3-8233-8435-9 18 Elissa Pustka (Hrsg.) La prononciation du français langue étrangère Perspectives linguistiques et didactiques 2021, 481 Seiten €[D] 78,- ISBN 978-3-8233-8428-1 19 Christian Helmchen / Sílvia Melo-Pfeifer / Julia von Rosen (Hrsg.) Mehrsprachigkeit in der Schule Ausgangspunkte, unterrichtliche Herausforderungen und methodischdidaktische Zielsetzungen 2021, 308 Seiten €[D] 68,- ISBN 978-3-8233-8305-5 20 Cornelia Döll, Christine Hundt, Daniel Reimann (Hrsg.) Pluricentrismo e heterogeneidade O Ensino do Português como Língua de Herança, Língua de Contato e Língua Estrangeira 2022, 470 Seiten €[D] 82,- ISBN 978-3-8233-8487-8 A aquisiç-o do português como língua pluricêntrica com as variedades de Portugal e do Brasil, as variedades linguísticas da África Lusófona e da Ásia, e como língua estrangeira e língua de herança ensinadas na Alemanha, Áustria e Suíça apresenta aos professores e aprendentes desafios complexos. As contribuições neste volume emergiram do diálogo interdisciplinar de investigadores e professores das áreas da linguística e da pesquisa em aquisiç-o de línguas, língua segunda, línguas estrangeiras / didática. Combinam perspetivas lusófonas de diferentes continentes e perspetivas europeias sobre o português como língua primeira e segunda, língua de herança e língua estrangeira. Nesse quadro, os autores lançam luz sobre uma grande variedade de contextos de ensino-aprendizagem, refletindo, por um lado, a inserç-o institucional do ensino e, por outro, as diferentes línguas de partida e de referência, biografias, motivaç-o e níveis de competência linguística dos atores. Romanistische Fremdsprachenforschung und Unterrichtsentwicklung 20 ISBN 978-3-8233-8487-8