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As Variedades do Português no Ensino de Português Língua Não Materna

0812
2019
978-3-8233-9221-7
978-3-8233-8221-8
Gunter Narr Verlag 
Christian Koch
Daniel Reimann

Nos últimos anos, o ensino das variedades linguísticas tornou-se uma temática importante na didática e linguística aplicada para as línguas estrangeiras. O português como língua policêntrica com uma forte variação diatópica não se exclui deste discurso. Além da questão clássica Que português ensinar e aprender? referindo-se às duas variedades padrão de Portugal e do Brasil, novas perspetivas enfocam o conjunto global das variedades lusófonas e as outras dimensões de variação linguística. Neste volume reúnem-se contributos que abordam a temática em contextos de ensino secundário e superior na Alemanha, em Portugal, na Galiza e em Timor-Leste. Reflexões teóricas, estudos empíricos, análises de manuais e propostas didáticas demonstram a extensão do discurso sobre as variedades no ensino de PLNM.

<?page no="0"?> Nos últimos anos, o ensino das variedades linguísticas tornou-se uma temática importante na didática e linguística aplicada para as línguas estrangeiras. O português como língua policêntrica com uma forte variaç-o diatópica n-o se exclui deste discurso. Além da quest-o clássica Que português ensinar e aprender? referindo-se às duas variedades padr-o de Portugal e do Brasil, novas perspetivas enfocam o conjunto global das variedades lusófonas e as outras dimensões de variaç-o linguística. Neste volume reúnem-se contributos que abordam a temática em contextos de ensino secundário e superior na Alemanha, em Portugal, na Galiza e em Timor-Leste. Reflexões teóricas, estudos empíricos, análises de manuais e propostas didáticas demonstram a extens-o do discurso sobre as variedades no ensino de PLNM. Romanistische Fremdsprachenforschung und Unterrichtsentwicklung 14 RFU 14 Romanistische Fremdsprachenforschung und Unterrichtsentwicklung 14 ISBN 978-3-8233-8221-8 Christian Koch / Daniel Reimann (eds.) As Variedades do Português no Ensino de PLNM Christian Koch Daniel Reimann (eds.) As Variedades do Português no Ensino de Português Língua N-o Materna 18221_Koch_Reimann_Umschlag.indd Alle Seiten 10.07.2019 10: 02: 07 <?page no="1"?> Romanistische Fremdsprachenforschung und Unterrichtsentwicklung Herausgegeben von Daniel Reimann (Duisburg-Essen) und Andrea Rössler (Hannover) Band 14 <?page no="2"?> Christian Koch / Daniel Reimann (eds) As Variedades do Português no Ensino de Português Língua N-o Materna <?page no="3"?> Bibliografische Information der Deutschen Nationalbibliothek Die Deutsche Nationalbibliothek verzeichnet diese Publikation in der Deutschen Nationalbibliografie; detaillierte bibliografische Daten sind im Internet über http: / / dnb.dnb.de abrufbar. © 2019 · Narr Francke Attempto Verlag GmbH + Co. KG Dischingerweg 5 · D-72070 Tübingen Das Werk einschließlich aller seiner Teile ist urheberrechtlich geschützt. Jede Verwertung außerhalb der engen Grenzen des Urheberrechtsgesetzes ist ohne Zustimmung des Verlages unzulässig und strafbar. Das gilt insbesondere für Vervielfältigungen, Übersetzungen, Mikroverfilmungen und die Einspeicherung und Verarbeitung in elektronischen Systemen. Internet: www.narr.de eMail: info@narr.de CPI books GmbH, Leck ISSN 2197-6384 ISBN 978-3-8233-8221-8 (Print) ISBN 978-3-8233-9221-7 (ePDF) ISBN 978-3-8233-0178-3 (ePub) www.fsc.org MIX Papier aus verantwortungsvollen Quellen FSC ® C083411 ® <?page no="4"?> Índice 5 Índice Introduç-o Daniel Reimann / Christian Koch O ensino de Português Língua N-o Materna com enfoque na competência de variedades. A relevância das variedades na aula . . . . . . . . 9 A polifonia do português Benjamin Meisnitzer O Português como língua pluricêntrica. Um desafio para a didática do Português Língua Estrangeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 As variedades do português na formaç-o universitária em Portugal Isabel Margarida Duarte Português, Língua pluricêntrica: formaç-o de professores de PLE na Universidade do Porto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 Dulce Mel-o Português língua estrangeira no ensino superior. Dar voz às vozes dos estudantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 Anabela Fernandes / Joana Cortez-Smyth Usos que criam vozes. Divergência pragmática na aprendizagem de Português Língua N-o Materna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 As variedades do português no material de ensino Thomas Johnen As variantes do português em manuais de Português Língua Estrangeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 Christian Koch PE com PB e PB com PE? Abordando o desenvolvimento de competências em duas variedades nos manuais Olá Portugal! e Beleza! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 <?page no="5"?> 6 Índice Leonor Paula Santos Sugestões práticas para a integraç-o das variedades da língua portuguesa nas aulas de PLE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 Teresa Bag-o PE e PB - duas variedades em diálogo. Contributos para a compreens-o do oral em PLNM/ PLE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 As variedades no ensino de PLNM no mundo: Alemanha, Galícia e Timor-Leste Maria Teresa Nóbrega Duarte Soares Ensino Português no Estrangeiro. Alemanha - da língua materna à língua de herança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 Carla Sofia Amado “Hai moitas palabras en Galego que pensas que son iguais no Portugués e isto non é así, pero como en Castelán son distintas que ao Galego, pensas que sí.” Diagnóstico de competencias e identificaç-o de estrategias na comunicaç-o oral do aluno galego-falante . . . . . . . . . . . . 179 Karin Noemi Rühle Indart Uma Abordagem Didática Plurilíngue para a Língua Portugesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195 <?page no="6"?> Introduç-o <?page no="8"?> O ensino de Português Língua N-o Materna com enfoque na competência de variedades A relevância das variedades na aula Daniel Reimann / Christian Koch Que português ensinamos? Que português aprendem os estudantes? E é isso o português que eles querem aprender? Estas s-o as grandes questões vigentes na área do ensino de Português Língua N-o Materna (doravante: PLNM) dado que n-o é possível falar um português sem se identificar com uma variedade diatópica precisa. Mas a quest-o clássica das duas variedades-padr-o de Portugal e do Brasil só é um dos aspetos que se discutem na didática atual sob a etiqueta de ‘variedades no ensino’. Abrem-se novas perspetivas sobre outras variedades diatópicas do português na África e na Ásia, e também sobre as outras dimensões de variaç-o linguística no sentido de socioletos (variaç-o diastrática) e registos (variaç-o diafásica). A base do triângulo didático, que consiste do aprendente, do professor e do objeto da aprendizagem, podemos descrever as situações seguintes: Fig. 1: As variedades do português no triângulo didático <?page no="9"?> 10 Daniel Reimann / Christian Koch Os professores oriundos de Portugal, do Brasil ou de outro país lusófono trazem a sua variedade à aula e figuram um modelo autêntico que os aprendentes imitam. Mas que sucede se a fala do professor n-o coincide com a variedade transmitido pelo manual? Como reagem os aprendentes no momento de ter um novo professor que fala uma outra variedade (cf. Duarte 2016, 208sq.)? Para os professores n-o nativos é ademais uma quest-o de identificaç-o com um espaço lusófono e de assimilaç-o de uma variedade autêntica. 1 Da parte dos aprendentes, n-o é que somente imitem os professores. Alguns também trazem experiências de estadias no estrangeiro, outros s-o filhos de falantes lusófonos dominando uma variedade do português como língua de herança. Portanto, os professores têm que dispor de várias competências profissionais (conhecimentos amplos do sistema variacional do português, abertura para a diversidade linguística) para lidar positivamente com a heterogeneidade das variedades na aula. Quanto ao objetivo geral da aprendizagem - o domínio da língua portuguesa - é preciso considerar as variedades no currículo, sobretudo se usarmos o argumento da importância da língua portuguesa pela sua extens-o no mundo. Ensinar uma língua moderna significa antecipar o encontro com a realidade linguística através de material autêntico e promover contatos privados e informais com falantes nativos. Evitar um contato pelo fato que uma pessoa n-o fala a norma-padr-o do curso, ent-o nunca pode formar parte de uma boa prática. Nos últimos anos, o ensino das variedades linguísticas tornou-se uma temática importante na didática e linguística aplicada para as línguas estrangeiras. Para as línguas românicas já houve na Alemanha conferências com publicações subsequentes para francês (Frings / Schöpp, ed., 2011) e espanhol (Leitzke-Ungerer / Polzin-Haumann, ed., 2017). 2 Nestas duas publicações Reimann desenvolveu o conceito de uma competência de variedades recetiva ( rezeptive Varietätenkompetenz ) exemplificando-o para as línguas pluricêntricas francês e espanhol (Reimann 2011; 2017). Este conceito seja apresentado aqui de novo em forma revisada e aplicada ao português. A competência de variedades recetiva A competência de variedades recetiva entende-se segundo Reimann (2011) como a capacidade de descodificar variedades linguísticas - sobretudo na dimens-o 1 Cf. as reflexões comparáveis sobre a pronúncia dos professores n-o nativos na aula de espanhol em Koch (2017). 2 Para o italiano o discurso sobre as variedades ainda parece quase inexistente (cf. Caloi / Schäfer 2018). <?page no="10"?> O ensino de Português Língua N-o Materna com enfoque na competência de variedades 11 diatópica - de uma língua-padr-o (a língua-alvo do curso) na receç-o - sobretudo auditiva. Em palavras mais simples, trata-se da compreens-o do oral em variedades e normas-padr-o regionais da língua-alvo, aqui do português. Definiç-o: A competência de variedades recetiva é a capacidade de descodificar variedades diatópicas e normas-padr-o regionais na perceç-o auditiva (aqui: a compreens-o do oral das variedades regionais do português). Embora na perspetiva linguística as variedades n-o se atribuam ao fenómeno do plurilinguismo no sentido mais restrito, na perspetiva didática estas beneficiam a formaç-o de competências plurilingues no sentido do desenvolvimento da consciência linguística. Nesta argumentaç-o também é possível seguir o conceito do plurilinguismo interior ( innere Mehrsprachigkeit ) de Wandruszka que se refere às variedades - naquele caso na língua materna (cf. Wandruszka 1979). Nesse ponto parece-nos proveitoso postular o fomento sistemático de uma competência de variedades (recetiva) integrando esta competência nos objetivos da didática do plurilinguismo. No modelo de competências para os exames finais no ensino secundário na Alemanha ( Bildungsstandards für das Abitur , KMK 2012) a competência de variedades recetiva poderia ser situada na interface de três competências (parciais): na sua orientaç-o nomeadamente oral contribui por um lado à competência da compreens-o auditiva, por outro lado fornece o desenvolvimento de consciência linguística. Como facilita uma compreens-o aprofundada com os falantes nativos de diferentes espaços culturais lusófonos, também forma parte da competência comunicativa intere transcultural. Num outro lugar, Reimann introduziu a competência de variedades recetiva como uma das temáticas privilegiadas da didática do plurilinguismo românico depois do ano 2010 (junto à integraç-o reforçada de habilidades produtivas, de outras línguas escolares (em especial inglês, latim, grego), de alem-o como língua materna, segunda e estrangeira, das línguas de herança dos alunos, da Aprendizagem Integrada de Línguas e Conteúdos (AILC) e da competência comunicativa transcultural (cf. Reimann 2016). As outras línguas escolares de caráter pluricêntrico s-o o inglês, o francês e o espanhol. Para o inglês, Schubert (2014) pôs em dia o discurso da ponta e forneceu perspetivas para continuar o desenvolvimento de uma didática do inglês pluricêntrico, para o francês provêm uns contributos relevantes de Pöll (2000) e de Reimann (2011), para o espanhol cf. o contributo mencionado de Reimann (2017). <?page no="11"?> 12 Daniel Reimann / Christian Koch A partir desta base seja introduzido aqui também o conceito de uma ‘didática do português pluricêntrico’: Ao constructo de uma ‘didática do português pluricêntrico’ com enfoque no desenvolvimento e fomento de uma competência de variedades recetiva influenciam diferentes discursos didáticos e linguísticos. Um entendimento básico do português como língua global está fornecido pela sociolinguística e transmitido pelo menos em parte aos discursos políticos do ensino. No lado originariamente didático acrescentam-se as esferas discursivas mencionadas da competência de compreens-o do oral, da ‘nova’ competência da consciência linguística (cf. KMK 2012) e da competência comunicativa intere transcultural. Além disso, a linguística de variedades fornece resultados relevantes da perspetiva linguística. Por um lado, pensamos naturalmente na linguística de variedades ‘clássica’ com a sua orientaç-o descritiva. Por outro lado, evolui-se ultimamente a pesquisa de um outro fenómeno central para o quotidiano e para a formaç-o da competência comunicativa intere transcultural: a perceç-o de - entre outros - a variaç-o diatópica pelo destinatário respetivo de um ato de fala. Isto foi o objeto de alguns estudos (-piloto) sistemáticos da linguística românica. Thomas Krefeld e Elissa Pustka criaram com a ediç-o de um volume (Krefeld / Pustka 2010a, cf. Krefeld / Pustka 2010b) o conceito de uma ‘linguística de variedades percetiva’ querendo enriquecer os precursores como a ‘dialetologia percetiva’ com um fundamento teórico. Aqui as diferentes variedades diatópicas s-o analisadas empiricamente através da perceç-o por falantes de outras variedades. Podemos resumir as influências discursivas a uma didática de português pluricêntrico e à competência de variedades recetiva de forma seguinte: Fig. 2: Didática do português como língua pluricêntrica <?page no="12"?> O ensino de Português Língua N-o Materna com enfoque na competência de variedades 13 A partir disso propomos como complemento aos instrumentos existentes - QCER e CARAP 3 - uma escala de descritores que se refere especialmente ao desenvolvimento de uma competência de variedades recetiva em português, sobretudo para o ensino do português na Alemanha. Trata-se de descritores normativo-prescritivos que se poderiam validar em estudos sobre o ensino de português atual assim como examinar em estudos de implementaç-o. Os descritores s-o os seguintes: Competência de variedades recetiva em Português (compreens-o do oral) C2 É capaz de compreender enunciados de quase todas as variedades lusófonas e normas-padr-o regionais que mostram uma forte marcaç-o diatópica em nível fonético e prosódico. Compreende quase sem exceç-o lexemas e particularidades semânticas das variedades respetivas na situaç-o comunicativa. Pode compreender todas as particularidades morfossintáticas das variedades respetivas na situaç-o comunicativa. C1 É capaz de compreender enunciados de numerosas variedades lusófonas e normas-padr-o regionais que mostram uma forte marcaç-o diatópica em nível fonético e prosódico. Compreende em sua maioria lexemas e particularidades semânticas das variedades respetivas na situaç-o comunicativa. Pode compreender em sua maioria as particularidades morfossintáticas das variedades respetivas na situaç-o comunicativa. B2 É capaz de compreender enunciados de várias variedades lusófonas e normas-padr-o regionais que mostram uma forte marcaç-o diatópica em nível fonético e prosódico. Lexemas e particularidades semânticas das variedades respetivas na situaç-o comunicativa n-o produzem dificuldades de compreens-o. Pode reconhecer e compreender particularidades morfossintáticas. B1 É capaz de compreender enunciados de certas variedades lusófonas e normas-padr-o regionais que mostram uma marcaç-o diatópica claramente percetível em nível fonético e prosódico. Compreende geralmente lexemas e particularidades semânticas das variedades respetivas na situaç-o comunicativa, eventualmente inferindo do contexto. Pode compreender particularidades morfossintáticas. A2 É capaz de compreender enunciados de certas variedades lusófonas e normas-padr-o regionais que mostram uma leve marcaç-o diatópica em nível fonético. A1 -/ - Tab. 1: Competência de variedades recetivas em português 3 Ou seja, o Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas e - ainda n-o traduzido ao português - o Cadre de référence pour les approches plurielles . <?page no="13"?> 14 Daniel Reimann / Christian Koch O conteúdo do livro A secç-o didática “Variedades do Português no ensino secundário e superior” do 12º Congresso Alem-o de Lusitanistas, realizado na Universidade Johannes Gutenberg em Mogúncia (Mainz) de 13 a 16 de setembro de 2017, ampliou o discurso para o português. 4 Neste volume reúnem-se os contributos de doze participantes de contextos de ensino muito diversos: pesquisadores em linguística e didática assim como professores que trabalham no ensino escolar e universitário na Alemanha, em Portugal e noutras partes do mundo. O livro abre com o contributo de Benjamin Meisnitzer, professor catedrático de Linguística Ibero-Românica na Universidade de Lípsia (Leipzig) que concretiza o desafio de ensinar o português como língua pluricêntrica presente em quatro continentes oferecendo orientações práticas para abordar a temática na aula. Quanto às variedades do português na formaç-o dos professores para PLNM, Isabel Margarida Duarte, professora associada de Linguística na Universidade do Porto, apresenta no seu contributo os avanços dos conteúdos no programa de mestrado da Universidade do Porto que favorecem a perspetiva pluricêntrica do português para os futuros professores de PLNM. Dulce Mel-o, professora adjunta do Departamento de Ciências da Linguagem na Escola Superior de Educaç-o de Viseu, recorre ao título do congresso - Polifonia: uma língua, muitas vozes - para dar voz aos estudantes estrangeiros e à variaç-o das suas opiniões do português. Anabela Fernandes, professora auxiliar convidada de Português para Estrangeiros no Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Universidade de Coimbra, e Joana Cortez-Smyth, assistente convidada de Português para Estrangeiros no mesmo departamento, abordam a competência pragmática como parte da variaç-o diafásica no ensino de PLNM e oferecem atividades práticas para ilustrar a necessidade desta área na didática. Os quatro contributos seguintes tratam as variedades do português no material didático. Thomas Johnen, professor catedrático de Línguas Românicas na Westsächsische Hochschule Zwickau, compara a abordagem das variantes diatópicas em mais de 30 manuais para Português Língua Estrangeira com o resultado que sobretudo os manuais do mercado europeu avançam em direç-o à pluricentricidade do português. Christian Koch, professor adjunto de Linguística Aplicada das Línguas Românicas na Universidade de Siegen, concentra-se numa análise crítica de dois manuais alem-es que intentam introduzir paralelamente as normas-padr-o de Portugal e do Brasil. Leonor Paula Santos, professora 4 Organizou-se anteriormente uma conferência didática em Gotemburgo (Suécia) em 2013 com o título “As variedades do Português no ensino do Português Língua Materna e Estrangeira” (cf. Jodl 2016, 166). <?page no="14"?> O ensino de Português Língua N-o Materna com enfoque na competência de variedades 15 do Ensino Secundário em Estugarda (Stuttgart) oferece uma perspetiva prática nas aulas do português com enfoque nas variedades através de atividades criadas para o ensino num liceu alem-o. Teresa Bag-o, professora de Português e PLNM na Escola Secundária de Estarreja, propõe material e atividades para praticar a compreens-o do oral do português europeu e do português brasileiro. A última parte do livro reúne três contributos que enfocam o ensino do português em diferentes espaços. Maria Teresa Nóbrega Duarte Soares, professora do Ensino Secundário de Língua e Cultura Portuguesas (LCP) em Nuremberga (Nürnberg) e Erlangen, discute a situaç-o do ensino do português como língua de herança na Alemanha. Problematiza a heterogeneidade das aulas tendo em conta o artigo 74 da Constituiç-o da República Portuguesa que deve assegurar o ensino do português aos cidad-os portugueses no estrangeiro. Carla Sofia Amado, leitora do Camões na Universidade de Santiago de Compostela e responsável do Centro Cultural Português em Vigo, versa sobre as particularidades dos aprendentes galegos que através da proximidade linguística criam uma própria variedade do português. Karin Noemi Rühle Indart, professora convidada do Programa de Pós-Graduaç-o e Pesquisa da Universidade Nacional Timor Lorosa’e, conclui o volume com um contributo sobre a quest-o das variedades do português em Timor-Leste onde n-o se parece estabelecer uma variedade-padr-o, mas uma forma híbrida do português pelas influências europeias e brasileiras no ensino. Agradecimentos Damos agradecimentos à Associaç-o Alem- de Lusitanistas ( Deutscher Lusitanistenverband , DLV) por integrar a secç-o didática no seu programa dando- -nos assim a oportunidade de reunir investigadores e professores de diferentes campos do ensino, ao Departamento de Línguas Românicas da Universidade de Siegen pelo subsídio da publicaç-o e a Kathrin Heyng e à editora Narr pelo apoio na preparaç-o deste volume. Caloi, Irene / Schäfer, Elena. 2018. “Varietätenkompetenz im Italienischunterricht? Ma certo! ”, in: Die Neueren Sprachen , 7 für 2016, 28-40. Duarte, Isabel Margarida. 2016. “Portuguese, a polycentric language: which Portuguese should we teach in Foreign Language Classes? ”, in: Carlos Andrade / Guaraciaba Micheletti / Isabel Seara (ed.): Memory, discourse and technology . S-o Paulo: Terracota, 208-228. Frings, Michael / Schöpp, Frank (ed.). 2011. Varietäten im Französischunterricht. Stuttgart: ibidem. <?page no="15"?> 16 Daniel Reimann / Christian Koch Jodl, Frank. 2016. “ Corporate Identity ‘Portugiesisch’ - historische Sprache versus Unterrichtsfach: das Problem der Identität des Portugiesischen im Spiegel ausländischer Lehrwerke”, in Lusorama , 105/ 106, 161-200. KMK. 2012 [Ständige Konferenz der Kultusminister der Bundesrepublik Deutschland, ed.] : Bildungsstandards für die fortgeführte Fremdsprache (Englisch/ Französisch) für die Allgemeine Hochschulreife (Beschluss der Kultusministerkonferenz vom 18.10.2012). Koch, Christian. 2017. “ [ʃ]o me [ʃ]amo [ʃ]olanda . Überlegungen zur Akzeptabilität von Aussprachevarietät bei Spanisch-Lehrkräften”, in: Leitzke-Ungerer / Polzin-Haumann 2017, 97-113. Krefeld, Thomas / Pustka, Elissa (ed.). 2010a. Perzeptive Varietätenlinguistik . Frankfurt am Main et al.: Lang. Krefeld, Thomas / Pustka, Elissa. 2010b. “Für eine perzeptive Varietätenlinguistik”, in: Krefeld / Pustka 2010a, 9-28. Leitzke-Ungerer, Eva / Polzin-Haumann, Claudia (ed.). 2017. Varietäten des Spanischen im Fremdsprachenunterricht. Ihre Rolle in Schule, Hochschule, Lehrerbildung und Sprachenzertifikaten . Stuttgart: ibidem. Pöll, Bernhard. 2000. “Plurizentrische Sprachen im Fremdsprachenunterricht (am Beispiel des Französischen) ”, in: Wolfang Börner / Klaus Vogel (ed.): Normen im Fremdsprachenunterricht . Tübingen: Narr, 51-63. Reimann, Daniel. 2011. “Diatopische Varietäten des Französischen, Minderheitensprachen und Bilinguismus im transkulturellen Fremdsprachenunterricht”, in: Frings / Schöpp 2011, 123-168. Reimann, Daniel. 2016. “Aufgeklärte Mehrsprachigkeit - Sieben Forschungs- und Handlungsfelder zur (Re-) Modellierung der Mehrsprachigkeitsdidaktik”, in: Michaela Rückl (ed.): Mehrsprachigkeit und Inter-/ Transkulturalität im Sprachenunterricht und in der Lehrer_innenbildung . Münster: Waxmann, 15-33. Reimann, Daniel. 2017. “Rezeptive Varietätenkompetenz im Spanischen - Modellierung einer Teilkompetenz zwischen funktionaler kommunikativer Kompetenz und Sprachbewusstheit”, in: Leitzke-Ungerer / Polzin-Haumann 2017, 69-95. Schubert, Christoph. 2014. „Internationale Varietäten des Englischen. Aktuelle Ansätze der Sprachwissenschaft im Fremdsprachenunterricht.“, in: Wolfgang Gehring / Matthias Merkl (ed.): Englisch lehren, lernen, erforschen . Oldenburg: BIS, 233-251. Wandruzska, Mario. 1979. Die Mehrsprachigkeit des Menschen . München: Piper. <?page no="16"?> A polifonia do português <?page no="18"?> O Português como língua pluricêntrica 19 O Português como língua pluricêntrica Um desafio para a didática do Português Língua Estrangeira Benjamin Meisnitzer 1 Línguas pluricêntricas do ponto de vista teórico-metodológico - O caso do Português O conceito de línguas pluricêntricas remonta à obra de Michael Clyne (1992a), na qual estas eram definidas como línguas com ‘diversos centros interativos, providenciando cada um uma variedade nacional com, pelo menos, algumas normas próprias (codificadas)’ (cf. Clyne 1992b, 4). A definiç-o proposta por Clyne mantém-se bastante vaga e geral, podendo abranger constelações pluricêntricas bastante distintas. Contudo, a complexidade da realidade linguística das línguas em causa apresenta alguns desafios para a categorizaç-o derivados da definiç-o proposta. Deste modo, temos por um lado constelações nas quais a respetiva norma abrange territórios coincidentes com fronteiras de estados nacionais, nomeadamente no caso do Português do Brasil (PB) e do Português Europeu (PE) ou do Inglês Norte-Americano e do Inglês Britânico e casos nos quais, devido à vizinhança geográfica dos respetivos estados nacionais, é quase impossível encontrar peculiaridades linguísticas que tornem evidentes a existência de normas nacionais, sugerindo a existência de normas geográficas, como, por exemplo, no território do delta do La-Plata na América Latina, com Buenos Aires como centro normativo, no caso do Espanhol (cf. Oesterreicher 2001, 310). Se atendermos ainda ao Francês com as suas particularidades no Québec e a, todavia, fraca normatizaç-o das caraterísticas desta variedade, motivada pela política linguística e cultura linguística monocêntrica praticada por Paris que motiva a orientaç-o do Francês na Suíça, na Bélgica e no Luxemburgo, por exemplo, segundo a norma do français hexagonal de Paris, n-o resta qualquer dúvida, que atendendo à pluralidade de constelações sociolinguísticas e contextos variacionais, o conceito continua a oferecer o potencial e a necessidade para mais estudos. <?page no="19"?> 20 Benjamin Meisnitzer A heterogeneidade de línguas definidas como pluricêntricas motiva diferentes interpretações e acepções do conceito em si. Ainda assim, o conceito é bastante pertinente do ponto de vista metodológico, pois falar do PB como variedade sintópica ou dialeto em relaç-o ao PE seria inequivocamente erróneo. N-o se trata de um dialeto, mas de um sistema próprio. É de salientar uma quase total ausência de interferências do PE no PB (cf. Pöll 2012, 35) nos tempos que correm e a emancipaç-o da norma do PB, que revela diferenças linguísticas profundas, que constituem um conjunto de variantes, que formam uma variedade própria, com um sistema diafásico, diastrático e diatópico independente e alheio à norma do PE. Isto é, nas variedades do PB marcas diassistemáticas, tomam como ponto de referência uma norma-padr-o, que n-o é a do PE. O conceito de pluricentrismo define deste modo um processo de consolidaç-o de dois sistemas distintos dentro de uma mesma língua histórica, revelando este processo diversas etapas, correspondentes a diferentes níveis de consolidaç-o das respetivas línguas (cf. Meisnitzer 2013). Assim, enquanto bicha no PB é uma palavra com uma marcaç-o diassistemática pertencendo a um estilo linguístico baixo, com o significado ‘homem homossexual’, no PE é a palavra neutra e n-o-marcada diassistematicamente para ‘fila’. Ao mesmo tempo, o lexema crocodilo apenas serve para designar o animal no PE, enquanto que no Brasil é um termo utilizado frequentemente no discurso de proximidade (cf. Koch / Oesterreicher 2007) para designar um ‘homem homossexual’. O mesmo podemos observar para o lexema rapariga , que em Portugal designa ‘jovem do sexo feminino’, sendo o termo neutro, sem qualquer marcaç-o diassistemática para ‘moça’, enquanto que no Brasil é um termo diafasicamente marcado como baixo, para designar ‘amante’ ou ‘prostituta’, tendo um sentido pejorativo. Trata-se portanto de lexemas que existem em ambas as variedades, com valores diassistemáticos distintos. As diferenças n-o se cingem ao domínio do léxico, também a nível fonético-fonológico, morfossintático, semântico-lexical e pragmático s-o evidentes 1 , n-o podendo ser ignoradas na aprendizagem do Português como língua estrangeira, sob pena de causar situações de grande embaraço ao falante n-o-nativo e de dificultar a sua interaç-o comunicativa. Deste modo, as diferenças entre o PE e o PB s-o de caráter estrutural t-o profundo que temos de falar de dois sistemas para o PE e o PB, respetivamente, segundo Coseriu (1970) 2 , ainda que obviamente se trate 1 Para obter informações sobre as caraterísticas mais salientes do PE, ver: Mattos e Silva 2013. 2 Segundo Coseriu (1970) temos de distinguir entre produções linguísticas ao nível do ato individual de atualizaç-o da fala, a chamada fala ( Rede ), que corresponde à parole Saussuriana, e o sistema ( System ), que corresponde ao conjunto de estruturas opositivas de uma língua, que do ponto de vista funcional se revelam distintivas e que na dicotomia <?page no="20"?> O Português como língua pluricêntrica 21 da mesma língua histórica, daí o termo de variedades e n-o de variantes , restrito ao uso para marcações dentro do diassistema de uma variedade. Sintetizando os argumentos teóricos que legitimam a classificaç-o de uma língua como pluricêntrica, podemos, com Bierbach (2000, 144-147), destacar que uma língua pluricêntrica se carateriza pelos seguintes parâmetros: 1° Existência de um centro urbano com funç-o de modelo linguístico e ativo em matéria de política linguística, determinando a formaç-o, desenvolvimento e expans-o da norma; 2° Associaç-o da norma a um estado nacional ou seja a uma identidade nacional coletiva, no qual a língua nacional serve de marco de orientaç-o para domínio discursivos, distância comunicativa, para os meios de comunicaç-o social e para o sistema escolar (cf. Mateus/ Cardeira 2007, 30); 3° Codificaç-o desta variedade, que serve de ponto de referência às variantes marcadas dentro do respetivo diassistema, em dicionários e gramáticas e eventualmente sob forma de regras ortográficas próprias. Sobretudo o ponto (3), segundo Bierbach (2000) é fulcral, pois é indício da consciência colectiva da comunidade linguística da existência de um centro normativo endógeno e da distância em relaç-o a outras variedades (nacionais). 3 Oesterreicher (2001) relativiza o ponto (2), defendendo que as variedades, n-o têm necessariamente de coincidir com marcos de territórios nacionais, o que todavia tem vindo a ser alvo de crítica, pois apesar de uma proximidade linguística, nomeadamente, das regiões no delta do rio La-Plata, tal n-o invalida o potencial de identificador nacional de um indivíduo originário do Uruguai, que facilmente seria identificado por um argentino, segundo informantes questionados. Assim, Pöll (2012, 40) sugere a existência de diversos níveis em que uma norma pode vigorar, considerando o pluricentrismo uma noç-o polifacetada, pois considera que temos casos de pluricentrismo a nível nacional, regional, podendo as zonas Saussuriana corresponde à langue . A norma, como terceiro parâmetro introduzido por Coseriu, designa realizações linguísticas, que correspondem a convenções da comunidade linguística, cuja necessidade n-o se encontra fundamentada no sistema, dado os respetivos elementos linguísticos n-o formarem pares de oposições distintivas. 3 Se atendermos no caso do PB, a existência da Nova Gramática do Português Brasileiro de Ataliba de Castilho, publicada em 2010, e, por exemplo, o dicionário da Houaïss, revelam a consciência da comunidade linguística brasileira de uma norma própria e a falta de referência das gramáticas europeias e dos dicionários portugueses, nomeadamente da Academia de Ciências, da Verbo ou da Porto Editora para o português ensinado nas escolas, utilizado em documentos oficiais (discurso de distância) e a utilizaç-o do Português, em geral, em contextos formais no Brasil. Como tal, a existência destas obras revela a consciência da existência de uma norma definida e estabelecida dentro das fronteiras do próprio país (norma endógena), que substituiu a norma exógena dominante no tempo da dependência colonial de Portugal. <?page no="21"?> 22 Benjamin Meisnitzer correspondentes abranger vários territórios nacionais e internacionais, podendo haver uma co-ocorrência de normas a diversos níveis. 4 Do estudo apresentado por Oesterreicher (2001) importa acrescentar um quarto ponto crucial do ponto de vista linguístico para definiç-o e identificaç-o de uma norma que sirva de base a um diassistema próprio: 4° Um conjunto de elementos linguísticos neutral do ponto de vista da marcaç-o diassistemática, que diverge de outras normas (nacionais) e que deve ser obtido mediante uma perspetiva descritiva (cf. Oesterreicher 2001, 308). Um último ponto imprescindível na definiç-o de línguas pluricêntricas, que até à data n-o mereceu a devida consideraç-o é o papel dos meios de comunicaç-o de massas para a emergência de uma norma (trans-)nacional (cf. Arden / Meisnitzer 2013): 5° Ainda que um processo de mudança linguística raramente seja desencadeado pelos media , estes contribuem de forma decisiva para a sua difus-o e aceitaç-o por parte da comunidade linguística em larga escala. Deste modo, os media desempenham um papel central na consolidaç-o de normas, porque através destes as mudanças linguísticas s-o difundidas com grande rapidez, chegando a todo o lado, e devido ao acesso aos mesmos por parte de largas partes da populaç-o. O papel dos media e, no caso de Portugal e do Brasil, sobretudo da televis-o, no desenvolvimento da língua e das suas variedades pode ser definido do modo seguinte (Mateus / Cardeira 2007, 39): A escola deixa de ser o único, ou o principal instrumento de educaç-o. As novas gerações aprendem na televis-o, na internet. A ortografia, a gramática, o vocabulário, fixaram uma norma que é, nos nossos dias, democraticamente difundida por um sistema escolar que chega a todos os recantos do país. Mas, mais que à escola, a responsabilidade pela difus-o da norma cabe, agora, à televis-o. Para finalizar, importa ainda enfatizar que no caso de línguas pluricêntricas temos dois sistemas com pelo menos uma relativa autonomia relativamente um ao outro e que se desenvolveram dentro da mesma língua histórica, revelando ainda um grau significativo de semelhança (ao contrário, por exemplo, do Português e do Espanhol, que a dada altura emergiram do Latim). Definidos os 4 Para tal Pöll discute o caso do Espanhol na América Latina, onde paralelamente às normas nacionais e regionais, existe aquilo a que frequentemente chamamos “norma pan-americana” ou “espanhol internacional” (cf. Gauger 1992, 518), que é utilizada nas sincronizações televisivas e que se carateriza por traços nitidamente latino-americanos, que todavia n-o s-o particularidade de um país ou de uma regi-o específica e que todavia indicam a distância em relaç-o à norma europeia do castelhano. <?page no="22"?> O Português como língua pluricêntrica 23 critérios que nos permitem classificar uma língua como sendo pluricêntrica e face a alguns traços identificados, n-o resta qualquer dúvida de que o Português é uma língua pluricêntrica com pelo menos duas variedades: o PB e o PE (cf. Baxter 1992; Oesterreicher 2001; Pöll 2001; 2012). Deste modo, o PB apresenta um sistema diafásico, diastrático e diatópico independente e alheio à norma e às respetivas marcações diassistemáticas no PE, n-o existindo nos dias que correm praticamente qualquer tipo de influência do PE no PB. O processo inverso ocorre por influência das telenovelas da Globo, que retratam a alta classe média do Rio de Janeiro, permitindo ao mundo lusófono uma familiarizaç-o com a sua variedade falada. Os centros urbanos de proliferaç-o da norma linguística s-o no caso de Portugal o eixo Lisboa - Coimbra, no caso do Brasil o eixo S. Paulo - Rio de Janeiro. O seu caráter modelo pode ser explicado pelo poder político-administrativo e pelo papel económico cultural das respetivas cidades. O caso dos PALOPes afigura-se bastante mais complicado, dado os contextos de aquisiç-o da linguagem, a independência de Portugal mais de um século mais tarde do que no Brasil, a falta de interesse político em fomentar uma política linguística própria e as dificuldades político-sociais vividas após a independência, nomeadamente os 30 anos de guerra civil em Angola. Ao mesmo tempo os fluxos migratórios na sequência deste mesmo conflito levaram a que um quarto da populaç-o angolana se concentrasse na grande área de Luanda, levando ao encontro de populações de diversas etnias e falantes de diversas línguas bantas, que utilizaram o Português (L2) como língua franca (Endruschat 2008, 87). Desde essa altura tem-se verificado um incremento da utilizaç-o do Português (cf. Castro 2 2006, 32). Existem fortes indícios para o desenvolvimento de uma norma endógena em Angola e em Moçambique respetivamente (cf. Arden / Meisnitzer 2013; Meisnitzer 2013). Deste modo, o Português utilizado nos respetivos países revela traços distintivos das demais variedades, caraterísticas do discurso de distância. Nos restantes países africanos dominam crioulos de base portuguesa (cf. Pereira 2006, 67). E também na Ásia o Português é uma língua circunscrita aos domínios comunicativos da proximidade (cf. Meisnitzer 2016), existindo paralelamente alguns crioulos de base portuguesa (cf. Pereira 2006, 67). O único caso em aberto é o de Timor-Leste, onde o Português é uma das línguas oficiais. Todavia seria prematuro falar de uma variedade própria, pois a independência é ainda demasiado recente, os materiais didáticos s-o facultados por Portugal e pelo Brasil, bem como os professores de Língua Portuguesa. Além disso, de acordo com o censo feito em 2010 apenas 595 habitantes falam Português como L1, enquanto que 449.085 falam um dialeto do Tétum como L1. 5 O processo de 5 Dados extraídos de: Direç-o Nacional de Estatística (2010): Population and Housing Census of Timor-Leste 2010 . Volume 2: Population and Distribution by Administrative Areas, <?page no="23"?> 24 Benjamin Meisnitzer génese de uma variedade nativizada do Português está portanto ainda longe de emergir e de se consolidar com caraterísticas que nos permitam indubitavelmente falar de um Português de Timor (cf. Cardeira 2006, 88; Costa 2005, 614sq.). O futuro do Português em Timor é desta forma, neste momento, uma incerteza. No que concerne à didática o Português para Estrangeiros (L2 ou L3), a realidade pluricêntrica do Português continua a merecer apenas uma atenç-o marginal. Para tal basta contemplar um livro de Português para Estrangeiros, o que nos permite constatar rapidamente que as variedades s-o, na melhor das hipóteses, referidas de forma marginal e pouco sistemática, observaç-o que pode ser generalizada aos manuais para aprendizagem das ditas línguas pluricêntricas como L2 (cf. Königs 2000, 86). Deste modo, os manuais brasileiros ignoram a realidade portuguesa e vice-versa. Antes de passarmos à necessidade de integrar o Português como língua pluricêntrica nas aulas de Português para Estrangeiros e algumas reflexões metodológicas, importa todavia salientar algumas das caraterísticas mais importantes das respetivas normas. 2 A necessidade de ter em consideraç-o o carácter pluricêntrico de uma língua a partir do exemplo do PB No caso da norma do Português do Brasil é de salientar a discrepância entre a norma-padr-o, como norma prescritiva, que se aproxima bastante da norma do PE e as normas cultas faladas, como elementos que constituem a norma descritiva do PB, e o distanciamento diastrático entre as normas cultas faladas e as normas populares faladas, norma orientadora das classes sociais iletradas ou com um baixo nível de formaç-o. No nível fonético-fonológico é de destacar a palatalizaç-o das consoantes oclusiva / t/ e / d/ , quando seguidas da vogal [i] ou da semivogal [j], por exemplo, em tia e dente [dẽt͡ʃi], destacando-se na segunda palavra a elevaç-o do <e> na sílaba átona no final da palavra, ao contrário do português europeu, onde teríamos uma centralizaç-o e uma elevaç-o da vogal [ɨ] na mesma posiç-o (Mattos e Silva 2013, 150). A fricativa coronal / s/ é apenas realizada como palatal em posiç-o final de palavra e antes de consoante, como no PE [ʃ] na norma culta do rio de Janeiro (Mattos e Silva 2013, 150). Para finalizar, importa ainda destacar ao nível consonântico o enfraquecimento de <l> em posiç-o final de sílaba realizado como [w] e de <r> (cf. amar pronunciada am [a], podendo, contudo, também ser realizada como fricativa glotal ( ama [h]), como fricativa velar ( ama [x]) ou como coronal simples ( ama [ɾ]), conforme as regiões pp. 203sq.; Tabela 12. <?page no="24"?> O Português como língua pluricêntrica 25 (cf. Mattos e Silva 2013, 150). Registam-se ainda diferenças a nível vocálico, na sílaba pretónica entre o PB e o PE: Sílaba pretónica PB PE p [o] rtal p [u] rtal l [e] vada l [ɨ] vada c [a] rtada c [ɐ] rtada l [o] b-o l [u] b-o p [e] reira p [ɨ] reira Sílaba átona em final de palavra PB PE lev [i] lev [ɨ], [lɛv] Quadro 1 - Diferenças quanto ao timbre de vogais entre o PB e o PE (adaptado de Mattos e Silva 2013, 149). É ainda de salientar a oposiç-o entre as vogais tónicas médias seguidas de consoante nasal na posiç-o de inicial da sílaba seguinte, realizadas como abertas no PE e como vogais fechadas no PB (ex. - homónimo e grémio ). As diferenças mais comummente realçadas pela investigaç-o para distinguir entre a norma-padr-o escrita e as normas faladas cultas no nível morfossintático s-o: Norma (padr-o) PB PB norma falada culta 1° Deu-me dinheiro para comprar roupa. Me deu dinheiro para comprar roupa. 2° Vi-o na rua. Vou comprá-los Vi ele na rua. Vou comprar Ø. / Vou comprar eles. 3° Deixa-me dizer o que penso disso. Vi-o sair da sala. Deixa eu dizer o que penso disso. Vi ele sair da sala. 4° Fui ao festival. Cheguei à estaç-o atrasado. Fui no festival. Cheguei na estaç-o atrasado. 5° Esse é um livro de que eu gosto muito. Essa é a vizinha em cuja casa jantei ontem. Esse é um livro Ø que eu gosto muito. Essa é a vizinha Ø que eu jantei na casa ontem. Quadro 2 - Caraterísticas da norma falada culta brasileira em comparaç-o com a norma- -padr-o vigente no discurso escrito (Arden 2010, 7). <?page no="25"?> 26 Benjamin Meisnitzer 1° A próclise encontra-se de tal modo generalizada no PB que me , te e se podem ocorrer em posiç-o inicial dentro da oraç-o e construções mesoclíticas do PE s-o transformadas em construções proclíticas (ex. - dar-me-ei > me darei ) (cf. Mattos e Silva 2013, 153). 2° A norma prescritiva exige pronomes de objeto direto anafóricos na forma clítica, enquanto que as variedades faladas preferem o objeto nulo ou as formas plenas dos pronomes pessoais para expressar o COD. 3° Se os verbos mandar , fazer , deixar , ver , ouvir e sentir forem seguidos de uma forma verbal no infinitivo, a norma exige a colocaç-o de um pronome pessoal clítico CDD, que é objeto do verbo e simultaneamente sujeito da forma verbal no infinitivo. A variedade culta falada dá preferência à forma plena dos pronomes pessoais. 4° Complementos circunstanciais de lugar com funç-o diretiva introduzidos pelos verbos de movimento ir e chegar s-o regidos pela preposiç-o a segundo a norma, mas na norma culta falada s-o precedidos de em . 5° Enquanto que a norma-padr-o exige a colocaç-o da preposiç-o antecedendo o pronome relativo, as variedades cultas faladas caraterizam-se pela omiss-o da preposiç-o, sendo a relaç-o sintática marcada morfologicamente pelo pronome relativo exclusivamente. Uma diferenciaç-o entre o discurso de distância falado (variedade culta) e escrito (norma-padr-o prescritiva) é fundamental para uma aprendizagem adequada do PB. Uma apresentaç-o indiferenciada de caraterísticas sem uma explicaç-o adequada, contextualizando, impossibilitam ao estudante de Português como L2 de consolidar os seus conhecimentos linguísticos de forma a poder selecionar as formas adequadas em contextos e situações comunicativos distintos. Além disso, importa ainda distinguir as formas correspondentes às variedades cultas e às normas populares diastraticamente marcadas, n-o podendo elementos caraterizadores destas últimas variedades ser definidos como caraterísticas do PB, sem alertar para a marcaç-o diassistemática da qual o falante nativo tem noç-o. Exemplos morfossintáticos frequentemente apontados na literatura s-o: <?page no="26"?> O Português como língua pluricêntrica 27 Português do Brasil falado (variedade culta) Português do Brasil falado (variedade popular) eu trabalho eu trabalho você trabalha tu/ você trabalha ele/ ela ele, ela a gente/ (nós) a gente/ nós (trabalhamos) vocês trabalham vocês eles/ elas eles/ elas (trabalham) Quadro 3 - A oposiç-o entre um paradigma verbal triou quadripartido caraterístico das normas cultas faladas e um paradigma reduzido distinguindo apenas duas ou três formas caraterístico das normas populares (adaptado de: Arden 2010, 9). Português do Brasil falado (variedade culta) Português do Brasil falado (variedade popular) umas casinhas umas casinha Ø eles todos eles todo Ø as portas abertas as porta Ø aberta Ø Quadro 4 - Marcaç-o do plural apenas no primeiro elemento do sintagma nominal, caraterística típica das normas populares (adaptado de: Arden 2010, 9). A apresentaç-o indiferenciada de elementos caraterísticos da norma-padr-o escrita e elementos linguísticos caraterísticos da norma culta falada têm gerado bastante confus-o nas gramáticas (cf. Marcuschi 2000; 2003), sendo estritamente necessário distinguir entre a língua falada e a língua escrita e a proximidade e a distância comunicativa, segundo Koch / Oesterreicher (1985; 2007; 2 2011). O cânon da norma-padr-o no BP cinge-se a tradições discursivas do âmbito medial escrito e do domínio da concetualidade escrita, isto é, textos correspondentes a um máximo de distância comunicativa, como os textos jurídicos. Ao mesmo tempo, as peculiaridades sintáticas e morfossintáticas da variedade culta falada diafasicamente neutral, começam a penetrar cada vez mais nas tradições discursivas do domínio da distância comunicativa. Deste modo, registam-se processos de mudança linguística que afetam caraterísticas, estruturas e estratégias discursivas ao nível concecional sob influência dos hábitos e das convenções da norma culta falada (cf. Arden 2010, 9sq.). Esta tendência revela que os falantes cultos <?page no="27"?> 28 Benjamin Meisnitzer do BP se distanciam cada vez mais da norma-padr-o prescritiva vigente para a língua escrita, que prevalece bastante impermeável a inovações e mudanças. 3 A quest-o controversa se existem normas-padr-o endógenas do Português em Angola e em Moçambique A quest-o se o Português em Angola e em Moçambique se continuam a guiar pelas diretrizes prescritivas do PE ou se est-o a desenvolver as suas próprias normas-padr-o é uma quest-o que continua a ser discutida de forma controversa. Assim, por um lado os falantes de variedades dominantes, neste caso o PE por motivos históricos e o PB por motivos económico-financeiros e pela quantidade de falantes de Português como L1 no Brasil, tendem a contemplar outras variedades nacionais como “desvios” ou “particularidades”, sem lhes reconhecer igual estatuto e os falantes destas variedades n-o-dominantes, revelam tendência a fugir para as normas dominantes, dado que mais facilmente se adaptam a estas e aos seus ideais normativos (cf. Pöll 2000, 53). Por outro lado, normas dominantes est-o bastante mais codificadas do que as menos dominantes, cujos falantes continua(ra)m a orientar-se por obras codificadoras prescritivas (gramáticas, dicionários, etc.) vindas do exterior durante bastante mais tempo (cf. Pöll 2000, 53). Esta situaç-o regista-se em Angola e Moçambique. Todavia, na sequência da crise económica na Europa e da crise do Euro, a dinâmica da hegemonia linguística tem vindo a sofrer uma corros-o profunda nos últimos anos, dado o crescimento económico das ditas nações africanas e tal repercute-se na autoconfiança enquanto naç-o e fomenta a valorizaç-o da identidade nacional, à qual se encontra estreitamente associada o desenvolvimento de uma norma- -padr-o endógena. Deste modo, seria prematuro comparar o Português em Angola (PA) ou o Português em Moçambique (PM) com o PB, mas em ambos os casos podemos identificar uma tendência nítida para a formaç-o de uma norma própria e a génese de um sistema linguístico próprio. Importa n-o esquecer que ambos os países africanos apenas alcançaram a independência em 1975, mais de um século mais tarde do que o Brasil, pelo que n-o é de espantar que o processo de consolidaç-o de normas-padr-o nas respetivas regiões ainda se encontre numa fase bastante mais prematura do que no Brasil, onde nos deparamos com um sistema consolidado, que apenas ainda carece de uma gramática normativa, embora primeiros passos tenham sido dados com a gramática de Ataliba de Castilho (2010). Em Angola e em Moçambique ainda assistimos a um processo de nativizaç-o do Português acelerado pela Guerra Civil em Angola (1975-2002) e favorecido pela multietnicidade das respetivas nações, com falantes de diversas línguas bantas, <?page no="28"?> O Português como língua pluricêntrica 29 que optam pelo português como símbolo de unidade e como língua franca (cf. Hagemeijer 2016, 47). Deste modo, o Português encontra-se numa fase em que os falantes nativos têm consciência das particularidades do uso do Português no seu país. Em Moçambique, uma parte significativa dos falantes nativos está convencida que apenas os outros utilizam as particularidades do PM e que eles próprios falam português segundo a norma europeia, faltando-lhes, todavia, em muitos casos, o devido e profundo conhecimento da mesma e, por conseguinte, o PE deixou de servir de referência. No caso Angolano, o processo de consolidaç-o de uma norma emergente encontra-se um pouco mais avançado, favorecido por um elevado número de falantes do Português como L1 nas gerações <30. A Guerra Civil Angolana levou aproximadamente um terço da populaç-o a migrar para Luanda e os seus subúrbios. Oriundos de partes distintas do país, de origens étnicas distintas e falantes de línguas diferentes, adotaram o Português como língua franca e os seus filhos nasceram numa sociedade de língua portuguesa e receberam esta como L1. Favorecido por este processo acelerado de nativizaç-o, o português em Angola apresenta particularidades que divergem do PE, nos diversos níveis linguísticos até mesmo quando utilizado em contextos formais de distância comunicativa. Importa todavia salientar que nas aulas de Português para Estrangeiros ainda parece precoce adotar uma das respetivas normas, dado que faltam os materiais didáticos e os instrumentos normativos (gramáticas, prontuários ortográficos e dicionários), pelo que as normas devem ser tema e algumas particularidades centrais ser abordadas, mas apenas num nível muito avançado da aprendizagem, para evitar confundir os alunos. Ainda assim, é pertinente uma crescente integraç-o de África nos currículos universitários (também nos campos dos estudos culturais, da literatura e da linguística). Assim, para o Português Angolano poderiam ser destacadas as seguintes caraterísticas linguísticas mais salientes (cf. Meisnitzer 2013): 1° Nível lexical: Empréstimos das línguas bantas (ex. do quimbundo kubaza ‘fugir’ > bazar ‘fugir’ ou ka-dienge ‘gato’ > cariengue ‘trabalhador ilegal ou clandestino’ e que, pelos mecanismos de derivaç-o próprios do português, originou carienguista ‘pessoa que trabalha clandestinamente’); formaç-o de verbos a partir de uma base nominal do PE ( churrascar , Gonçalves 2013, 165) e estabilizaç-o de algumas unidades lexicais como parte do repertório lexical da comunidade angolana ( ter ‘haver’: aqui tem muitas, muitas senhoras que vendem e assistir ‘ver’: [...] confessou já ter assistido vários documentários sobre Angola ” (Gonçalves 2013, 166)). De salientar, ainda alterações semânticas de palavras existentes no PE (ex. - [...] aquela família que era possessa da pulseira (‘possuidora’) (Gonçalves 2013, 166)); <?page no="29"?> 30 Benjamin Meisnitzer 2° Tendência para a utilizaç-o preferencial da próclise (cf. Inverno 2009, 101sq.) e para a supress-o de preposições, que em PE regem complementos verbais ([...] est-o sempre a conversar Ø a mesma coisa. (Gonçalves 2013, 167) (PE - ([...] est-o sempre a conversar sobre a mesma coisa. ); 3° Transitivizaç-o de verbos que no PE exigem um argumento preposicional: ex. “[…] todas as pequenas gostavam Ø lhe gozar […]” (in: Vieira, Luanda , p. 21 apud Endruschat 1997, 407); 4° Utilizaç-o do pronome clítico lhe em contextos, que no PE exigiriam as formas clíticas o e a ([...] a minha m-e diz que lhe v-o buscar e que lhe v-o levar todos os dias. (Gonçalves 2013, 175)); 5° Generalizaç-o da preposiç-o em , que ocorre especialmente com estruturas de argumento dativo ( Ainda temos que pagar nos professores ; Cabral 2005, 132) e com verbos de movimento ( ir , chegar , vir , voltar ) ( Vamos em casa. Chavagne 2005, 225) (para ambos os casos confirmar: Hagemeijer 2016, 53sq.); 6° Ausência da marcaç-o da congruência numeral dentro do sintagma nominal, ex. “ eu trabalhava lá com os filipino Ø [...]” (Gonçalves 2013, 176), sob influência do contato com as línguas bantas provavelmente e que se regista quer nos discursos formais, quer nos informais, tanto na linguagem falada, como também cada vez mais na linguagem escrita, ainda que aqui seja considerado erro, pelo discurso normativo vigente; fenómeno que também se verifica no PM; 7° Neutralizaç-o das formas de tratamento da 2ª e 3ª pessoa, que também se verifica no PM ([...] aí você cultiva vai nas tuas lavra . (PE - suas ); Gonçalves 2013, 177). As divergências fonético-fonológicas, ainda que de interesse num curso de Português para Estrangeiros, poder-o ser desprezadas, uma vez que os alunos, até mesmo os melhores já têm bastante dificuldade em muitos casos e seguir estritamente apenas as regras do PE ou do PB. No caso do PM, aspetos linguísticos que poderiam ser abordados para dar a conhecer as particularidades desta variedade s-o (cf. Meisnitzer 2013): 1° No domínio lexical: Neologismos por meio de derivaç-o, seguindo o padr-o derivacional do português (ex. - depressar ‘ir depressa’; inesquecer ‘ato de ser impossível de esquecer’ ou bichar ‘fazer bicha’), alargamento semântico de palavras (ex. - chapa ‘meio de transporte’), empréstimos do banto (ex. - magumba ‘peixe com muitas espinhas’) e alteraç-o das solidariedades lexicais ( comer dinheiro ‘gastar dinheiro’ e acabar um mês ‘ficar um mês’ ou ‘demorar um mês’) (cf. Tamele 2011, 404); 2° No domínio morfossintático: Transitivizaç-o de verbos que regem argumentos preposicionados, com funç-o sintática de oblíquo (ex. - muitas pessoas <?page no="30"?> O Português como língua pluricêntrica 31 protestaram Ø a iniciativa ), com a possibilidade de passivizaç-o do respetivo argumento, passando este a desempenhar a funç-o de agente da passiva (ex. - a iniciativa foi protestada ), e com a funç-o de complemento indireto (ex. - dar alguém Ø alguma coisa ) (Gonçalves 2005, 191; Tamele 2011, 404). Além disso, é de destacar a utilizaç-o do pronome clítico lhe com funç-o de objeto direto (ex. - N-o lhe vi desde ontem ; Couto 4 2002, 59) e a utilizaç-o do infinitivo flexionado, em contextos que em PE exigem o infinitivo impessoal (ex. - propomos falarmos com ele ; Gonçalves 2005, 192). Para finalizar importa ainda realçar a generalizaç-o da utilizaç-o da preposiç-o a para introduzir complementos com o traço [+H um ] (ex. - A filha do imperador amou ao Manuel. ; Gonçalves 1996, 315) e a tendência para complementos oracionais completivos serem regidos pelas preposições de e para , que no PE n-o requerem preposiç-o (ex. - “ Vimos por este meio avisar a todas as entidades para n-o transacionarem o cheque 3571090. ” ou “ A pessoa nem imagina de que está numa ilha. ”; Gonçalves 1996, 319). 3° No domínio sintático: Preferência pela ênclise até mesmo na presença de atratores de próclise (Hagemeijer 2016, 61) (ex. - [...] daí que relaciono-me bem com eles (Mapasse 2005, 70). No campo das estratégias de relativizaç-o verifica-se uma preferência pelas estruturas com pronome de retoma (ex. - foi um amigo que conheci-o logo que cheguei ) e pela estratégia cortadora (ex. - é uma profiss-o Ø que se fala de beleza ) (Gonçalves 2013, 173). A abordagem destas variedades e das suas particularidades n-o deve monopolizar as aulas, dado o caráter recente dos fenómenos descritos, em muitos casos ainda sujeitos a uma normativizaç-o, mediante a integraç-o em obras de caráter prescritivo, todavia, o seu desprezo impede o aluno de conhecer o caráter polifacetado da Língua Portuguesa e é, atualmente, desfasado, atendendo a um crescente fluxo migratório por motivos profissionais para Angola e Moçambique. 4 Os meios de comunicaç-o de massas e a aprendizagem de uma L2 e a quest-o da norma no caso de línguas pluricêntricas O estudante de língua estrangeira revela uma relativa autonomia no seu processo de aprendizagem de uma língua, dado que a sua experiência de aquisiç-o da L1 e a capacidade de abstraç-o e de adoç-o de uma meta-perspetiva sobre a linguagem, permitem um certo grau de independência e uma postura crítica relativamente às propostas de aprendizagem oferecidas pelos cursos de língua (cf. Königs 2000, 89). Obviamente o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira continua a ser um processo estruturado e guiado, mas o professor tem vindo a perder sucessivamente o seu papel de um transmissor de conhecimentos <?page no="31"?> 32 Benjamin Meisnitzer para passar a assumir a funç-o de um consultor linguístico, dado que a internet e os meios de comunicaç-o sociais de massas permitem um acesso direto à respetiva língua e às suas variedades (cf. Königs 2000, 90). É, por isso, impossível nos dias que correm menosprezar o papel dos mesmos meios de comunicaç-o de massas na aprendizagem de uma língua estrangeira, mas também na definiç-o e evoluç-o da norma das respetivas variedades (cf. Arden / Meisnitzer 2013 para o caso do Português como língua pluricêntrica). Todavia, a crescente influência e a rápida difus-o do acesso aos meios de comunicaç-o de massas tem também o reverso da medalha: se a aprendizagem, que obviamente é fomentada por estes, n-o for acompanhada por profissionais em didática e ensino do português como língua estrangeira, existe o risco de uma aprendizagem com deficiências na sua consolidaç-o e sem que o aluno ou o estudante desenvolva uma capacidade de avaliar a adequaç-o situacional e contextual de determinados lexemas, formas ou expressões, uma vez que a inscriç-o nos respetivos registos e a identificaç-o do valor no respetivo diassistema da variedade é algo que um aluno apenas consegue avaliar num nível bastante avançado, com profundos conhecimentos e um quase perfeito domínio da L2. Os próprios sítios disponíveis na internet dedicados ao assunto, nem sempre s-o fontes de informaç-o fidedignas, dado a facilidade de aceder às plataformas e a quantidade de pessoas que se consideram habilitados a prestar explicações, sem, contudo, possuírem as bases científicas necessárias para essa tarefa. Contudo, e como será desenvolvido no capítulo seguinte, um ensino do Português como se se tratasse de uma língua monocêntrica, seria desfasado da realidade e limitaria bastante a capacidade comunicativa dos discentes e o potencial e a mais-valia que a aprendizagem da mesma língua pode trazer num contexto, frequentemente académico. 6 5 Integraç-o de variedades extraeuropeias nas aulas de Português para Estrangeiros Apresentados argumentos em prol de uma abordagem do português como língua pluricêntrica nas aulas como Língua Estrangeira, nomeando as variedades do PE, PB, PM e PA como sendo aquelas que revelam a emancipaç-o linguística necessária e um grau de consolidaç-o de uma norma ou de uma norma-padr-o 6 Importa aqui salientar, que as mesmas vantagens se aplicam a aprendentes da Língua Portuguesa em contexto de escolas superiores, universidades populares ( Volkshochschulen ), escolas de língua e, ainda que em medida mais restrita, devido a peculiaridades do regime de ensino, a aprendentes do ensino secundário, que frequentam português em regime livre. <?page no="32"?> O Português como língua pluricêntrica 33 emergente, que legitimam que sejam tidas em conta como potenciais variedades do português. Contudo, importa aqui tecer algumas considerações didáticas para, de seguida, finalizamos com algumas sugestões para uma abordagem das caraterísticas das diversas variedades do português nas aulas de Português como Língua Estrangeira. Para facilitar um acesso à língua, importa n-o menosprezar a cultura relacionada, pelo que frases soltas para substituir lexemas ou textos para substituir formas desviantes da norma-padr-o do respetivo manual, se revelam obsoletos e na melhor das hipóteses podem ser aplicados nos cursos de iniciaç-o. Para níveis mais avançados a literatura e excertos de diversos programas de formato televisivo podem servir, para permitir um acesso realista às respetivas variedades. Assim, poder-se-ia trabalhar com excertos de telenovelas, de entrevistas, de noticiários na televis-o com a transcriç-o correspondente para facilitar ao aluno a compreens-o. Alguns exemplos práticos para uma abordagem das especificidades do PB numa aula de Português para Estrangeiros na variedade do PE Devido ao conflito relacionado com o Acordo Ortográfico de 1990 e ao aumento do poder e prestígio do Brasil e à simultânea perda de importância de Portugal dentro do mundo lusófono, o tema é delicado e ambas as partes, por vezes, apresentam apenas uma disposiç-o moderada para integrar a variedade do outro nas aulas: trata-se de um medir forças. Atendendo a uma maior facilidade em conseguir docentes portugueses e um crescente interesse pelo Brasil por parte daqueles que querem aprender Português no Estrangeiro, é imprescindível uma crescente integraç-o do PB nas aulas de Português para Estrangeiros e um fomento dos leitorados brasileiros nas universidades europeias, onde é possível estudar Português como Língua Estrangeira, procurando criar um equilíbrio entre leitores nativos de PE e de PB. Uma integraç-o de leitorados africanos seria bastante desejável, mas no caso da Alemanha, apenas dificilmente deverá ser viável, dado o número relativamente reduzido de estudantes em níveis avançados, na maior parte das universidades. Em estágios iniciais do estudo da Língua Portuguesa revela-se vantajosa a aprendizagem de apenas uma das variedades, para que os aprendentes possam consolidar os seus conhecimentos de fonética e pronúncia, de léxico e semântica, de gramática e de pragmática, dominando bem a língua numa das suas variedades e apenas num nível avançado dever-o ou poder-o ser integradas respetivamente outras variedades. Este reducionismo didático é imprescindível para garantir uma boa aprendizagem da língua estrangeira, sob pena de, no caso de alternâncias entre as variedades em estágios iniciais da aprendizagem da língua, os alunos adquirirem uma pronúncia que <?page no="33"?> 34 Benjamin Meisnitzer nem corresponde bem a uma, nem à outra variedade, de serem completamente incapazes de utilizar corretamente os pronomes clíticos, entre outros. A aquisiç-o deficiente da língua traduzida por uma forma linguística que corresponde a uma mistura de variedades, permite alcançar certos objetivos comunicativos basilares e assegurar uma intercompreens-o pelo menos parcial, mas dificulta atingir um grau elevado de proficiência e aprovar em exames que permitam obter certificados reconhecidos internacionalmente, como os exames CAPLE, por exemplo. É, por isso, vantajoso na fase inicial da aprendizagem do português como língua estrangeira, seguir o princípio didático da competência numa norma-padr-o, preconizado também na didática de outras línguas estrangeiras pluricêntricas, nomeadamente do espanhol (cf. Leitzke-Ungerer 2017, 58sq.), e iniciar a introduç-o de uma segunda variedade em estágios mais avançados, atendendo ao princípio da autenticidade linguística das situações comunicativas apresentadas e recorrendo ao estudo contrastivo das variedades, conforme vem sendo prática comum na aprendizagem do Inglês como Língua Estrangeira. Na seleç-o da variedade lecionada, os docentes têm liberdade de escolha, embora seja imprescindível assegurar a continuidade do ensino na variedade eleita. Ou seja, se uma instituiç-o opta pela variedade do BP, importa que todos os cursos nos níveis básico e intermédio sejam lecionados nessa mesma variedade. Só assim pode ser garantida uma aprendizagem adequada da língua estrangeira, neste caso do Português. Uma vez consolidados os conhecimentos nesta variedade, podem ser introduzidas outras. Esta abertura às variedades na didática de Línguas Estrangeiras é importante para providenciar aos aprendentes competências intere transculturais, imprescindíveis num mundo globalizado e reivindicados pela “didática pluricêntrica”, término e conceito didático cunhado por Reimann (2011, 125-128), pelo menos do ponto de vista passivo-recetivo, no sentido de os aprendentes serem capazes de identificar outras variedades e algumas das suas principais caraterísticas respetivamente (cf. Reimann 2017, 75). Partindo do modelo clássico na sala de aula na Alemanha 7 , onde a variedade estudada é o PE, importa num nível avançado introduzir o PB, podendo o docente recorrer a peças televisivas jornalísticas ou ficcionais ou textos da literatura (popular) e contos, entre outros géneros textuais. Começar a aprendizagem do português com a variedade do PB n-o apresenta qualquer desvantagem do ponto de vista didático, podendo esta inclusivamente favorecer a compreens-o da relaç-o grafia-fonia para aprendentes de iniciaç-o. Ao contrário do que acontece no caso do espanhol, existe também um leque diversificado de livros de Portu- 7 Importa, no entanto, aqui destacar a crescente criaç-o de centros de Brasilianística nas Universidades alem-s, nomeadamente na FU Berlim, na Universidade de Colónia ou na Universidade Católica de Eichstätt-Ingolstadt, por exemplo. <?page no="34"?> O Português como língua pluricêntrica 35 guês para Estrangeiros ( Novo Avenida Brasil da editora E.P.U., Panorama Brasil - Ensino do Português do Mundo dos Negócios da editora Galp-o, Fala Brasil da editora Pontes, Bem-vindo! A língua portuguesa no mundo da comunicaç-o da SBS editora, para mencionar apenas alguns exemplos) e material didático adicional diversificado (por exemplo, o Power-Sprachtraining Brasilianisches Portugiesisch da editora Pons), que adotam a norma do PB. Obviamente importa ter em conta que o intercâmbio de aprendentes, pela proximidade geográfica e pelos programas de apoio financeiro (Erasmus+, por exemplo) é mais fácil com Portugal. E a imers-o na língua estrangeira e na respetiva cultura é imprescindível para uma boa consolidaç-o da proficiência linguística. 5.1 Exemplo de uma análise a partir de uma peça televisiva Uma vez que os professores de Português como Língua Estrangeira de um modo geral ou s-o falantes nativos ou da variedade europeia ou da variedade brasileira, a inclus-o de peças televisivas devidamente comentadas e analisadas tem a vantagem do ponto de vista didático de trazer para o contexto da sala de aula material linguístico autêntico em contextos comunicativos reais, podendo ser abordadas a própria variedade, bem como a outra. Além disso, este tipo de material assegura a autenticidade linguística dos modelos discutidos. Aqui o docente pode trabalhar com trechos e, em níveis de aprendizagem mais avançados, incluir peças curtas integrais correspondentes a tradições discursivas da língua falada. A título de exemplo, observemos o excerto seguinte do Jornal Nacional de 12 de Janeiro de 2009, onde o comissário da polícia Jorge Moreira prestou declarações, optando por um nível linguístico bastante formal e elaborado. Exemplo 1 Jorge Moreira, Comissário da polícia - O Gerson teve o prazo para se apresentar, em raz-o de um arrependimento ou qualquer coisa assim, mas ele n-o Ø fez. Ele passou a ser considerado foragido. [ ] Estamos tentando localizá-lo para cumprir o mandato de pris-o. ( JN, 12/ 1/ 2009 apud Arden 2015, 148) A partir do exemplo poder-se-ia por um lado abordar a proximidade da norma- -padr-o do PE da norma culta falada, nomeadamente, tomando em consideraç-o a seleç-o lexical ( foragido ) e de expressões como em raz-o de um arrependimento. A referência anafórica por seu turno é interessante, pois revela a co-ocorrência de objetos nulos (Ø) e pronomes clíticos da terceira pessoa ( -lo ) num comunicado oficial das autoridades, ou seja, dentro de uma mesma tradiç-o discursiva, num mesmo discurso com o mesmo sujeito de enunciaç-o, o que é caraterístico de contextos de oralidade elaborada com elevado grau de formalidade no PB (cf. <?page no="35"?> 36 Benjamin Meisnitzer Arden 2015, 145-152). A norma do PE exige nestes contextos a utilizaç-o de pronomes clíticos. Seria ainda de destacar a diferença das construções progressivas no BP com auxiliar estar no presente do indicativo + verbo principal no gerúndio ( estamos tentando ), e no PE, formado com estar no presente do indicativo + preposiç-o a + infinitivo do verbo principal ( estamos a tentar ). Também a utilizaç-o da relativa cortadora podia ser abordado partindo de um exemplo real extraído do Jornal Nacional : Exemplo 2: C Carvalhar, nutricionista - A pessoa se serve muito, lá na frente acha uma coisa Ø que gostaria mais, coloca e acaba saindo do restaurante empanturrada ( JN, 15/ 10/ 2008 apud Arden 2015, 254). Além da elis-o da preposiç-o ( de ) para introduzir a oraç-o relativa, bastante produtiva no PB falado, o exemplo serve para ilustrar a tendência para a utilizaç-o da próclise no PB ( se serve vs. PE serve-se ), a utilizaç-o desviante de preposições regendo Complementos Circunstanciais de Lugar (“Onde”) ( lá na frente vs. EP lá à frente ), a maior produtividade do condicional na variedade brasileira ( gostaria ), em contextos onde no PE hoje em dia, sobretudo na linguagem oral, domina o pretérito do imperfeito como equivalente funcional e diferenças na construç-o de perífrases verbais. À perífrase verbal acabar saindo no PB, corresponde acabar por sair no PE. Para esta finalidade didática podem-se igualmente incluir trechos de novelas 8 ou séries, uma vez que muitas vezes s-o representados grupos sociais e, por conseguinte, variedades distintas, ainda que importe ter em conta o problema da autenticidade caraterístico da oralidade fingida (cf. Goetsch 1985). 5.2 Exemplo de uma análise a partir de um excerto de um texto literário Outra possibilidade é a de recorrer a textos literários com um grau de dificuldade moderado, como, por exemplo, O menino no espelho de Fernando Sabino (ex. 3), como sugerido por Pinto ( 2 1993, 19). 9 Neste tipo de exercícios é de evitar a mera substituiç-o de lexemas, pois as estruturas continuam, neste exemplo, a ser tipicamente brasileiras e o texto perderia a sua autenticidade, aumentando o risco de os alunos misturarem as respetivas normas e de serem introduzidos erros no significado do texto na altura da sua adaptaç-o por parte dos professo- 8 Remeto aqui para exemplos do estudo de corpus de Arden (2015), nomeadamente para exemplos de objetos nulos (pp. 155sq.) e relativas cortadoras (pp. 259sq.) extraídas de telenovelas. 9 O excerto é utilizado por Pinto para numa gramática destinada a alunos do ensino básico e secundário, falantes nativos do PE serem sensibilizados para as particularidades do PB. <?page no="36"?> O Português como língua pluricêntrica 37 res na preparaç-o dos respetivos exercícios ou dos autores dos manuais no caso de se tratar de equipas exclusivamente compostas por falantes nativos de uma das variedades (cf. Pöll 2000, 58sq., a propósito das variedades extra-europeias do Francês). Além disso, no caso de um suporte auditivo deve ser tido em conta que os leitores do texto sejam falantes nativos da respetiva variedade, evitando que, por exemplo, um leitor nativo do PE leia o excerto de um texto na variedade do PB, sob pena de perder a sua autenticidade (cf. Pöll 2000, 59). Exemplo 3 Vagabunda? Está me chamando (5) de vagabunda? Nabacinho é você, seu bicho ordinário! N-o sei onde estou que n-o te corto o pescoço, asso no espeto e como, ouviu? E ainda chupo os ossinhos um por um! Ela correu de novo os olhos em torno: - Por falar em comer: quéde a galinha? Já está na hora de fazer o almoço. Onde é que ela se meteu? - N-o sei. - Você n-o estava brincando com ela ontem, menino? - Isso foi ontem. Hoje eu n-o vi ela ainda. - Será que ela fugiu? Ou alguém roubou? E ela olhou para o papagaio, cismada agora com o silêncio dele: - Vai ver que é por isso que esse nabacinho (1) de uma figa estava gritando pega ladr-o (4). Algum ladr-o de galinha. Agarrei a ideia no ar, era a salvaç-o: - Isso mesmo! Quando eu estava ali no quintal vi um homem passar correndo Levava uma coisa escondida embaixo (3) do paletó (2). Só podia ser a galinha. Fernando Sabino (1996 [1982]): O menino no espelho , 18sq. Para começar a abordagem do texto e após contextualizá-lo na obra e esta na respetiva história literária e no respetivo contexto sociocultural brasileiro, seria interessante começar por ouvir uma cassete ou um CD áudio no qual o texto é falado por falantes nativos da respetiva variedade. De seguida poder-se-iam discutir particularidades da pronúncia do PB. Nomeadamente a palatalizaç-o de <d> ou <t> antes de <i> ou <e>, em ordinário , tio , pede ; a semivocalizaç-o de <l> na coda da sílaba, por exemplo em beldade e quintal; a velarizaç-o do <r> na coda da última sílaba da palavra (ex. - fazer ; seguir ) e o fechamento de <e> e <o> abertos no PE (ex. - oxigénio e tónica ) (cf. Pinto 2 1993, 19). Embora nesta passagem n-o haja exemplos, seria ainda importante advertir para a utilizaç-o do [i] epentético no BP, para desfazer clusters consonânticos e obter sílabas harmoniosas prototípicas (consoante + vogal), por exemplo, e ab [i] surdo e p [i] siquiatra (Pinto 2 1993, 19). <?page no="37"?> 38 Benjamin Meisnitzer Após a leitura do texto, poder-se-ia começar por uma abordagem das especificidades lexicais, nomeadamente de lexemas, que o PE desconhece, tais como: nabacinho (1) (‘tonto’, ‘palerma’), caraterístico da proximidade comunicativa, marcado diafasicamente como baixo, ou paletó (2) (‘casaco (curto)’, ‘jaqueta’), preposições distintas embaixo (3) (‘debaixo de’) e até mesmo expressões idiomáticas fixas, tais como pega ladr-o (4) (PE - ‘agarrem o ladr-o’) ou n-o sei onde estou (PE ‘n-o sei quem sou para ’ ou ‘n-o sei por que é que ’). Um exercício para aplicaç-o e gest-o de conhecimentos, relativamente às diferenças lexicais pode ser feito logo após a leitura do texto, por exemplo, com exercícios de escolha múltipla. De grande interesse para além da variaç-o do valor semântico s-o, no entanto, aspetos gramaticais, que podem ser abordados mediante exercícios de escolha múltipla, preenchimento de lacunas ou redaç-o, adaptando as frases às normas do PE. Numa primeira aproximaç-o poderá também ser recomendável facultar um texto com uma explicaç-o das respetivas especificidades. Deste modo, no exemplo em análise (ex. 3) seria de salientar o uso distinto de formas pronominais, mais propriamente o domínio da próclise no caso de pronomes átonos ( está me chamando (5) - PE está a chamar-me ) e a preferência pelo objeto nulo ( alguém Ø roubou - PE alguém a roubou ; pega Ø ladr-o - PE pega o ladr-o ) ou pela forma plena do pronome pessoal ou seja o pronome pessoal reto ou pleno para expressar o complemento direto ( eu n-o vi ela - PE eu n-o a vi ). Além disso, conforme se pode verificar em (5) seria de destacar o uso do gerúndio para expressar o caráter contínuo e progressivo de uma aç-o verbal no PB, adotando uma perspetiva interior sobre a aç-o verbal, contemplada no seio do seu decurso, sem focalizar o início e o fim da mesma (ex. - n-o estava brincando - PE n-o estava a brincar; estava gritando - PE estava a gritar), que no PE é expresso pela construç-o estar a + infinitivo do verbo principal. Esta preferência pelo gerúndio está também patente em construções em que o verbo desempenha uma funç-o modalizadora ( passar correndo - PE passar a correr ) para expressar o modo como a aç-o foi desempenhada. No domínio da pragmática é de destacar a supress-o da segunda pessoa do singular substituída pela forma você + verbo conjugado na terceira pessoa do singular ( Está Ø me chamando de vagabunda? - PE Estás-me a chamar de vagabunda? ). Esta supress-o no paradigma verbal resulta na indiferenciaç-o entre a forma de proximidade e de distância comunicativa nas formas de tratamento, caraterística do PB à semelhança do inglês. No PE a utilizaç-o de você para uma pessoa hierarquicamente superior, quer seja a nível profissional, quer seja social é completamente inaceitável e alvo de <?page no="38"?> O Português como língua pluricêntrica 39 repreens-o e correç-o (cf. Merlan 2011, 198sqq.). 10 Nos exemplos até aqui discutidos, trata-se de utilizações caraterísticas da norma culta falada do PB. Importa distinguir estas formas, daquelas que caraterizam a norma popular e que surgem, por norma, exclusivamente nas passagens dialogadas no discurso direto, para dar tonalidades de autenticidade à oralidade fingida (cf. Goetsch 1985) e ao mesmo tempo caraterizar personagens pertencentes às classes populares, como a cozinheira neste excerto. De destacar: a supress-o de nexos mediante preposições (- Está me chamando Ø vagabunda? - PE Estás-me a chamar de vagabunda? ) e o facto de BP nas normas populares faladas no caso de substantivos compostos, nos quais o segundo elemento serve para determinar o primeiro, apenas marcar o plural no primeiro substantivo ( ladr-o de galinha Ø - PE ladr-o de galinhas ). Uma repercuss-o desta regra é o facto de substantivos genéricos à diferença do que acontece no PE, serem, em regra geral, utilizados no singular. Mediante os exemplos apresentados, esperamos ter deixado claro que uma boa abordagem de uma língua pluricêntrica passa sempre por uma aproximaç-o às suas variedades partindo de textos autênticos, inscritos na respetiva ideologia, mentalidade e cultura, abordando diferenças de forma abrangente e evitando cingir-se a apenas um aspeto, sob pena de aumentar as interferências nos estudantes de língua n-o-materna, dado n-o estarem integrados numa comunidade linguística da respetiva, língua com os seus mecanismos reguladores automáticos de correç-o por parte de outros falantes, se a respetiva forma violar as normas do respetivo sistema, no sentido de Coseriu (1970). No caso da integraç-o de excertos literários, importa escolher obras com umas passagens dialogadas e alguma diversidade de registos, dada a proximidade da norma-padr-o do discurso escrito do PB à do PE, ainda nos dias que correm. 10 A forma de tratamento você deriva de Vossa Mercê e veio sofrendo uma eros-o semântica e fonológica Vossa Mercê > vossancê > você (Merlan 2011, 192). Enquanto que no PE a forma se utiliza num contexto de familiaridade e amizade, em oposiç-o a tu que denota intimidade, nos séculos XVIII e XIX, no fim do século XIX a forma, devido à sua utilizaç-o para abordar alguém inferior (socialmente ou na hierarquia profissional), adquire uma conotaç-o negativa em relaç-o a pessoas de nível social inferior, estigmatizando um pouco a forma. Todavia, esta conotaç-o negativa, que a forma no PB nunca conheceu, coexiste com um emprego recíproco entre pessoas da mesma posiç-o social e faixa etária, como express-o de um tratamento amistoso entre colegas, numa utilizaç-o unidirecional neutra na publicidade e na internet, denotando uma certa proximidade comunicativa com o destinatário da mensagem (cf. Merlan 2011, 200, com exemplos). <?page no="39"?> 40 Benjamin Meisnitzer 6 Conclus-o - Um apelo à necessidade de entender o Português como língua pluricêntrica nas aulas de Português para Estrangeiros O presente artigo pretende sensibilizar professores de Português para Estrangeiros para a diversidade e variedade dentro da Língua Portuguesa, enquanto língua falada em quatro continentes. Ao mesmo tempo pretende alertar para a necessidade de evitar uma proliferaç-o arbitrária da noç-o de pluricentrismo e para a necessidade de uma aproximaç-o cuidadosa e uma abordagem metodologicamente refletida às variedades do Português para evitar que os alunos deixem de distinguir entre as variedades, cometendo erros resultantes da amálgama indiferenciada de caraterísticas do PB e do PE, arbitrariamente adquiridos, e que os aprendentes n-o conseguem associar às devidas variedades. Além disso, procurámos alertar para a necessidade de alguma ponderaç-o na descriç-o e explicaç-o de caraterísticas do PB indiferenciadamente, ignorando se se trata de elementos integrados na norma-padr-o prescritiva ou se se trata de elementos da norma culta falada ou de elementos diastraticamente marcados da norma popular falada. Ao mesmo tempo procurámos sensibilizar para a necessidade de deixar de contemplar África, e aqui Angola e Moçambique concretamente, como se se tratasse de sociedades falantes do Português segundo a norma-padr-o do PE, apelando a que também especificidades destas variedades fossem abordadas num nível de aprendizagem avançado do Português para Estrangeiros. Os diferentes graus de desenvolvimento das respetivas normas comparativamente com o Brasil deve-se à estreita ligaç-o entre identidade nacional, que se cristaliza na formaç-o de normas linguísticas próprias, dado que a língua, mais do que qualquer outro símbolo cultural, serve como símbolo da identidade (cf. Pöll 2000, 52) e a emergência dessa identidade é um resultado da descolonizaç-o, no caso da língua de antigos territórios coloniais, processo levado a cabo mais de um século mais cedo no Brasil do que em África. Finalizámos com algumas sugestões práticas e advertências de como integrar a realidade pluricêntrica do Português nas aulas de Português para Estrangeiros, ponderando sobretudo o papel decisivo dos meios de comunicaç-o de massas como veiculadores de mudanças linguísticas e elementos centrais na definiç-o das respetivas normas- -padr-o, papel outrora desempenhado pela literatura. Importa que os professores de Português para Estrangeiros evitem atitudes de exacerbado patriotismo e purismo linguístico nacionalista, vendo oportunidades na diversidade do Português em vez de recearem constantemente ameaças oriundas das outras variedades, pois tal também n-o deterá os processos de mudança linguística, nem travará o processo de formaç-o e consolidaç-o de normas-padr-o do Português no Brasil, em Angola e em Moçambique. Tal processo <?page no="40"?> O Português como língua pluricêntrica 41 depende exclusivamente da vontade dos falantes das respetivas comunidades linguísticas. 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Partindo da assunç-o de Kristiansen (2014, 2), segundo a qual “it is clear that pluricentricity and monocentricity are gradient rather than well-defined separate categories: some languages are much more pluricentric than others”, dentro desta gradaç-o, o português está, sem dúvida, do lado das línguas mais pluricêntricas. Por outro lado, tendo em conta as conclusões de Reto (2012) sobre o seu potencial económico e a sua previsível expans-o nas próximas décadas, mormente em África (Reto 2016; Osório et al. 2017), esse pluricentrismo deveria ser pensado de forma estratégica e virada para o futuro da língua que terá, nos próximos cinquenta anos, segundo as previsões de Reto (2016), a maior parte dos seus falantes em África. N-o é pois possível continuar a considerar apenas, para efeito de ensino do Português Língua N-o Materna (PLNM), as variedades europeia e brasileira. Nenhum país é dono de uma língua e as suas variedades nacionais têm igual valor do ponto de vista linguístico, seja a do território onde a língua se formou, seja a daquele onde ela é língua materna do maior número de falantes nativos, pelo que dever-o todas ser tomadas em consideraç-o, quando se equacionam questões ligadas à promoç-o da língua em instâncias internacionais ou o seu ensino para falantes de outras línguas. Esses alunos que aprendem português fazem-no, com frequência, movidos pela possibilidade que esta língua lhes pode dar de acederem a diferentes culturas e, sobretudo, a mercados de trabalho diversificados. <?page no="47"?> 48 Isabel Margarida Duarte Os objetivos desta reflex-o ser-o, portanto: 1° Defender que o ensino do PLNM atente nas diferentes variedades da Língua Portuguesa. 2° Apresentar o que se faz, nesse sentido, no Mestrado em Português Língua Segunda / Língua Estrangeira , da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 3° Promover a problematizaç-o do caráter policêntrico da Língua Portuguesa. Como Aguiar e Silva (2010, 348) escreveu, Se a língua e a cultura portuguesas n-o s-o obviamente entendíveis à margem das suas matrizes e dos seus contextos europeus, também é verdade que elas, muito em particular a língua, n-o podem nunca ser consideradas, entendidas e avaliadas, à margem da sua existência multissecular em terras do Oriente, em terras de África e, sobretudo, em terras do Brasil. O português que se fala no Oriente, em África, na América e na Europa merece a atenç-o dos investigadores, dos professores e, obviamente, dos que o aprendem. Do contacto do português com línguas e povos de regiões muito dispersas e distantes, só podia resultar muita variaç-o. Quando os portugueses chegaram a locais t-o distantes entre si como a América do Sul, a Ásia, a África, as línguas que em cada espaço se falavam eram profundamente diferentes, de diversas famílias linguísticas. Além desses substratos muito diferentes, o que estava e está, linguisticamente, à volta dos territórios onde os portugueses se instalaram, que colonizaram ou com os quais estabeleceram diferentes tipos de relaç-o, os adstratos, s-o também muito variados. Mais acresce que os povos que se vieram instalar depois da chegada dos portugueses, nos diferentes territórios, influenciam o modo como o português se fala em cada um. Veja-se, por exemplo, o caso do Brasil. Ora, do contacto das diferentes línguas com as quais o português foi interagindo em variados contextos geográficos e sociais, resultaram diferentes formas de o falar, que nem sempre correspondem a variedades com normas assumidas e mais ou menos fixas. Por isso falamos de variedades no que concerne ao Brasil ou a Portugal, mas de variedades em formaç-o no que diz respeito a África, por exemplo. Os fenómenos de interferência linguística explicam diferentes características das variedades que se falam em diferentes países e zonas desses países. Como sabemos, n-o é o mesmo o estatuto da Língua Portuguesa nos diferentes países em que é falada e esse estatuto vai variando ao longo dos tempos. Nuns países é língua oficial, em outros vai-se tornando, cada vez mais, língua materna da maior parte da populaç-o. É o caso de S-o Tomé e Príncipe mas também de largas zonas urbanas de Angola e Moçambique. Há zonas rurais do último país referido, no entanto, em que o português é uma língua estrangeira. <?page no="48"?> Português, Língua pluricêntrica: formaç-o de professores de PLE na Universidade do Porto 49 N-o é o momento para fazer o balanço de qual a situaç-o atual do português nos diferentes países em que é língua oficial, mas importa ter consciência de que, em alguns desses países, a língua concorre com outras até no mesmo falante. Muito interessante, como sugere Moisés de Lemos Martins, na Introduç-o a Brito (2013, 14), é o convívio, mas também a competiç-o do português com outras línguas: “a ideia de pertença identitária, implícita no fato de um conjunto de povos falar um mesmo idioma, n-o dispensa a consideraç-o de realidades nacionais multiculturais em específicas regiões do globo, com a língua portuguesa a ter que se relacionar com outros idiomas locais e a ter que, em muitos casos, entrar em competiç-o com eles.” (Martins, in Brito 2013, 14). É assim em Cabo Verde e em Timor, para só dar dois exemplos. O multilinguismo dos países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) é uma complexidade que esses países têm de enfrentar, com o que dela resulta para o insucesso escolar, mas é também uma das suas riquezas. E, se a política linguística dos diferentes países n-o é a mesma, desejavelmente dever- -se-ia proteger as várias línguas que aí coexistem com o português. Estes tópicos justificam, a nosso ver, que esta quest-o ocupe um lugar central na formaç-o de professores de Português como língua n-o materna, independentemente da designaç-o por que optemos. 2 Mestrado em Português Língua Segunda / Língua Estrangeira da FLUP e pluricentrismo da Língua Portuguesa O mestrado em apreço - “Mestrado em Português Língua Segunda / Língua Estrangeira” - foi criado em 2007, mas a história da formaç-o de professores de Português como Língua estrangeira começa, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, muitos anos antes. No ano letivo de 2004-2005, teve início o “Curso de Especializaç-o em Ensino do Português Língua Estrangeira”. Como lembra Matos (2007, 105), também esse curso de especializaç-o já tinha um passado feito de experiência: No início dos anos 90, o Instituto Camões propôs à FLUP a realizaç-o de um curso de pós-graduaç-o destinado à formaç-o de professores de PLE, assegurando a atribuiç-o de bolsas preferencialmente encaminhadas para candidatos estrangeiros. Esse curso, designado como “Diploma Universitário de Formaç-o de Professores de Português Língua Estrangeira”, formou dezenas de docentes, quer portugueses, quer, sobretudo, estrangeiros. Em 2004, este “Diploma” foi reestruturado e substituído pelo “Curso de Especializaç-o em Ensino de Português Língua Estrangeira”, que, por sua vez, deu lugar ao mestrado. <?page no="49"?> 50 Isabel Margarida Duarte O mestrado atual é composto por um primeiro ano apenas curricular e um segundo em que os estudantes dever-o fazer estágio pedagógico, a par de um Seminário e do relatório / dissertaç-o. No primeiro ano, o desenho curricular prevê oito unidades curriculares obrigatórias e duas opcionais. Dessas oito disciplinas, três têm como foco o policentrismo da língua Portuguesa: • Variedades do Português • Temas de Literatura dos Países de Língua Portuguesa • Temas de Cultura dos Países de Língua Portuguesa Nestas Unidades Curriculares, como se poderá verificar por uma consulta aos respetivos programas, a preocupaç-o central é que a atenç-o à língua portuguesa n-o seja confinada ao Português Europeu, nem tampouco a esta variedade e ao Português Brasileiro. Do programa da disciplina “Variedades do Português”, selecionamos alguns tópicos que testemunham isto mesmo: 3.4 O Português do Brasil. 3.4.1. Diferenciaç-o fonética (o vocalismo átono, as fricativas palatais, a palatalizaç-o; características sintáticas (os paradigmas flexionais, a colocaç-o e uso dos clíticos, o uso do artigo); particularidades lexicais. 3.5 A situaç-o do Português em África: língua materna e língua segunda. 3.5.1 Algumas características que diferenciam as diversas variedades do Português em África. 1 Na disciplina de “Temas de Cultura dos países de língua portuguesa”, diz-se, nos Objetivos, que o programa privilegia a “literatura de viagens” nos séculos XVI e XVII, promovendo o conhecimento do encontro dos portugueses com outras culturas, e dedica atenç-o ao “olhar” do outro sobre a cultura portuguesa, estudando textos de estrangeiros que viajaram por Portugal nos séculos XVIII e XIX. No sentido em que o programa apela às culturas dos países de língua portuguesa, os textos de viagem selecionam espaços desde o Brasil a Angola, Moçambique, Índia e Timor, apresentando e discutindo o encontro de culturas em espaços e cronologias diferentes. 2 Quanto a “Temas de Literatura dos países de língua portuguesa”, eis os principais pontos do Programa, que privilegiam a mesma vis-o pluricêntrica da língua portuguesa plasmada, neste caso, nas literaturas escritas em português: 1 Curso “Variaç-o e Mudança em Português”: https: / / sigarra.up.pt/ flup/ pt/ ucurr_geral.ficha_uc_view? pv_ocorrencia_id=405305. 2 Curso “Temas de Cultura dos Países de Língua Portuguesa”: https: / / sigarra.up.pt/ flup/ pt/ ucurr_geral.ficha_uc_view? pv_ocorrencia_id=405321. <?page no="50"?> Português, Língua pluricêntrica: formaç-o de professores de PLE na Universidade do Porto 51 2. Da condiç-o pós-colonial e transnacional da língua portuguesa à literatura-mundo em português: questões e desafios; 3. Identidades e reconstruç-o da naç-o: as vozes dos poetas (Alexandre O’Neill, José Craveirinha; Jorge de Sena; Rui Knopfli; Miguel Torga; Ruy Duarte de Carvalho; Vinicius de Moraes; Sophia de Mello Breyner Andresen ); 4. Condensaç-o e comunicaç-o da diversidade: a vez dos contos e das crónicas ( José Rodrigues Miguéis; António Lobo Antunes; Clarice Lispector; Lídia Jorge; Ana Paula Tavares; Onésimo Teotónio Almeida; Mia Couto; José Eduardo Agualusa, Ondjaki). 5. (Re)visões literárias e cinematográficas de mundos migrantes lusófonos: alguns exemplos tendo em vista a planificaç-o cultural (no ou para público estrangeiro). 3 Nas restantes Unidades Curriculares do primeiro ano do mestrado (Pragmática e Análise do Discurso, Psicolinguística e Aprendizagem de Línguas, Gramática da Comunicaç-o Oral e Escrita, Didática do Português Língua N-o Materna e Prática Letiva), embora esta problemática n-o seja o centro dos conteúdos programáticos, ela está também presente em permanência, nos materiais, nos “Learning Objects” que s-o utilizados, nas variedades que s-o trabalhadas, nos exemplos dados, que n-o s-o, apenas nem sobretudo, do Português Europeu, mas sempre de diferentes origens. Também no que diz respeito ao segundo ano, em que os estudantes devem fazer estágio acompanhado de Seminário e realizar um relatório de investigaç-o- -aç-o, existe a mesma consciência de que a Língua a ensinar n-o é homogénea, nem tem uma única variedade nacional, pelo que os aprendentes de PLE de que os nossos estudantes venham a ser professores estagiários dever-o contactar com documentos que atestem as diferentes variedades da língua. Por outro lado, nos relatórios de investigaç-o-aç-o 4 do 2º ano, presta-se com frequência atenç-o a diferentes variedades, quer do ponto de vista estritamente linguístico, quer literário ou mais latamente cultural. Esta atenç-o recobre quatro eixos centrais de investigaç-o-aç-o. O primeiro diz respeito a alguns relatórios que têm por fim valorizar a língua e a cultura dos estudantes oriundos de países da CPLP, que n-o Portugal: Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor. S-o apenas exemplos dessa preocupaç-o os seguintes: Vera Cruz, Abdelaziz (2013), Abordagem Comunicativa - Enfoque na Competência Oral na Língua Segunda. Caso da Guiné Bissau ; Nhamussua, Leonardo (2014), O português como Língua Segunda em Moçambique. Da indefiniç-o conceptual à problemática de providência- do modelo de ensino ; Henriques, Paulo 3 Curso: “Temas de Literatura dos Países de Língua Portuguesa”: https: / / sigarra.up.pt/ flup/ pt/ ucurr_geral.ficha_uc_view? pv_ocorrencia_id=405307. 4 Que eram já 136, em fevereiro de 2019. <?page no="51"?> 52 Isabel Margarida Duarte (2015), A comparaç-o das dificuldades dos alunos timorenses e dos estudantes do nível elementar da FLUP ; Cabral, Marcos (2016), Uso do tétum como língua de mediaç-o para o ensino do PLE ; Costa, Florindo (2016), Cultura e tradiç-o timorense como contributo para a aprendizagem da língua portuguesa-- um estudo de caso nos níveis A1.2 e A2.2 . Por outro lado, e num segundo eixo, também se têm debruçado sobre o policentrismo da língua portuguesa em contextos n-o europeus e n-o americanos, os relatórios de vários professores portugueses que trabalham ou trabalharam em Timor, Cabo Verde, Macau, por exemplo: Caravelas, Maria Alice (2016), Na senda da promoç-o da interaç-o em língua portuguesa, em Timor-Leste: do espaço sala de aula ao contexto social ; Rodrigues, Luís (2014), Pobre n-o fala português - análise etnográfica da política e planificaç-o linguística em Cabo Verde ; Silva, Cândida (2014), A implementaç-o curricular da disciplina de Português no 10º ano de escolaridade do ensino secundário geral em Timor-Leste . Passemos ao terceiro eixo de investigaç-o. O Português com o estatuto de Língua de herança, de língua segunda (PLS), de língua estrangeira (PLE), de língua adicional e mesmo de língua materna (PLM), nomeadamente em contextos de Ensino de Português no Estrangeiro, falado por emigrantes de segunda e terceira geraç-o, ou por lusodescendentes, é outro centro de interesse óbvio das nossas reflexões. Aquelas designações, como Carreira (2013) já referiu, sublinham a importância do contacto de línguas e revelam a sua centralidade para as decisões pedagógicas a tomar. Embora em menor escala, esta vertente do ensino do Português já foi também objeto de relatórios, para os casos da África do Sul, dos Estados Unidos e da Suíça, estando em curso mais seis, de docentes que trabalham no Ensino do Português no Estrangeiro, do Instituto Camões, três na secç-o Inglaterra e Ilhas do Canal e três na África do Sul. No caso dos aprendentes com ligações a histórias de emigraç-o, é fundamental, por motivos identitários, que a sua relaç-o com a língua seja positiva. Ora ela será eventualmente melhor se perceberem que fazem parte de uma comunidade muito alargada e variada de falantes, que podem, com esta língua, trabalhar em inúmeros países do mundo, para o que devem contactar com as diferentes realidades dos países lusófonos, e assim perceberem a importância geopolítica que ocupa, no mundo, a língua que falam, e com ela teçam uma relaç-o compensadora. Por fim, temos um quarto eixo de pesquisa, pois há um outro conjunto de relatórios que se debruçam, problematizando-o, sobre o conceito de “lusofonia” (Brito 2013; Martins 2015), mesmo fazendo a respetiva crítica. Seguem-se quatro exemplos: Consorti, Gioia (2016), Integraç-o da cultura lusófona na aula de PLE: estudo de caso no nível A1.2 ; Lima, Solange (2016), Desenvolvimento da competência intercultural e literatura lusófona em aulas de PLE: relato de uma experiência em turmas de nível B ; Sándor, Gabriela (2015), A Literatura oral tradicional lusó- <?page no="52"?> Português, Língua pluricêntrica: formaç-o de professores de PLE na Universidade do Porto 53 fona no ensino/ aprendizagem do PLE; Fava , Filipa (2008), A lusofonia na aula de Português Língua Estrangeira e o desenvolvimento da competência intercultural. 3 Como ensinar PLNM, como língua pluricêntrica O ponto de partida para a reflex-o que temos vindo a fazer no Mestrado foi, num primeiro momento, a preocupaç-o com as dificuldades que se colocam a quem aprende com professores ora falantes de PE ora de PB, ou com professores uns falantes de PB e outros de PE simultaneamente (e, porque n-o, de Português de Moçambique, por exemplo? ). Ou seja, formando nós professores de Português como língua n-o materna, temos de pensar obrigatoriamente na problematizaç-o do ensino multilateral do PLE, sublinhando a sua condiç-o de língua pluricêntrica, no que toca às questões de ensino. Neste momento, temos dois relatórios que se debruçam sobre o ensino simultâneo das variedades europeia e brasileira, a saber: Stichini, Catarina (2014), Aquisiç-o dos Clíticos no Ensino Simultâneo de PE e PB a Alunos Universitários da Suécia e Rodrigues, Telma (2016), As preposições em Português: Reflex-o sobre a experiência de um minicurso na Universidade de Estocolmo . O mais natural é que, exceto instruções em contrário, cada professor ensine, preferencialmente, a sua variedade nativa ou, no caso de ser falante nativo de uma língua que n-o o português, aquela que aprendeu, mas, segundo a experiência de Stichini, nas principais zonas geradoras de conflito e nas diferenças fundamentais, como a posiç-o dos clíticos, as formas de tratamento, ou a existência de artigo antes dos possessivos, por exemplo, é preferível apresentar logo as alternativas de modo contrastivo. Quando fazê-lo? Só nos níveis avançados? Logo nos níveis iniciais? Embora o seu trabalho n-o tenha como foco a quest-o das variedades nacionais do espanhol como língua pluricêntrica, mas a variaç-o dentro de uma única variedade, o espanhol peninsular, Briz (2002) defende que desde os níveis iniciais os aprendentes devem estar em contacto com documentos e materiais de diferentes variedades e n-o apenas perante o espanhol padr-o. Por outro lado, como acima ficou dito, a língua portuguesa pode abrir portas em várias partes do mundo, o que é um dos seus motivos de atraç-o. Daí que o professor de PLE deva fazer com que os seus alunos tenham as competências necessárias para interagirem com falantes de português de diversas variedades e de diferentes regiões do globo. A variedade que cada um dos aprendentes fala deve ser compreensível para falantes de outra variedade e todos devem ter o ouvido habituado a diversas pronúncias, ou seja, a compreens-o oral e a interaç-o oral dever-o fazer-se sem dificuldades, qualquer que seja a variedade que o aprendente conhece. No caso do português, parece-nos obrigatório apresentar diferentes textos de vários géneros discursivos, escritos e orais, simultanea- <?page no="53"?> 54 Isabel Margarida Duarte mente em PB e PE ou PM, ou PA, para que os alunos sejam postos perante uma permanente vis-o contrastiva PB/ PE/ PM, mesmo que algumas variedades n-o tenham uma norma estabilizada. Contactar com documentos autênticos de todas as variedades, quer as mais estabilizadas quer outras, ainda em construç-o, parece-nos o modo mais feliz de mostrar a diversidade linguística do português, ao mesmo tempo que se melhora a inteligibilidade e a intercompreens-o entre os diferentes modos de falar. O grande desafio, como lembra Regina Pires de Brito, é “conciliar diversidades linguísticas e culturais com a unidade que estrutura o sistema linguístico do português.” (Brito 2013, 53). 5 A diversidade linguística e cultural é, a nosso ver, um fator de aumento da motivaç-o dos aprendentes de Português língua n-o materna, embora possa ser, em certas fases, geradora de algumas indecisões e incertezas. A intercompreens-o de diferentes variedades faz intervir o conceito de inteligibilidade (Derwing / Munro 2005; Jenkins 2005) fundamental no ensino das chamadas línguas globais. Speelman / Impe / Geeraerts (2014) debruçam-se sobre a quest-o de saber em que medida as distâncias objetivas e as atitudes linguísticas podem interferir na inteligibilidade entre diferentes variedades nacionais de uma mesma língua, no caso o neerlandês. Veronica Manole (2013) equaciona esta quest-o a partir dos problemas de intercompreens-o existentes entre falantes da variedade europeia e da variedade brasileira do português que se coloca, sobretudo, para falantes com menos escolarizaç-o o que nos permitiria problematizar o cruzamento do entendimento das variedades de uma língua policêntrica com a variaç-o socioletal dentro de cada uma delas. 6 Segundo Manole (2013, 54), Embora a língua que os países lusófonos partilhem seja a mesma, as diferenças que existem entre as diversas variedades do português determinam a criaç-o de identidades linguísticas nacionais e regionais bastante fortes. Um falante nativo consegue identificar sem grande esforço se o interlocutor fala de “um jeitinho diferente”: um português observa que a variante do Brasil é “mais doce”, alguns brasileiros consideram que o português europeu [ ] pode “parecer” mais culto porque o associa com os textos dos escritores clássicos que estuda na escola etc. 5 É possível encontrar gravações de português de diferentes origens no sítio do Instituto Camões, em vários corpora de português e também no Portal do Professor de Português Língua Estrangeira / Língua N-o Materna: www.ppple.org/ . 6 Um falante da variedade culta do PB n-o tem dificuldade em compreender um português, mas o mesmo n-o acontece com falantes de variedades populares. Basta ver alguns episódios da telenovela angolana Windeck (2012) produzida pela Semba Comunicaç-o, para verificar que as personagens de classe mais elevada falam português da variedade europeia, mas já é outra a realidade com as personagens de classe mais popular, que se exprimem no denominado Português Popular de Angola. <?page no="54"?> Português, Língua pluricêntrica: formaç-o de professores de PLE na Universidade do Porto 55 A individualidade de cada variedade do português manifesta-se em todos os níveis da língua: pronúncia, grafia, gramática, léxico e as divergências podem determinar problemas de compreens-o até entre os nativos. Basta relembrar que no Brasil alguns filmes portugueses s-o legendados porque a pronúncia fechada das vogais átonas em PE dificulta de tal maneira a compreens-o, que a mensagem oral se pode tornar incompreensível a um brasileiro que n-o teve contacto com os falantes de português do outro lado do Atlântico. Diferentes membros da CPLP deslocam-se cada vez mais entre os países que a compõem. Muitos falantes de português como LNM viajam, nos nossos dias, de um país falante de português para um outro. O conceito de inteligibilidade deve ser tido em conta no âmbito do ensino/ aprendizagem de PLE, nomeadamente no que diz respeito à produç-o e compreens-o do oral, mormente quanto à pronúncia. Para que a comunicaç-o se estabeleça, tendo em conta, sobretudo, problemas de compreens-o oral, será necessário que os falantes tenham sido expostos a diferentes variedades da língua-alvo e lhes tenha sido chamada a atenç-o para as diferenças. Por outro lado, a apresentaç-o de documentos de diferentes origens implica que o docente conheça as características centrais do português falado nesses diferentes espaços. Por isso, exige-se ao docente que saiba o que trabalhos de descriç-o linguística, baseados em corpora , vêm dizendo sobre o assunto. Aliás, Albelda (2011) advoga as tarefas baseadas em corpora na aula de LE, o que nos parece uma boa opç-o, por pôr os estudantes em contacto com a língua real e documentos autênticos e n-o apenas com a língua normalizada que, geralmente, é selecionada nos textos dos manuais escolares e por, ainda, permitir aos aprendentes descobrirem regularidades, frequências, regras, em enunciados realmente produzidos. No que ao necessário conhecimento das características de diferentes variedades diz respeito, podemos exemplificar o que fica dito, com dois trabalhos recentes sobre aspetos específicos do carácter pluricêntrico da LP. Um deles é o texto de Silva (2014b): “The pluricentricity of Portuguese: A sociolectometrical approach to divergence between European and Brazilian Portuguese”. Nele, Augusto Soares da Silva estuda divergências e convergências das variedades portuguesa e brasileira. O autor investiga em que medida varáveis lexicais e construcionais s-o indicadores de convergência ou de divergência entre as duas variedades do português, durante 60 anos. Procura verificar, ainda, a correlaç-o entre indicadores atitudinais subjetivos e indicadores objetivos, provenientes de corpora . No que diz respeito à terminologia do vestuário, as duas variedades divergem, mas convergem, pelo contrário, no que concerne à terminologia do futebol. Quanto às estruturas gramaticais e às atitudes linguísticas, nota-se em ambas divergência nas variedades estudadas. Sublinhe-se ainda que a divergência diacrónica (o período estudado foi de 60 anos) se aplicou <?page no="55"?> 56 Isabel Margarida Duarte a ambas as variedades, o que leva ao autor a concluir que há uma situaç-o de simetria entre ambas. Quanto ao outro estudo (Mendes et al. 2015), trata-se de “Pronominal constructions and subject indetermination in varieties of Portuguese”, onde se investiga o comportamento do pronome clítico SE (com diferentes valores e estatutos: o se reflexo, o inerente, o passivo e o impessoal) n-o apenas em Português Europeu e no do Brasil, mas também no que se fala em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe. As autoras mostram aspetos convergentes mas também divergentes do comportamento do clítico em corpora orais. 4 Algumas conclusões Estes dois exemplos apenas pretendem mostrar um caminho. Há um percurso de investigaç-o a fazer no que diz respeito à pluricentricidade da língua portuguesa, porque é preciso conhecê-la melhor, descrever as diferentes variedades e confrontá-las, de muitos pontos de vista. No que concerne à pragmática e aos usos mais informais do português, por exemplo, há um vazio que urge ir preenchendo com estudos contrastivos. Os contrastes n-o dizem respeito apenas a formas de tratamento, mas ainda a marcadores discursivos, formas de atenuaç-o e cortesia linguística, por exemplo. Esta investigaç-o é necessária para que saibamos o que propor, como reflex-o e leituras, aos nossos estudantes de Mestrado. Eles próprios levam a cabo pequenos trabalhos de investigaç-o, para a avaliaç-o das diferentes Unidades Curriculares, que contribuem, na medida do possível, para um melhor conhecimento da pluricentricidade da língua portuguesa. A língua “como solo e como horizonte” (Silva 2018) é também a língua que devermos conhecer cada vez melhor e com mais segurança, para a podermos promover e projetar mais longe e com mais ousadia. Albelda Marco, Marta. 2011. “Rentabilidad de los corpus discursivos en la didáctica de lenguas extranjeras”, in: Javier de Santiago Guervós et al. (ed.): Del texto a la lengua: la aplicación de los textos a la enseñanza-aprendizaje del español L2-LE. — Actas del XXI Congreso Internacional de ASELE . Salamanca: Imprenta Kadmos, 83-95. Disponível em: http: / / cvc.cervantes.es/ ensenanza/ biblioteca_ele/ asele/ pdf/ 21/ 21_0083.pdf. Aguiar e Silva, Vitor Manuel de. 2010. As Humanidades, Os Estudos Culturais, O Ensino da Literatura e a Política da Língua Portuguesa . Coimbra: Almedina. Brito, Regina Pires de. 2013. Língua e identidade no universo da lusofonia: aspectos de Timor-Leste e Moçambique . S-o Paulo: Terracota. Briz, Antonio. 2002. El Español Coloquial en la Clase de E/ LE. Un Recorrido a Traves de sus Textos . Madrid: S. A. Sgel. Sociedad General. <?page no="56"?> Português, Língua pluricêntrica: formaç-o de professores de PLE na Universidade do Porto 57 Carreira, Maria Helena Araújo. 2013. “Algumas especificidades da língua portuguesa do ponto de vista do ensino do Português Língua Segunda e Língua Estrangeira: problematizaç-o”, in: Rosa Bizarro / Cristina Flores / Maria Alfredo Moreira (ed.): Português Língua N-o Materna: investigaç-o e ensino . Lisboa: Lidel, 26-33. Clyne, Michael. 1992 . “ Pluricentric languages - Introduction”, in: Michael Clyne (ed.): Pluricentric Languages. Differing Norms in Different Nations . Berlin/ New York: De Gruyter, 1-9. Derwing , Tracey / Munro, Murray. 2005. “Second Language Accent and Pronunciation Teaching. A Research-Based Approach”, in: TESOL Quarterly , 39, 379-397. Jenkins, Jennifer. 2005. “Implementing an international approach to English pronunciation: The role of teacher attitudes and identity”, in: TESOL Quarterly , 39, 535-543. 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No entanto, no âmbito do redesenho curricular a que aludimos, poucos estudos focam ainda as representações do PLE dos estudantes do ensino superior e o seu papel no âmbito de abordagens pedagógicas nesse nível de ensino. Assim, o objetivo que nos norteia é refletir sobre o contributo das representações sociais para a didática do PLE, apontando para itinerários que possibilitem o refinamento da formaç-o dos estudantes e o seu possível reajustamento face à crescente diversidade linguística dos formandos no ensino superior. No intuito de cumprir tal objetivo, apoiamo-nos na teoria das representações sociais (Moscovici 2 1976). Este artigo está organizado em torno de três secções. Na primeira secç-o, apresentamos o enquadramento teórico do nosso estudo, entrelaçando a DL com a teoria das representações sociais e procuramos lançar luz sobre o seu contributo, no que se refere a uma reflex-o mais aprofundada sobre o ensino e a aprendizagem do PLE. O estudo empírico realizado constitui o foco principal da segunda secç-o, sendo elencados os seus objetivos e explicitada a metodologia de investigaç-o pela qual se norteou. A terceira secç-o contempla a análise levada a cabo, sendo cotejadas as representações iniciais e finais dos estudantes sobre o PLE e retiradas ilações sobre as mesmas. Finalmente, no âmbito das considerações finais, refletimos sobre o percurso realizado, apontando para outras vias de aprofundamento da investigaç-o no futuro que possam contribuir para o enriquecimento do redesenho do ensino do PLE. <?page no="59"?> 60 Dulce Mel-o 2 Enquadramento teórico A investigaç-o realizada no âmbito da aprendizagem das línguas tem vindo a reconhecer a relevância do estudo das representações enquanto constructo multidimensional e o seu contributo para o redesenho de práticas educativas, quer encaradas no âmbito de políticas nacionais mais vastas, quer em contexto de sala de aula (por exemplo, Andrade / Araújo e Sá / Moreira 2007; Coelho / Simões 2017; Oliveira 2011). Como sustentam Castellotti e Moore (2002, 9): Representations of one’s mother tongue, the language being learned and the differences between them are associated with particular learning strategies adopted by learners, who construct a representation of the interlinguistic distance between their own language system and that of the language being learned. Caracterizar e compreender tais representações reveste-se, assim, de relevância no que se refere ao ensino do PLE, de modo a que se possa dar voz às vozes dos estudantes, refletindo sobre o processo de ensino e de aprendizagem e potenciando a fruiç-o da língua. O referencial teórico das representações sociais possibilita o enquadramento de tal reflex-o, de cariz multidimensional. Como frisa Moscovici ( 2 1976, 26): Une représentation parle autant qu’elle montre, communique autant qu’elle exprime […] elle produit et détermine des comportements, […] la représentation sociale est une modalité de connaissance particulière ayant pour fonction l’élaboration des comportements et la communication entre individus. O caráter dinâmico da representaç-o e a sua permanente redefiniç-o conferem- -lhe uma dimens-o multifacetada, reconstruída através de processos de reelaboraç-o permanente que resultam das interações sociais dos indivíduos nos grupos em que se integram no quotidiano, ao longo da sua vida. Entendemos, pois, que a sua abordagem multímoda se tenha revelado crescentemente fecunda no âmbito da investigaç-o em Educaç-o em geral e da DL em particular (por exemplo, Camps 2012; Santos / Teixeira 2017) e consideramos que o ensino do PLE é um amplo tecido no qual se entrelaçam tais representações, fruto de reelaborações constantes, merecendo ser alvo de atenç-o crescente. O estudo que apresentamos a seguir procura contribuir para a sua compreens-o. <?page no="60"?> Português língua estrangeira no ensino superior 61 3 Estudo realizado 3.1 Objetivos Os objetivos do nosso estudo foram os seguintes: i) a nível macro, refletir sobre o contributo do referencial teórico das representações sociais para a didática do PLE, no intuito de repensar os itinerários de formaç-o dos estudantes; ii) a nível micro, identificar, caracterizar e compreender as representações dos estudantes sobre o PLE, indagando os benefícios que associavam à sua aprendizagem, bem como as principais dificuldades que consideravam que tal aprendizagem englobava. 3.2 Participantes Participaram 18 estudantes (14 do sexo feminino; 4 do sexo masculino) que, no 2.º semestre do ano letivo 2016/ 2017, estavam inscritos na unidade curricular de Português Língua Estrangeira I, correspondendo ao nível de proficiência A1 1 (com uma carga horária total de 98 horas - 50 horas de contacto e 48 horas consagradas ao trabalho autónomo do aluno), na Escola Superior de Educaç-o de Viseu. 3.3 Metodologia de investigaç-o Tendo em consideraç-o os objetivos traçados, entendemos que a abordagem de natureza qualitativa seria a mais adequada, atualmente encarada como valiosa “para la reorientación de la intervención en educación, y generando un nuevo discurso de acercamiento a la realidad socioeducativa” (Sánchez 2016, 68). Estando em causa a complexidade e multidimensionalidade do nosso objeto de estudo - as representações do PLE para estes estudantes - n-o é nossa ambiç-o a generalizaç-o, mas, antes, a compreens-o, t-o aprofundada quanto possível, de tais representações. O referencial metodológico desta abordagem é o estudo de caso, devendo-se esta opç-o à necessidade de compreender a especificidade de um caso singular, aspeto vincado na literatura de especialidade, no que respeita a este referencial (Morgado 2013; Yin 6 2017). Consideramos que se trata de um estudo de caso que se reveste de uma dimens-o descritiva e interpretativa, dado que buscamos: i) descrever com algum detalhe as representações do PLE dos estudantes, procurando descortinar os fatores que as influenciariam; ii) compreender o modo 1 De acordo com o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (Conselho da Europa, 2001). <?page no="61"?> 62 Dulce Mel-o como essas representações poder-o contribuir para repensar o ensino/ aprendizagem do PLE. 3.3.1 Instrumentos O instrumento privilegiado no nosso estudo foi o inquérito por questionário, aplicado no início e no final da unidade curricular, no entendimento de que se adequaria aos objetivos traçados e à fase inicial da investigaç-o, à qual se pretende dar continuidade em anos letivos subsequentes. Na elaboraç-o do questionário tivemos em consideraç-o os seguintes aspetos: i) o referencial teórico do nosso estudo, respeitante à teoria das representações sociais e à didática do PLE; ii) outros questionários cujo objetivo fundamental se prendia com a compreens-o das representações da Língua Portuguesa (Oliveira, 2011) ou do PLE (Cielo 2014; Fernandes 2017). O questionário inicial (Questionário 1) era constituído por duas partes: a primeira parte dizia respeito aos dados pessoais dos estudantes e a segunda parte era consagrada às suas representações do PLE. O questionário final (Questionário 2) retomava algumas das questões colocadas no questionário inicial no que respeitava ao PLE, de modo a possibilitar o cruzamento dos dados e a respetiva análise dos resultados. Os dois questionários foram aplicados em contexto de sala de aula, em suporte impresso, opç-o tomada em funç-o dos participantes e da temática em estudo, como recomendado na literatura de especialidade (Hill / Hill 2009; Morgado 2013). No que respeita ao questionário inicial, na primeira parte, relativa aos dados pessoais dos estudantes, foram contempladas as seguintes questões: i) idade (Quest-o 1); ii) sexo (Quest-o 2); iii) país de origem (Quest-o 3); iv) curso frequentado no Instituto Politécnico de Viseu (Quest-o 4). Na segunda parte do questionário, solicitamos aos estudantes que nos indicassem: i) as quatro palavras que associavam à língua Portuguesa (por ordem decrescente de importância; Quest-o 6); ii) as razões pelas quais tinham decidido estudar Português (Quest-o 7); iii) quais as dificuldades que relacionavam com a aprendizagem do Português (Quest-o 8); iv) quais as principais vantagens que associavam ao estudo do Português (Quest-o 9). No questionário final, retomamos a primeira quest-o colocada na segunda parte do questionário inicial (Quest-o 1), de modo a podermos compreender eventuais alterações relativas às representações dos estudantes e as razões que subjaziam a tais alterações, caso tivessem ocorrido. Colocamos igualmente as seguintes questões: i) quais foram as suas principais dificuldades no que respeita à aprendizagem do Português? (Quest-o 2); ii) no final da unidade curricular, <?page no="62"?> Português língua estrangeira no ensino superior 63 quais as vantagens que associa ao estudo do Português? (Quest-o 3); iii) tenciona aprofundar os seus conhecimentos de Português no futuro? (Quest-o 4). A preferência pelas questões abertas relacionou-se com o facto de estas se adequarem à recolha de informaç-o mais detalhada e diversificada, revelando- -se, em nosso entender, a opç-o que melhor possibilitaria dar voz às vozes dos estudantes, permitindo-nos escutá-los de forma mais cuidada e mais atenta. 3.3.2 Técnicas de tratamento e análise de dados Face aos objetivos traçados no âmbito do nosso estudo, entendemos privilegiar a técnica de análise de conteúdo, no que se refere às questões abertas dos dois questionários aplicados. Optamos por estabelecer categorias a posteriori , em estreito diálogo com a literatura de especialidade, como recomendado (por exemplo, Coutinho 2011), de modo a construir um sistema “puramente induzido a partir da análise, ainda que subordinado ao background teórico do investigador” (Amado / Costa / Crusoé 2013, 314). Procuramos ainda, dada a natureza dos dados recolhidos, combinar a análise de ocorrências com o cálculo de percentagens, favorecendo o apuramento da interpretaç-o levada a cabo, aspeto considerado relevante na literatura de especialidade (por exemplo, Ghiglione / Matalon 4 2001). 4 Análise dos resultados Nesta seç-o apresentamos a análise dos resultados do nosso estudo. Em primeiro lugar, tal análise inclui os dados pessoais dos estudantes, seguindo-se as representações do PLE (iniciais e finais). A Tabela 1 contempla o resultado da análise das respostas dadas à Quest-o 1, relativa à idade dos participantes: Idade Número % 24 2 11% 23 3 17% 22 5 28% 21 8 44% Total 18 100% Tab. 1: Distribuiç-o dos participantes por idade <?page no="63"?> 64 Dulce Mel-o Da leitura da Tabela 1 depreendemos que a maioria dos estudantes tinha 21 anos (44 %), seguindo-se os estudantes com 22 anos (28 %). Tal poderá estar relacionado com a decis-o dos estudantes em optar pela realizaç-o do programa ERASMUS no final da sua formaç-o académica, entendendo tal como um benefício para o seu futuro percurso profissional. Os resultados da análise das respostas dadas à Quest-o 2 s-o apresentados na Tabela 2: Sexo Número % Feminino 14 78% Masculino 4 22% Total 18 100% Tab. 2: Distribuiç-o dos participantes por sexo A Tabela 2 possibilita-nos inferir que a maioria dos estudantes era do sexo feminino (14, correspondendo a 78 %), o que vai ao encontro da análise apresentada no recente Erasmus+ Final Report , contemplando dados até 2015 (European Commission 2017). A Tabela 3 elucida-nos sobre a distribuiç-o dos estudantes por país de origem: País de origem Número % Alemanha 3 17% Bélgica 2 11% Espanha 1 6% Finlândia 2 11% Holanda 1 6% Hungria 2 11% Letónia 1 6% Lituânia 1 6% República Checa 2 11% Sérvia 2 11% Turquia 1 6% Total 18 100% Tab. 3: Distribuiç-o dos participantes por país de origem <?page no="64"?> Português língua estrangeira no ensino superior 65 A Tabela 3 permite-nos compreender que este grupo de estudantes se caracterizava pela heterogeneidade - com uma ligeira predominância da Alemanha (3, correspondendo a 17 %) -, na medida em que os mesmos eram oriundos de 11 países diferentes, constituindo um mosaico cultural pautado pela riqueza da sua diversidade. Tal justifica-se pelo facto do Instituto Politécnico de Viseu ser crescentemente uma opç-o atrativa para os estudantes que decidem fazer ERASMUS, existindo um amplo conjunto de protocolos com universidades e com institutos politécnicos dos países aqui representados. Na Tabela 4 é elencada a análise dos resultados relativos à distribuiç-o dos participantes por curso: Curso frequentado Número % Marketing 9 50% Enfermagem 3 17% Comunicaç-o Social 2 11% Engenharia Agronómica 2 11% Tecnologias e Design de Multimédia 1 6% Desporto e Atividade Física 1 6% Total 18 100% Tab. 4: Distribuiç-o dos participantes por curso Da análise da Tabela 4 podemos concluir que a maioria dos estudantes frequentava o curso de Marketing (9, correspondendo a 50 %), seguindo-se o curso de Enfermagem (3, correspondendo a 17 %) e, com idêntico número (2, correspondendo a 11 %), os cursos de Comunicaç-o Social e de Engenharia Agronómica. Apesar de a oferta formativa do Instituto Politécnico de Viseu ser ampla, os cursos mais atrativos para estes estudantes foram os da Escola Superior de Tecnologia e Gest-o (Marketing e Tecnologias e Design de Multimédia), seguindo-se dois cursos lecionados na Escola Superior de Educaç-o (Comunicaç-o Social e Desporto e Atividade Física) e um curso lecionado na Escola Superior de Saúde (Enfermagem). 4.1 Representações iniciais Na Tabela 5 é apresentada a análise de resultados respeitante às quatro palavras que os estudantes associavam à língua Portuguesa, ordenadas de acordo com o grau decrescente de importância: <?page no="65"?> 66 Dulce Mel-o Palavras indicadas 1.ª posiç-o 2.ª posiç-o 3.ª posiç-o 4.ª posiç-o Oc. % Oc. % Oc. % Oc. % Difícil 9 50% 4 22% 4 22% 2 11% Complexa 4 22% 9 50% 0 0% 4 22% Divertida 2 11% 2 11% 0 0% 3 17% Novidade 2 11% 2 11% 0 0% 4 22% Curiosidade 1 6% 1 6% 2 11% 2 11% Sol 0 0% 0 0% 4 22% 0 0% Comida 0 0% 0 0% 2 11% 0 0% Obrigada 0 0% 0 0% 1 6% 0 0% Pronúncia 0 0% 0 0% 2 11% 0 0% Pastel de nata 0 0% 0 0% 2 11% 2 11% Café 0 0% 0 0% 1 6% 1 6% Total 18 100% 18 100% 18 100% 18 100% Tab. 5: Palavras relacionadas com a língua Portuguesa ordenadas segundo o grau decrescente de importância (1.ª lista) Da leitura da Tabela 5 podemos inferir que as quatro palavras que os estudantes mais associaram à língua Portuguesa foram “Difícil” (9 ocorrências, em 1.ª posiç-o, correspondendo a 50 %), “Complexa” (4 ocorrências, em 1.ª posiç-o, correspondendo a 22 %), “Divertida” e “Novidade” (com 2 ocorrências cada, em 1.ª posiç-o). As representações negativas que os estudantes associaram à língua Portuguesa poder-o ser justificadas: i) pelo primeiro contacto que tiveram com a língua ao chegar ao nosso país, enfrentando, eventualmente, algumas dificuldades de comunicaç-o; ii) pelas diferenças entre a sua língua materna e o Português, o que lhes teria colocado desafios acrescidos. Importa também salientar as representações positivas implícitas nas palavras “Divertida”, “Novidade” e “Curiosidade”, pelas suas possíveis repercussões na aprendizagem do PLE, podendo vir a refletir-se num acréscimo de motivaç-o para a aprendizagem da mesma. Algumas palavras, como “Sol” e “Comida”, estariam possivelmente relacionadas com representações que os estudantes tinham de Portugal, em estreita conex-o com o clima e com a gastronomia. Tais representações s-o corrobo- <?page no="66"?> Português língua estrangeira no ensino superior 67 radas, recorrentemente, pelo Turismo de Portugal na promoç-o do nosso país enquanto destino privilegiado de férias. As palavras “Pastel de nata” e “Café” associar-se-iam, adicionalmente, às primeiras vivências dos estudantes no nosso país. Publicidade recente do Millennium BCP 2 (campanha de julho de 2017), dirigida aos emigrantes portugueses, utilizou como foco central ora a imagem do café, ora a imagem do pastel de nata, enquanto referências culturais de ligaç-o intrínseca a Portugal. Acresce o facto de outros estudos realizados em distintos níveis de ensino reforçarem, também, a iteratividade de representações idênticas (por exemplo, Piipo / Espada 2017; Teixeira 2013). A análise dos resultados relativos às razões pelas quais os estudantes decidiram estudar Português é apresentada na Tabela 6: Categorias Oc. % Necessidade de comunicar no quotidiano 8 35% Necessidade de compreender os conteúdos das unidades curriculares 4 17% Gosto pela aprendizagem de outras línguas/ culturas 3 13% Prestígio da língua Portuguesa 3 13% Aumento da empregabilidade 3 13% Incremento da adaptaç-o ao país 2 9% Total 23 100% Tab. 6: Razões da opç-o pelo estudo do Português A Tabela 6 permite-nos inferir que a maioria dos participantes declarou estudar Português sobretudo por “Necessidade de comunicar no quotidiano” (8 ocorrências, correspondendo a 35 %), seguindo-se a “Necessidade de compreender as unidades curriculares” (4 ocorrências, correspondendo a 17 %). Estes dois aspetos destacados pelos estudantes refletem, possivelmente, preocupações comuns a quem começa um novo semestre de estudos no estrangeiro, indo ao encontro da ênfase colocada na abordagem comunicativa preconizada no Quadro Europeu de Referência para as Línguas (Conselho da Europa 2001). Merecem também atenç-o, com o mesmo número de ocorrências (3, correspondendo a 13 %), as categorias “Gosto pela aprendizagem de outras línguas/ culturas”, “Prestígio da língua Portuguesa” e “Aumento da empregabilidade”. 2 Cf. www.briefing.pt/ marketing/ 40361-dce-deixa-cafe-e-pastel-de-nata-no-millennium.ht ml. <?page no="67"?> 68 Dulce Mel-o O “Gosto pela aprendizagem de outras línguas/ culturas” ganha particular importância por desvelar a motivaç-o intrínseca dos estudantes no que respeita à descoberta do Português, aspeto entendido como relevante pelas suas possíveis repercussões na aprendizagem da língua. O prestígio da língua Portuguesa no mundo e a sua proeminência, proporcionada pelo que Reto (2012, 45) designa de “meios de comunicaç-o emergente proporcionados pela Internet” tem vindo a ser destacado, sendo recentemente corroborado no Novo Atlas da Língua Portuguesa (Reto / Machado / Esperança 2016). A Tabela 7 reúne os resultados da análise respeitante às principais dificuldades que os estudantes relacionavam com a aprendizagem do Português: Categorias Oc. % Gramática 8 45% Pronúncia 4 22% Diferenças relativamente à língua materna 4 22% Comunicaç-o oral 2 11% Total 18 100% Tab. 7: Principais dificuldades relacionadas com a aprendizagem do Português A “Gramática” (8 ocorrências, correspondendo a 45 %) surge como a categoria mais destacada nos resultados da análise da Tabela 7, seguindo-se, com igual número de ocorrências (4, correspondendo a 22 %), a “Pronúncia” e as “Diferenças relativamente à língua materna”. Relativamente à “Pronúncia”, foi possível inferirmos que representava um desafio para alguns estudantes, sobretudo por considerarem: i) que os portugueses “n-o pronunciavam bem algumas palavras”, o que lhes dificultaria a compreens-o de alguns enunciados, podendo suscitar equívocos; ii) que alguns sons nasais eram difíceis de pronunciar. A valorizaç-o da “Gramática” aponta para a importância assumida pelo conhecimento da língua para estes estudantes, refletindo os enunciados que associamos a esta categoria necessidades de natureza concreta proporcionadas pela interaç-o em situações do quotidiano que, em seu entender, exigiam estruturas gramaticais que se revestiam de complexidade. Semelhante ilaç-o poderá ser retirada no que respeita à categoria “Comunicaç-o oral” (2 ocorrências, correspondendo a 11 %), sendo apontadas dificuldades em tal interaç-o, ainda que por poucos estudantes. <?page no="68"?> Português língua estrangeira no ensino superior 69 No que se refere às diferenças entre a língua materna (LM) e a língua estrangeira (LE), as primeiras s-o comummente apontadas como um dos principais fatores que podem influenciar a aprendizagem desta última (Sándor 2016; Svobodová 2016), aspeto corroborado neste estudo. Na Tabela 8 apresentamos a análise das respostas relativas às vantagens que os estudantes associaram à aprendizagem do Português: Categorias Oc. % Utilizaç-o da língua no quotidiano 11 50% Conhecimento de uma língua estrangeira adicional 4 18% Conhecimento da cultura Portuguesa 3 14% Conhecimento de vocabulário 2 9% Fomento das relações de amizade com os Portugueses 2 9% Total 22 100% Tab. 8: Vantagens associadas à aprendizagem do Português Da análise da Tabela 8 concluímos que a vantagem mais associada pelos estudantes à aprendizagem do Português foi a “Utilizaç-o da língua no quotidiano” (11 ocorrências, correspondendo a 50 %), seguindo-se o “Conhecimento de uma língua estrangeira adicional” (4 ocorrências, correspondendo a 18 %) e o “Conhecimento da cultura Portuguesa” (3 ocorrências, correspondendo a 14 %). Como refere Duarte (2015, 56), “para a grande generalidade dos aprendentes de uma língua estrangeira, o objetivo central da aprendizagem dessa língua é poderem comunicar através dela e com ela”. Os resultados obtidos corroboram tal objetivo, dado o destaque que os estudantes concederam à utilizaç-o da língua no quotidiano. Este tinha sido igualmente um dos aspetos vincados no que se refere às razões da opç-o pelo estudo do Português, no início da unidade curricular. O “Conhecimento de uma língua estrangeira adicional” foi encarado pelos estudantes enquanto fator de enriquecimento do seu percurso académico, aspeto comum aos enunciados que associamos a esta categoria, revelando ser importante a sua motivaç-o extrínseca para a aprendizagem. O “Conhecimento do vocabulário” foi estreitamente relacionado com a vontade de comunicar, com maior frequência, com os colegas portugueses que faziam parte das turmas dos cursos em que estavam integrados. <?page no="69"?> 70 Dulce Mel-o No que respeita ao “Conhecimento da cultura Portuguesa”, destacou-se a curiosidade em relaç-o à literatura em geral, bem como, de modo global, relativamente à gastronomia e à música. Embora com um menor número de ocorrências (2, correspondendo a 9 %), importa salientar o “Fomento das relações de amizade com os Portugueses”, na medida em que se alicerça a relevância dos laços afetivos que alguns estudantes associavam à língua que entendemos enquanto dimens-o de relevo no que respeita à motivaç-o para a sua aprendizagem. 4.2 Representações finais Na Tabela 9 apresentamos a análise dos resultados relativos à primeira quest-o colocada no segundo questionário, aplicado no final da unidade curricular, quando convidamos os estudantes a indicar as quatro palavras que relacionavam com a língua Portuguesa (segundo o grau decrescente de importância que lhe atribuíam): Palavras indicadas 1.ª posiç-o 2.ª posiç-o 3.ª posiç-o 4.ª posiç-o Oc. % Oc. % Oc. % Oc. % Interessante 9 50% 6 34% 4 22% 4 22% Emprego 4 22% 4 22% 6 33% 2 11% Difícil 2 11% 2 11% 2 11% 3 17% Bela 2 11% 2 11% 0 0% 0 0% Vantagem 1 6% 2 11% 0 0% 0 0% Divertida 0 0% 2 11% 0 0% 4 22% Cerveja 0 0% 0 0% 0 0% 2 11% Saudade 0 0% 0 0% 1 6% 0 0% Vinho 0 0% 0 0% 2 11% 0 0% Gramática 0 0% 0 0% 2 11% 0 0% Pronúncia 0 0% 0 0% 0 0% 2 11% Verbos 0 0% 0 0% 1 6% 0 0% Estranha 0 0% 0 0% 0 0% 1 6% Total 18 100% 18 100% 18 100% 18 100% Tab. 9: Palavras relacionadas com a língua Portuguesa ordenadas segundo o grau decrescente de importância (2.ª lista) <?page no="70"?> Português língua estrangeira no ensino superior 71 A Tabela 9 permite-nos inferir que as palavras que os estudantes mais associaram à língua Portuguesa foram “Interessante” (9 ocorrências, em primeira posiç-o, correspondendo a 50 %), “Emprego” (4 ocorrências, em primeira posiç-o, correspondendo a 22 %), “Difícil” e “Bela” (ambas com duas ocorrências, em primeira posiç-o, correspondendo a 11 %). Importa salientar: i) o caráter positivo das representações dos estudantes, sendo enfatizada a palavra “Interessante” em detrimento da palavra “Difícil” (que anteriormente surgia em primeiro lugar; cf. Tabela 5); ii) o destaque conferido à palavra “Emprego” inicialmente ausente, apontando para a importância que os estudantes lhe passaram a conceder; iii) a valorizaç-o da palavra “Bela”, indiciando o eventual acréscimo de motivaç-o intrínseca no que se refere à aprendizagem do Português; iv) o surgimento da palavra “Saudade”, embora de forma muito tímida, desvelando, porventura, para além da matriz cultural que lhe está associada, o germinar do afeto pela língua; v) o caráter periférico assumido pelas palavras “Gramática”, “Pronúncia” e “Verbos”, possivelmente relacionado com competências adquiridas ao longo da unidade curricular; vi) a ausência das palavras “Sol”, “Comida”, “Pastel de nata” e “Café” e a presença tímida das palavras “Cerveja” e “Vinho” que estariam possivelmente relacionadas com aspetos quer da gastronomia, quer de vivências a nível académico. A análise dos resultados no que respeita às principais dificuldades no âmbito da aprendizagem do Português surge na Tabela 10: Categorias Oc. % Utilizaç-o correta da gramática 7 28% Escrita 6 24% Diferenças entre o português e a língua materna 4 16% Comunicaç-o oral 4 16% Cadência rápida da fala 4 16% Total 25 100% Tab. 10: Principais dificuldades no âmbito da aprendizagem do Português As principais dificuldades destacadas pelos estudantes foram a “Utilizaç-o correta da gramática” (7 ocorrências, correspondendo a 28 %) e a “Escrita” (6 ocorrências, correspondendo a 24 %), recebendo as restantes categorias semelhante valorizaç-o (4 ocorrências, correspondendo a 16 %). À semelhança do sucedido no início da unidade curricular, a gramática continuou a ser fortemente destacada pelos estudantes; desta feita, no entanto, a <?page no="71"?> 72 Dulce Mel-o “Escrita”, ausente das suas representações iniciais (cf. Tabela 7), foi também sublinhada, sobretudo no que se refere à produç-o de enunciados descritivos breves. As “Diferenças entre o português e a língua materna” continuaram a ter, também, importância, surgindo em terceiro lugar, tal como se verificava inicialmente (cf. Tabela 7). A “Cadência rápida da fala” que, à semelhança da “Escrita”, n-o fez parte das representações iniciais, foi referida enquanto obstáculo à compreens-o dos enunciados orais, dificultando a interaç-o comunicativa. Numa cadência mais rápida da fala pode existir, como sublinha Svobodová (2016, 155), “reduç-o ou omiss-o das vogais átonas, facto que faz com que as sílabas, muitas vezes sejam pronunciadas como grupos consonânticos”, o que constitui um desafio acrescido para os aprendentes. Na Tabela 11 apresentamos a análise das respostas à Quest-o 3, no que respeita às vantagens associadas ao estudo do Português no final da unidade curricular: Categorias Oc. % Aumento da empregabilidade 8 36% Compreens-o da cultura portuguesa 6 27% Facilidade em aprender outras línguas 3 14% Melhoria do currículo 3 14% Fomento do gosto pela aprendizagem de línguas estrangeiras 2 9% Total 22 100% Tab. 11: Vantagens associadas ao estudo do Português no final da unidade curricular Da análise desta tabela inferimos que o “Aumento da empregabilidade” (8 ocorrências, correspondendo a 36 %) foi a principal vantagem que os estudantes associaram ao estudo do Português, seguindo-se a “Compreens-o da cultura portuguesa” (6 ocorrências, correspondendo a 27 %). O cruzamento destes resultados com os obtidos relativamente às razões pelas quais declararam ter decidido estudar Português (cf. Tabela 6) revela-nos que o potencial da língua no que concerne a empregabilidade aumentou consideravelmente no final da unidade curricular, aspeto para o qual corrobora a categoria “Melhoria do currículo” (3 ocorrências, correspondendo a 14 %). A “Compreens-o da cultura portuguesa” foi igualmente valorizada pelos estudantes, o que aponta para o crescimento do interesse que lhes teria suscitado , <?page no="72"?> Português língua estrangeira no ensino superior 73 dado que, no início da unidade curricular, tinham considerado o “conhecimento” da mesma uma vantagem (cf. Tabela 8). No seu conjunto, as categorias “Facilidade em aprender outras línguas” e “Fomento do gosto pela aprendizagem de línguas estrangeiras” revelam-se importantes por indiciarem o reconhecimento de que as línguas n-o possuem um caráter estanque e compartimentado, antes se “tocam” e “interpenetram” (Araújo e Sá 2013), em processos que se alimentam mutuamente. No que se refere à última quest-o colocada (Quest-o 4) - “Tenciona aprofundar os seus conhecimentos de Português no futuro? ” - apenas seis estudantes responderam negativamente. A maioria (doze) deu uma resposta positiva, n-o justificando as razões de tal opç-o, à qual poderá subjazer, por exemplo: i) a valorizaç-o do aprofundamento do Português em detrimento da aprendizagem de outras línguas estrangeiras; ii) a apreciaç-o do Português enquanto mais-valia no que se refere à empregabilidade; iii) a curiosidade alimentada pelo incremento do conhecimento da língua ao longo da unidade curricular. 5 Considerações finais O estudo realizado permitiu-nos caracterizar e compreender as representações do PLE dos estudantes e a sua evoluç-o ao longo da unidade curricular que frequentaram. A complexidade e a dificuldade que associaram, numa primeira instância, à língua Portuguesa, deram lugar a representações mais positivas da mesma, consolidadas em aspetos que se entrecruzavam com a cultura. Adicionalmente, os estudantes atribuíram como principal benefício da aprendizagem do Português a possibilidade de incremento da empregabilidade, alicerçada na melhoria do currículo e relacionada, de forma estreita, com a facilidade em aprender outras línguas. Consideramos que no itinerário percorrido, ecoam, ainda, as palavras de Ondjaki (2002, 7): “aprendizagem é a palavra que, ela sim, ramifica e desramifica uma pessoa; ela enlaça, abraça; mastiga um alguém cuspindo-o a si mesmo, tudo para novas géneses pessoais”. Na incerteza dos recomeços que vamos reconstruindo com “palavras que nos beijam” (O’Neill 2017) quando se entrelaçam nas vozes dos estudantes. Amado, Jo-o / Costa, António Pedro / Crusoé, Nilma. 2013. “A técnica da análise de conteúdo”, in: Jo-o Amado (ed.): Manual de investigaç-o qualitativa em educaç-o . Coimbra: Imprensa da Universidade, 301-351. Andrade, Ana Isabel / Araújo e Sá, Maria Helena / Moreira, Gillian (ed.). 2007. 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Los Angeles / London: SAGE. <?page no="76"?> Usos que criam vozes Divergência pragmática na aprendizagem de Português Língua N-o Materna Anabela Fernandes / Joana Cortez-Smyth 1 Introduç-o Baseada na nossa investigaç-o e prática docente, a reflex-o que propomos neste artigo procura sublinhar a contribuiç-o do ensino explícito da pragmática linguística numa abordagem didática, plural e intercultural do ensino e aprendizagem do Português Língua N-o Materna (doravante, PLNM). Conforme Kasper / Rose (2001), a perspetiva pragmática preconiza o estudo da aç-o comunicativa no seu contexto sociocultural. A situaç-o comunicativa caracteriza-se, ent-o, pela relaç-o entre (i) significante e significado para que possamos descrever, referenciar e comentar a realidade; (ii) as palavras, as expressões e outros fatores que s-o do domínio do conhecimento sociocultural. Além da relaç-o entre significante e significado, convencionalmente recorrente na didática de línguas n-o maternas, é necessária a atenç-o a fatores que configuram a situaç-o comunicativa. Ou seja, a par do sistema formal da língua, reveste-se da maior importância o conhecimento sociocultural presente no uso da língua. Assim, no âmbito dos usos da língua em que os interlocutores atualizam os seus objetivos na interaç-o verbal, também se estabelecem relações interpessoais. Importa, por isso, lembrar que o conhecimento sobre práticas discursivas e culturais da comunidade da língua-alvo determina n-o só a seleç-o dos enunciados, mas também a sua compreens-o. Reconhecendo que a língua é usada para concretizar objetivos da interaç-o verbal ao mesmo tempo que estabelece relações interpessoais e propicia a existência de novas vozes, é necessário atentar no modo como um falante alcança os seus objetivos. O uso desadequado de expressões linguísticas poderá resultar de um conhecimento incipiente da dimens-o formal da língua ou da transferência de normas socioculturais provindas da comunidade linguística de origem do falante <?page no="77"?> 78 Anabela Fernandes / Joana Cortez-Smyth ou de outras comunidades linguísticas anteriormente contactadas. Nesta linha, reconhecemos a aprendizagem da dimens-o pragmática da língua enquanto processo de compreens-o e de aç-o. Poder-se-ia afirmar que esta dimens-o está subentendida; porém, na revis-o da literatura sobre o contributo da pragmática no ensino e aprendizagem de uma língua n-o materna (doravante, LNM), observa-se consenso, sendo reiterada a necessidade de um ensino explícito da pragmática (Ishihara / Cohen 2010a). No presente texto, após a contextualizaç-o dos dados que motivaram a reflex-o, procurar-se-á especificar a competência pragmática na proficiência linguística de uma língua n-o materna. Seguir-se-á a argumentaç-o a favor do ensino explícito da dimens-o pragmática, a descriç-o de uma classificaç-o de análise da divergência pragmática e, por fim, a análise de situações comunicativas. 2 Contextualizaç-o 2.1 Curso de Língua e Cultura Portuguesas para Estrangeiros As situações em análise advêm de um corpus constituído por relatos orais e escritos de situações comunicativas vivenciadas por alunos do Curso Anual de Língua e Cultura Portuguesas para Estrangeiros (doravante, CALCPE) do nível B1 do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (doravante, QECRL), com diferentes proveniências e, consequentemente, diversas biografias linguísticas. Por esta raz-o, importa fazer uma descriç-o sucinta dos cursos de Língua e Cultura Portuguesas para Estrangeiros da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, cuja oferta diversificada se poderá verificar na Tabela 1: Designaç-o Periodicidade Total de horas Curso Anual de Língua e Cultura Portuguesas para Estrangeiros (níveis A1 a C1) semestral (15 semanas) 270 h Curso de Férias de Língua e Cultura Portuguesas para Estrangeiros 4 semanas em julho 80 h Cursos Intensivos de Língua e Cultura Portuguesa para Estrangeiros 3 semanas em fevereiro e em setembro 68 h Curso Língua Portuguesa Erasmus semestral (14 semanas) 56 h Tabela 1: Cursos de Língua e Cultura Portuguesas para Estrangeiros da FLUC <?page no="78"?> Usos que criam vozes 79 No CALCPE, relativamente a unidades curriculares, as áreas do saber diferem ao longo dos níveis, mantendo-se o domínio específico da língua conforme Tabela 2: Níveis (QECRL) Unidades curriculares A1 e A2 Estruturas da Língua Portuguesa, Comunicaç-o Oral, Comunicaç-o Escrita e Laboratório B1 e B1+ Estruturas da Língua Portuguesa, Comunicaç-o Oral e Escrita, Laboratório e Cultura Portuguesa B2 e B2+ Estruturas da Língua Portuguesa, Comunicaç-o Oral e Escrita, Laboratório, História de Portugal, Geografia de Portugal e Arte Portuguesa C1 e C1+ Estruturas da Língua Portuguesa, Comunicaç-o Oral e Escrita e opções como Geografia de Portugal, Arte Portuguesa, Portugal Contemporâneo, Linguística Portuguesa, Literaturas de Língua Portuguesa e Sociedade Portuguesa. Tabela 2: Plano de estudos do CALCPE 2.2 Competência pragmática numa língua n-o materna O ensino e a aprendizagem de uma língua n-o materna operacionaliza-se em quatro grandes domínios, a saber: ouvir, ler, falar e escrever. Por esta raz-o, a competência pragmática atualiza-se na especificidade de cada domínio na perspetiva quer recetiva quer produtiva da competência em língua. Assim, a compreens-o oral requer do aprendente a capacidade para interpretar o que é dito e o que faz parte do comportamento n-o-verbal como, por exemplo, o silêncio, os gestos e o tom de voz. A compreens-o escrita, por sua vez, implica n-o só a compreens-o das mensagens, mas também as subtilezas discursivas subjacentes à intencionalidade comunicativa. Da parte da produç-o oral e escrita, será necessário, entre outros aspetos, que o aprendente aplique o conhecimento da cortesia, dos graus de formalidade e das normas de interaç-o. Ora, os aspetos institucionais da cultura materializados nos usos da língua nem sempre s-o explícitos, pelo que a adequaç-o discursiva e consequente eficácia comunicativa determinam um ensino explícito da dimens-o pragmática das línguas. <?page no="79"?> 80 Anabela Fernandes / Joana Cortez-Smyth 3 Ensino explícito da dimens-o pragmática No contexto formal de aprendizagem, o ensino da dimens-o pragmática da língua leva-nos a repensar a ideia de perceç-o deliberada ou aleatória da informaç-o pragmática versus a tomada de consciência da vertente pragmática da língua. A hipótese noticing (Schmidt 1990) sugere a tomada de consciência como fator basilar na aprendizagem de uma língua n-o materna, sendo promotor de um uso da língua caracterizado pela acuidade e fluência. Segundo Schmidt (1993; 2001), a exposiç-o a exemplos de situações comunicativas reais por si só n-o será suficiente. A frequência, isto é, o uso da língua recorrente nas práticas discursivas, bem como a atenç-o orientada para certas palavras e estruturas linguísticas nas situações comunicativas s-o determinantes para que a perceç-o ( noticing ) passe a tomada de consciência no processamento cognitivo: “it makes no difference whether the learner notices a linguistic form in input because he or she was deliberately attending to form, or purely inadvertently. If noticed, it becomes intake” (Schmidt 1990, 139). Na verdade, sendo o discurso consubstanciado na interaç-o verbal, o contexto formal de aprendizagem teria de propiciar oportunidades de aprendizagem, ou seja, situações de desenvolvimento cognitivo e de aquisiç-o de normas pragmáticas (Kasper / Rose, 2002; Lantolf / Thorne 2006; Otha 2005). Acresce o facto de, no decurso da aprendizagem, a individualidade de cada aprendente se manifestar em proficiências linguísticas diversas e no estilo de aprendizagem. A motivaç-o e o interesse podem, igualmente, ser condicionados pela atitude, valores e a perceç-o que o aprendente tem face à língua-alvo. Importa ainda lembrar que, na aprendizagem de uma língua n-o materna, num aprendente adulto com uma conceç-o de análise da língua mais aprofundada, é possível verificar-se a capacidade de recriar o próprio conhecimento da língua-alvo (Bialystock 1990). É neste ponto que a nossa reflex-o retoma a classificaç-o proposta por Ishihara e Cohen (2010b) acerca das razões subjacentes à divergência pragmática. 4 Divergência pragmática: hipóteses No contexto PLNM, assinalam-se alguns estudos no domínio da pragmática: a cortesia verbal (Sousa 2010), o pedido de desculpa e a express-o de um desejo (Gonçalves 2013) e mecanismos de atenuaç-o e intensificaç-o (Gomes 2013). A propósito da aprendizagem das formas de tratamento por parte dos estudantes de PLNM, Matos (2008) descreve a dificuldade na correlaç-o das formas verbais com as normas sociopragmáticas. <?page no="80"?> Usos que criam vozes 81 Entre outras razões, a dificuldade em aprender a dimens-o pragmática de uma língua n-o materna poderá ser justificada por variadas razões como as que Ishihara (2010, 201) enuncia: (i) variaç-o das normas culturais no que diz respeito a appropriateness , (ii) diferenças regionais e individuais, (iii) complexidade gramatical e lexical, (v) subtilezas discursivas e (vi) o comportamento n-o-verbal. Por sua vez, Ishihara e Cohen (2010b) justificam a divergência pragmática observável nos aprendentes de LNM resultante, eventualmente, de uma competência pragmática insuficiente, observando-se, neste caso, (i) a transferência negativa de normas, (ii) a competência gramatical limitada da LNM, (iii) a generalizaç-o excessiva de normas pragmáticas intuídas da LNM e (iv) o efeito da instruç-o ou dos materiais de apoio. Estes autores referem também como hipótese para a divergência acima mencionada a resistência da parte do falante ao uso de normas pragmáticas da LNM. 5 Ensaio exploratório Com base em situações comunicativas reais, seria importante que, no contexto da sala de aula, os alunos desenvolvessem o seu próprio repertório de estratégias para o desenvolvimento da competência pragmática. Para isso, Ishihara e Cohen (2010b) apontam uma possível taxonomia para os atos de fala: (i) estratégias para a aprendizagem inicial de atos de fala, (ii) estratégias para usar os aspetos dos atos de fala já estudados e (iii) estratégias de planificaç-o, monitorizaç-o e avaliaç-o das escolhas da estratégia pragmática. Em termos de abordagem didática e PLNM, centrar-nos-emos na análise da divergência pragmática, considerando os seguintes tópicos: (i) formas de tratamento; (ii) estratégias conversacionais, (iii) variabilidade de atos de fala pautada pelo grau de cortesia, (iv) inferência marcada por pressuposições ou implicaturas, (v) sentido implícito versus a literalidade. Estes aspetos adquirem contornos singulares conforme o espaço lusófono em que se realizam, sendo, por isso, pertinente a sua discuss-o no entendimento da polifonia da língua portuguesa. As situações em análise foram inspiradas nos relatos das experiências apresentados pelos nossos estudantes em contexto formal de aprendizagem. Os nossos cursos de Português para estrangeiros acolhem, entre muitas outras nacionalidades, falantes com conhecimento prévio do Português do Brasil oriundos, na sua maioria, do Jap-o, da Coreia do Sul e da Academia Militar de West Point e, também, de forma mais residual, falantes vindos de Timor ou da Guiné-Bissau. Passamos, agora, à apresentaç-o das várias situações: <?page no="81"?> 82 Anabela Fernandes / Joana Cortez-Smyth Situaç-o 1 O Luís entra numa estaç-o de correios e tira uma senha numerada. Há mais nove pessoas à espera de serem atendidas e quatro funcionários sem atenderem ninguém, aparentando n-o estarem a fazer nada. O Luís acha que o atendimento ao público n-o funciona bem e fica com má impress-o do serviço. Situaç-o 2 A Jules e a Martine entram num restaurante, pedem o menu, escolhem os seus pratos - muito saborosos, por sinal - e pedem a conta. Quando chega, notam que lhes foi cobrado um cesto de p-o e duas manteigas que n-o tinham comido, mas que estavam na mesa. Sabiam que deviam ter pedido para levarem as entradas, mas n-o o fizeram. Situaç-o 3 O Peter e um grupo de amigos est-o à espera da Luísa, que estuda noutra cidade e que n-o veem há algum tempo. Quando a Luísa chega, o Peter diz: ‘- Eh lá! Tu estás um bocado para o forte, ó Luísa! ’ Situaç-o 4 Numa aula de português LNM (turma composta por alunos provenientes da China e do Jap-o), a Professora interpela o grupo e faz a seguinte pergunta: ‘- Quem me sabe dizer quantas ilhas compõem o arquipélago dos Açores? ’ Da parte dos alunos o silêncio é total. Situaç-o 5 O Derrick cruza-se com um vizinho e para para o cumprimentar: ‘- Olá, bom dia! Tudo bem consigo, Sr. António? ’ O vizinho acena com a m-o e continua a andar. O Derrick convence-se que o vizinho está zangado com ele. Situaç-o 6 A Ana diz à Louise: ‘- Importas-te de abrir a janela? ’ A Louise permanece sentada no mesmo lugar e responde: ‘- N-o, n-o me importo.’ Recorrendo à classificaç-o de Ishihara / Cohen (2010b), estaremos perante as seguintes fontes de divergência: 1° Transferência negativa na situaç-o 1; 2° Competência gramatical limitada da LNM da situaç-o 4; <?page no="82"?> Usos que criam vozes 83 3° Generalizaç-o excessiva de normas pragmáticas intuídas da LNM nas situações 3 e 5; 4° Efeito da instruç-o ou dos materiais de apoio na situaç-o 6; 5° Resistência ao uso de normas pragmáticas da LNM na situaç-o 2. Nas situações 1 e 2, os aprendentes interpretam o que veem e experienciam à luz das normas socioculturais que conformam as suas línguas maternas, contrastando com as situações 3 e 5, em que as normas pragmáticas da LNM s-o compreendidas no seu sentido literal: enquanto que, na situaç-o 3, o enunciado revela ausência de cortesia, na situaç-o 5, o aprendente cria uma expectativa de resposta ao seu enunciado, que n-o se realiza. Na situaç-o 4, o silêncio dos alunos reflete o hábito de, num contexto formal de ensino no país de origem, n-o se responder a um professor sem se ter sido nomeado diretamente. Ou seja, a ausência de resposta pode interpretar-se como competência gramatical limitada. No caso da situaç-o 6, a aprendente responde literalmente a uma pergunta, n-o reconhecendo o pedido. Verifica-se assim o efeito da instruç-o ou materiais de apoio que n-o exercitam a compreens-o dos atos de fala indiretos na LNM. Conscientes de que as situações apresentadas n-o esgotam a análise da perspetiva do ensino explícito da pragmática da LNM, o nosso objetivo, ao apresentar esta amostra, é, acima de tudo, centrar a atenç-o naquilo que julgamos constituir uma das áreas críticas do ensino e aprendizagem do PLNM. 6 Considerações finais Em todas as situações discutidas anteriormente, a língua é usada para concretizar objetivos da interaç-o verbal ao mesmo tempo que estabelece relações interpessoais. Sendo o falante um ator social num espaço e tempo definidos, acreditamos que, numa abordagem didática do Português Língua N-o Materna, o ensino explícito da sua dimens-o pragmática (falamos de usos da língua) propicia a consciência da plasticidade linguística, permitindo autonomia e liberdade na criaç-o da própria voz do aprendente a partir da recetividade das diversas vozes e variedades. Com efeito, a revis-o da literatura confirma a hipótese da individualidade e da própria identidade na língua-alvo: “Research indicates that learners’ sense of identity is intertwined with how they use the language, and <?page no="83"?> 84 Anabela Fernandes / Joana Cortez-Smyth for this reason they sometimes choose not to behave in a native-like fashion.” (Ishihara / Cohen, 2010b, 76) Bialystok, Ellen. 1990. “The Cpmpetence of Processing Classifying Theories of Second language Acquisition”, in: TESOL Quarterly , 24/ 4, 635-648. Gomes, Carlos. 2013. Mecanismos de atenuaç-o e intensificaç-o no ensino do Português/ Língua Estrangeira: um estudo de caso . Porto: Universidade do Porto, Dissertaç-o de Mestrado. Gonçalves, Mafalda. 2013. Atos Expressivos e Ensino do Português Língua N-o Materna: o caso do pedido de desculpa e da express-o de um desejo . Coimbra: Universidade de Coimbra, Dissertaç-o de Mestrado. Ishihara, Noriko 2010. “Curriculum writing for L2 pragmatic-principles and practice in the teaching of L2 pragmatics”, in: Ishihara / Cohen 2010a, 201-223. Ishihara, Noriko / Cohen, Andrew (ed.). 2010a. Teaching and learning Pragmatics. Where Language and Culture meet. Harlow: Pearson Education. Ishihara, Noriko / Cohen, Andrew. 2010b. “Learner’s pragmatics: potential causes of divergence”, in: Ishihara / Cohen 2010a, 75-96. Kasper, Gabriele / Rose, Kenneth (ed.). 2001. Pragmatic in Language teaching . Cambridge: University Press. Kasper, Gabriele / Rose, Kenneth 2002. Pragmatic Development in a second language . Malden, MA: Blackwell. Lantolf, James / Thorne, Steven. 2006. Sociocultural theory and the genesis of second language development . Oxford: University Press. Otha, Amy. 2005. “Interlanguage Pragmatics in the zone of proximal development”, in: System , 33/ 3, 503-517. 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Baxter 1992) que como o inglês, espanhol, francês e neerlandês - devido ao passado colonial - possui variantes nacionais em vários continentes cujo grau de codificaç-o diverge. Do ponto de vista do Português Língua Estrangeira (particularmente em contextos fora do espaço geográfico onde o português possui um status oficial) interessa o conhecimento das principais convergências e divergências das diferentes variantes (cf. Döll 2003). Ora, o objetivo deste artigo é analisar a presença e representaç-o das variantes do português em manuais produzidos no Brasil (cf. Diniz 2010) e em Portugal, mas também alguns produzidos em países n-o-lusófonos como Alemanha, França e Estados Unidos. A partir deste levantamento, tratar-se-á a quest-o se os manuais s-o aptos para construir, no mínimo, um conhecimento produtivo em uma das variantes e receptivo das outras. Devido à importância do Português Brasileiro (doravante: PB) e sua emancipaç-o (também política) do Português Europeu (doravante: PE) desde o século XIX com a intenç-o de criar uma própria variante de português com suas particularidades (cf. p.ex. Alkmim 2012 sobre a lexicografia brasileira do século XIX), o português muitas vezes é considerado como caso prototípico de uma língua policêntrica cujos dois centros principais s-o constituídos por Portugal e o Brasil (cf. Pöll 2005, 79-88). No mercado editorial há, porém, particularmente na França, manuais que sugerem pela denominaç-o escolhida le brésilien (cf. p.ex. Legriel 2 1985 com o título: Le bréslien sans peine ) que o PB seja uma língua diferente do português (análogo ao afrikaans com relaç-o ao neerlandês). 1 O 1 Cf. Döll (2003, 195) para uma vis-o de conjunto concisa das posições ideológicas com relaç-o a esta quest-o. <?page no="87"?> 88 Thomas Johnen aumento da importância da língua portuguesa e o aumento de falantes de português como L2 depois da independência de países como Angola, Moçambique (cf. Gonçalves 2013), S-o Tomé e Príncipe e Timor-Leste faz com que tenhamos atualmente outras variantes emergentes que constituem centros próprios do português policêntrico e uma situaç-o bem específica devido a forte posiç-o das línguas crioulas em Cabo Verde e Guiné-Bissau (para uma vis-o de conjunto cf. Silva 2018). A partir da perspectiva do ensino de Português Língua Estrangeira (doravante: PLE), coloca-se a quest-o de como lidar no ensino com a policentricidade do português que é agravada pela variaç-o interna diatópica e diastrática de cada uma das variantes nacionais do português. A variaç-o diastrática é particularmente relevante para o PB por possuir uma variedade vernácula com estruturas gramaticais próprias (cf. p.ex. Castilho 2010, 204-211) e estáveis (cf. Jon-And 2011, 67-88; 139-141, com relaç-o à concordância nominal no plural). Mas também a variaç-o diatópica é relevante para fenômenos gramaticais centrais para a comunicaç-o (cf. p.ex. Castilho 2010, 202sq.) como, por exemplo, as formas de tratamento no PB. Certas formas como o pronome pessoal tu + 3ª pessoa do singular do verbo é linguagem padr-o no Rio Grande do Sul, mas subpadr-o em outras regiões do Brasil como Rio de Janeiro e S-o Paulo. Sem poder aprofundar a quest-o aqui, apresentamos a complexidade da variaç-o diatópica e diastrática das formas de tratamento no PB 2 : Forma de tratamento de proximidade Padr-o oral subpadr-o oral você nacional alternância entre tu + 2ª pessoa do singular e você Florianópolis, SC Belém, PA Maranh-o tu + 3ª pessoa do singular em todos os tempos verbais Rio Grande do Sul Rio de Janeiro S-o Paulo Minas Gerais Grandes partes do Nordeste tu + 2ª pessoa do singular no Pretérito Prefeito Simples e tu + 3ª pessoa do singular nos demais tempos verbais Pernambuco 2 Para mais detalhes e referências bibliográficas cf. Johnen (no prelo). <?page no="88"?> As variantes do português em manuais de Português Língua Estrangeira 89 Forma de tratamento de proximidade Padr-o oral subpadr-o oral tu + 3ª pessoa do singular em todos os tempos verbais como parte de um sistema ternário tu - você - o senhor / a senhora Santos, SP Tab. 1: Exemplos de variaç-o diatópica e diastrática nas formas de tratamento no PB Poucos manuais ousam tratar a variedade diatópica ou diastrática do PB (cf. Bierbach 1998). No entanto, num curso de PB (n-o publicado até hoje) que foi desenvolvido no início dos anos 80 pelo ent-o leitor de Português da Universidade de Bonn, Valdir Piranha, há desde o início em cada liç-o um pequeno diálogo de duas figuras de banda desenhada que falam o PB vernáculo, criando assim, desde o início uma consciência da variaç-o diastrática e diasituacional. 3 Um exemplo menos bem sucedido é Terra Brasil (Isola / Almeida 2008, 112sq.) que pretende evitar a aquisiç-o do preconceito linguístico predominante na sociedade brasileira (cf. Bagno 1999), mas apresenta o PB vernácula numa situaç-o que fomenta justamente os preconceitos sociais e raciais coexistentes do preconceito linguístico (para uma análise crítica cf. Johnen 2012, 320sqq.). Um manual de Alem-o como Língua Estrangeira Stufen International I (Vorderwülbecke / Vorderwülbecke 1997, 44) que se dirige a iniciantes totais, ilustra muito bem ser possível introduzir cautelosamente essa variaç-o desde o nível A1. O manual oferece um exercício de sensibilizaç-o à variaç-o diatópica do alem-o apresentando textos áudio com curtos diálogos de fala dialetal de Colônia, Hamburgo, Leipzig, Viena e Zurique. 2 Vantagens e desvantagens de ensinar as variantes do Português de maneira integrada Enquanto a variaç-o diastrática e diatópica é um tema relevante para o ensino de todas as línguas, coloca-se a quest-o do ensino das variedades dos centros mais importantes de uma língua pluricêntrica de maneira diferente. Isso vale especialmente para o português onde temos duas variantes por ora dominantes e às vezes antagônicas como o PB e o PE com diferenças nítidas na pronúncia e alguns fenômenos gramaticais emblemáticos, tais como as formas de tratamento 3 Como o autor deste artigo teve a sorte de ser introduzido por Valdir Piranha à língua portuguesa, lhe é possível testemunhar pessoalmente do sucesso deste método. <?page no="89"?> 90 Thomas Johnen e a posiç-o dos pronomes, e, além disso, as variantes emergentes, particularmente do português angolano, moçambicano, timorense e s-o-tomense. Döll (2003) vê como vantagens de um ensino integrado das variantes com reflexões contrastivas pontuais, o aumento de abertura para a outra variante e um leque maior de constelações comunicativas aprendidas, como desvantagem a eventual insegurança com relaç-o à norma. A limitaç-o a uma variante, no entanto, segundo Döll (2003) pode criar uma barreira psicológica com relaç-o à outra variante. Como vantagens dessa abordagem, a autora vê, porém, uma maior segurança com relaç-o à norma e uma maior adequaç-o linguística em situações especificas, quanto aos tipos textuais e estilos da variante aprendida. Stichini (2014) que analisou os erros feitos por alunos da Universidade de Ciências Aplicadas de Dalarna, Suécia, que aprenderam as variantes do PE e do PB de maneira integrada com relaç-o à colocaç-o dos pronomes clíticos, chega a um resultado interessante. No levantamento feito entre estes alunos, a porcentagem de soluções corretas era de 91 %. Como problemas identificou, contudo, o perigo de sobregeneralizaç-o das regras de cada variante bem como as interferências do espanhol no caso de alunos com conhecimentos prévios desta língua ibero-românica. 3 Análises dos manuais 3.1 Corpus O corpus desta analise é constituído por nove manuais produzidos em Portugal (8) ou Macau (1), por nove manuais produzidos no Brasil e quinze manuais produzidos em países n-o-lusófonos (veja tabela 2). N-o pretendemos neste estudo uma análise exaustiva de todos os manuais existentes. A escolha, porém, n-o foi arbitrária. O núcleo dos manuais produzidos em Portugal foram escolhidos por fazerem parte do acervo do Centro de Língua Portuguesa na Universidade de Estocolmo e que foram usados nas aulas em diferentes épocas. Os manuais produzidos em Macau e no Brasil (com exceç-o de Töpker 2 1948) continuam sendo utilizados no ensino de PLE no respectivo país de produç-o. A escolha dos manuais produzidos fora dos países lusófonos é mais eclético. Nosso intuito foi considerar pelo menos um manual antigo, muito utilizado na sua época de auge, bem como os manuais mais importantes editados na Alemanha dos últimos dez anos e outros manuais da França e dos Estados Unidos que apresentam soluções criativas com relaç-o às variedades do português. <?page no="90"?> As variantes do português em manuais de Português Língua Estrangeira 91 País de ediç-o Manual Brasil A língua portuguesa para estrangeiros (Töpker 2 1948). Português para Estrangeiros (Marchant 13 1987) Interagindo em Português (Henriques / Grannier 2001) Português via Brasil (Lima / Iunes 2005) Tudo bem? (Ponce / Burim / Florissi 4 2008) Panorama Brasil (Ponce / Burim / Florissi 2006) Nova Avenida Brasil I (Lima et al. 2008) Terra Brasil (Isola / Almeida 2008) Bons negócios (Santos / Silva 2013) Portugal Dia a dia (Leiria / Adrag-o 1988) Lusofonia (Casteleiro 1995) Português XXI 1 (Tavares 2003) Português XXI 2 (Tavares 2 2006) Português XXI 3 (Tavares 2005) Falas Português? B1 (Albino / Castro 2009) Falas Português? B2 (Dias / Milit-o 2009) Entre nós 1 (Dias 2011) Macau Diálogos (Coimbra / Fonseca s. d.) Alemanha Kleine portugiesische Sprachlehre (Ey 10 1936) Der Portugiesisch-Kurs (Ramos-Kaulhausen 2005) Sprachkurs plus Anfänger: Portugiesisch (Cook 2008) 4 Oi, Brasil! (Sommer / Weidmann 2009) Está bem! (Peito 3 2011). Fit in Portugiesisch (Schäfer / Rosário 2011) Beleza! (Prata 2013) Português Tropical (Cunha-Henckel / Ziebell 2013) Portugiesisch mit System (Barbosa / Nafz 2016) Olá Portugal! neu A1-A2 (Boléo / Prata / Silva 2017) Oi, Brasil! aktuell A1 (Sommer / Weidmann 2017) Oi, Brasil! aktuell A2 (Sommer / Weidmann 2018) Estados Unidos Pois n-o (Simões 2008) Ponto de Encontro ( Jouët-Pastré el al. 2 2013) França Espaços (Ballesta / Beacaump / Levécot 1998) Tab. 2: Corpus dos manuais segundo o país de produç-o 4 Traduç-o do inglês e adaptaç-o para leitores alem-es da ediç-o inglesa Portuguese da série Teach yourself (Cook 1987). <?page no="91"?> 92 Thomas Johnen 3.2 As variantes do português nos manuais de PLE produzidos no Brasil A análise dos manuais de PLE produzidos no Brasil confirma uma observaç-o geral sobre estes manuais por Diniz (2010, 92) que constata “uma representaç-o ‘enraizada’ no Brasil e a n-o-universalizaç-o do português. De fato, somente Panorama Brasil (Ponce / Burim / Florissi 2006, 39) menciona sequer um outro país de língua oficial portuguesa: Angola e além disso o CPLP, mas n-o se acham comentários sobre o português de Angola ou a situaç-o linguística do país. Vale mencionar que no catálogo de categorias de avaliaç-o de manuais de PLE apresentado por Rebelo (2018) n-o é incluído como critério o tratamento de outras variantes, apesar de a autora defender o conceito de Português Língua Transnacional sem a restriç-o ao PB presente nas reflexões iniciais de Zoppi Fontana (2009) que cunhou este termo. 3.3 Manuais de PLE produzidos em Portugal e Macau Poucos dos manuais analisados que foram editados em Portugal ou Macau tratam de maneira explícita de outras variantes. A grande exceç-o s-o os volumes Português XXI 2 (Tavares 2 2006) e 3 (Tavares 2005) . Entre nós 1 (Dias 2011, 87) apresenta em uma unidade Cabo Verde como destino turístico, sem informar sobre particularidades do português cabo-verdiano ou a situaç-o linguística neste país. Em alguns manuais como Lusofonia (Casteleiro 1995) e Falas Português? B2 (Dias / Milit-o 2009) outras variantes do português s-o presentes através de textos de autores de outros países de língua oficial portuguesa. Estes textos, porém, n-o s-o aproveitados para uma verdadeira sensibilizaç-o ou aquisiç-o de conhecimentos sobre as variantes nas quais os textos s-o escritos. Assim, a Unidade 2 de Falas Portugues? B2 (Dias / Milit-o 2009) restringe os exercícios depois de um texto de Guimar-es Rosa e um de Luandino Vieira à leitura em voz alta e à procura em dicionário das palavras desconhecidas. Além disso, s-o apresentados poemas da autora s-o-tomense Alda do Espírito Santo e do autor cabo-verdiano Jorge Barbosa. Desta vez, há uma instruç-o para identificar nos dois poemas marcas linguísticas e culturais que espelhem diferenças entre África e Portugal. Mesmo se a própria formulaç-o do exercício aqui é pouco feliz, pode servir como um início de uma sensibilizaç-o da existência de diferenças com o PE. Na mesma unidade é apresentado também um exercício de compreens-o auditiva com trechos de discursos do ex-presidente de Portugal, Cavaco Silva e do ex-presidente do Brasil, Lula da Silva, que pode sensibilizar para as diferenças na pronúncia entre o PB e o PE. Isso dependerá, no entanto, do professor, pois n-o há nenhuma didatizaç-o neste sentido. <?page no="92"?> As variantes do português em manuais de Português Língua Estrangeira 93 Na unidade 10 do mesmo manual, um outro poema, desta vez da autora portuguesa Sophia de Mello Breyner Andersen é apresentado e pode, apesar dos estereótipos contidos, contribuir para uma certa abertura com relaç-o ao PB (Andersen, apud Dias / Milit-o 2009, 115): Poema de Helena Lanari Gosto de ouvir o português do Brasil Onde as palavras recuperam sua substância total Concretas como frutos nítidas com suas sílabas todas Sem perder um quinto de vogal. Quando Helena Lanari dizia o ‘coqueiro’ O coqueiro ficava muito mais vegetal Como mencionado anteriormente, Português XXI 2 e 3 , s-o os únicos manuais produzidos em Portugal do corpus analisado nos quais há uma tentativa de introduzir informações essenciais sobre o PB e o português angolano. Em Português XXI 2 (Tavares 2 2006) há na unidade 11 que apresenta como tema o Rio de Janeiro, um exercício para descobrir as diferenças no texto (ortografia e gramática), informaç-o sobre o uso de em no PB, uma explicaç-o sobre a equivalência entre estar + gerúndio no PB e estar a + infinitivo no PE, além disso, informações sobre diferenças no léxico e na pronúncia. Num apêndice gramatical s-o sistematizadas informações sobre o uso de você no PB, as diferenças com relaç-o à posiç-o dos pronomes clíticos, a ocorrência no PB de possessivos sem artigos, a n-o possibilidade no PB de substituir o condicional pelo Pretérito Imperfeito, sob a diferença na acentuaç-o da 1 a pessoa do plural do PPS em -ar . Mais problemática é a explicaç-o que no PB se usa o verbo ter em vez de haver , porque isso somente vale tendencialmente para a língua falada, na qual, aliás, essa substituiç-o também ocorre no PE. Na unidade seguinte do mesmo manual o tema é África. Encontramos aqui um texto no crioulo de Cabo Verde, informações sobre o léxico específico dos Países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), bem como informações sobre algumas diferenças na pronúncia entre o PE e o português angolano. Em Português XXI 3 (Tavares 2005) apresenta-se a mesma metodologia como no volume anterior com duas unidades sobre o PB e o português angolano. No apêndice gramatical sobre o PB (Tavares 2005, 178), as contrações de preposiç-o para e artigo definido tipo pro , prás s-o apresentados como características para o PB. Essa atribuiç-o é questionável, pois no PE falado, as mesmas contrações s-o bem documentadas (cf. Brauer-Figueiredo 1999, 47-55; Sieberg 2018, 67). Na unidade sobre o português angolano s-o tratadas particularmente questões do léxico (empréstimos do kimbundu) e de pronúncia. No apêndice gramatical há, porém, informações sobre alguns fenômenos considerados típicos para <?page no="93"?> 94 Thomas Johnen o português angolano como o uso da partícula modal só em imperativos, a dupla negaç-o n-o … nem , mas também explicações sobre a preposiç-o em e sobre ter e haver no português angolano. Resumindo, podemos constatar que (ao contrário dos manuais editados no Brasil) alguns manuais editados em Portugal tentam uma sensibilizaç-o para outras variantes do português além do PE através de textos autênticos. Somente um dos manuais analisados trata pontualmente de maneira mais sistemática e didatizada do PB e do português angolano. Na descriç-o gramatical destas variantes, algumas formas s-o atribuídas ao PB e/ ou português angolano que também s-o frequentes no PE como ter no sentido de haver ou, na língua falada, contrações como pro , mas que s-o condenados como erro pela gramática tradicional ou menos preferíveis. Com esta apresentaç-o do PB e do português angolano, o manual segue de maneira implícita, embora a tentativa séria de considerar outras variantes, a linha ideológica de que o PE tenha supremacia sobre as outras variantes. 3.4 Manuais produzidos fora dos países de língua oficial portuguesa É interessante observar que na Kleine portugiesische Sprachlehre (Ey 10 1936), (um manual editado na Alemanha seguindo o método de gramática e traduç-o, cuja primeira ediç-o é do ano 1918) algumas das diferenças entre o PB e PE s-o mencionadas: as formas de tratamento (Ey 10 1936, 48), o uso de estar + gerúndio no PB (Ey 10 1936, 53), bem como informações sobre diferenças na ortografia e na nomenclatura gramatical. Isso podemos considerar como um indício que na perspectiva de n-o-falante de língua portuguesa importa, sim, conhecer as diferenças entre as variantes. Hoje em dia, no mercado editorial alem-o normalmente editam-se manuais diferentes para a o PB e o PE, mas somente os manuais do PB fornecem informaç-o sobre a variante no título. 5 No entanto, manuais mais recentes como Der Portugiesisch-Kurs (Ramos-Kauhausen 2005), Sprachkurs Plus Anfänger Portugiesisch (Cook 2008), Olá Portugal! , Beleza! (Prata 2013) 6 e Oi Brasil! Aktuell A1 (Sommer / Weidmann 2017) e Oi Brasil! Aktuell A2 (Sommer / Weidmann 2018) 7 bem como Português Tropical (Cunha-Henckel / Ziebell 2013) fornecem também informações sobre a outra variante. Em Português tropical (Cunha-Henckel / Ziebell 2013) que é mais um manual complementar apresentando textos literários e letras de músicas brasileiras para os diferentes níveis de A1 a C1, há um 5 Cf. para o PE: Fit in Portugiesisch (Schäfer / Rosário 2011); Portugiesisch mit System (Barbosa / Nafz 2016). 6 Cf. o artigo de Christian Koch sobre estes dois manuais neste volume. 7 Na vers-o anterior Oi, Brasil (Sommer / Weidmann 2009) apenas o PB é considerado. <?page no="94"?> As variantes do português em manuais de Português Língua Estrangeira 95 glossário contrastivo PB-PE relativamente abrangente de ao total doze páginas (cf. Cunha-Henckel / Ziebell 2013, 190-201). Sprachkurs Plus Anfänger Portugiesisch (Cook 2008) introduz no interior de cada liç-o as divergências gramaticais e lexicais entre o PE e o PB sem explicações e, além disso, às vezes discutíveis por apresentar como regra tendências ou opções. Assim é apresentado como forma do PE a forma de tratamento cerimonioso Excelentíssimo Senhor e Ilustríssimo Senhor como forma do PB (cf. Cook 2008, 198) o que n-o condiz com a realidade (cf. Borba 2002, 662). Está bem! (Peito 3 2011) prossegue uma metodologia parecida, mas muito mais eclética e enfoca, além disso, apenas diferenças lexicais. A variante de base é o PE, mas a partir da unidade 3, quando se introduz uma unidade lexical que n-o é usada no PB n-o raras vezes é mencionado o equivalente no PB. Porém, essas indicações n-o s-o sistemáticas como mostra o exemplo seguinte onde falta a informaç-o de que no PB fiambre no contexto indicado quase n-o é usado (Peito 3 2011, 46): E Para comer? a sandes [bras. sanduiche] (de fiambre / de queijo / mista). Além disso, as indicações sobre as diferenças n-o abrangem elementos mais gramaticais como os marcadores. Assim falta na introduç-o de pois como sinal de ouvinte a informaç-o que n-o é usado no PB. Tampouco há informações sobre o uso de pois n-o no PB. Na unidade sobre conversações (Peito 3 2011, 187) falta a informaç-o de que no PB n-o se atende o telefone com Está? . No final do manual há duas páginas com listas de diferenças lexicais entre o PE e o PB (cf. Peito 3 2011, 406sq.). As outras variantes s-o ausentes, apenas informa-se sobre a existência do crioulo do Cabo Verde num curto texto informativo sobre o arquipélago sem dar exemplos (cf. Peito 3 2011, 163). Nos demais manuais acima mencionados, há uma variante dominante e exercícios contrastivos complementares em cada unidade em geral com enfoque especial na compreens-o auditiva, em Der Portugiesisch-Kurs (Ramos-Kauhausen 2005) o enfoque contrastivo é lexical. Uma concepç-o um pouco diferente apresenta o manual escolar francês Espaços (Ballesta / Beaucamp / Levécot 1998). A variante de base do manual na qual é desenvolvida uma competência produtiva é o PE. Porém, há uma rica escolha de textos autênticos de toda lusofonia, em grande parte lidos (no CD que acompanha o manual) por locutores que s-o falantes nativos da variante em quest-o. Pontualmente há sistematizações de diferenças na fraseologia, no léxico, e na gramática, como no exemplo a seguir sobre o tema telefone (Ballesta / Beaucamp / Levécot 1998, 31): <?page no="95"?> 96 Thomas Johnen LE SAVIEZ-VOUS ? Pour téléphoner, les Portugais et le Brésiliens n’utilisent pas le même vocabulaire Portugal Brasil Está ? a cabine marcar o número seis o telemóvel o atendedor de chamadas Alô ? o orelh-o discar, teclar meia (uniquement pour téléphone) o celular a secretária electrônica Tab. 3: Vocabulário básico para o tema telefone em PE e PB O único manual que optou por apresentar desde o início tanto a variante brasileira quanto europeia é Ponto de Encontro ( Jouët-Pastré et al. 2 2013). Em cada unidade o texto para a mesma situaç-o comunicativa está apresentado em paralelo no PB e no PE (nesta sequência). Trata-se de textos e diálogos relativamente curtos. No manual há poucos textos autênticos e quanto às diferenças há uma ênfase nos fenômenos mais conhecidos. O que, ao nosso ver, seja um pouco problemático é o fato de que muitas vezes um exemplo é apresentado como particularidade de uma variante, embora sendo também possível na outra variante. Assim no texto no. 3-4 s-o apresentados como formas nominais de tratamento para mulheres no PB Dona + nome , no PE Senhora Dona + nome , para homens no PB Seu + sobrenome e no PE Senhor + sobrenome . Ora, no PE o tratamento de mulheres com Dona + nome também é possível e no PB para homens também o modelo Senhor + sobrenome (se bem que o modelo Senhor + nome até é mais frequente). No texto 13-18, na coluna em PB, o pronome possessivo n-o é precedido pelo artigo definido, somente na coluna em PE. Mas n-o há nenhuma indicaç-o de que o modelo artigo definido + pronome possessivo também é possível no PB. O perigo é que sem nenhuma problematizaç-o pode se manifestar nos aprendentes a ideia de que as diferenças detectáveis nos pequenos textos e diálogos do livro descrevam de maneira normativa as diferenças entre as duas variantes. O que falta, portanto, é uma reflex-o metalinguística sobre as diferenças e convergências entre as duas variantes. Além disso, seria desejável completar os diálogos e textos modelo por mais textos autênticos de ambas as variantes. Neste contexto vale tomar como exemplo positivo um manual de uma outra língua que ensina desde o início as quatro variantes faladas na França desta língua. Trata-se do manual escolar de occitano do primeiro ano Òc-bem! (Salles- -Loustou 2003). Os textos das unidades escritos para o manual s-o apresentados <?page no="96"?> As variantes do português em manuais de Português Língua Estrangeira 97 em paralelo em quatro variantes: gasc-o, linguadócio, limosino e provençal, ademais, s-o lidos no CD que acompanha o manual por falantes destas variantes. Além disso, há muitos textos autênticos em cada uma das variantes. Desta maneira, os alunos podem adquirir competências produtivas da variante da sua regi-o e competências receptivas das demais variantes. 4 Conclusões Se os manuais editados no Brasil, n-o consideram outra variante do que o PB, nos manuais produzidos em Portugal há algumas tendências em apresentar pelo menos textos ou também exercícios de compreens-o oral de outras variantes. Apenas os manuais Português XXI 2 e 3 tentam introduzir de maneira pontual, mas sistemática, informações sobre o PB e o português angolano e informar sobre outras línguas presentes nos países africanos de língua oficial portuguesa como o crioulo cabo-verdiano e, através da informaç-o sobre empréstimos, também sobre o kimbundo em Angola. Contudo, esta tentativa n-o está livre de problemas, por apresentar fenômenos linguísticos como sendo tipicamente brasileiros ou angolanos embora sendo estes também presentes no PE, se bem que com menos prestígio. Em muitos dos manuais editados em países n-o-lusófonos, há uma presença de outras variantes. Porém, em geral nestes manuais, embora apresentem informações pontuais, falta informaç-o contrastiva sistemática e abrangente. Isso vale até para Ponto de Encontro ( Jouët- Pastré et al. 2 2013), o manual que deste a primeira unidade apresenta o PE e o PB em paralelo. Aqui seria importante informar quais formas na outra variante n-o s-o possíveis, o que n-o acontece. O ideal seria, além disso, uma presença refletida de textos e documentos áudio autênticos de todas as variantes, para fomentar as competências receptivas nestas. Além disso, falta em todos os manuais informaç-o sobre a variaç-o diatópica e em quase todos também informaç-o diastrática. Como os alunos ser-o confrontados com essa variaç-o no contato com falantes nativos, faz-se mister sensibilizar pelo menos por estas variações que existem além da variaç-o devida a pluricentricidade do português. Fornecer estas informações é uma tarefa central de um manual pois os docentes, mesmo sendo falantes nativos n-o podem possuir conhecimentos profundos de cada variante. Revela-se aqui uma necessidade de uma cooperaç-o de autores de manuais que s-o falantes das diferentes variantes, como no caso da gramática pedagógica de Sommer / Herhuth (2010) que tem mostrado um resultado excelente. Os manuais Oi, Brasil! aktuell (Sommer / Weidmann 2017, 2018), Beleza! (Prata 2013) e Olá, Portugal! neu (Boléo / Prata / Silva 2017) mostram um <?page no="97"?> 98 Thomas Johnen avanço considerável, neste sentido, se bem que os textos áudio e escritos n-o s-o autênticos. Alkmim, Tânia. 2012. “Um texto inaugural: o Visconde da Pedra Branca e o português do Brasil”, in: Stockholm Review of Latin American Studies , 8, 21-34. Bagno, Marcos. 1999. Preconceito lingüístico: o que é como se faz . S-o Paulo: Loyola. Baxter, Alain. 1992. “Portuguese as a polycentric language”, in: Michael Clyne (ed.): Pluricentric languages: differing norms in different nations . Berlin; New York: de Gruyter, 11-44. Bierbach, Mechthild. 1998. “Padr-o e subpadr-o em gramáticas e obras didáticas da língua portuguesa no Brasil”, in: Sybille Große / Klaus Zimmermann (ed.): «Substandard» e mudança no português do Brasil. Frankfurt am Main: TFM, 489-526. Borba, Francisco Silveira. 2002. 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Mário de Andrade, Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (1978, 81) Quanto ao mercado de manuais e métodos 1 , a língua portuguesa é um caso particular, até único, que reflete a perceç-o do português como língua policêntrica com duas variedades-padr-o - o português europeu (doravante: PE) e o português brasileiro (doravante: PB). Embora a didática tenda para considerar cada vez mais a diversidade muito maior do português no mundo lusófono (cf. Gonçalves 3 2015), as duas variedades diatópicas de Portugal e do Brasil mantêm- -se como os atores principais do discurso. N-o só a didática se confronta com a quest-o de que tipo de português deve ensinar, mas também os aprendentes, antes de começar os estudos, têm que optar por um curso ou um método de aprendizagem autodidática etiquetado com ‘português (europeu)’ ou ‘português brasileiro’. Dois manuais alem-es da editora Klett - Olá Portugal! e Beleza! - n-o se excluem do tipo de manuais para uma variedade específica como variedade principal, mas oferecem vistas detalhadas para as características linguísticas da outra 1 Para a distinç-o dos dois tipos de cursos cf. Parvaux ( 3 2015, 254): manuais para a “aula com professor” e métodos “para autodidactas”. <?page no="103"?> 104 Christian Koch variedade. A particularidade é que os conteúdos sobre o PB em Olá Portugal! e sobre o PE em Beleza! n-o têm uma qualidade puramente anedótica, ou seja que dariam uma ideia geral de como a gente fala no outro lado do oceano Atlântico. Pelo contrário, revelam a ambiç-o dos autores de desenvolver habilidades para comunicar nas duas variedades abordando continuamente a outra variedade ao longo do curso inteiro de A1/ A2 e oferecendo um vasto repertório de atividades que será o objeto da análise de este artigo. Em primeiro lugar, precisaremos a situaç-o particular da didática do português quanto à abordagem do diassistema linguístico em comparaç-o com didáticas de outras línguas estrangeiras. A análise dos dois livros servirá para discutir como e até que nível uma formaç-o simultânea nas duas variedades PE e PB pode ser conveniente para pessoas com interesse por várias zonas do mundo lusófono. 2 O caso particular dos ‘dois portugueses’ no ensino As três línguas modernas mais importantes no ensino na Alemanha - inglês, francês e espanhol - s-o línguas pluricêntricas. Porém, a quest-o das variedades é geralmente secundária. O discurso sobre o francês concentra-se mais nas diferenças de língua escrita e falada sem se ocupar intensivamente das variedades fora da França e da Europa. 2 O inglês e o espanhol estariam em constelações comparáveis com o português quanto à coexistência das variedades transatlânticas de grande importância. A diferença é a distância relativamente menor das variedades que permite a compreens-o e até a assimilaç-o fácil de uma variedade n-o adquirida sistematicamente. 3 Por outro lado há línguas com uma forte variaç-o interna como o árabe e o chinês cujas didáticas para aprendentes estrangeiros est-o forçados a tratar a quest-o das variedades. No caso do chinês existe uma sinonímia dos termos chinês e mandarim (com caracteres simplificados) quanto à denominaç-o dos manuais, mas também existem manuais de mandarim com caracteres tradicionais (cf. Cremerius 2019) 4 e da segunda variedade diatópica mais importante, o 2 Daniel Reimann (2014, 613) aplica o termo do ‘paradoxo da francofonia’ para indicar o aumento de interesse por temas culturais do mundo francófono sem abordar a variaç-o diatópica da língua francesa. Para a temática das variedades do ensino em francês cf. Frings / Schöpp (ed., 2012). 3 Reimann (2017, 71) aplica o termo do ‘paradoxo da hispanofonia’ também à situaç-o do tratamento das variedades na aula de espanhol. Para o discurso sobre o espanhol em geral cf. Moreno Fernández 2 2007; 2010; 2015; Leitzke-Ungerer / Polzin-Haumann, ed., 2017) 4 O interesse pelos caracteres tradicionais consista talvez ainda na leitura de textos clássicos, mas sobretudo na vitalidade desta escritura em Hong Kong, Macau, Taiwan e outros espaços sinófonos. <?page no="104"?> PE com PB e PB com PE? 105 cantonês. Mas podemos constatar que aqui se trata de uma separaç-o total das variedades para diferentes cursos. Em matéria do árabe, a variedade principal orienta-se no árabe clássico do Alcor-o e na fala das variedades do noroeste de Palestina, Líbano e Síria (cf. Labasque 2012, 39). Essa norma-padr-o considera-se como a mais potente para a comunicaç-o no inteiro mundo arabófono. Para os diferentes dialetos existem sobretudo pequenos prontuários 5 para a comunicaç-o quotidiana, mas sem programa de aprendizagem sistemático. A situaç-o do português é particular em comparaç-o com as outras línguas mencionadas. Enquanto nas aulas de inglês, francês e espanhol parece possível integrar ‘de passagem’ a variaç-o linguística no currículo, os cursos de português n-o permitem uma abordagem puramente implícita (cf. Jodl 2016, 162sq.), ou seja, a introduç-o de uma norma-padr-o por unanimidade geral com certas menções da variaç-o diatópica ao longo do curso. Desde a primeira hora de aula e até antes de escolher um curso, a quest-o da variedade é primordial. Na perspetiva europeia poderia ser a ideia mais comum estudar o PE. Mas quando o objetivo principal dos estudos é a comunicaç-o com o mundo brasileiro, é discutível se o estudo do PE constitui um desvio pouco necessário que afinal n-o leva a uma competência satisfatória na variedade-alvo, o PB. Por isso, o mercado editorial conhece a denominaç-o do PB (cf. Parvaux 3 2015, 251-258) que às vezes se transforma a uma simplificaç-o em ‘brasileiro’, na Alemanha provavelmente por primeira vez em 1937 com o manual O brasileiro. Lehrbuch der Landessprache Brasiliens für kaufmännische Lehranstalten und zum Selbstunterricht 6 de Georg Eilers (cf. Noll 1999, 2), um título que parece querer omitir qualquer relaç-o da língua com Portugal. A oferta de manuais para aprender o PB fortalece a imagem de uma variedade ou língua autónoma, estandardizada e até um certo ponto homogénea. Volker Noll (1999, 13) fala neste contexto do problema da generalizaç-o 7 de variantes do PB como formas típicas para todo o Brasil. Na fonética pensamos - entre outros - na palatalizaç-o das plosivas [d] e [t] quando segue [i] e na ausência do chiamento do s final t-o característico no PE. Mas na realidade, s-o dois fenômenos com variedade diatópica e diastrática igualmente no interior do Brasil (cf. Noll 1999, 44-49). 8 N-o obstante, resulta corrente resumir em breve as diferenças 5 Na Alemanha cf. os livros Kauderwelsch da editora Reise Know-How. Também s-o famosos os guias de conversaç-o da editora francesa Assimil. 6 Traduç-o: O brasileiro. Manual da língua nacional do Brasil para escolas de comércio e para a aprendizagem autodidática . 7 Cf. a mesma problemática para espanhol em Moreno Fernández (2010, 162): “Al no existir, hoy por hoy, una batería de muestras geolingüísticas bien organizadas y disponibles lo que realmente encontramos en la práctica de la enseñanza es un manejo poco menos que aleatorio, por no decir errático, de los materiales que reflejan las variedades del español.” 8 Para uma ampla lista de fontes da documentaç-o do PB cf. Castilho ( 3 2015, 202sq.). <?page no="105"?> 106 Christian Koch entre PB e PE (cf. por exemplo Mateus / Cardeira 2007, 56sqq.). Por parte morfossintática, conhecemos assim no PB a ausência da segunda pessoa do singular, os possessivos sem artigos, estar + gerúndio, a posiç-o proclítica dos pronomes pessoais e a substituiç-o dos pronomes o , a , os , as por ele , ela , eles , elas . Embora vários destes fenômenos se considerem como válidos para o Brasil inteiro, fica difícil o uso geral em qualquer registo devido a lacunas na norma prescritiva (cf. Jodl 2016, 189). Sobretudo quanto aos pronomes da terceira pessoa, mas também em outros aspetos, o PB escrito orienta-se na norma europeia, como vimos na citaç-o introdutória de Macunaíma : “o brasileiro falado e o português escrito” (Andrade 1978, 81). Por parte lexical poderíamos também mencionar toda uma série de palavras (por exemplo Noll 1999, 79-85) que só existem em uma variedade ou que têm significados diferentes. Frequentemente os lexemas distinguem-se também por ligeiras modificações ortográficas. Por muito tempo, a particularidade do ensino das variedades do português concentrou-se na área de PE e PB, mas est-o a aumentar as vozes que refletem sobre a inclus-o das variedades africanas do português (doravante: VAP, cf. Gonçalves 3 2015, 223). Isabel M. Duarte (2016, 220sq.) menciona o problema de uma norma descritiva pouco unânime e mostra exemplos do português moçambicano que seriam impróprios no PE. N-o parece ent-o provável uma substituiç-o da variedade-padr-o do ensino por uma VAP num contexto fora da África. Incluir as VAP - e também as variedades da Ásia - no ensino significa na realidade confrontar os aprendentes com documentos dessas zonas do mundo lusófono sem exigir a aprendizagem ativa dessa diversidade linguística como veremos na seguinte secç-o. 3 A possibilidade de desenvolver competências em duas (ou mais) variedades diatópicas do português Enquanto nos perguntámos anteriormente por que escolher o PB como variedade-padr-o do ensino, seria aqui a pergunta qual seria o interesse de um desenvolvimento de competências em diferentes variedades diatópicas, como se poderia realizar um tal ensino e quais seriam os riscos potenciais. Nas dimensões do ensino (por exemplo na Alemanha), o português considera-se como uma língua n-o t-o forte como inglês, francês, espanhol ou italiano. Por isso, em diferentes instituições n-o parece possível oferecer duas opções para os aprendentes escolherem, mas sim um só curso de ‘português geral’ sem orientaç-o geográfica. E também do ponto de vista dos aprendentes pode ser interessante desenvolverem habilidades múltiplas para a comunicaç-o em grandes partes do mundo lusófono. <?page no="106"?> PE com PB e PB com PE? 107 Decerto, a realizaç-o de um ensino ‘multivariacional’ n-o pode levar à permanente introduç-o simultânea das variantes fonéticas, gramaticais e lexicais que causaria a imagem de uma língua cheia de polimorfismo, instável e demasiada complexa para dominar. Porém, poderíamos aplicar a teoria da língua-ponte 9 da didática do plurilinguismo para discutir a possibilidade de uma ‘variedade- -ponte’: à base dos conhecimentos de uma língua (ou variedade), os aprendentes podem aceder a outras línguas (ou variedades) semelhantes de forma recetiva. Seguindo a ideia que a língua mais complexa - quer dizer a mais abundante em regras normativas - seria a língua menos acessível e por isso o melhor ponto de partida para aceder às outras línguas (cf. Klein 2002), será possivelmente o PE a variedade-ponte ideal o que, porém, n-o exclui o PB como uma alternativa variedade-ponte. Em sentido da competência de variedades recetiva (cf. Reimann 2017, 84-87) a confrontaç-o com a diversidade de variedades enfoca sobretudo a compreens-o do oral, a compreens-o de leitura e - como competência transversal (cf. Reimann 2016, 13) - também a mediaç-o linguística. Por outro lado exclui a produç-o em forma oral ou escrita de uma variedade diatópica que n-o é a principal do estudo. Como na descriç-o técnica falamos principalmente dos recursos linguísticos (pronúncia, ortografia, léxico e gramática) para revelar as diferenças entre as variedades, é o desafio da didática de integrar estes parâmetros em atividades comunicativas. Para o ensino do português, a ideia da competência de variedades recetiva tem uma grande relevância comparável ao ensino de outras línguas policêntricas. Tendo em conta a grande heterogeneidade e a distância entre as variedades-padr-o - notadamente PE e PB - pode ser legítima, contudo, a quest-o se a competência puramente recetiva seria suficiente para cumprir com a interaç-o bem-sucedida nos diferentes espaços do mundo lusófono. A alternativa pode ser - mais provavelmente em níveis avançados - o desenvolvimento de habilidades, sobretudo na comunicaç-o oral - numa segunda variedade-padr-o com o propósito de se adaptar à fala do(s) interlocutor(es), ou seja mudar entre as variedades em forma de varietey shift (cf. Moreno Fernández 2015, 11) ou code-meshing (cf. Spaëth / Narcy-Combes 2014, 381). Mas uma tal construç-o de competências ativas em diferentes variedades como parte íntegra de um currículo implica também riscos. Dizendo que com os portugueses se deve falar desta maneira e com os brasileiros daquela, produz o mencionado risco da simplificaç-o das variedades e fortifica estereótipos apesar do objetivo de aumentar a autenticidade com 9 Klein (2002) aplica este termo argumentando que o francês seja a língua-ponte ideal para aceder às outras línguas românicas de forma recetiva. Uma raz-o é a maior complexidade e excentricidade do francês que permite uma melhor acessibilidade daí às outras línguas que vice-versa. Para uma discuss-o crítica desta teoria cf. Berschin (2016, 128sq.). <?page no="107"?> 108 Christian Koch esta proposiç-o. O outro problema possível é que os aprendentes n-o consigam distinguir as variedades com o resultado de confusões e formas híbridas. Num estudo com falantes poliglotas (cf. Koch 2017) um italiano atesta este problema respondendo à quest-o que variedade do português fala: (1) Eh, non lo so, perché i miei amici brasiliani mi dicono che parlo portoghese europeo, mentre dei portoghesi mi dicono che ho l’accento brasiliano, quindi credo che non parli nessuno dei due termini. 10 Com estas reflecções ambíguas sobre a possibilidade de desenvolver competências em duas (ou mais) variedades diatópicas do português passamos agora à análise de dois manuais que talvez ofereçam um caminho construtivo além da perceç-o somente anedótica da diversidade linguística. 4 Análise comparativa dos manuais Olá Portugal! e Beleza! A editora Klett - uma das maiores editoras alem-s para livros escolares - dispõe de dois manuais paralelos no seu programa nacional 11 que se dirigem a adultos principiantes de português em universidades e escolas superiores populares ( Volkshochschulen ) assim como - também por falta de material específico - a adolescentes em colégios. Estes s-o o manual Beleza! (Prata 2010) para o PB e o manual Olá Portugal! (Prata / Silva 2011a) para o PE. Ambos os manuais foram renovados em versões amplamente modificadas como Beleza! neu (Prata 2016a) e Olá Portugal! neu (Boléo / Prata / Silva 2017a). 12 Na análise que segue trabalhamos com estas versões novas 13 , compostas de um livro do curso ( Kursbuch ) e um livro de exercícios ( Übungsbuch ) o que indicaremos com as siglas seguintes: 10 Traduç-o: Eh, n-o sei, porque os meus amigos brasileiros me dizem que falo português europeu, enquanto alguns portugueses me dizem que tenho o acento brasileiro, ent-o eu acho que n-o falo nenhuma das duas variedades. 11 A editora também é distribuidora para edições internacionais de Portugal e do Brasil na Alemanha. As edições nacionais distinguem-se pela sua orientaç-o contrastiva para germanofalantes. 12 Estes nomes estranhos com o epíteto em alem-o neu (‘novo’) explicam-se pelo plano da editora de renovar todo o programa de manuais em novo layout. Poder-se-ia pensar que o manual Oi, Brasil! (Sommer / Weidmann 2009) seria a vers-o paralela de Olá Portugal! Porém, trata-se de uma obra da editora competidora Hueber. 13 A ideia da integraç-o contínua da outra variedade já provém das primeiras edições e por isso também mencionamos pontualmente exemplos das velhas versões onde estes oferecem aspetos adicionais. Sem indicaç-o diferente as designações Olá Portugal! e Beleza! sempre se referem às novas edições. <?page no="108"?> PE com PB e PB com PE? 109 Sigla Livro Fonte OP-C Olá Portugal! neu - livro do curso Boléo / Prata / Silva (2017a) OP-E Olá Portugal! neu - livro de exercícios Boléo / Prata / Silva (2017b) B-C Beleza! neu - livro do curso Prata (2016a) B-E Beleza! neu - livro de exercícios Prata (2016b) Tab. 1: O corpus da análise Escolhemos estes manuais porque propõem integrar continuamente a outra variedade-padr-o ao longo do curso. Nos seguintes subcapítulos apresentaremos as particularidades dos dois livros (4.1), uma vis-o geral do conteúdo (4.2) e alguns pontos críticos sobre atividades no entorno da outra variedade (4.3) com o fim de comparar depois a abordagem de aspetos lexicais (4.4) e gramaticais (4.5) e as atividades comunicativas recetivas (4.6) e produtivas (4.7). Como para qualquer análise de manual também vale aqui que um manual n-o é uma reproduç-o de um currículo que sempre pode e deve ser diferente em virtude das decisões didáticas pelos professores e as dinâmicas interativas entre professores e aprendentes. O manual é só um componente do curso que n-o deve nem substituir nem determinar a competência profissional dos atores responsáveis do ensino. 4.1 Particularidades dos manuais para o trabalho com as variedades Ambos os manuais compõem-se de 18 lições, cada uma subdividida em três partes (A, B, C). 14 No livro do curso, a parte C de cada unidade dedica-se explicitamente à outra variedade sempre com o mesmo título: “E no Brasil? ” (OP-C) e “E em Portugal? ” (B-C). A estrutura das lições repete-se no livro de exercícios, mas enquanto a parte C também se chama “E em Portugal? ” em Beleza! (B-E) contendo exercícios para praticar estruturas do PE, esta parte em Olá Portugal! (OP-E) trata os demais espaços lusófonos: 1. Lusofonia, 2. Guiné-Bissau, 3. Macau, 4. Moçambique, 5. Cabo Verde, 6. Angola, 7. S-o Tomé, 8. Timor. 15 Nas seguintes lições há atividades em torno dos mesmos espaços lusófonos. N-o se abordam, 14 Estes paralelos n-o se explicam por casualidade. N-o só é que Maria Prata é (co)autora de ambos os livros, mas também parece ser uma estratégia da editora: possibilitar passar em qualquer momento de um livro ao outro se for necessário (cf. Jodl 2016, 191). 15 Uma inovaç-o da nova vers-o é que o título da parte C de cada liç-o se adapta à regi-o (“E na Guiné-Bissau? , OP-E, 14; “E em Macau, OP-E, 20; etc.). Na primeira ediç-o (Prata / Silva 2011b) esta parte sempre se chamava igual: “Retratos lusófonos”. Em Beleza! n-o há uma secç-o equivalente, mas só uma página temática com “A língua portuguesa no mundo” (B-C, 19). <?page no="109"?> 110 Christian Koch porém, em nenhum momento as variedades diatópicas destas regiões assim que podemos aplicar o termo do “paradoxo” (Reimann 2014, 613) também aqui para caracterizar o interesse pelos espaços culturais lusófonos sem interesse particular pela língua como ‘paradoxo da lusofonia’. Em alguns casos os conteúdos culturais apresentam-se em textos com tarefas para a compreens-o de leitura ( focus on content ). Mas também existem exercícios onde os conteúdos est-o no segundo plano para praticar na verdade estruturas gramaticais ou lexicais do PE ( focus on form ). Por exemplo na apresentaç-o de S-o Tomé (OP-E, 44): (2) Complete com as preposições a , de , com , em ou para ? Mas isso é somente um detalhe possivelmente problemático. O interessante destes manuais é a conceç-o global; apesar de oferecer dois manuais diferentes, um para o PE e um outro para o PB, com títulos que designam precisamente qual é a variedade-alvo, ambos os manuais incluem muitos elementos da outra variedade e - no caso de Olá Portugal! - também se apresentam outros espaços lusófonos. O outro aspeto notável da ideia dos dois manuais é que a abordagem da outra variedade seja coerente e contínua a partir da primeira liç-o até a última. Dessa maneira, a tematizaç-o da outra variedade-padr-o n-o se limita a uma unidade isolada para um momento avançado da aprendizagem, como acontece noutros manuais (cf. Johnen neste volume), mas acompanha o estudo consecutivamente até o nível-alvo de A2. 4.2 Vis-o de conjunto Nas 18 lições dos dois manuais destacam os seguintes conteúdos linguísticos com respeito ao PB em Olá Portugal! e ao PE em Beleza! : Liç-o BP em Olá Portugal! neu EP em Beleza! neu 1 uso de você posiç-o do pronome reflexivo 2ª pessoa do singular ( tu ), presente posiç-o do pronome reflexivo 2 uso de é que 3 - - 4 pronúncia de t trazer em presente ( tu ) 5 pronúncia de m e n ter de + infinitivo ir em presente ( tu ) 6 estar + gerúndio uso de a gente pronúncia de r estar a + infinitivo <?page no="110"?> PE com PB e PB com PE? 111 7 tem em vez de há subir em presente ( tu ) 8 léxico comparativo - 9 grafia do pretérito simples pretérito simples ( tu ) com -ar 10 pretérito simples ( tu ) com outras formas 11 - - 12 pronúncia de q - 13 pronúncia de n e nh pronomes diretos 14 - - 15 pronomes indiretos 16 imperativo negativo ( tu ) 17 futuro e condicional simples ( tu ) 18 pronúncia de au , -o , ei e ai conjuntivo de presente ( tu ) Tab. 2: Os conteúdos linguísticos com respeito à outra variedade Estes s-o temas explicitamente mencionados nos índices (OP-C, 4-9; B-C, 4-9). Pode surpreender que - junto de aspetos convencionais - haja temas n-o verdadeiramente específicos como a pronúncia de alguns grafemas onde n-o parece certo qual seria a particularidade do PB neste caso. Enquanto a pronúncia do PB ocupa uma grande parte da secç-o “E no Brasil? ” em Olá Portugal! , o tema permanente em Beleza! é acrescentar as formas da segunda pessoa do singular. Se aqui aparece a conjugaç-o do imperativo negativo com tu , mas n-o do imperativo positivo, significa que este segundo aspeto se introduz de forma implícita em algum momento do curso. Aos autores de Olá Portugal! tampouco lhes merece abordar explicitamente o uso dos pronomes ele(s) , ela(s) para o objeito direto. Para ver mais detalhadamente que tipos de atividades se aplicam ao longo dos cursos, mencionamos aqui a quantidade de atividades nas secções “E no Brasil? “ e “E em Portugal? ” nos dois manuais, tendo em conta que o livro de exercícios de Olá Portugal! (OP-E) n-o contém nenhuma atividade para praticar o PB. Distinguimos como tipos de atividades segundo os enfoques nas competências comunicativas (compreens-o do oral e de leitura, express-o oral) 16 e nos recursos linguísticos (gramática, léxico, pronúncia, ortografia). Existe ainda um 16 N-o existem tarefas de mediaç-o linguística. As atividades de express-o escritas n-o se contam aqui pelo seu carácter duvidoso o que discutiremos depois (4.3). <?page no="111"?> 112 Christian Koch elemento clássico dos manuais, o texto para ouvir e ler ao mesmo tempo e para ler em voz alta: Atividades OP-C B-C + B-E B-C B-E Texto (ouvir e ler) 3 7 7 - Compreens-o do oral 16 14 14 - Compreens-o de leitura 6 5 4 1 Express-o oral 8 12 10 2 Gramática 5 35 13 22 Léxico 1 5 1 4 Pronúncia 7 - - - Ortografia 1 - - - Total 47 78 49 29 Tab. 3: Quantidades de tipos de atividades em PB respetivamente PE É normal que um livro de exercícios contenha sobretudo atividades formais para a prática individual. Mas parece notável a grande quantidade de exercícios para estudar fenómenos gramaticais do PE no currículo de Beleza! . Excluímos deste cálculo as atividades que est-o dentro das secções “E no Brasil? ” e “E em Portugal? ”, mas que n-o têm a ver com o estudo linguístico da outra variedade. Discutimos estas atividades na seguinte secç-o. 4.3 Atividades no entorno da outra variedade Entre os exercícios e tarefas nas secções “E no Brasil? ” e “E em Portugal? ” existe uma série de atividades onde n-o é evidente por que se encontram estas na secç-o que trata a outra variedade. Em Olá Portugal! há dois exercícios para conjugar verbos sem diferença entre PE e PB (OP-C, 95; 129). O uso do lexema brasileiro ônibus (OP-C, 95) seria a única indicaç-o que aqui se trata de uma atividade no entorno da outra variedade. No outro exercício (OP-C, 129) os aprendentes têm de derivar a formaç-o do particípio passado a base de um texto brasileiro o que mostra uma vez mais que os subcapítulos sobre a outra variedade n-o foram concebidos como elementos facultativos, mas constituem partes integrais do curso. Em Beleza! também encontramos atividades sem perfil especial do PE, por exemplo o exercício “A família de Rita” (B-C, 103) onde há que completar com as designações de parentesco, geralmente usadas no inteiro mundo lusófono. Só a opç-o de ouvir “para conferir” daria depois a impress-o <?page no="112"?> PE com PB e PB com PE? 113 do contexto europeu… Ent-o, por que é que isso pode ser problemático? Como a ideia consiste em dedicar o espaço da parte C de cada liç-o à outra variedade e como em outros momentos se realiza verdadeiramente a abordagem da outra variedade, resulta difícil que várias vezes se tratem aspetos linguísticos sem particularidade diatópica sob a etiqueta de uma variedade diatópica. Assim os cursos arriscam a confus-o quanto à atribuiç-o errada de características ao PB respetivamente ao PE. Nas tarefas mais abertas, que s-o as atividades para falar e escrever, o uso da outra variedade n-o é sempre certo. Em Beleza! há duas tarefas para escrever na secç-o E em Portugal? : (3) Por que é que aprendes português? (B-E, 20) 17 (4) Escreva um pequeno texto e apresente a sua família. (B-E, 68) N-o as mencionámos na tabela 3 porque aparentemente n-o se trata de atividades com enfoque na express-o escrita no PE. Podemos dizer que o tratamento por tu cria o entorno do PE. 18 Também o uso do artigo em “a sua família” poderia ser um indício, menos forte contudo. Mas n-o parece provável que estas tarefas incitem os aprendentes a usar o PE. Noutros momentos, parece haver uma raz-o para o uso do PE graças a um contexto concreto. Uma entrevista da Rádio Universitária de Coimbra para ler e escutar precede esta tarefa (B-C, 129): (5) Prepare uma entrevista com pelo menos 3 perguntas a um estudante africano em Portugal. O seu colega responde às perguntas da perspectiva [sic! ] do estudante. Embora n-o saibamos em que variedade fala o estudante africano, seria óbvio usar o PE nesta entrevista. Porém é duvidoso que os estudantes de PB sejam capazes de mudar de variedade numa atividade que quanto à complexidade corresponde à dificuldade das tarefas que se exigem na mesma liç-o na variedade-alvo do PB. Veremos abaixo outras atividades de express-o oral talvez mais prototípicas para estimular os estudantes do PB falarem no PE e vice-versa (4.7). 17 Esta tarefa segue uma atividade oral mais formalizada no livro do curso (B-C, 33) onde as razões para aprender português já est-o dadas: “ter família no Porto”, “visitar a Ilha de Madeira”, “trabalhar na Escola Alem- em Lisboa”, “viver no Algarve”, “passar férias em Portugal”. Uma nota polémica a estes argumentos: se fossem estes os verdadeiros motivos dos estudantes, n-o deveriam trabalhar com o manual Beleza! . Mas existe a atividade invertida (“Por que você aprende português? ”) também em Olá Portugal! (OP-C, 33): “trabalhar no Brasil”, “fazer um cruzeiro no Rio Amazonas”, “estudar numa universidade brasileira”, “passar o carnaval no Rio de Janeiro”, visitar os meus amigos brasileiros”. 18 É notável que o tratamento por tu e você n-o seja coerente na secç-o de E em Portugal? do manual Beleza! como já vemos nos exemplos citados (3) e (4). <?page no="113"?> 114 Christian Koch 4.4 Léxico O léxico é um campo amplo quanto à distinç-o entre PE e PB. Em grandes partes, o tratamento do léxico realiza-se de forma indireta através do índice de vocabulário onde na parte C de cada liç-o se acumulam palavras indicadas como brasileiras respetivamente europeias. Há uma confrontaç-o direta para o vocabulário de tráfico em Olá Portugal! (OP-C, 77): (6) Como se diz no Brasil? Descubra as correspondências. As palavras brasileiras s-o bonde , fazer baldeaç-o , metrô , ônibus , parada , pedágio , pegar , rotatória , trem , trevo . Encontra-se uma atividade paralela no livro de exercício de Beleza! (B-E, 50): (7) Meios de transporte. Encontre abaixo [num caça-palavras] alguns meios de transporte e alguns verbos. N-o se conservou na nova ediç-o um exercício de Prata / Silva (2011a, 49) que resumia alguns lexemas frequentes. Também desapareceu um exercício sobre lexemas brasileiros para roupa e cores que consistia em ‘traduzir’ frases inteiras do PB ao PE (Prata / Silva 2011a, 127): (8) Escreva como um português/ uma portuguesa diz as seguintes frases. No conjunto, as atividades e sistematizações contrastivas para o léxico n-o s-o numerosas. O argumento pode ser que a prática do léxico se integra melhor em atividades comunicativas, sobretudo naquelas de forma recetiva assim que as simples tabelas de vocabulário, que ainda existiam com maior frequência nas primeiras edições, foram substituídas por atividades de valor mais alto. 4.5 Gramática Enquanto em Olá Portugal! a gramática do PB só ocupa pequenas partes, o estudo sistemático da gramática europeia forma um elemento essencial no curso de Beleza! . Como já apresentámos as temáticas gramaticais na tabela 2 (4.2), seja suficiente aqui mencionar alguns detalhes. Em Olá Portugal! a abordagem do PB é uma ocasi-o para introduzir o gerúndio através da forma de estar + gerúndio (cf. OP-C, 59; 85) dado que nos níveis A1 e A2 n-o se estudam as estruturas sintáticas e perífrases mais complexas onde também no PE se usa o gerúndio. Em Beleza! - como já vimos - a formaç-o da segunda pessoa do singular ( tu ) em diferentes tempos e modos ocupa uma grande parte das atividades com enfoque em gramática pretendendo que os aprendentes do PB dominem ativamente esta forma, por exemplo (B-E, 62): <?page no="114"?> PE com PB e PB com PE? 115 (9) Faça as perguntas com a forma tu. O outro tema de grande importância s-o os pronomes pessoais de objeto direto e indireto. Os aprendentes do BP também deveriam conhecer e aplicar os pronomes o(s) , a(s) e lhe(s) na língua escrita. Aqui a abordagem do PE é a ocasi-o para introduzir e praticar essas formas também em contextos menos formais, por exemplo (B-E, 92): (10) Substitua as palavras em cursivo pelo respetivo pronome de objeto indireto e reescreva as frases. Quanto à posiç-o dos pronomes conforme as normas europeias (incluindo também o pronome reflexivo), o primeiro contato já se produz ao início para explicar a ordem de palavras em Como te chamas? - Chamo-me… (B-C, 17). As diferentes regras do PE para colocar os pronomes corretamente n-o se praticam em Beleza! , mas s-o mencionadas duas vezes mais (B-C, 121; 137) e explicadas de maneira mais detalhada no resumo gramatical (B-C, 184sq.). Disso podemos deduzir que o currículo de Beleza! n-o intenciona determinar que os aprendentes dominem as regras do PE, mas lhes dá a possibilidade de as estudar no interior do livro. 4.6 Compreens-o do oral e de leitura Argumentámos que as competências recetivas têm a maior relevância na abordagem de variedades diatópicas na aula. Enquanto os aprendentes podem comunicar de forma mais ou menos entendível falando só uma variedade-padr-o, esses n-o podem evitar que outras pessoas falem de uma maneira bem diferente. Neste sentido os dois manuais Olá Portugal! e Beleza! têm sem dúvida um grande potencial graças à conceç-o da tematizaç-o contínua da outra variedade-padr-o. O amplo material áudio 19 acompanha cada unidade sobre o PB respetivamente o PE, tanto para escutar a leitura dos textos imprimidos por falantes nativos como em verdadeiras atividades de compreens-o do oral sem acesso ao texto escrito e - no caso de Olá Portugal! - também para ouvir a pronúncia de alguns sons em palavras isoladas (OP-C, 33; 43; 51; 59; 111; 121; 163). Ao longo do curso os aprendentes em ambos cursos têm a possibilidade de se habituar às diferentes falas do Brasil e de Portugal. As atividades para a pronúncia bem como a leitura dos textos em voz alta (cf. os exemplos 11 e 12) inicia também a prática ativa da articulaç-o da outra variedade, ainda sem produç-o ativa: (11) Lesen Sie nun mit verteilten Rollen. 20 (OP-C, 33) (12) Ouça e leia em pares. (B-C, 129) 19 Os livros n-o s-o disponíveis sem o material áudio. 20 Traduç-o: Agora leia(m) com papéis distribuídos. <?page no="115"?> 116 Christian Koch As tarefas para a compreens-o de leitura - ou seja textos escritos autênticos sem áudio - aparecem nas lições superiores e completam com as suas temáticas situadas no Brasil respetivamente em Portugal a vista sobre o outro grande espaço lusófono. 4.7 Express-o oral Depois de notar que a intenç-o principal da abordagem da outra variedade-padr-o é o fomento das competências recetivas (4.6) e que a express-o escrita n-o forma seriamente parte dos dois manuais (4.3), fica a quest-o em que sentido se pratica falar o PB em Olá Portugal! e o PE em Beleza! . No exemplo (5) vimos uma tarefa que implica o uso do PE, mas onde n-o sabemos se isto é realizável. Tanto como na express-o escrita há uma certa liberdade na quest-o em que variedade falar. Porém, existem tarefas com verdadeira obrigaç-o a usar estruturas de uma variedade. Estas s-o sobretudo atividades nas primeiras lições (1 a 6). É a prática de diálogos básicos para a apresentaç-o recíproca. Em Olá Portugal! há modelos para se tratar com você e para usar a gente (OP-C, 59): (13) Modelo: A gente queria viajar para o Havaí e surfar o ano inteiro, mas a gente n-o pode. Em Beleza! é de novo o tratamento com tu (B-E, 56): (14) Ande pela sala e pergunte aos colegas sobre as atividades das últimas férias. Use o tu. Além do uso dos pronomes n-o se concretiza nestas atividades até que ponto seria preciso falar na outra variedade. Há a ideia de uma iniciaç-o para falar no PB e no PE em pequenas conversações básicas. Porém, os manuais n-o perseguem o objetivo de estabelecer uma progress-o e perfeiç-o na fala das duas variedades. Isso dá a liberdade aos professores e aos aprendentes no grau de desenvolver uma competência ativa na segunda variedade diatópica. 5 Resumo da análise e conclus-o Olá Portugal! e Beleza! s-o dois manuais interessantes quanto à abordagem de PE e PB num único curso. Através da integraç-o do tema em todas as lições resulta uma forte presença da diferença linguística entre Portugal e o Brasil e um desenvolvimento progressivo na segunda variedade, pelo menos de forma recetiva. Quanto aos conteúdos linguísticos, a abordagem do PB em Olá Portugal! parece mais anedótica em comparaç-o com Beleza! onde alguns aspetos gramaticais do PE se introduzem de forma mais sistemática. <?page no="116"?> PE com PB e PB com PE? 117 Portanto, podemos levantar a hipótese que a quest-o do ensino das duas variedades PE e PB com uma variedade principal e a outra secundária n-o é comutável (PE com PB ≠ PB com PE). Aprender e ensinar o PE com PB implica transmitir impressões do PB e praticar sobretudo a compreens-o do oral. Vice- -versa - no ensino do PB com PE - n-o só importa a prática da compreens-o do oral, mas também o estudo de estruturas gramaticais do PE dado que estas continuam servindo como modelo para registos elevados do PB. As atividades dos dois manuais analisados v-o por um bom caminho para desenvolver competências na outra variedade diatópica. Poder-se-iam acrescentar tarefas de mediaç-o entre as variedades; por exemplo situações com um brasileiro e um falante de PE (talvez n-o materno) que n-o compreende o PB com a necessidade de mediar entre as variedades. Como pontos críticos dos manuais, destacámos a confus-o do tratamento com você e tu em Beleza! assim como em geral, a irrelevância dos aspetos linguísticos em algumas atividades nas secções “E no Brasil? ” e “E em Portugal? ”. Mas para o último ponto temos de enfatizar que aqui n-o só importam os aspetos linguísticos, mas também a riqueza cultural do mundo lusófono que se transmite igualmente naquelas atividades. Andrade, Mário de. 1978 [1928]. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter . Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos. Berschin, Benno H. 2016. “Romanische Mehrsprachigkeit: Spanisch nur Brücke? Oder auch Relais? ”, in: Ferran Robles i Sabater / Daniel Reimann / Raúl Sánchez Prieto (ed.): Sprachdidaktik Spanisch - Deutsch. Forschungen an der Schnittstelle von Linguistik und Fremdsprachendidaktik . Tübingen: Narr Francke Attempto, 127-138. Boléo, Maria Jo-o Manso / Prata, Maria / Silva, Alexandra Fonseca da. 2017a. Olá Portugal! neu A1-A2. Portugiesisch für Anfänger. Kursbuch mit MP3-CD . Stuttgart: Klett. Boléo, Maria Jo-o Manso / Prata, Maria / Silva, Alexandra Fonseca da. 2017b. Olá Portugal! neu A1-A2. Portugiesisch für Anfänger. Übungsbuch mit Audios . Stuttgart: Klett. 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Prata, Maria / Silva, Alexandra Fonseca da. 2011b. Olá Portugal! Portugiesisch für Anfänger. Übungsbuch . Stuttgart: Klett. <?page no="118"?> PE com PB e PB com PE? 119 Reimann, Daniel. 2014. “Diatopische Varietäten des Französischen, Minderheitensprachen und Bilinguismus im transkulturellen Fremdsprachenunterricht”, in: id.: Transkulturelle kommunikative Kompetenz in den romanischen Sprachen. Theorie und Praxis eines neokommunikativen und kulturell bildenden Französisch-, Spanisch-, Italienisch- und Portugiesischunterrichts . Stuttgart: ibidem, 613-657. Reimann, Daniel. 2016. Sprachmittlung . Tübingen: Narr Francke Attempto. Reimann, Daniel. 2017. “Rezeptive Varietätenkompetenz: Modellierung einer Teilkompetenz zwischen funktionaler kommunikativer Kompetenz und Sprachbewusstheit”, in: Leitzke-Ungerer / Polzin-Haumann 2017, 69-95. Sommer, Nair Nagamine / Weidmann, Odete Nagamine. 2009. Oi, Brasil! Der Kurs für brasilianisches Portugiesisch. Kursbuch. Ismaning: Hueber. 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Durante o seu percurso de aprendizagem, que pode ir de 3 a 5 anos, os alunos s-o confrontados de várias formas com as diversas variedades da língua portuguesa. Com base no currículo escolar de Bade-Vurtemberga (Estado federal do sudoeste da Alemanha) para o ensino de português como 3ª língua estrangeira, os alunos v-o aprendendo ao longo do tempo algumas diferenças mais frequentes entre a pronúncia, o vocabulário e a gramática do português europeu e do português do Brasil. Além disso v-o progressivamente adquirindo conhecimentos básicos sobre as culturas e sociedades dos vários países de língua portuguesa. Uma tarefa só possível através do uso regular de diversos materiais didáticos que possam trazer para dentro da sala de aula um pouco da cultura dos diversos falantes do mundo lusófono. O acesso às variedades da língua é também facilitado quando os alunos têm a possibilidade de aprender a língua alternadamente com professores de língua materna de Portugal e do Brasil ou quando têm colegas na escola falantes de português oriundos de vários países lusófonos. Poder participar em excursões a Portugal ou viagens de intercâmbio com o Brasil ou Portugal ou até mesmo participar em projetos escolares relacionados com o tema Português - uma língua, várias culturas , s-o outras formas de desenvolver <?page no="121"?> 122 Leonor Paula Santos uma competência intercultural que tem em conta a variaç-o geográfica da língua portuguesa. Os materiais e atividades aqui apresentados e que têm vindo a ser desenvolvidos ao longo de vários anos de ensino nas aulas de PLE s-o também acompanhados de algumas reflecções. No entanto n-o será fornecida uma análise suficientemente abrangente de todo o trabalho feito e possível nesta área. Entende-se aqui como variedade ou variante da língua um conjunto de elementos “formado pelos usos característicos (pronúncia, léxico, sintaxe) de uma determinada comunidade, consoante variáveis geográficas, sociais ou outras” (DPLP 2008-2013, “variedade”), o que se reflete também na cultura duma comunidade. 2 Os objetivos do ensino de Português como Língua Estrangeira em Baden-Vurtemberga 1 O currículo escolar em vigor desde 2016 para o ensino básico e secundário do liceu ( Gymnasium ) no estado de Bade-Vurtemberga, sudoeste da Alemanha, no qual se baseiam as atividades e materiais aqui apresentados e desenvolvidos para as aulas de PLE, tem como principais objetivos: • transmitir aos alunos competências linguísticas para comunicar em português em espaços lusófonos na Europa, na África e no Brasil, • transmitir conhecimentos sociais e culturais sobre Portugal, o Brasil e outros países lusófonos, • sensibilizar os alunos para diferentes formas de viver, diferentes ideias e valores, • promover a competência intercultural. • atingir o nível B1+ do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas ao fim de 3 anos letivos (8°, 9°, 10°) com 4 horas semanais e o nível B2 no final do 12° na maioria das competências. No centro do ensino de línguas em geral e também de PLE está o desenvolvimento da competência intercultural que deverá ser promovida através de várias atividades produtivas, criativas assim como através do uso progressivo de textos autênticos, materiais auditivos e visuais (imagens, filmes). Promover a competência intercultural, atualmente um dos principais objetivos no ensino de línguas estrangeiras, é no meu entender mais que promover uma competência comunicativa por ser também uma competência social de bas- 1 Para o currículo escolar cf. Ministerium für Kultus, Jugend und Sport Baden-Württemberg 2016. <?page no="122"?> Sugestões práticas para a integraç-o das variedades nas aulas de PLE 123 tante relevância que prepara os alunos “para interagirem com pessoas de outras culturas, pode levá-los a compreendê-las e aceitá-las e ajuda-os, ainda, a aceitar que interagir com elas é uma experiência enriquecedora.” (Bizarro 2012, 119). Neste contexto a variaç-o geográfica da língua portuguesa pode ser vista como um elemento excelente para desenvolver a competência intercultural. 3 A interculturalidade e a polifonia na sala de aula Mesmo que nem sempre seja evidente, cada aluno traz já consigo um conceito de língua e cultura em geral e também da sua própria língua e cultura em particular, quando começa a aprender português, de modo que a integraç-o de todos esses conceitos é sempre de novo um desafio para cada grupo e seu professor. No entanto, quando os alunos, independentemente da sua origem, sentem que podem falar da sua própria cultura e se sentem bem integrados, há também maior abertura e recetividade para a língua portuguesa com todas as suas variedades. Daí a necessidade do desenvolvimento da competência intercultural, que pode ser considerada uma das bases fundamentais o funcionamento de uma comunicaç-o com sucesso valorizando todas as variedades da língua e respetivas culturas tornando-as um fator relevante no processo de aprendizagem. Um aluno que foi conhecendo ao longo das aulas de português como língua estrangeira algumas das caraterísticas mais marcantes de diversas variedades da língua portuguesa, terá no fim do curso um conceito da língua muito diferente daquele que só teve acesso a uma variante da língua. Prova disso s-o os resultados obtidos de uma tarefa dada aos alunos no final do 11° ou seja no final do 4° ano de português em que tinham de refletir o conceito da língua portuguesa formado ao longo de 4 anos de aprendizagem para responder à quest-o: Como é a Língua Portuguesa? Imagina que a língua portuguesa é uma pessoa e carateriza-a. Sou grande, sou feliz, pobre e rico, cheio de vida musical e muito conheciso. Tenho na bagagem ma lingua falada em muitos países Sou cheio de variedades Sou a língua portuguesa (Aluno do) 11° <?page no="123"?> 124 Leonor Paula Santos Tanto a imagem como o verso descrevendo a “personagem” criada pelo aluno revelam sem dúvida um vasto conceito da língua portuguesa. É sem dúvida uma mais-valia quando se pode recorrer na sala de aula a alunos presentes que podem servir como exemplo, sempre que se pretende destacar a polifonia da língua portuguesa. Apesar de no nosso caso concreto a maioria dos alunos ter o alem-o como língua materna, acontece existir frequentemente um ou outro aluno que já passou algum tempo em Portugal ou no Brasil ou tem o português como língua de herança. Sendo o professor por exemplo falante do português europeu pode assim pedir ao aluno para pronunciar certas palavras no português do Brasil ou vice-versa. A preocupaç-o de que a polifonia possa ser mais um fator de confus-o do que uma mais-valia é um argumento muitas vezes apresentado, mas que pode ser ultrapassado se as variedades forem trabalhadas de forma consciente e organizada. Isso acontece naturalmente, quando o professor, que serve como modelo linguístico para os alunos sobretudo no início da aprendizagem, está suficientemente sensibilizado para a quest-o da polifonia e a considera um fator integrante do processo de aprendizagem e um fator fomentador da interculturalidade. A partir daí o professor pode introduzir na sua planificaç-o anual a tematizaç-o de conteúdos sobre vários países lusófonos e contrastar as variedades no momento que achar mais oportuno. Quando existem numa escola professores de língua portuguesa que representam diferentes variedades do português, pode até organizar-se o ensino de forma que os alunos possam ter aulas sucessivamente com vários professores e tenham assim acesso direto à polifonia do português. Depois de algum tempo de transiç-o os alunos acabam sempre por se adaptar às variedades da língua. Mas adquirir um conceito de polifonia n-o pode ser só aprender uma lista de palavras de sons diferentes. É preciso saber relacionar a estrutura da língua com conhecimentos sobre os países e suas culturas. Por isso optámos por integrar progressivamente no plano de conteúdos temas sobre os diversos países da língua portuguesa, o que também é fundamentado através do manual que escolhemos ( Olá Portugal! neu ; Boléo / Prata / Silva 2017) e em particular através do projeto Os países da lusofonia no 10° ano. No 11° e no 12° os alunos aprofundam e alargam ainda mais os seus conhecimentos socioculturais sobre a lusofonia. 4 As primeiras lições de PLE Um aluno que decidiu voluntariamente ir à descoberta do mundo lusófono e está no início da sua viagem, quer aprender a comunicar em português o mais depressa possível, quer conhecer a vida das pessoas e a suas formas de viver, os <?page no="124"?> Sugestões práticas para a integraç-o das variedades nas aulas de PLE 125 hábitos típicos e diferentes dos seus, os locais onde moram, em suma entrar em contacto com o mundo lusófono. Além de recorrer a meios de ensino que favoreçam uma comunicaç-o interativa na sala de aula o professor necessita também de materiais autênticos representativos da cultura e da vida quotidiana das pessoas nos diversos países de língua portuguesa, tal como a música, imagens, filmes ou pequenos objetos. A escolha de um manual de PLE que satisfaça todas essas exigências é sem dúvida tarefa difícil e seja qual for a escolha, quase sempre significa que o professor terá de recorrer ainda a outros meios além do manual uma vez que o mercado de manuais de PLE neste momento existentes no mercado n-o satizfaz suficientemente os objetivos linguísticos e socioculturais de um currículo escolar comparável com o de Bade Vurtemberga. E tendo em conta que o manual é uma ferramenta importante para que o aluno possa perseguir os estudos de PLE motivado e de forma autónoma é necessário que o manual forneça um conjunto de materiais bem estruturados e de acordo com os objetivos escolares. Por exemplo o trabalho de vocabulário que é essencial para o progresso do aluno: os manuais de PLE têm fornecido até agora pouco apoio, tanto para introduzir como praticar. Faltam quase sempre listas de vocabulário por tópicos ou por liç-o e traduzidas na língua do aluno. Apesar de n-o satisfazer em todos os aspetos o manual agora em uso para os níveis A1 e A2 (QCER), Olá Portugal! neu, permite um trabalho contrastivo entre as variedades do português europeu e o português do Brasil. No final de cada liç-o s-o apresentados pequenos diálogos relacionados com o tema da liç-o, que podem ser usados de várias formas. É possível contrastar textos apresentados para analisar algumas diferenças entre o português do Brasil (PB) e o português europeu (PE). Por exemplo um diálogo de apresentaç-o pessoal pode servir para tematizar as diferenças nas formas de tratamento ou seja o uso de você no Brasil quando em Portugal se diz tu ou a colocaç-o do pronome pessoal antes e depois do verbo em me chamo (PB) e chamo-me (PE). <?page no="125"?> 126 Leonor Paula Santos Exemplos de diálogos possíveis para a tarefa C.3 na 1ª liç-o do manual Olá Portugal! neu (Boléo / Prata / Silva 2017, 17): 2 Em Portugal Olá, tudo bem? Eu sou a Marta. Como é que te chamas? Eu chamo-me Daniela. Olá! Boa tarde, Luís. Como estás? Bem, obrigado, e tu André? Tudo bem. Luís, esta é a Lena. Lena, este é o meu amigo Luís. Muito prazer. Tudo bem? Tudo ótimo. Bem-vinda a Portugal! No Brasil Boa tarde, dona Letícia. Boa tarde, Paulo. Como vai? Bem, obrigada. Dona Letícia este é o meu amigo Muito prazer. De onde você é? Sou do Rio de Janeiro. Como você se chama? Me chamo Carlos. Você é do Rio? N-o sou n-o, sou de Florianópolis. 5 Exercícios de pronúncia As palavras da primeira liç-o s-o também indicadas para sensibilizar logo de início para as variedades na pronúncia entre o português do Brasil e o português de Portugal, como se pode ver nos exemplos que se seguem. No entanto o professor pode achar mais oportuno tematizar estas variedades mais tarde e n-o logo no início quando o aluno ainda está a dar os primeiros passos na pronúncia da língua. Em Portugal Bom dia [d] Boa tarde [d] Boa noite [t] Brasil [il] Papel [il] No Brasil Bom dia [dʒ] j como no inglês jingle Boa tarde [dʒ] j como no inglês jingle Boa noite [tʃ] Brasil [iu] Papel [eu] 6 Trabalho de Vocabulário Alguns dos temas das primeiras lições abrangem áreas de vocabulário onde se podem verificar algumas diferenças entre as variedades da língua portuguesa. É esse o caso por exemplo quando se fala de vestuário . Tratando-se aqui de uma área de vocabulário básico será útil transmitir ao aluno as diferenças e acrescentá-las à lista de palavras que o aluno deve conhecer. As variedades da 2 Cf. os diálogos modelos em C.1a da 1ª e C.1b da 2ª liç-o (Boléo / Prata / Silva 2017, 17+25). <?page no="126"?> Sugestões práticas para a integraç-o das variedades nas aulas de PLE 127 língua s-o assim enquadradas no contexto temático da liç-o, de modo que o aluno poderá ir alargando o vocabulário básico de forma sistemática. S-o aqui apresentadas maioritariamente as diferenças entre o Brasil e Portugal mas as variedades de países africanos n-o se devem excluir, por exemplo quando se fala de transportes, de refeições e outros temas frequentes do dia-a-dia. E como as palavras s-o também agentes culturais sempre que se introduzem variedades da língua o aluno quererá saber se o marrom será mesmo igual ao castanho e quais s-o as diferenças entre o mata-bicho em Angola o pequeno-almoço em Portugal e o café da manh- no Brasil. Aqui o professor terá a oportunidade de esclarecer sobre eventuais diferenças culturais. Na loja da roupa Tarefa: Completa a lista. Português (PE) Português (PB) Alem-o marrom a camisa de dormir das Nachthemd a camisola, o pulôver der Pullover a t-shirt a camiseta o fato o terno listrado gestreift o gabinete de provas o provador Em casa a casa de banho a geladeira der Kühlschrank Transportes o ônibus der Bus o comboio o trem Refeições o pequeno-almoço o café da manh- das Frühstück <?page no="127"?> 128 Leonor Paula Santos Tarefa: Relaciona as palavras. PALOPs 1. machimbombo (Ang.) 2. mata-bicho (Ang./ Guiné/ Moç./ S.Tomé) 3. guito (Ang./ e em Portugal) 4. capulana (PALOPs) 5. chapa (Moç.) 6. bué (Ang./ e jovens em Portugal) Portugal 1. lenço africano 2. pequeno-almoço 3. autocarro 4. muito 5. dinheiro 6. carrinha 7 Os sons musicais da lusofonia Existem já alguns cartazes bem ilustrativos da diversidade cultural do mundo lusófono por exemplo o cartaz Português no mundo - sons da Lusofonia 3 . Neste caso destaca-se em particular a diversidade musical da lusofonia com pequenos textos informativos e imagens relacionadas a músicas tradicionais de vários países de língua portuguesa. Aqui uma possível seleç-o de músicas para desenvolver o trabalho com o cartaz acima mencionado ou outro semelhante: Portugal Mariza: Fado da minha terra Raquel Tavares: Meu amor de longe Brasil Chico Buarque: A Banda Toquinho: Aquarela Angola Angola Tropical Show: O Santo desconfia Anselmo Ralph: Tu és a única mulher Moçambique Mingas & Orchestra Marrabenta Star de Moçambique: Elisa Gomara Saia Cabo Verde Cesária Évora: Sodade Assol Garcia: Bejo furtado Guiné Herdeiros di Gumbe: Vizinha Macau Bastiana: Tradicional Macau 3 O cartaz W640488 pode-se pedir de forma gratuita por: kundenservice@klett-sprachen.de. Material adicional: www.klett-sprachen.de/ download/ 4598/ A08099%2D52894002%5Fola %5FPortugal%5FKopiervorlagen%5Fzum%5FPoster%5FEB.pdf. <?page no="128"?> Sugestões práticas para a integraç-o das variedades nas aulas de PLE 129 O uso do cartaz pode ser adaptado progressivamente ao nível do grupo, tendo no início um caráter mais ilustrativo que pode servir por exemplo para aprender os nomes dos vários países de língua portuguesa e de alguns instrumentos musicais típicos e mais tarde pode servir para uma análise mais profunda de músicas tradicionais. Enquanto no início os alunos s-o apenas confrontados com canções e consegue identificar poucas palavras, aos poucos v-o ficando a conhecer vários estilos musicais. A apresentaç-o de canções dos vários países de língua portuguesa nas aulas pode considerar-se uma das formas mais efetivas e motivadoras para transmitir a diversidade cultural da lusofonia. Além disso trabalhar com canções nas aulas permite o desenvolvimento de vários tipos de competências e exercícios. Aqui um exemplo de uma canç-o muito popular no Brasil, que pode servir para introduzir o gerúndio , uma estrutura gramatical bastante caraterística do português do Brasil, que enquadrada num contexto musical facilitará a sua memorizaç-o. Além disso pode-se também treinar a compreens-o do oral e dar a conhecer um pouco da música e cultura brasileira. Tarefas: Escuta a canç-o e completa com as palavras que faltam. Indica as formas verbais das palavras que preencheste. Toquinho: Aquarela Entre as nuvens vem surgindo um lindo avi-o rosa e grená Tudo em volta colorindo, com suas luzes a piscar Basta imaginar e ele está partindo, sereno e lindo E se a gente quiser ele vai pousar Mas a música pode valer por si própria e ser objeto de pesquisa por exemplo para grupos intermédios. Sendo os festivais de música principalmente no ver-o um dos grandes polos de atraç-o para jovens em Portugal este é um tema que desperta interesse também entre jovens de outras nações. A seguinte tarefa em que os alunos têm de investigar sobre vários festivais de música em Portugal poderia ser um exemplo para uma atividade nesta área. <?page no="129"?> 130 Leonor Paula Santos Tarefa: Pesquisa na internet sobre estes festivais de ver-o e prepara uma pequena apresentaç-o sobre o tema. • Quando s-o? - Qual é o local onde v-o decorrer? • Que tipo de música representam? - Mais informações? Esta pesquisa individual além de dar a conhecer os interesses musicais mais populares em Portugal, permite ao aluno entrar diretamente em contato com a atualidade em língua portuguesa através das novas tecnologias, o que o pode motivar a pesquisar também outros temas em língua portuguesa. 8 Festas e Tradições: Os Santos Populares em Portugal e as Festas Juninas no Brasil Os Santos Populares festejam-se em Portugal com muita música e alegria e também no Brasil onde s-o conhecidos como Festas Juninas. A leitura de textos sobre estas festas e tradições assim como a apresentaç-o e análise de canções portuguesas e brasileiras demonstra de forma evidente as variedades culturais existentes no mundo lusófono ao mesmo tempo que chama a atenç-o para as semelhanças e convida a uma pesquisa das origens (ver exemplo). Comparar festas brasileiras e angolanas, como por exemplo o carnaval, seria mais um exemplo entre muitos outros possíveis para mostrar a interligaç-o entre festividades e tradições culturais. <?page no="130"?> Sugestões práticas para a integraç-o das variedades nas aulas de PLE 131 Os Santos Populares em Portugal Dok3.png S-o Jo-o bonito (Marcha Popular) S-o Jo-o santo bonito, bem bonito que ele é Bem bonito que ele é Com os seus caracóis de oiro, e o seu cordeirinho ao pé E o seu cordeirinho ao pé N-o há nenhum assim, pelo menos para mim Nem mesmo S-o José Santo António já se acabou O S-o Pedro está-se acabar S-o Jo-o, S-o Jo-o Dá cá um bal-o Para eu brincar As Festas Juninas no Brasil Dok4.png Capelinha de Mel-o ( Jo-o de Barros/ Adalberto Ribeiro) Capelinha de Mel-o é de S-o Jo-o. É de Cravo é de Rosa é de Manjeric-o. S-o Jo-o está dormindo, n-o me ouve n-o. Acordai, acordai, acordai, Jo-o. Atirei rosas pelo caminho. A ventania veio e levou. Tu me fizeste com seus espinhos uma coroa de flor. 9 Filmes e documentários O uso de material audiovisual, por exemplo filmes de cinema, documentários e outros s-o mais uma possibilidade para apresentar e tratar as variedades da língua portuguesa. A combinaç-o de sons e imagens consegue levar à sala de aula um pouco mais do mundo real que apenas um manual. No entanto a simples apresentaç-o n-o será o suficiente para que se desenvolvam competências interculturais que exigem do aluno alguma aptid-o para agir em situações reais que v-o além do consumo de meios audiovisuais. O trabalho com estes meios audiovisuais é portanto uma combinaç-o de várias atividades a desenvolver na sala de aula que promovem a interaç-o entre os alunos. 9.1 O filme Rio O filme Rio , de 2011, dobrado em português é um bom exemplo para dar a conhecer ao aluno o português do Brasil e de Portugal de forma lúdica e divertida, uma vez que cada uma das duas araras protagonistas no filme representa uma variante do português, n-o só pela sua forma de falar mas também pelo seu comportamento e o seu caráter, que corresponde a muitos estereótipos que se dizem de portugueses e brasileiros. O filme passa-se principalmente na cidade <?page no="131"?> 132 Leonor Paula Santos do Rio de Janeiro mostrando muito da vida atribulada desta grande cidade cheia de contrastes. Uma vez que a maioria dos alunos já deverá conhecer o filme o professor poderá optar por escolher apenas algumas cenas e analisar aí as principais caraterísticas linguísticas e culturais. Conforme o grau de exigência da análise que se pretende, este trabalho poderá ser feito por alunos de vários níveis. Tanto será indicado para mergulhar na língua portuguesa e dar a conhecer a sonoridade das variantes do português do Brasil e do português de Portugal a um grupo de iniciados como com uma análise mais profunda das variantes com grupos intermédios. 9.2 O documentário Vidas em português Outro exemplo indicado para mostrar e desenvolver trabalhos sobre a variedade cultural e linguística da língua portuguesa nas aulas de PLE é o documentário de Vítor Lopes Vidas em português . Este documentário de linguagem simples retrata o dia-a-dia de alguns falantes da língua portuguesa de vários extratos sociais em países diferentes. Todos no filme falam português, mas vivem vidas diferentes. As seguintes tarefas representam apenas uma sugest-o de trabalho, entre muitas outras possíveis. Pretende-se principalmente uma aproximaç-o às variedades culturais e sociais do mundo lusófono e incentivar o debate sobre motivos e consequências das disparidades sociais. A variedade linguística é tematizada mas n-o o principal foco de análise. <?page no="132"?> Sugestões práticas para a integraç-o das variedades nas aulas de PLE 133 Tarefas: 1. 1. Resume brevemente o conteúdo do extrato da reportagem. As seguintes perguntas podem ajudar-te: • Quais s-o os locais? • Quem s-o as pessoas? • Como s-o os seus modos de vida? • Qual é a sua história, o seu trabalho ou ocupaç-o? • Quais s-o as suas preocupações, os seus objetivos, as suas perspetivas? • Quais s-o os casos em que a língua falada é mais difícil de entender? Explica possíveis motivos. 2. 2. Discute em grupo os contrastes apresentados. As seguintes perguntas podem ajudar-te: • Quais poder-o ser os motivos para vidas t-o diferentes? • Quais poder-o ser as consequências destes contrastes para a sociedade? 3. 3. Discute soluções para melhorar as condições de vida dos mais desfavorecidos e ultrapassar as disparidades sociais. 9.3 Cinema em língua portuguesa O cinema com toda a sua expressividade cultural representa uma fonte inspiradora para dar a conhecer as culturas do mundo lusófono. Mesmo numa atualidade marcada pelo cinema de Hollywood parece-me essencial integrar também nas aulas de PLE a grande variedade da cultura cinematográfica da lusofonia que transmite muito sobre as diversas formas de viver nas diversas culturas de língua portuguesa. A seleç-o de filmes aqui apresentada fez parte de um projeto em que os alunos do 11° e 12° ano tinham como tarefa um trabalho de grupo sobre um filme de língua portuguesa. Os alunos escolheram um filme da lista, fizeram alguma pesquisa através dos dados fornecidos, viram em casa o filme ou o trailer do filme, fizeram um cartaz com informações (conteúdo, cenário, personagens / atores, etc.) e comentários e depois apresentaram o filme nas aulas em português. Todos ficaram surpreendidos com a grande variedade de filmes apresentada. País Título do filme Trailer / comentário 1 Portugal Os gatos n-o têm vertigens Um filme de António-Pedro Vasconcelos www.youtube.com/ watch? v=rwrXfGsxUb0 A vida num bairro de Lisboa <?page no="133"?> 134 Leonor Paula Santos País Título do filme Trailer / comentário 2 Portugal Gelo Um filme de Luís &Gonçalo Galv-o Teles www.youtube.com/ watch? v=b7a51-8FinE Encontrar o futuro quando se procura o passado 3 Portugal Sei lá Um filme de Joaquim Leit-o www.youtube.com/ watch? v=Ou8otxAOZFI Paix-o e mistério - romance - histórias de mulheres 4 Brasil Trash - o Lixo www.youtube.com/ watch? v=MqK0QhthLYM Crianças da rua descobrem mistério - Thriller 5 Brasil Uma história de Amor e fúria www.youtube.com/ watch? v=e8pzqnvV4AY A história do Brasil em banda desenhada 6 Brasil Birdwatchers www.youtube.com/ watch? v=6Gj-2qoydaQ Indígenas e fazendeiros lutando pela terra 7 Angola O herói Um filme de Zé Gamboa www.youtube.com/ watch? v=bTJYyOcpkMI A vida em Luanda depois da guerra civil 8 Moçambique Yvone Kane www.youtube.com/ watch? v=PW8k_367awo À procura do passado 9 Moçambique Terra Sonâmbola www.youtube.com/ watch? v=zro5Hwpw0yQ Os fantasmas da guerra e a vida depois dela 10 Cabo Verde O testamento do Sr. Napumoceno www.youtube.com/ watch? v=Rq_mX3FZFy4 Filme completo (ver 20 min. a partir do início) <?page no="134"?> Sugestões práticas para a integraç-o das variedades nas aulas de PLE 135 País Título do filme Trailer / comentário Extra USA/ Portugal Blindness - Ensaio sobre a cegueira Filme baseado no romance de José Saramago Ensaio sobre a cegueira www.youtube.com/ watch? v=6wyj1V-aKVc 10 Contos literários nas aulas de PLE A leitura de textos literários até mesmo de nível mais elementar contribui de forma significante para o desenvolvimento de várias competências comunicativas, desde a aquisiç-o de vocabulário e estruturas gramaticais à compreens-o de leitura, ao desenvolvimento da express-o oral e escrita, mas também transmitindo conhecimentos culturais e sociais que ajudam a refletir a língua, neste caso a língua portuguesa. Considerando que a leitura de obras literárias demasiado extensas se torna cada vez mais difícil de concretizar nas aulas de PLE, recorrer a contos em língua portuguesa revelou-se uma soluç-o adequada para o trabalho com textos literários a todos os níveis. Além disso podem-se assim ler mais textos de diversos autores. Os exemplos aqui mencionados destinam-se principalmente a níveis mais avançados e s-o contos de autores de língua portuguesa de vários países que de alguma forma se podem relacionar com o tema Partir ou Ficar . A leitura e análise dos contos realiza-se ao longo do 11° e 12° ano e é principalmente ligada ao tema da emigraç-o, mas n-o só. 1. Maria Judite Carvalho: A vida e o sonho 2. Manuel da Fonseca: Campaniça 3. José Rodrigues Miguéis: Arroz do Céu 4. Moacyr Scliar: Porto, ponte, vida 5. Domingos Monteiro: O Regresso 6. Moacyr Scliar: No Retiro da Figueira 7. Carlos Drummond de Andrade: Beira-Rio 8. Mia Couto: A Avó, a cidade e o Conto 9. Miguel Torga: Fronteira 10. Miguel Torga: O Regresso A introduç-o de cada conto implica sempre algum trabalho por parte do professor para dar a conhecer o contexto da história de modo que o aluno possa mais <?page no="135"?> 136 Leonor Paula Santos facilmente entender os cenários que ir-o surgir. Para isso podem ser apresentadas imagens, podem-se descrever situações que antecipam acontecimentos do conto ou informar sobre determinados aspetos geográficos e culturais, como por exemplo sobre a paisagem alentejana e o coro alentejano, partes integrantes do conto Campaniça . Esta preparaç-o da leitura é fundamental para a compreens-o do texto a tratar. Eventuais variedades linguísticas de algumas regiões dever-o também ser tematizadas, sobretudo durante os exercícios de compreens-o de leitura e de vocabulário. Na fase de análise e interpretaç-o há muitas vezes espaço para tarefas de escrita criativa em que os alunos devem por exemplo ir ao encontro das personagens desenvolvendo outros pontos de vista que os seus. Mudar de perspetiva ou pôr-se no lugar de alguém que vive em condições muito diferentes permite uma aproximaç-o bastante intensa às mais diversas variedades culturais e sociais de algum canto do mundo lusófono. Bizarro, Rosa. 2012. “Língua e Cultura no ensino do PLE/ PLS: reflexões e exemplos”, in: Linguarum Arena , 3, 117-131. Boléo, Maria Jo-o Manso / Prata, Maria / Silva, Alexandra Fonseca da. 2017. Olá Portugal! neu A1-A2: Portugiesisch für Anfänger. Kursbuch mit MP3-CD . Stuttgart: Klett. DPLP (= Dicionário Priberam da Língua Portuguesa ). 2008-2013. Em linha: www.priberam.pt/ dlpo/ . Ministerium für Kultus, Jugend und Sport Baden-Württemberg. 2016. Bildungsplan Gymnasium. Portugiesisch als dritte Fremdsprache-- Profilfach . Em linha: www. bildungsplaene-bw.de/ site/ bildungsplan/ get/ documents/ lsbw/ export-pdf/ depot-pdf/ ALLG/ BP2016BW_ALLG_GYM_PORT3.p df. <?page no="136"?> PE e PB - duas variedades em diálogo Contributos para a compreens-o do oral em PLNM/ PLE Teresa Bag-o 1 Introduç-o - alguns lugares do Português A árvore desta língua tem pássaros pousados […] para poderem levar consigo a beleza desta língua até ao fim do mundo, pois mesmo nesse lugar há-de haver quem a fale. (Letria 2007, 23) O Português é uma língua policêntrica, apresentando diferentes variedades nos espaços dos países de express-o portuguesa, segundo Duarte, duas das quais est-o estabilizadas e possuem regras reconhecidas e descritas em linguística (Duarte 2016, 208). A quest-o inerente a esse estatuto de policentrismo surge como pertinente, quando colocada ao nível do ensino-aprendizagem da língua portuguesa como língua segunda ou língua estrangeira. 1 1 N-o se pretende, no âmbito deste trabalho, aprofundar a distinç-o entre os conceitos de Língua Estrangeira (LE), Língua Segunda (LS ou L2) ou Língua de Herança (LH). Considerarei apenas o português como Língua N-o Materna (PLNM), o nome da disciplina que se leciona na escola pública em Portugal, de acordo com a designaç-o utilizada nos documentos oficiais do Ministério da Educaç-o - Direç-o-Geral de Educaç-o. Consequentemente, reportando-se a um contexto de imers-o, o PLNM pode ser uma L2 ou L3 para os aprendentes, cujos perfis linguísticos s-o explicitados no documento Português Língua N-o Materna no Currículo Nacional. Orientações nacionais: Perfis linguísticos da populaç-o escolar que frequenta as escolas portuguesas , da autoria de Isabel Leiria, Maria <?page no="137"?> 138 Teresa Bag-o Na verdade, as inquietações enunciadas e explicitadas pela professora e investigadora Isabel Duarte, no artigo indicado, s-o da maior pertinência e merecem uma atenta reflex-o, em conformidade com a proposta da secç-o 12, “Variedades do Português no ensino secundário e superior”, que integra o 12.º Congresso Alem-o de Lusitanistas. Duarte esclarece as circunstâncias que envolvem a problematizaç-o: a variedade do Português que os docentes de PLE dominam e que está na base da sua lecionaç-o, os locais de aprendizagem, o perfil e os objetivos dos estudantes, a criaç-o de atividades que concretizem o confronto das duas variedades (Duarte 2016, 208); elenca, igualmente, as razões que justificam a presença e o ensino da língua portuguesa em termos globais, nos quatro cantos do mundo (idem, 211sq.), o que justifica a abordagem do tema das variedades e do seu ensino. Subscrevo, igualmente, o princípio orientador definido pela Professora da FLUP, ao defender que “the wisest approach in these cases is for the teacher to teach their variety of origin (or, if they are foreigners, the variety they learned at school” (idem, 209). Imperativo é n-o misturar as suas gramáticas na oralidade e na escrita, bem como optar pela lecionaç-o da norma-padr-o do PE ou do PB, visto que o objetivo específico é o ensino da língua (Peres / Móia 1995). 2 Os documentos e atividades de compreens-o do oral cuja exploraç-o proponho têm por base a prática letiva de lecionaç-o da disciplina de Português Língua N-o Materna (PLNM), do sistema nacional de ensino básico e secundário em Portugal, sendo, no entanto, uma abordagem que pode ter traduç-o, na sua aplicabilidade didática, no ensino-aprendizagem de Português como Língua Estrangeira/ L2, independentemente da variedade a ser veiculada em sala de aula. Deste modo, se bem que desenvolvidas num espaço em que o Português Europeu é a L1, creio que facilmente se adequar-o a outros contextos. Farei uma breve contextualizaç-o alusiva à disciplina de Português, no currículo nacional, concentrando-me posteriormente na disciplina de PLNM, designaç-o que se associa à L2 3 , segundo Leiria / Queiroga / Soares (s. d., 4sq.). A comunicaç-o que apresento nesta secç-o prende-se, efetivamente, com questões de teor pedagógico-didático. Para além da referência a características variacionais do Português Europeu e do Português do Brasil, que possibilitem o Jo-o Queiroga e Nuno Verdial Soares (s. d., 6). Os autores identificam “cinco grandes grupos que, no que à língua portuguesa respeita, requerem atitudes diferentes por parte da escola”. Ver também, sobre o assunto, documentaç-o, legislaç-o e recursos disponíveis em www.dge.mec.pt/ portugues-lingua-nao-materna. 2 Peres e Móia (1995) apresentam razões justificativas para a opç-o pela norma padr-o, neste contexto escolar, que valerá a pena revisitar, pela sua pertinência. 3 Note-se que, nos documentos oficiais, a designaç-o “Português Língua Segunda” se refere unicamente à Linguagem Portuguesa para Surdos. <?page no="138"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 139 enquadramento do tema, o principal objetivo desta comunicaç-o será de caráter prático, no sentido de apresentar um conjunto de materiais autênticos que potenciem a integraç-o das duas variedades - Português Europeu (PE) e Português Brasileiro (PB) - num contexto de ensino-aprendizagem de competências de compreens-o do oral. No que diz respeito aos materiais didáticos, reitero a importância da utilizaç-o de documentos orais autênticos (na linha das reflexões de Tomlinson 2009; Thorn 2012; s. d.; Mishan 2005; Gilmore 2007; Field 2008; Calsamiglia Blancafort / Tusón Valls 2002; Duarte 2016; entre outros 4 ), de modo a garantir que os aprendentes consigam gerir textos autênticos com vozes de falantes nativos, quer se trate do oral espontâneo, do oral informal, formal ou semi-formal, bem como de excertos de filmes ou de músicas. Para concretizar este objetivo, o professor de línguas necessita de desenvolver materiais e tarefas adequados ao nível de proficiência do seu público-alvo. Desta forma, a partir da seleç-o de documentos orais onde se evidenciam ambas as variedades, num contexto escolar em que a variaç-o deve ser considerada, o objetivo da exploraç-o efetuada pelo professor será torná-las inteligíveis para os aprendentes de português LNM, de modo a contribuir para o desenvolvimento de uma consciência linguística do Português ao nível da oralidade, capacitador do domínio da língua ao nível da compreens-o do oral. 2 Ensinar a variaç-o no currículo nacional português 2.1 O Dicionário Terminológico O documento orientador da abordagem gramatical, no currículo nacional em Portugal dos ensinos básico e secundário, é o Dicionário Terminológico (DT) 5 , no qual s-o apresentadas algumas definições a ter em conta na secç-o “A. Língua, comunidade linguística, variaç-o e mudança/ A.2. Variaç-o e normalizaç-o linguística”. Transcrevo as definições que este documento disponibiliza, relativamente aos conceitos em foco, por se tratar da orientaç-o que vai informar os jovens alunos portugueses ou estrangeiros que integram o sistema de ensino: A.2.1. Variaç-o - Propriedade que as línguas têm de se diferenciarem em funç-o da geografia, da sociedade e do tempo, dando origem a variantes e a variedades linguísticas 4 Estes autores estiveram na base da fundamentaç-o teórica do relatório de estágio (tese) de minha autoria (Bag-o 2014). Para uma vers-o simplificada cf. Bag-o (2016). 5 Disponível em http: / / dt.dge.mec.pt. <?page no="139"?> 140 Teresa Bag-o Variedades geográficas - Diferentes formas que uma mesma língua assume ao longo da sua extens-o territorial. A estas variedades chama-se também “dialetos regionais” ou, simplesmente, “dialetos”. Variedades do português - Resultado linguístico da história de Portugal: da independência no século XII, da Reconquista terminada no século XIII, da expans-o extra-europeia a partir do século XV e do esforço colonizador em África, na América e na Ásia durante toda a Idade Moderna. Ao longo desta história, a populaç-o de língua materna portuguesa entrou em contacto com falantes de outras línguas e daí resultaram diferentes variedades do português: variedade europeia, variedades africanas e variedade brasileira. Variedade europeia - Português falado em Portugal continental e nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, dividido dialetalmente em dois grandes grupos (setentrional e centro-meridional) e aceitando a variedade de Lisboa como língua padr-o. Variedade brasileira - Português falado no Brasil, sujeito a uma variaç-o geográfica que separa, sobretudo, os estados do litoral acima do estado da Bahia (inclusive) dos que est-o abaixo. Variedades africanas - Português falado em África. O português de Angola (só o de Luanda) e o de Moçambique s-o as duas variedades africanas de língua portuguesa que têm sido alvo de descriç-o e, portanto, as únicas sobre as quais se podem fazer afirmações. A.2.2. Normalizaç-o linguística - Resultado do processo segundo o qual uma variedade social e/ ou geográfica, convertida em língua padr-o, se torna num meio público de comunicaç-o: a escola e os meios de comunicaç-o passam a controlar a observância da sua gramática, da sua pronúncia e da sua ortografia. A língua padr-o em Portugal, aquela que a escola, a televis-o, a rádio e os jornais difundem, é a variedade de Lisboa. Há algumas décadas, conservado ainda o prestígio ancestral da Universidade de Coimbra, considerava-se que a língua padr-o era a variedade de um eixo imaginário Lisboa-Coimbra. Língua padr-o - Variedade social de uma língua (falada e escrita) que foi legitimada historicamente enquanto meio de comunicaç-o entre os falantes da classe média e da classe alta de uma comunidade linguística. É sinónimo de norma padr-o. ( Dicionário Terminológico ) Em relaç-o ao crioulo, integra-se na parte “A.3. Contacto de Línguas”. 6 6 “Crioulo - Língua natural de formaç-o rápida, que nasce de uma situaç-o de contacto linguístico e se forma pela adoç-o de um pidgin como língua materna, processo necessariamente acompanhado da expans-o e complexificaç-o do pidgin. Os crioulos nascem da necessidade de express-o e comunicaç-o plena entre sujeitos falantes inseridos em comunidades multilingues relativamente estáveis. Crioulos de base lexical portuguesa - Crioulos originados pelo contacto entre falantes portugueses e falantes de línguas n-o europeias e formados ao longo dos primeiros séculos da expans-o portuguesa para fora da Europa. Classificam-se segundo critérios político-geográficos: Crioulos Africanos <?page no="140"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 141 2.2 Os programas oficiais de Português Os programas oficiais do ensino público português deixam patente a presença das variedades do Português no mundo. Assim, nos programas do 3.º Ciclo, o assunto é objeto de estudo sobretudo no último ano de escolaridade do ciclo, no capítulo da Oralidade e da Leitura, com a designaç-o “Variaç-o da língua - Plano fonológico, lexical e sintático; Contextos históricos [exclusivo da leitura] e geográficos”. Para os 8.º e 9.º anos, na oralidade corresponde às metas 6.1. e 6.2. e, na leitura, às metas 12.1 e 12.2. No 9.º ano - leitura -, lê-se a referência “Plano fonológico, lexical e sintático (identificaç-o); contextos históricos e geográficos (distinç-o)” (Buescu et al. 2015, 32-35). No que diz respeito às metas curriculares de Português, podemos ler o seguinte, no capítulo “Domínios de Referência, Objetivos e Descritores de Desempenho” (ibid., 79sq., 85): 6. Reconhecer a variaç-o da língua. 1. Identificar, em textos orais, a variaç-o nos planos fonológico, lexical e sintático. 2. Distinguir contextos geográficos em que ocorrem diferentes variedades do português. 12. Reconhecer a variaç-o da língua. 1. Identificar, em textos escritos, a variaç-o nos planos lexical e sintático. 2. Distinguir contextos históricos e geográficos em que ocorrem diferentes variedades do português. Os manuais costumam associar estes conteúdos ao estudo obrigatório de textos de autores brasileiros, angolanos (um texto de José Eduardo Agualusa) ou moçambicanos, consignados naquele documento como leitura obrigatória, na secç-o “Educaç-o Literária”: Mia Couto e Jorge Amado, no 8.º ano; Machado de Assis, Clarice Lispector, José Mauro de Vasconcelos e o poema “Receita de ano novo” de Carlos Drummond de Andrade, no 9.º ano (ibid., 98, 100sq.). Professores e alunos encontram nos manuais e nos cadernos de atividades fichas de apoio que explicitam o tema da Variaç-o e Mudança. Por conseguinte, de acordo com as propostas dos autores dos diversos manuais existentes no da Alta Guiné (de Cabo Verde, da Guiné-Bissau e de Casamansa), Crioulos Africanos do Golfo da Guiné (de S. Tomé, Príncipe e Ano Bom), Crioulos Indo-Portugueses da Índia e Indo-Portugueses do Sri-Lanka, Crioulos Malaio-Portugueses, Crioulos Sino-Portugueses. Na América, o Papiamento de Curaçau, Aruba e Bonaire tem base portuguesa e castelhana e o Saramacano do Suriname, de base inglesa, tem também influência do léxico português.” ( Dicionário Terminológico ) <?page no="141"?> 142 Teresa Bag-o mercado editorial, apresentam-se diversas atividades e distintos documentos áudio e vídeo, em suporte digital, para abordar estes conteúdos. Em relaç-o ao Ensino Secundário (10.º, 11.º e 12.º anos), na introduç-o do programa atual, encontramos uma indicaç-o muito genérica (Buescu et al. 2014, 9): No que diz respeito ao domínio da Gramática, é objetivo deste Programa que os alunos consolidem conhecimentos no plano da Sintaxe e realizem um percurso coerente e sustentado no plano da Formaç-o, Mudança e Variaç-o da Língua, no da Semântica e no da Análise do Discurso e Linguística Textual. A parte relativa a Mudança e Variaç-o é unicamente referida no 10.º ano, acompanhando o estudo da Lírica Trovadoresca, de Fern-o Lopes e da Farsa de Inês Pereira , de Gil Vicente (ibid., 16) 1. O português: génese, variaç-o e mudança (…) 1.4. Geografia do português no mundo a) português europeu e português n-o europeu 7 ; b) principais crioulos de base portuguesa. Neste nível de ensino, o conteúdo é encarado sobretudo teoricamente, ou n-o lhe fosse associada a proposta de atribuiç-o de apenas um tempo letivo, ou seja, de uma aula (ibid., 35). Também neste caso, os manuais escolares disponibilizam fichas de sistematizaç-o. 2.3 E o Português Língua N-o Materna? Os autores dos documentos orientadores de Português Língua N-o Materna, abreviada como PLNM, distinguem os alunos brasileiros que integram o sistema de ensino público nacional dos alunos de outras nacionalidades. Nesse caso, est-o integrados no perfil 1, “Alunos para quem o PE ou o PB sempre foi língua materna, língua de comunicaç-o com os seus pares e foi sempre a língua da escola e da família”. Coerentemente, para os alunos brasileiros, torna-se necessário ao professor estar atento à variedade/ norma de língua que o aluno domina (Leiria, Queiroga e Soares s. d., 9): Os professores em geral, e os professores de português em particular, devem dispor de informaç-o que lhes permita distinguir, nesses alunos, o que s-o características próprias de uma correta apropriaç-o da variedade de referência do PB, logo t-o legítimas e respeitáveis como as manifestações do padr-o PE, e o que s-o desvios em relaç-o a essa variedade de referência, que como tal seriam objeto de correç-o em qualquer 7 Cumprirá ao professor explicitar esta referência com base no que o Dicionário Terminológico especifica ou noutros materiais didáticos de que disponha, incluindo o manual adotado. <?page no="142"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 143 escola brasileira. Os professores devem ainda saber distinguir claramente entre factos da língua e factos da ortografia. Para isso, devem conhecer as convenções ortográficas do PB, de modo a, caso o aluno tenha iniciado a sua escolaridade no Brasil, poderem identificar os erros cometidos em relaç-o a estas regras. E, evidentemente, a n-o penalizarem os alunos pelo escrupuloso cumprimento dessas mesmas regras. É esta atitude de respeito pela diversidade linguística e cultural dos alunos que se espera da escola portuguesa, em vez de tentativas mais ou menos assumidas de forçar a integraç-o destes alunos na norma portuguesa, em nome de uma inexistente uniformidade lusófona ou de hábitos centralizadores e uniformizadores que apenas faziam sentido no passado. Isto n-o significa, no entanto, que, em resultado da imers-o linguística em que se encontram, os alunos de origem brasileira n-o venham, com o tempo e no seu tempo, a adquirir a norma-padr-o do PE e a integrar-se pelos seus próprios meios. Para abordar o conceito de norma e variaç-o, em PLNM, o sítio oficial da Direç-o-Geral da Educaç-o - Ministério da Educaç-o disponibiliza um outro documento sobre Norma e variaç-o . Entre outros aspetos, reitera-se o lado arbitrário da “convenç-o social” que é a norma, bem como a existência de duas normas- -padr-o em português, a fim de perceber que a escolarizaç-o destaca a variedade considerada de prestígio do PE e do PB. 8 Os alunos de outras nacionalidades, correspondentes aos outros quatro perfis, n-o obstante terem a sua escolarizaç-o assente no PE, nas aulas de PLNM dever-o contactar n-o só com variantes dialetais do território nacional, mas também com o PB, de modo a conhecê-lo e a distingui-lo. Na verdade, tanto na aula de Português como na de PLNM, está em causa um conhecimento sumário da express-o da nossa língua no mundo. Porém, sobretudo para os alunos estrangeiros, está em causa a minimizaç-o de alguma estranheza face às variedades e à otimizaç-o das suas competências comunicativas. De facto, no documento “Norma e Variaç-o”, disponível online, pode ler-se (s.a. 2011): Cabe à escola fazer com que o aluno conheça e reconheça diferentes manifestações que a língua pode ter, condicionadas por fatores geográficos, sociais e discursivos, e saiba adequar o modo como escreve e fala a diferentes situações comunicativas. Cabe à escola promover a tolerância linguística, contribuindo para a diminuiç-o da exclus-o social. Cabe à escola fazer com que o aluno domine as normas linguísticas que lhe permitir-o adaptar-se a diferentes situações sociais e profissionais. 8 S.a. 2011. Norma e variaç-o. Unidade e diversidade . Lisboa: FCSH-UNL/ Ministério da Educaç-o. <?page no="143"?> 144 Teresa Bag-o Ao efetuar uma breve análise de manuais escolares que se destinam a PLE/ PLNM, verifica-se que o tema da lusofonia e da polifonia da Língua Portuguesa n-o merece especial atenç-o da parte dos autores, exceto num deles, que destaca aspetos das culturas dos países de express-o portuguesa. Assim, em Falas Português? B2 (Porto Editora), o professor encontra aspetos relativos à cultura destes países, com base na leitura de textos literários; conta apenas com três gravações áudio com falantes dos Açores, Viana do Castelo e Alentejo (falantes seniores), exemplificando variaç-o diatópica (lamentavelmente, devo dizer, sem qualquer referência à proveniência dos registos ou contexto de gravaç-o). O manual Na onda do Português 2. B1 (Lidel), adotado na escola onde leciono, abre com um mapa que remete diretamente para o Português no mundo. No manual Na onda do Português 3. B2 , a Unidade 3 é inteiramente dedicada aos países lusófonos, se bem que somente com destaque para aspetos culturais; os textos para compreens-o do oral s-o lidos por falantes adultos portugueses, de acordo com a norma-padr-o de Lisboa. Por conseguinte, neste brevíssimo rastreio, nota-se que estes manuais n-o disponibilizam documentos autênticos que permitam aos alunos e aos professores abordar as especificidades das variedades do Português no mundo, com a finalidade de desenvolverem atividades de compreens-o oral. No que diz respeito a gramáticas direcionadas para aprendentes de PLE, destaco dois exemplos de gramáticas em inglês que podem ser um ponto de referência para a abordagem de ambas as variedades, na medida em que observam com clareza as variantes PE e PB. Deste modo, Hutchinson e Lloyd (1996) dedicam a Parte III da gramática a “Brazilian Variants” e a aspetos que se diferenciam do PE, nomeadamente, sete classes de palavras, questões de pronúncia e grafia, e um amplo leque de competências discursivas/ funcionais (domínio da pragmática). Por seu turno, Ganho e McGovern (2004) mencionam as variantes imediatamente no capítulo introdutório: “the Portuguese language today”, com secções referentes a África, Brasil, Portugal e “other speakers”; seguem-se vários “Linguistic registers and regional variants”, onde, em termos de compreens-o oral (mas apenas com transcriç-o), podemos ler três diálogos que mimetizam o registo oral informal/ conversacional (“conversations between family and friends”), cada um deles seguido de uma análise que coloca em evidência idiomatismos, pronúncia, vocabulário/ glossário, elementos lexicais próprios de variantes regionais, sintaxe do oral, situações de uso e alguns tópicos culturais. Seria inte- <?page no="144"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 145 ressante e produtivo vertê-los para um texto oral com vozes de falantes nativos adequadas às variantes exemplificadas. 9 3 Breve sistematizaç-o das diferenças entre PE e PB Concentro-me, agora, na recapitulaç-o das principais diferenças que individualizam a norma do PE e PB, a partir da liç-o de investigadores conceituados nesta área (Duarte 2016; Wittmann / Pêgo / Santos 1995; Mateus 2002). Porém, antes de passar à matéria teórica, n-o podemos esquecer a forma como Manuel Alegre as enuncia poeticamente, na sua comunicaç-o tantas vezes citada 10 , “Uma língua e diferentes culturas” (Alegre 2003): Somos diferentes na mesma língua. Uma língua em que as vogais n-o têm todas a mesma cor. O A de Craveirinha n-o tem a cor do A de Sophia, o E de Jo-o Cabral de Melo Neto n-o é o de Ramos Rosa, o O dos angolanos Rui Duarte de Carvalho e Manuel Rui n-o é o de Cursino Fortes nem o de Eugénio de Andrade. N-o falo sequer da cor das vogais portuguesas a certas horas na Foz de Arelho, que é a minha praia. Direi apenas que nenhuma é branca. E em todas, desde Camões até Camilo Pessanha, há sempre um tom de verde que é o tom do Atlântico. Para já n-o entrar nas consoantes que, em Portugal, como se sabe, assobiam, na África cantam e no Brasil dançam. Temos uma língua com vogais multicolores e consoantes sibilantes, ondeantes e até serpenteantes. Num extenso texto em prosa poética, ilustrado por Susana Lemos, sobre a história da Língua Portuguesa e a forma como sulcou os sete mares, nas caravelas e naus quinhentistas, poema esse destinado a um público leitor infanto-juvenil, também José Jorge Letria (2007, 21, 24) pondera as diferenças, neste trecho: É uma língua que se veste de baiana no Brasil, ganhando feitiços de som em Angola e Moçambique e novos significados lá para as bandas de Timor. É uma língua que ajudou a fazer o comércio e a guerra, 9 S-o três exemplos: para o Português europeu, “At the train station of Santa Apolónia, in Lisbon”, conversa entre amigos, a Sílvia é do Porto, a Cristina e o Rodrigo s-o de Lisboa; para o Português brasileiro, “At the mall” e “On the road” (Goiânia) (Ganho e McGovern 2004, 4-14). N-o obstante, nas Partes I e II, os autores deixam patente a observaç-o de ambas as variantes na totalidade da obra: “subscript capital B indicates a Brazilian variant which can be found in Part III” (ibid., ix). 10 Comunicaç-o apresentada em Madrid, no quadro do Programa Cultural da Expolíngua, em março de 2003. <?page no="145"?> 146 Teresa Bag-o mas que hoje prefere usar os verbos da paz. ( ) É uma língua t-o amena que no Brasil abre as vogais e em Portugal as fecha, sem nunca fechar em si outra coisa que n-o seja a alma que lhe enche a voz. Reitero a brevidade da sistematizaç-o aqui enunciada, n-o esquecendo a enunciaç-o metafórica de Maria Helena Mira Mateus, que nos alerta para esses “perigosos caminhos da caracterizaç-o de variedades do Português”, sabendo que “na variaç-o tudo é fluido e fugaz, como a vida de resto” (Mateus 2002, 4). Com as devidas cautelas, percorramos esse caminho já trilhado por outros, no que diz respeito às diferenças entre as duas variantes. Ao nível da Morfologia e Sintaxe: ordem na oraç-o - posiç-o enclítica (SVO/ SOV) - clíticos; ordem na frase interrogativa; reduç-o de estruturas negativas; determinante artigo possessivo com/ sem determinante artigo definido; usos de ter , fazer e haver ; perífrase verbal (com infinitivo/ gerúndio); regência preposicional; dupla negativa; formas participiais. Em termos de Fonética: fechamento/ abertura de vogais átonas; / t/ e / d/ africadas; / s/ em posiç-o de final de palavra; / l/ em posiç-o de final de sílaba; variaç-o de / r/ em final de palavra; sequência de consoantes. Ao nível do Léxico: derivaç-o, ortografia e contrastes absolutos. Por último, em relaç-o à Pragmática: formas de tratamento. 4 Para compreens-o do oral: proposta e sistematizaç-o de documentos autênticos A fim de evidenciar as marcas distintivas do PE e do PB ao nível da oralidade, apresento uma seleç-o de documentos orais retirados da Internet, portanto, n-o se trata de gravações áudio próprias. Os documentos selecionados s-o do domínio público: músicas de artistas contemporâneos, conversas da plataforma do Audio-Lingua e do LingQ, e ainda do sítio “Say it in Portuguese” 11. O nível de proficiência será, globalmente, o B1-B2. 11 Em contactos via email mantidos com a criadora e dinamizadora do sítio “Say it in portuguese - expressões e provérbios do Português”, Dra. Cristina Água-Mel, pude compreender melhor as circunstâncias que se prendem com a conceç-o desta plataforma, que disponibiliza documentos orais pertinentes para a sala de aula e para o estudo autónomo da oralidade de PLE. Deste modo, esclarece a autora, a ideia da criaç-o surgiu “da abso- <?page no="146"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 147 Como elementos identificativos e orientadores de exploraç-o didática, para cada documento, registam-se o título original, fonte/ link, duraç-o, variedades do Português, número de intervenientes, tipologia textual de base, situaç-o comunicativa, registo (formal, informal/ familiar), universos de referência ativados, aspetos gramaticais pertinentes que cada documento oral convoca. No que diz respeito à gramática, para a fonética/ pronúncia, todos os documentos agenciam elementos pertinentes e consignados gramaticalmente. Para o léxico, pensamos no vocabulário (contrastes parciais ou absolutos 12 ), expressões idiomáticas, provérbios. Ao nível da sintaxe, regista-se essencialmente a posiç-o dos clíticos. Alguns documentos permitem, ainda, rastrear elementos associados à pragmática (formas de tratamento, reformuladores do discurso, completadores de frase, fórmulas de transiç-o, tomada de vez…). Como atividades a empreender com cada texto oral propõe-se, globalmente, que se tenha em conta atividades direcionadas para a perceç-o/ discriminaç-o auditiva e audiç-o seletiva (consciência fonológica, no reconhecimento e distinç-o de sons (pronúncia PE/ PB) e identificaç-o de informaç-o específica), conjugada ou n-o com a compreens-o global do texto (tema(s) de destaque, paráfrase da situaç-o de comunicaç-o oral/ conteúdo da música, etc.). O mesmo procedimento remete para as tarefas a desenvolver, que na compreens-o oral contemplam as três etapas de pré-audiç-o, audiç-o e pós-audiç-o. No Quadro 1, enunciam-se alguns exemplos: luta necessidade de expor os estudantes à língua via recursos preparados a pensar em aprendentes de níveis intermédios e/ ou altos”, bem como “de um sentimento de falta de materiais disponíveis online. Para aprendentes de PB há um número cada vez maior de coisas mas para o PE n-o”, portanto, partilhamos a ideia de que há, de facto, “muito pouco áudio” disponibilizado de forma gratuita, com qualidade e com conteúdos pertinentes. A opç-o por utilizar dois falantes das variedades de português PE e PB, nos episódios mais recentes, prende-se com a importância de “expor os aprendentes a todas as variedades para que compreendam os falantes dos vários países onde se fala o Português. Assim pareceu-me interessante convidar um falante nativo de PB para colaborar nos diálogos. Quanto aos falantes n-o nativos, convidei-os porque achei que seria motivador para os outros aprendentes, mas ainda estou a tentar perceber o impacto de tal decis-o.” Os diálogos s-o lidos pela Professora Cristina e por uma “colaboradora brasileira […] do sul do Brasil”. 12 De acordo com a definiç-o de Wittmann / Pêgo / Santos (1995, 11sq.). <?page no="147"?> 148 Teresa Bag-o Etapas da compreens-o do oral Exemplos de atividades pré-audiç-o mobilizaç-o de conhecimento prévio; leitura de um texto com elicitaç-o de sentidos; elicitaç-o de vocabulário; exploraç-o de imagens; confronto de experiências dos alunos sobre os assuntos do texto; … audiç-o (com definiç-o da tarefa associada à audiç-o, explicitada em ficha de trabalho ou noutro suporte) pós-audiç-o texto de opini-o escrito; comentário (oral/ escrito) de uma afirmaç-o ouvida; trabalho de pesquisa sobre os países de express-o portuguesa (geografia, cultura, língua, escritores, artistas, etc.); discuss-o/ debate em torno de questões socioculturais; glossário de expressões idiomáticas; exercícios de gramática que aprofundem as diferenças entre as variedades 13 ; … Quadro 1 - Etapas das atividades de compreens-o do oral Na fase da pós-audiç-o, sobretudo nas situações de ensino-aprendizagem inerentes a PLNM, pode criar-se um momento oportuno para estabelecer uma ponte entre os temas em foco no texto oral e os conteúdos de outras disciplinas do currículo, através de uma atividade de escrita, de produç-o oral espontânea ou de seleç-o e leitura de um texto, numa perspetiva de dinâmica interdisciplinar. Nos cinco textos orais que est-o acompanhados por uma proposta de trabalho, remete-se esse documento para a respetiva Ficha, em anexo. Note-se que, por restrições de espaço, as fichas apenas enunciam tarefas relacionadas com a fase da audiç-o, que pode ser completada com os elementos enunciados no parâmetro “Universos de referência ativados”, tal como se especifica na “Proposta de Documentos Orais para Explorar na sala de aula de PLNM/ PLE”. 13 Encontram-se múltiplos exemplos lexicais no sítio Laifi, que dever-o ser lidos e explicados com o necessário espírito crítico (www.laifi.com/ laifi.php? id_laifi=1007&idC=15273#). <?page no="148"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 149 TÍTULO ORIGINAL Variedades Duraç-o Tip. textual base Situaç-o comunicativa N.º interv. Registo Universos de referência ativados Boss AC & Gabriel O Pensador - "Um Brinde à Amizade" - 2013 PB PE 4’03’’ (música Hip Hop) Encena um diálogo espontâneo entre os dois cantores 2 Informal/ Familiar Amizade Portugal-Brasil = emoções Lusofonia - Língua Portuguesa GRAM.: expressões idiomáticas léxico formas de tratamento Fonte: www.youtube.com/ watch? v=W8jaOQ639ds&list=PLxTgOxKydj7dqPFP3u4JCi_kWnQzPlZgK&index=3 “Sotaques” - O Paraíso s-o os outros - Valter Hugo M-e 14 Leitores/ falantes de todos os países da CPLP e das zonas dos dialetos crioulos de base portuguesa 14’31’’ Texto narrativo (texto literário) Monólogo da narradora, lido por falantes nativos, alternadamente + de 15 Semiformal (infantil/ juvenil) Amor e felicidade Casais Relacionamento interpessoal 14 “Para assinalar o Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP, a Porto Editora aliou-se ao realizador Miguel Gonçalves Mendes na publicaç-o de ‘Sotaques’, um vídeo que celebra a diversidade da língua portuguesa no mundo através da leitura de ‘O Paraíso s-o os outros’, de Valter Hugo M-e. O vídeo foi concebido pelo cineasta, responsável por projetos como José e Pilar e Autografia, e os registos de áudio e vídeo foram efetuados na volta ao mundo que empreendeu durante o ano de gravaç-o de ‘O Sentido da Vida’, o seu novo filme (com estreia prevista <?page no="149"?> 150 Teresa Bag-o TÍTULO ORIGINAL Variedades Duraç-o Tip. textual base Situaç-o comunicativa N.º interv. Registo Universos de referência ativados Fonte: PORTO EDITORA - www.youtube.com/ watch? v=nndGk1Ci2Bo O que é a Lusofonia Ficha 1 PE PB P Angola e Moçambique 5’11’’ Reportagem Conversa e exposiç-o informal 6 Familiar/ Informal Lusofonia - Língua Portuguesa Cultura (países, bandeiras nacionais) GRAM.: express-o de gostos e de opiniões pronúncia/ fonética Fonte: Conex-o Lusófona | www.youtube.com/ watch? v=Yc1Vd1NLLlU Eugénia Melo e Castro e Ney Matogrosso - “O meu chapéu” Ficha 2 PE PB 3’43’’ (música: Bossa Nova) (poema de Maria Alberta Menéres) --- 2 Semiformal (infantil/ juvenil) Imaginaç-o criativa e transformadora do mundo GRAM.: pronúncia/ fonética em 2018). Nesta leitura de ‘O Paraíso s-o os outros’ encontramos pessoas de Cochim, Goa, Dam-o, Diu, Macau e outras, a que mais tarde, e já em Lisboa, se juntaram diferentes sotaques de pessoas provenientes de países africanos de língua portuguesa, de Timor-Leste, do Brasil e várias zonas de Portugal. Numa viagem que reflete a diversidade da nossa língua, os leitores d-o voz ao estilo singular de Valter Hugo M-e e à sua personagem principal, uma menina fascinada pelo amor, que usa a imaginaç-o para antever e descobrir o que é a felicidade. ‘Sotaques’ será cedido gratuitamente ao Museu da Língua Portuguesa, em S-o Paulo, atualmente em obras de reconstruç-o, após o grande incêndio de 2012. No futuro, e no seguimento deste mesmo projeto, será publicado um minidocumentário sobre a forma como as diferentes culturas vivem, no seu quotidiano, a Língua Portuguesa.” (Grupo Porto Editora - Publicado em 4 de maio de 2017) <?page no="150"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 151 TÍTULO ORIGINAL Variedades Duraç-o Tip. textual base Situaç-o comunicativa N.º interv. Registo Universos de referência ativados Fonte: www.youtube.com/ watch? v=zhLPzsD_c5o Chico Buarque - “Construç-o” Ficha 3 PB 6’53’’ Poema* (música pop) --- 1 Formal Quotidiano profissional e afetivo Linguagem literária - recursos expressivos (comparaç-o e metáfora) Questões sociais e históricas GRAM.: sintaxe (clíticos, pretérito imperfeito do conjuntivo) léxico expressões idiomáticas Fonte: www.youtube.com/ watch? v=suia_i5dEZc <?page no="151"?> 152 Teresa Bag-o TÍTULO ORIGINAL Variedades Duraç-o Tip. textual base Situaç-o comunicativa N.º interv. Registo Universos de referência ativados Sim, senhora PE PB 6’52’’ Diálogo Formal 2 Formal [leitura] Begalas e bordões linguísticos em Portugal e no Brasil GRAM.: expressões idiomáticas bordões linguísticos pronúncia/ fonética Fonte: http: / / sayitinportuguese.pt/ site/ index.php/ podcast/ episode-80-sim-senhora Mariana: Ensinar a norma brasileira [na Europa] PB 1’35’’ Diálogo Conversa Interveniente oriunda de Jo-o Pessoa 1 Informal/ Familiar Escola Ensinar português GRAM.: léxico sintaxe expressar opiniões Fonte: www.audio-lingua.eu/ spip.php? article5329 15 15 O sítio está associado, institucionalmente, à Région Académique Île-de-France - Académie de Versailles. Aí, ficamos a saber que “Le site http: / / www.audio-lingua est un site du GEP (Groupe d’expérimentation pédagogique) de l’académie de Versailles. Il propose en particulier des ressources mp3 à écouter en ligne ou à télécharger pour l’entraînement de la compréhension orale.” Para o Português, identificam-se os seguintes responsáveis: Catherine Ferreira-Lopes e Matilde Patriarca, com a contribuiç-o de Fernando Amorim. O Audio-Lingua abre a possibilidade de se propor arquivos no formato mp3, a incluir nos recursos mediante as condições definidas pela equipa. <?page no="152"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 153 TÍTULO ORIGINAL Variedades Duraç-o Tip. textual base Situaç-o comunicativa N.º interv. Registo Universos de referência ativados Rosana, Diego, Vinicius e Felipe: Tu ou Você, no Brasil? PB 1’02’’ Diálogo Conversa espontânea entre amigos Intervenientes oriundos de Recife, Rio, Brasília e Minas Gerais. 4 Informal/ Familiar Regiões do Brasil: estados e cidades GRAM.: léxico sintaxe classes de palavras formas de tratamento Fonte: www.audio-lingua.eu/ spip.php? article4810 Ana conversa com um aprendente canadiano de PLE Ficha 4 PB 10’30’’ Diálogo Conversa espontânea entre duas pessoas (que n-o se conhecem) 2 Informal/ Familiar Família Profiss-o Aprender línguas autonomamente Importância de aprender línguas GRAM.: elicitaç-o/ express-o de gostos e de opiniões reformuladores do discurso oral Fonte: www.lingq.com/ pt/ <?page no="153"?> 154 Teresa Bag-o TÍTULO ORIGINAL Variedades Duraç-o Tip. textual base Situaç-o comunicativa N.º interv. Registo Universos de referência ativados Vanessa, Marianne, Stéphanie e Luciano: como era a nossa escola? Ficha 5 PE PB 3’47’’ Diálogo Conversa espontânea entre amigos 4 Informal/ Familiar A escola: rotinas escolares, turnos e horários, espaços e serviços escolares Sistema educativo português e brasileiro GRAM.: léxico expressões idiomáticas expressar opiniões Fonte: www.audio-lingua.eu/ spip.php? article3242 Café ou padaria? Lugares de convívio no Brasil e em Portugal PE PB 2,45’’ Diálogo Conversa espontânea entre amigos Intervenientes oriundos de: Diana - Porto; Rebecca - Lisboa 4 Informal/ Familiar Espaços de convívio: padaria, restaurante, café Hábitos dos jovens Alimentos e bebidas GRAM.: léxico expressar opiniões regência preposicional <?page no="154"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 155 TÍTULO ORIGINAL Variedades Duraç-o Tip. textual base Situaç-o comunicativa N.º interv. Registo Universos de referência ativados Fonte: www.audio-lingua.eu/ spip.php? article4122 Cursos na Universidade e programa Erasmus PE 10’30’’ Diálogo Conversa espontânea entre dois amigos, Inês e Luís 2 Informal/ Familiar Rotinas de um estudante Cursos e disciplinas no ensino superior Programa Erasmus Contrastes entre Portugal e países/ cidades estrangeiros Profissões GRAM.: elicitaç-o/ express-o de gostos e de opiniões léxico complementadores de frase Fonte: www.lingq.com/ pt/ <?page no="155"?> 156 Teresa Bag-o 5 Reflexões conclusivas O tema deste trabalho assenta num crescente interesse em efetuar uma seleç-o de textos orais para exploraç-o didática. Adicionalmente, a reflex-o sobre as variedades do Português como língua policêntrica permitiu concluir que, em termos de disponibilizaç-o de documentos orais autênticos, é importante selecionar os mais adequados para utilizar em sala de aula. Por outro lado, também se tornou evidente a necessidade de encetar uma pesquisa renovada, mais abrangente, centrada em documentos que contemplem o Português falado em África e em Timor, bem como uma terceira norma nacional, o galego (Wittmann 2001, 954). As propostas aqui apresentadas, suscetíveis de completamento e/ ou de redefiniç-o das suas potencialidades didáticas, relevam da preocupaç-o em selecionar textos orais e em produzir materiais que preencham uma lacuna ao nível do input disponível, de modo a dinamizar atividades de compreens-o oral na aula de PLNM/ PLE, a partir de textos autênticos. Face ao material selecionado e às reflexões produzidas, o que é pertinente destacar nestes documentos orais? A resposta remete para a necessidade de localizar e/ ou produzir textos com vozes de jovens adultos e de adolescentes falantes nativos. Uma segunda quest-o pode, ainda, ser levantada: o que faz falta organizar? Um banco de documentos orais, de diversas proveniências, mas que os disponibilize sem grande dispêndio de tempo na procura. Acima de tudo, um banco de documentos orais que capacite o docente e o aprendente para uma audiç-o orientada, ou seja, para o desenvolvimento de competências de compreens-o/ produç-o oral das variedades e variantes do Português. De facto, esta é uma área complexa - pela sua abrangência, diversidade e exigência - que os manuais n-o conseguem abarcar, ficando ao critério do professor a seleç-o, organizaç-o e exploraç-o de documentos orais que permitam recriar a aula de Português e que autorizem o reconhecimento das múltiplas facetas da nossa fascinante língua policêntrica. Alegre, Manuel. 2003. Uma língua e diferentes culturas . Comunicaç-o apresentada em Madrid, no quadro do Programa Cultural da Expolíngua. Março de 2003 [http: / / teiaportuguesa.tripod.com/ lusografo/ manuelalegreumalingua.htm]. Bag-o, Teresa. 2014. Compreens-o oral em aulas de PLE: contributos para atividades no nível C . Universidade do Porto: Tese de Mestrado [https: / / repositorio-aberto.up.pt/ bitstream/ 10216/ 77491/ 2/ 33572.pdf]. Bag-o, Teresa. 2016. “Compreens-o Oral em Aulas de PLE: Contributos para Atividades no Nível C”, in: Sensos-e , III/ 1 [http: / / sensos-e.ese.ipp.pt/ ? p=11439&lang=fr]. <?page no="156"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 157 Buescu, Helena C. / Maia, Luís C. / Silva, Maria Graciete / Rocha, Maria Regina. 2014. Programa e Metas Curriculares de Português. Ensino Secundário (atualizado). Lisboa: Ministério da Educaç-o e Ciência [http: / / www.dge.mec.pt/ sites/ default/ files/ Secundario/ Documentos/ Documentos_Disciplinas_novo/ programa_metas_curriculares_portugues_secundario.pdf]. Buescu, Helena C. / Morais, José / Rocha, Maria Regina / Magalh-es, Violante F. 2015. Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico . Lisboa: Ministério da Educaç-o e Ciência [http: / / www.dge.mec.pt/ sites/ default/ files/ Basico/ Metas/ Portugues/ pmcpeb_julho_2015.pdf]. Calsamiglia Blancafort, H. / Tusón Valls, A. 2002. Las cosas del decir. Manual del análisis del discurso. Barcelona: Ariel. Duarte, Isabel Margarida. 2016. “Portuguese, a polycentric language: which Portuguese should we teach in Foreign Language Classes? ”, in: Carlos Andrade / Guaraciaba Micheletti / Isabel Seara (ed.): Memory, discourse and technology . S-o Paulo: Terracota, 208-228. Ferreira, Ana Maria Bayan/ Bayan, Helena José. 2011. Na onda do Português 2 (B1) . Lisboa: Lidel. Ferreira, Ana Maria Bayan/ Bayan, Helena José. 2016. Na onda do Português 3 (B2) . Lisboa: Lidel. Field, John. 2008. Listening in the language classroom . Cambridge University Press. Ganho, Ana Sofia / McGovern, Timothy. 2004. Using Portuguese: a guide to contemporary usage . Cambridge: University Press. Gilmore, A. 2007. “Authentic materials and authenticity in foreign language learning”, in: Language Teaching, 40. 97-118. [http: / / journals.cambridge.org/ abstract_S0261444807004144] Hutchinson, Amélia P. / Lloyd, Janet. 1996. Portuguese: An essential grammar . London/ New York: Routledge. Leiria, Isabel / Queiroga, Maria Jo-o / Soares, Nuno Verdial. S.d. Português Língua N-o Materna no Currículo Nacional. Orientações nacionais: Perfis linguísticos da populaç-o escolar que frequenta as escolas portuguesas [https: / / www.dge.mec.pt/ sites/ default/ files/ Basico/ Documentos/ plnm_perfis_linguisticos.pdf]. Letria, José Jorge. 2007. Esta Língua Portuguesa . Porto: Âmbar. Mateus, Maria Helena Mira. 2002. Variaç-o e variedades: o caso do português . Lisboa: FLUL / ILTEC [http: / / www.iltec.pt/ pdf/ wpapers/ 2002-mhmateus-variacao.pdf]. Mishan, Freda. 2005. Designing authenticity into language learning materials . Bristol: Intellect. Peres, Jo-o Andrade / Móia, Telmo. 1995. “Gramática, variaç-o e desvio”, in: Áreas Críticas da Língua Portuguesa . Lisboa: Caminho [http: / / area.dge.mec.pt/ gramatica/ variaac6v.htm#1]. S.A. 2011. Norma e Variaç-o. Unidade e Diversidade. Lisboa: FCSH-UNL/ Ministério da Educaç-o [https: / / www.dge.mec.pt/ sites/ default/ files/ Curriculo/ Acordo_Ortografico/ documentos/ norma_e_variacao_1.pdf]. <?page no="157"?> 158 Teresa Bag-o Thorn, Sheila. s. d. “Why authentic listening practice? ” [http: / / www.thelisteningbusiness.com/ listening.html#top]. Thorn, Sheila. 2012. “Debunking authentic listening”, in: Modern English Teacher - OnlineMET, 21/ 2, 65-69 [http: / / www.collins.co.uk/ file/ AmtMhGb/ Sheila-Thorn-article. pdf ]. Tomlinson, Brian. 2009. “Principles and procedures of materials development for language learning”, in: Metodologias e materiais para o ensino do Português como Língua N-o Materna . Textos do Seminário 29 a 30 de Outubro de 2009. Lisboa: ILTEC - Associaç-o de Professores de Português. 45-55 [http: / / www.iltec.pt/ pdf/ textos%20 do%20seminario.pdf]. Wittmann, Luzia Helena / Pêgo, Tânia Regina / Santos, Diana. 1995. “Português Brasileiro e Português de Portugal: algumas observações”, in: XI Encontro Nacional da APL . Lisboa, 2-4 de outubro de 1995 [http: / / www.linguateca.pt/ Diana/ download/ WittmannPegoSAntosAPL95.pdf]. Anexo Ficha 1: Lusofonia | Países e bandeiras Objetivos: • Definir o conceito de Lusofonia • Conhecer os países e as bandeiras nacionais dos países com língua oficial portuguesa • Identifica express-o linguísticas de gostos e de opiniões • Enunciar alguns aspetos distintivos da pronúncia/ fonética 1. Vais ver o vídeo “Lusofonia”. Durante o visionamento, regista a nacionalidade e as opiniões dos intervenientes, relativamente ao que cada um considera ser a Lusofonia. 1.° ALINE FRAZÃO 2.° NOEL CARDOSO 3.° INOCÊNCIO MATEUS 4.° LAURA VIDAL 5.° SÓNIA NETO 2. Ouve com atenç-o os excertos selecionados. Quais as particularidades da pronúncia e do vocabulário? 3. Regista as formas linguísticas utilizadas para expressar opiniões. <?page no="158"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 159 Ficha 2: Variedades de Português Europeu e do Brasil Objetivos: • Enunciar aspetos distintivos da pronúncia/ fonética • Conhecer alguns aspetos diferenciadores das duas variantes • Apreciar as vertentes da criaç-o artística 1. Vais ouvir uma música e ver o respetivo vídeo duas vezes. 1.1 Preenche os espaços, registando as palavras/ expressões em falta, durante as duas audições. Posso, posso fazer um _______________________________________________ Posso, posso fazer um _______________________________________________ Posso fazer um ______________ de qualquer coisa que _____________________, De ninhos _________ abelharuco ou ____________ de ____________________, Das penas de um galoró ou de conchinhas ______________________________, De ________meadas de l- fica um _____________________________________! ! (refr-o) Se ____________ num passador dos de escorrer__________________________, ______________ espetar _______________________ nem sonham que figur-o! Para ter um _____________________________________________ bem original Basta ter ideias, ____________________________________________________ (refr-o) O ___________________________ doutor _______________________ uma flor Para pôr ao peito e todo ___________________________ foi para o consultório __________________________________________________________ satisfeito! Chegou ______________________, e disse ______________________________: ─ Eu tenho ________________________________________________________. E disse ____________________________________________, muito de repente: ─ Eu tenho _______________________________________________________! Posso, posso curar __________________________________________________. […] <?page no="159"?> 160 Teresa Bag-o 2. Variedades do Português. 2.1 Anota as diferenças entre PE e PB marcadas na pronúncia dos cantores. 2.2 Indica qual das duas variedades as frases exemplificam. Justifica as tuas respostas. a) Você quer tomar um chope? b) Quando é que tu chegas a Lisboa? c) Fui no banheiro. d) Minha m-e me deu um livro bem legal. e) Puseste o sumo no frigorífico? 3. Estabelece a relaç-o entre as imagens do vídeo e a letra da música. Ficha 3: Português Europeu e Português do Brasil Objetivos: • Detetar as marcas da variedade de PB • Registar aspetos do quotidiano profissional e afetivo • Comentar aspetos da linguagem literária/ recursos expressivos • Identificar a presença de questões sociais • Apreciar as vertentes da criaç-o artística 1. Ouve atentamente a música de Chico Buarque e completa os espaços. CONSTRUÇÃO Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última E cada filho seu como se fosse o _______________________________________ E atravessou a rua com seu passo ______________________________________ Subiu a construç-o como se fosse ______________________________________ Ergueu no patamar quatro paredes _____________________________________ Tijolo com tijolo num desenho ________________________________________ Seus olhos embotados de cimento e ____________________________________ Sentou pra descansar como se fosse ____________________________________ Comeu feij-o com arroz como se fosse um ______________________________ Bebeu e soluçou como se fosse um _____________________________________ Dançou e gargalhou como se ouvisse ___________________________________ E tropeçou no céu como se fosse um ___________________________________ E flutuou no ar como se fosse um ______________________________________ E se acabou no ch-o feito um pacote ___________________________________ <?page no="160"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 161 Agonizou no meio do passeio _________________________________________ Morreu na contram-o atrapalhando o __________________________________ Amou daquela vez como se fosse o último Beijou sua mulher como se fosse a única E cada filho seu como se fosse o _______________________________________ E atravessou a rua com seu passo ______________________________________ Subiu a construç-o como se fosse ______________________________________ Ergueu no patamar quatro paredes _____________________________________ Tijolo com tijolo num desenho ________________________________________ Seus olhos embotados de cimento e ____________________________________ Sentou pra descansar como se fosse um _________________________________ Comeu feij-o com arroz como se fosse o ________________________________ Bebeu e soluçou como se fosse ________________________________________ Dançou e gargalhou como se fosse o ___________________________________ E tropeçou no céu como se ouvisse ____________________________________ E flutuou no ar como se fosse _________________________________________ E se acabou no ch-o feito um pacote ___________________________________ Agonizou no meio do passeio _________________________________________ Morreu na contram-o atrapalhando o __________________________________ Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse ______________________________________ Ergueu no patamar quatro paredes ____________________________________ Sentou pra descansar como se fosse um _________________________________ E flutuou no ar como se fosse um ______________________________________ E se acabou no ch-o feito um pacote ___________________________________ Morreu na contram-o atrapalhando o __________________________________ Por esse p-o pra comer, por esse ch-o pra dormir A certid-o pra nascer e a concess-o pra sorrir Por me deixar respirar, por me deixar existir, Deus lhe pague Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair, Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir, Deus lhe pague. <?page no="161"?> 162 Teresa Bag-o 2. Assinala com um círculo os vocábulos que distinguem o PE do PB. Preenche a tabela. As diferenças s-o: Pronúncia Léxico Sintaxe Idiomatismos 3. Identifica e comenta a expressividade de dois recursos expressivos. 4. Estabelece uma relaç-o entre a melodia e a letra da música. 5. Troca impressões com o teu/ a tua colega de carteira sobre os aspetos de crítica social patentes no poema. Ficha 4: Compreens-o oral Objetivos: • Registar informaç-o a partir da audiç-o • Identificar reformuladores do discurso oral • Detetar expressões linguísticas de gostos e de opiniões • Conhecer alguns aspetos diferenciadores das duas variantes • Conhecer vocabulário relacionado com a família e a profiss-o • Comentar a importância de aprender línguas I. Ouve atentamente o diálogo entre as duas pessoas. 1. Identifica a situaç-o de comunicaç-o, assinalando a resposta correta. a) Conversa telefónica, b) Aula com professor e alunos, c) Conversa em plataforma digital d) Receç-o de uma escola 2. Regista, por tópicos, as informações solicitadas, durante a audiç-o da conversa: Locais onde se encontram Ocupaç-o profissional da falante Estrutura utilizada para solicitar reformulaç-o Curso de licenciatura (dela) Método para aprender português (dele) Aspetos da vida familiar (dela) 3. Destaca três expressões utilizadas para reformular o discurso. <?page no="162"?> PE e PB - duas variedades em diálogo 163 II. Reescreve as expressões, utilizando a variante PE (léxico e sintaxe). “fiz faculdade de Física” “n-o sei se você conseguiu entender o que falei” “no doutorado, estou trabalhando com processamento de imagens” “sempre fui freada pelos métodos tradicionais” “isso (es)tava me chateando” “o Governo está tentando colocar espanhol nas escolas públicas” Ficha 5: Português Europeu e Português do Brasil | Hábitos e cultura Objetivos: • Conhecer o sistema educativo, a escola e rotinas escolares nos dois países, a partir do ponto de vista de jovens • Registar informaç-o a partir da audiç-o • Conhecer aspetos lexicais diferenciadores das duas variantes 1. Ouve atentamente o início do diálogo entre os amigos Vanessa, Marianne, Stéphanie e Luciano e completa com as palavras ouvidas. Olá! Já que nós somos todos de ______________________, continentes diferentes, gostava de saber __________________________________ o sistema, nas vossas escolas, como é que vocês ___________________________ o dia a dia nas vossas escolas, no secundário, no __________________ 2. Ouve agora a totalidade da conversa. Regista, por tópicos, as informações prestadas pelo Luciano, pela Stéphanie, Mariane e Vanessa. Constrói uma tabela. 3. Assinala as palavras que exemplificam as variantes PE e PB. Colégio Secundária cantina bar coxinha lanche suco refeitório cacifos armários 4. Consulta o sítio: www.laifi.com/ laifi.php? id_laifi=1007&idC=15273# Regista outras diferenças nas duas variedades de Português, ao nível do léxico. <?page no="164"?> As variedades no ensino de PLNM no mundo: Alemanha, Galícia e Timor-Leste <?page no="166"?> Ensino Português no Estrangeiro Alemanha - da língua materna à língua de herança Maria Teresa Nóbrega Duarte Soares 1 O ensino do português no estrangeiro (EPE) Por EPE entende-se o ensino de Língua e Cultura Portuguesas destinado a crianças e jovens portugueses ou de países lusófonos residentes em países estrangeiros. Antes de iniciar a exposiç-o sobre o sistema EPE propriamente dito, afigura-se útil a apresentaç-o de alguns fatores estritamente ligados à aquisiç-o de conhecimentos linguísticos. 1.1 A língua, elemento de identificaç-o, comunicaç-o e uni-o Segundo Noam Chomsky a língua é uma espécie de código genético que determina a interpretaç-o semântica de um conjunto infinito de frases reais expressas, entendidas ou subentendidas. Basicamente, é um instrumento de identificaç-o e comunicaç-o. De identificaç-o, porque carateriza o falante no que respeita à sua origem (nacionalidade), meio social e educaç-o (escolaridade frequentada). De comunicaç-o, por ser o meio mais fácil, mais prático e mais rápido para comunicar com outros falantes, desde requerer informações à express-o de sentimentos, sensações, gostos e aversões. A língua (ou línguas) que falamos identificam-nos, n-o só no referente ao país de origem, como em relaç-o à área ou regi-o de proveniência, podendo ser também um fator de identificaç-o quanto à camada social da qual o falante é oriundo. O sotaque, quando falamos uma língua estrangeira, pode, também muitas vezes, ser indicativo da nossa nacionalidade. Por demais conhecida a dificuldade que têm os naturais da China com a pronúncia do <r> som que n-o existe na língua do país, assim como os falantes do árabe com a pronúncia do <p>, som também inexistente no seu sistema fonético, <?page no="167"?> 168 Maria Teresa Nóbrega Duarte Soares geralmente pronunciado como <b>. Cada língua tem sons próprios que a caracterizam, sendo muitas vezes necessária uma longa prática até que um n-o-nativo consiga reproduzi-los mais ou menos corretamente. Dentro do mesmo país, o modo como falamos e os termos que utilizamos denunciam também a nossa origem. Por exemplo, enquanto um natural do Porto diz cruzeta ou molete , um lisboeta dirá, respetivamente, cabide e papo-seco . E um algarvio, além de dizer griséus e n-o ervilhas , pronunciará, assim como um alentejano, o ditongo fechado em queijo ou peixe , que ter-o assim o som de qu [e] jo e p [e] xe . Na língua alem-, que é extremamente rica em diferentes pronúncias regionais, a palavra “porquinho” apresenta as seguintes derivativas: ein Schweinchen - alem-o padr-o, o chamado Hochdeutsch a Schweinerl - alem-o falado na Baviera en Schwengchen - alem-o falado na zona de fronteira com o Luxemburgo Claro que, quando a mesma língua é língua oficial em mais de um país, nunca é exatamente ‘a mesma’, pois nesses casos as diferenças, tanto de pronúncia como de léxico, s-o muito mais acentuadas. Por exemplo, no Brasil, o local onde as pessoas se lavam e tratam da sua higiene é denominado banheiro , enquanto em Portugal se diz casa de banho , pois a express-o banheiro , para os portugueses, designa o homem que aluga toldos na praia ou o nadador-salvador. E, no caso do alem-o falado na Suíça, Kehrrichtsack é a express-o usada para designar aquilo que na Alemanha se chama Müllbeutel , assim como na Suíça a palavra Büsse significa ‘multa’, mas na Alemanha é geralmente usada com o significado de penitência… Apesar de todas estas diferenças, que muitas vezes podem ser t-o interessantes como divertidas, uma língua é um poderosíssimo instrumento de uni-o, especialmente nos países em que a diversidade de etnias e correspondentes normas linguísticas tornam indispensável um meio de comunicaç-o comum. Tal é verdade para países como o Brasil, Angola e Moçambique, em que a ligaç-o, entre os diferentes grupos étnicos, é feita através do português, obtendo assim uma identidade linguística comum, o que n-o obsta a que esses falantes n-o dominem igualmente a língua do grupo étnico a que pertencem. Nestes casos, poder-se-á dizer que a norma étnica ou dialetal é a língua materna, funcionando a outra língua como elemento de ligaç-o. <?page no="168"?> Ensino Português no Estrangeiro 169 1.2 O que significa ‘língua materna’? Língua materna, também designada por língua nativa, é a primeira língua que uma criança aprende e que geralmente corresponde ao grupo-étnico linguístico com que o indivíduo se identifica culturalmente. Em certos casos, quando a criança é educada por pais, ou outras pessoas, que falem línguas diferentes, é possível adquirir o domínio de duas línguas simultaneamente, cada uma delas podendo ser considerada língua materna, configurando-se ent-o uma situaç-o de bilinguismo, conforme define Leonard Bloomfield (1983, 259-288). A express-o língua materna , no sentido de ‘primeira língua’ ou ‘língua de origem’, provém do costume segundo o qual as m-es eram as únicas a educar os seus filhos na primeira infância, fazendo com que a língua da m-e fosse a primeira ser assimilada pela criança, condicionando o seu aparelho fonador ao sistema linguístico em quest-o (cf. Bloomfield 1927, 151 apud Davies 2003, 4). A aquisiç-o da língua materna ocorre em várias fases. Inicialmente, a criança regista literalmente os fonemas e as entoações da língua, sem ser ainda capaz de os reproduzir. Em seguida, começa a produzir sons e entoações até que o seu aparelho fonador lhe permita articular palavras e frases, assimilando contemporaneamente o léxico, sendo que a gramática e a sintaxe se v-o integrando progressivamente dentro deste processo de aprendizagem (Davies 2003, 80-90). Porém, n-o existe qualquer regra que defina o falante de língua materna, ou nativa, como aquele que domina a mesma com fluência, existindo casos em que a ‘língua da m-e’ acaba por n-o ser a língua dos filhos… Um exemplo interessante é o caso dos nove filhos da rainha Vitória de Inglaterra, casada com o príncipe alem-o Alberto de Sachsen-Coburg. Embora a m-e fosse inglesa e as crianças tivessem nascido, crescido e sido educadas em Inglaterra, como ‘em casa’ falavam mais o alem-o, tendo tido alguns professores dessa nacionalidade, o resultado foi que as princesas e príncipes, mesmo já na idade adulta, falavam inglês com um forte sotaque alem-o, que, ao que consta, o filho da rainha Vitória que lhe sucedeu, Eduardo VII, manteve toda a sua vida. Geograficamente falando, eram nativos ingleses. Mas qual seria, realmente, a sua língua nativa ? Ou poder-o ser classificados como bilingues? 2 Mas quando se começa a aprender uma língua? Pode ser mesmo antes de nascer. Quando se trata de línguas, nunca é cedo demais para começar e constata-se que o cérebro pode ser bilingue mesmo antes do nascimento. O sistema auditivo humano está operacional a partir do terceiro trimestre da gestaç-o e o som mais alto que um bebé escuta no útero é a voz da m-e, a falar seja que língua (ou línguas) for. Esses sons, com os seus ritmos e <?page no="169"?> 170 Maria Teresa Nóbrega Duarte Soares fonemas caraterísticos, penetram diretamente no cérebro do bebé e tornam-se reconfortantemente familiares. A neurocientista cognitiva Jane Werker, da Universidade da Columbia Britânica, fez uma experiência com bebés de poucos meses, procurando determinar se conseguiam distinguir as línguas apenas pela vis-o, observando vídeos mudos de adultos recitando passagens do Principezinho em francês e inglês. Neste caso, era o contacto visual - o tempo durante o qual prestavam atenç-o até começarem a aborrecer-se e desviarem o olharque indicava o seu interesse e reconhecimento. Entre os 4 e os 6 meses, tanto os bebés de lares monolingues de inglês como os de lares bilingues de francês e inglês reconheciam a diferença. Chegando aos 8 meses, os monolingues desistiam e só os bilingues conseguiam desempenhar a tarefa. Um cérebro bilingue n-o é necessariamente mais inteligente, mas revela-se mais flexível e desembaraçado. Segundo Gregg Roberts, especialista em linguística do Gabinete Público de Educaç-o do estado de Utah, “O monolinguismo é o analfabetismo o século XXI”. 2.1 O que é a chamada língua de herança? O termo língua de herança é geralmente aplicado à língua, ou línguas, utilizadas em ambientes familiares e está relacionado com as raízes identitárias de pessoas que migraram para outros países. É uma língua de uso restrito a grupos sociais que convivem com outras línguas que s-o dominantes. Dentro das possibilidades de perfis de falantes de língua de herança, há aqueles que apenas compreendem a língua e aqueles que possuem pleno domínio da mesma. Outros, apesar de possuírem vínculo com a língua de herança, têm apenas possibilidades de uso restritas ao ambiente familiar e dentro de pequenas comunidades, só conhecendo vocabulário reduzido, utilizado dentro de casa, tornando assim desconfortável o facto de falar noutros ambientes. A língua de herança está intimamente ligada às raízes culturais do sujeito diaspórico. Resgatando a sua língua materna, o indivíduo ou a comunidade inserida no contexto de uma língua maioritária é capaz de reencontrar a sua identidade étnica e linguistica. Na maioria das vezes, a língua de herança é falada somente no contexto familiar pelos emigrantes, que est-o imersos noutra língua dominante educativa e socialmente. Esta situaç-o levou à criaç-o de cursos em vários países de acolhimento, a fim de que as gerações mais jovens n-o perdessem o contacto com a primeira língua. Tendo em vista a dinâmica e a multiculturalidade da língua, qualquer uma pode ser aprendida ou reaprendida, mas nunca deverá ser preterida em favor de outra. N-o existem línguas ‘de maior valor’, de ‘mais importância’, ou de ‘status <?page no="170"?> Ensino Português no Estrangeiro 171 superior’. Todas s-o importantes. Lamentavelmente, a xenofobia linguística que muitas vezes ainda se encontra leva famílias portuguesas no estrangeiro a dar primazia à língua do país de acolhimento, colocando a língua de origem, ou identitária, em posiç-o inferior, o que é um erro, pois ambas poderiam coexistir sem problemas. É triste que ainda existam indivíduos, ou até organizações, que consideram uma língua de menor valor por estar ligada ao contexto da emigraç-o, argumentando, num elitismo falso, que o português no estrangeiro só será reconhecido e respeitado pelas entidades locais se for unicamente visto e lecionado como língua estrangeira. 2.2 Os mitos A coexistência de uma língua materna com a língua do país de acolhimento, assim como a aprendizagem da primeira ou o desenvolvimento dos conhecimentos num país estrangeiro sofreu, e sofre ainda, os efeitos negativos de um vasto leque de mal-entendidos. Mito 1 Lidar com mais de uma língua causa ‘confus-o’ à criança e prejudica a aprendizagem correta da língua do país de acolhimento Errado! Qualquer criança pode crescer com duas ou até mais línguas sem fazer confus-o. O (desejável) resultado é que, chegando à idade adulta, será capaz de falar todas sem sotaque, portanto como nativo. Mito 2 Falar outra língua em casa prejudica o progresso da criança na escola do país de acolhimento. Errado! De modo algum. Uma criança que cresce com mais de uma língua tem sempre uma sensibilidade, recetividade e capacidade de adaptaç-o superior. Mito 3 Manter a língua de origem prejudica a integraç-o no país de acolhimento. Errado e racismo no seu pior. Esquecer, ou ignorar deliberadamente a língua de origem para melhor se ‘integrar’ n-o passa de uma indesejável assimilaç-o. N-o é necessário recusar as nossas origens para nos sentirmos bem num país estrangeiro. E há muitos mais, mas vamos ficar por aqui… <?page no="171"?> 172 Maria Teresa Nóbrega Duarte Soares 2.3 Língua materna versus língua estrangeira De acordo com Pereira de Castro (1997, 125-138), a aquisiç-o da LM é uma experiência inaugural e definitiva, pois é pela LM que um corpo n-o falante (infans) passa a ser um sujeito falante ou sujeito da linguagem. A aquisiç-o da LM é, portanto, uma mudança única na posiç-o subjetiva de um infans para um ser de linguagem. A LM constitui o ser falante. A LE nunca poderá ter o mesmo estatuto da LM, pois provoca efeitos de sentido num ser que já tem o efeito da LM. A LE pressupõe uma aprendizagem racionalizada, enquanto o falante de LM tem o sentimento de nunca a ter aprendido, pois efetivamente nasceu e cresceu com ela. Afirmar, como acontece atualmente, que é ‘melhor’ para as crianças e jovens portugueses no estrangeiro aprenderem o Português como LE, alegando já n-o possuírem conhecimentos suficientes da língua de origem é, além de obtuso, errado. Há países, como a Suíça e o Luxemburgo, em que as crianças e jovens de ascendência portuguesa têm um nível de domínio do Português igual ou muito semelhante a falantes da sua idade no país de origem. Reduzi-los à situaç-o de ‘estrangeiros’ no plano linguístico por eventualmente apresentarem as falhas e lacunas compreensíveis de quem nasceu e frequenta a escolaridade obrigatória no estrangeiro é inaceitável. 3 O sistema do EPE: Cursos de Língua e Cultura Portuguesas. Como e por que surgiram? Manter e aumentar os conhecimentos da língua de origem assim como o contacto com o país de proveniência foi, desde sempre, uma preocupaç-o de muitas famílias que, tendo por razões económicas, políticas ou de foro sociológico procurado construir uma nova vida no estrangeiro, desejavam que os seus filhos mantivessem a identidade nacional, mantendo vivos os laços linguísticos e culturais com o país que tinham deixado. Cursos de língua e cultura de origem eram, portanto, desejados, e os primeiros a surgir tinham caráter n-o-oficial, com lugar nas associações e muitas vezes com o apoio de organizações como a Caritas ou as Missões Católicas, lecionados por indivíduos a quem n-o era, na época, exigida qualquer habilitaç-o para a docência, mas apenas a boa vontade e o interesse em ensinar as crianças e jovens. Os primeiros cursos de Língua e Cultura de origem, de caráter oficial, tutelados por entidades estatais surgem na Alemanha, na altura dos grandes surtos de emigraç-o, nos anos 60, uma iniciativa pioneira dos estados federados da <?page no="172"?> Ensino Português no Estrangeiro 173 Renânia do Norte e Vestefália, Baixa-Saxónia, Renânia do Palatinado e Hesse, existindo também cursos em algumas localidades do estado de Hamburgo. Na verdade, a criaç-o dos citados cursos deveu-se n-o tanto ao interesse das entidades locais em preservar o conhecimento das línguas e culturas de origem mas sim a um fator eminentemente prático, a fixaç-o das famílias. Nos primeiros anos de emigraç-o, o contingente de trabalhadores era geralmente constituído por homens que, tendo família, optavam por deixar a mesma no país de origem e ir sozinhos para o estrangeiro. Ora tal situaç-o originava que, muitas vezes, esses trabalhadores prolongassem as férias ou requeressem licenças especiais para se ocupar, nos seus países, de problemas relacionados com os familiares que aí tinham deixado. As entidades empregadoras, obviamente pouco satisfeitas com as ausências extemporâneas e a instabilidade causada, inquiriram por que raz-o n-o traziam as famílias para o país de acolhimento, recebendo quase sempre a mesma resposta, que tal era considerado contraindicado porque n-o desejavam interromper a escolaridade dos filhos, temendo também que os mesmos se desligassem do país de origem, esquecendo a sua língua e cultura. 3.1 Aulas de língua materna como fator de fixaç-o Como soluç-o para este problema, e visando a fixaç-o dos trabalhadores, começaram a ser criados cursos de Língua Materna ou de Origem, denominados Muttersprachlicher Unterricht , Muttersprachlicher Ergänzungsunterricht ou ainda Heimatssprache und Kultur . Os primeiros surgem no estado da Renânia do Norte e Vestefália, nas zonas de Colónia, Düsseldorf e Dortmund, as áreas de mais intensa emigraç-o, tendo depois a prática sido alargada aos estados federados da Baviera, Renânia do Palatinado, Baixa- Saxónia e Hesse, estado onde, até cerca do ano 2000, a frequência às aulas de língua materna fazia parte da escolaridade obrigatória. As primeiras línguas a ser lecionados foram o italiano e o espanhol, seguidas muito de perto pelo português, surgindo mais tarde o turco e o grego. Porém, e há sempre um porém, a criaç-o destes cursos visava a manutenç-o dos conhecimento da língua e cultura de origem no país de acolhimento prevendo, após alguns anos de permanência no estrangeiro, o regresso das famílias aos países de origem. Como é de conhecimento geral, tal n-o sucedeu na maioria dos casos e as pessoas fixaram-se, embora o desejo de manter os laços linguísticos e culturais ao país de proveniência continuasse. Nos estados federados atrás citados as entidades responsáveis deixaram, a partir de 2000, de fazer nova contrataç-o de professores, o que significa que <?page no="173"?> 174 Maria Teresa Nóbrega Duarte Soares quando o contrato de um professor termina ou o mesmo se aposenta, os cursos antes a seu cargo passam para a responsabilidade do país de origem. A única exceç-o é o estado de Berlim, onde a partir de 2012 as entidades locais assumiram a responsabilidade dos cursos de Português para lusodescendentes. 3.2 Língua e cultura portuguesas No caso específico do Português, os cursos denominados LCP (Língua e Cultura Portuguesas) a cargo da entidade portuguesa, surgem apenas nos anos 80, como resultado da nova Constituiç-o da República Portuguesa, após a Revoluç-o do 25 de Abril de 1974, em que no Artigo 74.° (§2i) se encontra definida a responsabilidade do Estado para com os cidad-os portugueses no estrangeiro: “Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa”. É assim criada, sob tutela do Ministério da Educaç-o, uma rede de cursos em vários países de Europa e na África do Sul, com ensino ministrado por professores habilitados, ligados ao citado ministério e remunerados pelo Estado Português. Existem cursos de responsabilidade da entidade portuguesa na Alemanha, nos estados da Baixa- Saxónia, Baviera, Baden-Württemberg e Hamburgo, na Suíça, em Espanha, na Bélgica e Países Baixos, em França, Andorra, Reino Unido e Luxemburgo. Fora do espaço europeu o governo português tutela unicamente cursos na África do Sul, Namíbia, Suazilândia e Zimbabué, estando a organizaç-o de cursos e contrataç-o de professores a cargo das entidades locais ou de Associações Portuguesas na Austrália, Venezuela, Canadá e Estados Unidos, assim como na Suécia e Áustria. Atualmente na rede do EPE, Ensino Básico e Secundário, tutelada pelo Estado Português, abrange um total de 321 professores e cerca de 44.500 alunos. 3.3 Evoluç-o do sistema e da populaç-o escolar Nos anos 60 e início dos anos 70 os alunos dos cursos de LCP provinham praticamente todos de Portugal, tendo muitos deles até já aí frequentado os primeiros anos de escolaridade, possuindo portanto o nível de falante nativo da língua, e assim o ensino ministrado seguia muito de perto os parâmetros do ensino em Portugal, com certificado do 4° ano de escolaridade inclusive. O mesmo n-o se pode afirmar nos anos seguintes, em que, com a permanência das famílias nos países de acolhimento, começam a surgir alunos já nascidos nesses países, frequentando aí a escola e muitas vezes filhos de casais mistos, situações que ir-o, com o tempo, levar a uma modificaç-o no ensino, pois deixa <?page no="174"?> Ensino Português no Estrangeiro 175 de ser possível partir do princípio que todos os alunos possuem um domínio completo do português. Na realidade, e é essa a situaç-o existente hoje em dia, pois o professor de LCP depara-se diariamente com várias realidades linguísticas, desde os alunos que dominam a língua como nativos e aqueles para os quais o Português é língua estrangeira, passando pelos vários cambiantes de língua de herança e do conhecimento da língua apenas no plano passivo (capacidade de compreens-o mas n-o de express-o). Cada aluno pode ser um caso, ou quase. Mas apesar disso a soluç-o para este problema n-o passa por ignorar a situaç-o real, generalizando excessivamente. Porém é este o procedimento atual preconizado pelo Camões, Instituto da Cooperaç-o e da Língua, instituiç-o que detém, desde 2010, a tutela do EPE, tendo decretado radicalmente que no contexto do EPE o Português só pode ser lecionado como língua estrangeira, ou língua segunda, com manuais obrigatórios para essa vertente, tendo deixado de existir ensino na vertente de língua materna. Tal situaç-o n-o agrada nem aos pais nem aos alunos que dominam o português como nativos, esforçando-se para que no meio familiar seja essa a língua única, ou pelo menos a principal, pois se sentem desmotivados. Na verdade, e como se irá ver seguidamente, a atitude da família perante a língua de origem tem um papel decisivo. 3.4 O papel da família Para os falantes da língua de herança, designando aqueles que aprendem a língua em casa, no convívio e comunicaç-o diária com os membros da família (cf. Valdés 1989) é de fundamental importância o contexto por trás de todas as iniciativas de aproximaç-o e da comunicaç-o de tradições, valores e costumes do país de origem. Todas as famílias que reconhecem com clareza o valor da sua bagagem sociocultural, respeitando e valorizando a sua própria identidade, estabelecem sistemas de convivência e fluxos de aprendizado, que devem ser estabelecidos com aceitaç-o por todos os membros da família e seguidos com consistência. É necessário que os pais apliquem essa regra mesmo em situações que se tornem algo desconfortáveis. Mas, por exemplo, se por cansaço ou por desconforto frente aos vizinhos os pais optarem pela língua do país de acolhimento, estar-o quebrando a regra, demonstrando que o uso da língua de origem entre os membros da família n-o precisa de ser levado 100 % a sério. A família deve mostrar à criança que o uso <?page no="175"?> 176 Maria Teresa Nóbrega Duarte Soares da língua de origem é natural, mesmo que seja necessário envidar esforços para atingir esse objetivo. O envolvimento dos pais é essencial para criar uma rede de apoio e de motivaç-o, conseguindo que os filhos tenham condições de circular livremente e com segurança no meio em que a mesma é falada. 3.5 Funcionamento de cursos Os cursos de LCP funcionam, na sua maioria, em regime paralelo, isto é, da parte da tarde, após o horário escolar normal. Embora existam casos isolados de cursos funcionando dentro do horário escolar normal, por exemplo em Espanha, em França e no Luxemburgo até ao 5° ano de escolaridade inclusive, e também na Alemanha, em cursos bilingues existentes na cidade de Hamburgo, o facto de a comunidade portuguesa estar caraterizada por uma grande dispers-o pelas pequenas localidades, permite muitas vezes apenas a possibilidade de cursos extra-horário, onde s-o lecionados, conjuntamente, alunos de vários grupos etários, vários níveis escolares e, claro, diferentes níveis de conhecimentos do Português. 3.6 Um grupo letivo típico na Alemanha Como já dito acima, os cursos de LCP na Alemanha (e n-o só) caraterizam-se pela extrema heterogeneidade dos alunos, a todos os níveis. Eis um exemplo: Alunos 1 Idade Ano de escolaridade Nível de português Matias Vaz 9 4° LM (nativo) Cristina Meier 10 5° LM (nativo) Jorge Meier 9 4° PLE (B1)) Clara Mendes 10 4° LM (nativo) Jo-o Silva 8 3° LM (nativo) Hermínia Santos 7 1° PLE (A1) Sheila Martins 8 2° PLE (A2) Catarina Dias 12 6° LM (nativo) Duarte Dias 11 5° LM (nativo) Marta Fischer 13 7° PLE (A2) 1 Os nomes dos alunos foram modificados. <?page no="176"?> Ensino Português no Estrangeiro 177 Alunos 1 Idade Ano de escolaridade Nível de português Isabel Ferreira 9 4° LM (nativo) Julius Müller 9 4° PLE (A1) Maria Schmidt 6 1° Conhecimento passivo Tab. 1: Curso de Nuremberga, carga horária: 100 minutos por semana (duas aulas com duraç-o de 50 minutos) Total: Sete anos de escolaridade diferentes, dois alunos em fase de alfabetizaç-o e cinco níveis diferentes de conhecimentos de português. 3.7 Qualidade de ensino O problema da heterogeneidade, que n-o é possível evitar, poderia ser minimizado se fosse permitido constituir grupos com menor número de alunos, devendo além disso existir a possibilidade de lecionar os alunos da vertente PLE separadamente. Tal n-o sucede porque, por motivos exclusivamente economicistas, n-o s-o permitidos grupos mais reduzidos. Um modo de melhorar a qualidade de ensino nos grupos heterogêneos seria através de manuais que contemplassem essa problemática, assim como outros tipos de materiais e recursos didáticos direcionados para a mesma. 4 O EPE na atualidade Com a passagem em 2010, da tutela dos cursos de Língua e Cultura Portuguesas do Ministério da Educaç-o para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, via Camões, Instituto da Cooperaç-o e da Língua, o sistema do EPE foi alvo de modificações profundas. Os professores, que em 2010 ultrapassavam os 600, a nível mundial, s-o atualmente apenas 312. Com a introduç-o do pagamento obrigatório de uma taxa de 100 euros anuais assistiu-se à desistência de muitos alunos e ao encerramento de inúmeros cursos, pois os pais, habituados a um ensino gratuito, e com raz-o, dado que o sistema do EPE se encontra integrado na Lei de Bases do Sistema Educativo, sendo portanto ensino público de caráter gratuito, recusaram inscrever os filhos nos cursos sujeitos a pagamento, facto que levou, a nível mundial, ao desaparecimento de mais de 15.000 alunos, que deixaram de ter as aulas de LCP previstas na Constituiç-o. Esta injustiça é ainda mais patente se se tiver presente que os alunos estrangeiros, que em França frequentam, até ao 5° ano de escolaridade inclusive, cursos de Português com professores pagos por Portugal, est-o isentos de pagamento, o <?page no="177"?> 178 Maria Teresa Nóbrega Duarte Soares mesmo sucedendo em Espanha, em que nos cursos a expensas do Estado Português, onde a percentagem de alunos lusodescendentes é apenas de 7 %, o ensino é também gratuito. Assim, enquanto quase 5.000 lusodescendentes em França, no ensino associativo, s-o obrigados a pagamento, alunos franceses aprendem Português gratuitamente. Estas decisões, raramente postas em causa em Portugal pelos responsáveis políticos, levaram à forte diminuiç-o do número de alunos e professores e a condições de ensino e aprendizagem cada vez mais difíceis para aqueles restantes. O futuro dirá se as questionáveis alterações citadas, feitas em nome de uma “maior dignificaç-o da Língua Portuguesa no estrangeiro” vir-o algum dia a trazer frutos positivos a um sistema atualmente por demais fragilizado. Bloomfield, Leonard. 1983. An Introduction to the study of language . New York: Benjamins. Davies, Alan. 2003. The native speaker, Myth and Reality . Clevedon et al.: Multilingual Matters. Pereira de Castro, Maria Fausta. 1997. “Língua materna, palavra e silêncio na aquisiç-o da linguagem”, in: Letras , 14, 125-138. Valdés, Guadalupe. 1989. “Teaching Spanish to Hispanic Bilinguals”, in: Hispania , 72/ 2, 392-401. <?page no="178"?> “Hai moitas palabras en Galego que pensas que son iguais no Portugués e isto non é así, pero como en Castelán son distintas que ao Galego, pensas que sí.” Diagnóstico de competências e identificaç-o de estratégias na comunicaç-o oral do aluno galegofalante Carla Sofia Amado 1 Introduç-o Nossa nova experiência letiva enquanto leitora ao serviço do Camões, Instituto Cooperaç-o e da Língua, I.P. junto da Universidade de Santiago de Compostela na Galiza provocou desafios didáticos e metodológicos a que importa responder, analisando, em primeiro lugar, os processos de aprendizagem dos alunos galego-falantes e, em segundo lugar, a partir das conclusões retiradas, alterar os processos de ensino aos alunos com esse perfil linguístico, de modo a contribuir para uma competência em língua portuguesa mais fluída e fluente, o mais livre possível de interferências. Na Galiza veicula-se a ideia de que, com o galego, se pode chegar a todo o mundo da lusofonia. Para muitos, o galego e o português ainda s-o a mesma língua, para outros tantos, s-o línguas (muito) próximas. N-o é nosso objetivo contribuir para esse debate, pretendendo nós centrar-nos apenas nas questões relacionadas com a didática e a aprendizagem do português europeu por galego-falantes. Teoricamente, apoiámos as primeiras observações da aprendizagem que aqui apresentaremos em dois autores que sistematizaram as diferenças entre o galego e o português moderno e, no primeiro caso, analisaram a didática da língua portuguesa a galego-falantes: José Luís Rodríguez (1999) e Alfredo Maceira Rodríguez (1996). S-o poucos os teóricos que têm refletido sobre a aprendizagem <?page no="179"?> 180 Carla Sofia Amado do português por galego-falantes e s-o praticamente inexistentes os estudos práticos. O principal objetivo deste estudo empírico em desenvolvimento é, portanto, ir de encontro a essas lacunas: criar metodologias de ensino e estratégias de aprendizagem que visem uma oralidade com um discurso coeso, coerente e fluente da parte dos aprendentes, assim como, tanto quanto possível, livre de interferências fonéticas e lexicais. De modo a se concretizar esse objetivo, este projeto ocorrerá em 4 fases distintas, mas complementares entre si: (i) diagnóstico das competências de comunicaç-o oral dos aprendentes; (ii) identificaç-o das estratégias que usam os alunos para se expressarem; (iii) desenvolvimento de atividades que promovam competências de comunicaç-o oral; (iv) avaliaç-o do impacto que tiveram as estratégias implementadas. O estudo encontra-se agora a cumprir as fases (i) e (ii). 2 O galego e o português: línguas (muito) próximas - intercompreens-o e interlíngua De acordo com Maceira Rodríguez (1996, 33), o português minhoto e transmontano de hoje contêm elementos comuns ao galego que esbatem a fronteira linguística: O galego e o português têm a mesma origem. […] Do século XIII e seguintes conserva- -se uma grande quantidade de cantigas […]. A língua usada era o romance ocidental ou galego, embora nessa época (século XII) ocorresse a separaç-o política entre Portugal e a Galiza. A língua […] sofreu alterações, devido à expans-o do país para o sul, onde recebeu contribuições dos moçárabes até tornar-se uma nova língua. O português o galego podem, pois, ser considerados como línguas muito próximas, dada a sua origem comum. Os comuns conceitos de intercompreens-o e interlíngua já commumente associados à aprendizagem de línguas próximas (como é o caso das línguas românicas) assumem, no caso particular do galego e do português, uma qualidade efetivamente determinante. A intercompreens-o existente entre um galego-falante e um falante de português é praticamente total, assim como as similitudes entre ambas as línguas têm uma elevadíssima taxa de coincidência (excetuando uma quest-o sintática, algumas (poucas) questões lexicais, ortográficas, morfológicas e, sobretudo, fonético-fonológicas, conforme sistematiza Maceira Rodríguez (1996), n-o se podendo também desconsiderar o papel desempenhado pelo castelhano na aprendizagem do português e as suas interferências (já frequentemente estudadas). <?page no="180"?> Diagnóstico da comunicaç-o oral do aluno galegofalante 181 2.1 O conceito de línguas próximas “há diferenças de vários tipos no interior de uma língua e há semelhanças entre línguas que têm nomes diversos por razões históricas.” Esta citaç-o, retirada da página intitulada “A pronúncia do português europeu” do Centro Virtual Camões n-o se refere diretamente ao conceito de línguas próximas, mas nomeia, aludindo à variaç-o linguística, quais as razões pelas quais uma língua pode dar origem a duas línguas. As semelhanças entre duas línguas facilitam, pois, a aprendizagem, mas, segundo Almeida Filho (1995), citado por Barbosa da Silva (2002), “línguas muito próximas levam o aprendiz a viver numa zona de facilidade enganosa […], o aparente meio-sucesso leva ao estacionamento desta interlíngua”. É o que se verifica na análise que faremos adiante do corpus recolhido. 2.1.1 Intercompreens-o e interlíngua Fenómenos que dizem respeito à aprendizagem de qualquer língua, mas que s-o ainda mais presentes na aprendizagem de línguas próximas da língua materna (LM) s-o os da intercompreens-o e da interlíngua, que, por sua vez, d-o origem a transferências e interferências. Brown (2000), citado em Calvo Capilla (2009, 4), estabelece uma diferença, em regra aceita, entre transferência como transmiss-o de conhecimento prévio que é corretamente aplicado e facilita a aprendizagem, e interferência, quando esse conhecimento é incorretamente associado e perturba a aprendizagem. S-o, portanto, a face positiva e negativa respectivamente do mesmo fenômeno. De acordo com Rodríguez (1999, 1106), os alunos que aprenderam galego formalmente têm uma “introduç-o que lhes permite desde o primeiro momento […], descodificar textos portugueses variados, tanto de tipo escrito como de tipo oral, com as lógicas dificuldades decorrentes do tipo de textos e de locutores”. Também de acordo com Rodríguez (1999, 1107), a “abordagem […] contrastiva […] marca implicitamente os limites habituais previsíveis dessa interlíngua […] do aluno galego no processo de aprendizagem”. Rodríguez (1999, 1108) diz-nos que “o aluno […] recebe as aulas em português, lê textos em português que se pretendem adequados à sua circunstância, e na sequência disto enceta a produç-o de textos orais (lidos ou n-o) e escritos […] na ‘nova’ língua.”. O problema reside no facto de as hipóteses que surgem nessa ‘nova’ língua criada pelo aluno, a sua interlíngua, n-o serem confirmadas antes de usadas, devido à segurança que dá a proximidade entre as línguas, tendo ent-o, depois, <?page no="181"?> 182 Carla Sofia Amado tendência para fossilizar. Um facto é que os alunos usam apenas o galego, sem terem necessidade de se esforçar por falar português, pois sabem que é compreendido por todos os interlocutores em aula. 3 Perfil do estudante de português galego-falante O grupo em estudo estava no segundo semestre de aprendizagem (frequenta a matéria de Língua Portuguesa 2 ), tendo tido aulas no primeiro semestre com leitor do Brasil e, por conseguinte, pouco contacto com a variedade europeia do português. Verifica-se uma forte miscelânea de níveis de proficiência. Realizou-se questionário online com 20 perguntas que foi preenchido de forma voluntária por 18 de 22 alunos e cujo objetivo foi obter o perfil do aluno. À pergunta “Qual(is) consideras ser(em) a(s) tua(s) língua(s) materna(s)? ” 78 % dos alunos respondeu ser o galego, enquanto que 16,7% considera serem o castelhano e o galego de igual modo. A quest-o “Qual é a língua que falas no teu seio familiar? ” deu origem à mesma resposta. 83,3% disse falar galego em casa. No respeitante ao uso social do galego, 94,4% dos alunos respondeu usar diariamente a língua galega. Já no que respeita às línguas estrangeiras, 66,7% considera dominar bem o inglês e 16,7% o francês, mostrando este facto que existe, da parte dos alunos, a consciência de que n-o dominam ainda o português. As respostas a uma quest-o central que foi colocada (“Quais s-o, na tua opini-o, as principais dificuldades e interferências do castelhano e do galego na tua aprendizagem da língua portuguesa? ”) foram representativas daquilo que também o senso comum nos diz. Exemplificamos com uma resposta que consideramos sintetizar o que todos responderam. Praticamente todos os alunos se referiram à fonética e/ ou à pronúncia como uma dificuldade central: “ Hai moitas palabras en Galego que pensas que son iguais no Portugués e isto non é así, pero como en Castelán son distintas que ao Galego, pensas que sí. ” 4 Interaç-o e produç-o oral Na aula de língua estrangeira, de acordo com o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECRL, Conselho da Europa 2001, 36) “atribui-se […] grande importância à interaç-o no uso e na aprendizagem da língua, considerando o seu papel central na comunicaç-o.” Sabemos que o aprendente, perante a necessidade de interagir oralmente, adapta-se e, dependendo da sua competência linguística, mais ou menos fluída, recorre a diferentes tipos de estratégias. De acordo com o referido QECRL (2001, 90), <?page no="182"?> Diagnóstico da comunicaç-o oral do aluno galegofalante 183 As estratégias s-o um meio que o utilizador da língua explora para mobilizar e equilibrar os seus recursos, para activar capacidades e procedimentos, de modo a estar à altura das exigências de comunicaç-o em contexto e a completar com êxito a tarefa em causa […]. De acordo com Dörnyei / Kormos (1998, em Ferreira / Bergsleithner 2017), as estratégias de comunicaç-o podem agrupar-se em 6 tipos: (i) lexicais (palavras assemelhadas às da língua-alvo); (ii) gramaticais (reduç-o - forma singular verbal para plural do substantivo, supress-o e formas simplificadas); (iii) fonológicas (uso de formas incompletas até se encontrar eventualmente a certa - fenómeno “na ponta da língua”); (iv) pausas (silêncios, interjeições - “ah, eh, hum”, extens-o e alongamento de sons, lexicalizadas com expressões como “ent-o”, “bueno” [es]); (v) repetições; (vi) auto-correções. 5 Instrumentalizaç-o do estudo Para além do objetivo de desenhar o perfil do aluno galego-falante de português, o questionário online 1 serviu também para analisar o seu desempenho perante diferentes tipologias de exercícios, nomeadamente: (i) identificaç-o de vocábulos ortograficamente corretos, (ii) escolha múltipla respeitante a morfologia verbal; (iii) inferências de significado por intercompreens-o; (iv) “correç-o” lexical e de sintaxe; (v) atividades de interaç-o oral (relativamente) espontânea e em contexto de aula. Na base do desenvolvimento destes exercícios está a sistematizaç-o de Rodríguez (1999, 1097-1116). Nesta parte, o questionário era composto por 20 questões, 15 de escolha múltipla e 5 de resposta curta. 6 Desempenho dos aprendentes perante diferentes tipologias de exercícios Permitindo a ferramenta do GoogleForms analisar automaticamente as respostas introduzidas pelos participantes no questionário, procedeu-se, ent-o, ao levantamento das estatísticas automáticas e à análise das questões de resposta curta. 6.1 Seleç-o de vocábulos ortograficamente corretos De entre as palavras “cantaba”, “possíbel”, “libro”, “movilizar”, “ribeira”, 61,1% dos alunos considerou “possíbel” como sendo a palavra corretamente escrita em português. Apenas 22,2% considerou “ribeira” a palavra ortograficamente corre- 1 Acessível em: https: / / goo.gl/ aexhmk. <?page no="183"?> 184 Carla Sofia Amado ta. Parece-nos que, tal como se verificará na análise relativa às produções orais, n-o há distinç-o entre as realizações de <b> e <v>. Os grupos de palavras (i) “pertenzo”, “pertençia”, “açúcar”, “dicer”, “producir” e (ii) “felícisimo”, “quissera”, “quase”, “cantase”, “ese” n-o ofereceram muitas dificuldades. 66,7% acertou em ambos no vocábulo ortograficamente correto. No entanto, na oralidade, conforme será possível verificar na análise que se apresentará adiante, os aprendentes n-o conseguiram distinguir muitas das realizações fonéticas de <c>; <ç>; <z>; <ss>; <s>, o que nos leva a crer que, caso estas palavras tivessem sido gravadas e n-o escritas, n-o teríamos este resultado. 6.2 Escolha múltipla respeitante a morfologia verbal Neste caso, foi pedido aos alunos que selecionassem a forma verbal correta da 1ª pessoa do presente do verbo poder, de entre as seguintes formas: “posso”, “podo” 2 e “puedo”. A totalidade dos alunos que respondeu ao questionário selecionou a forma correta: “posso”. No respeitante à 1ª pessoa do pretérito perfeito do verbo fazer, foram indicadas as seguintes formas: “fizo” 3 ; “fazei”; “fiz”. Todos os alunos indicaram ser “fiz” a forma verbal correta. No entanto, perante duas formas do verbo ver no futuro simples com pronome mesoclítico, nomeadamente as seguintes formas: “verei-te” e “ver-te-ei”, 88,9% dos alunos considerou a forma sintética com pronome enclítico (“verei-te”) como a forma correta. Este constitui, de facto, um dos pontos mais complicados da sintaxe do português. Há aqui uma simplificaç-o que, regionalmente, em Portugal é aceite, assim como também é perfeitamente aceitável na variante do Brasil. Na variante de Portugal, o pronome pessoal oblíquo átono encontra-se sempre em posiç-o enclítica por se apoiar no acento das outras palavras na frase. Esta situaç-o da colocaç-o mesoclítica dos pronomes só é possível em português com formas do futuro do presente ou do futuro do pretérito, situaç-o que n-o ocorre no galego. 6.3 “Correç-o” lexical e de sintaxe Perante a frase “Amanh- eu vou a ir a uma festa.”, apenas 33,3% sugeriu correç-o/ ões certa/ s: “Amanh- (eu) vou/ irei a um festa.”. Restantes sugestões dos alunos incluíam opções, como: “Amanh- eu # voy a uma festa.”; “# Amanhá eu irei a uma festa.”; “Amanh- (eu) # vou ir a uma festa.”; “Amanh- (eu) # vou ir de festa .”; “Amanh- (eu) # vou a ir de festa .”. Já perante a frase “O ordenador está roto.”, apenas um aluno se aproximou da correç-o ideal: “O computador está estragado.”. 2 A forma correta do verbo poder na 1ª pessoa do singular do presente do indicativo na normativa galega é podo . 3 A forma correta do verbo fazer na 1ª pessoa do singular do pretérito perfeito na normativa galega é fixen . <?page no="184"?> Diagnóstico da comunicaç-o oral do aluno galegofalante 185 As restantes respostas dos alunos incluíram sugestões, como: “A # computadora está # averiada / estragada/ rota.”; “O computador/ # ordenador está (# fica ) roto/ quebrado/ apagado/ # rompido / # estropeado .”. Verificamos que, a larguíssima maioria dos aprendentes tem dificuldades em identificar e corrigir estes dois problemas concretos: (i) o futuro simples do verbo ir , que n-o requer o uso de verbo auxiliar e nem de qualquer preposiç-o; (ii) léxico castelhano. 6.4 Inferências de significado por intercompreens-o Neste exercício era pedido aos alunos que selecionassem as frases corretas em termos de sentido. De entre as frases: (i) “O filme terminou muito tarde.” e (ii) “O filme rematou muito tarde.”, 72,2% dos estudantes selecionou (corretamente) a (i) como correta. Do mesmo modo, perante as frases: (iii) “O bolo faz-se assim….” e (iv) “O bolo faz-se deste jeito….”, 77,8% acertou que a (iii) seria a correta. O mesmo aconteceu perante as frases: (v) “Ele encontrou o cart-o….” e vi) “Ele atopou o cart-o….”. 66,7% dos estudantes selecionou (corretamente) a frase (v) como correta. No entanto, como veremos, quer o verbo atopar [gal], quer o verbo rematar s-o repetidamente usados na oralidade. 6.5 Atividades de interaç-o oral (relativamente) espontânea e em contexto de aula 22 estudantes participaram nas gravações de conversas fora da sala de aula, tendo 20 participado nas gravações feitas em contexto de aula. De entre as gravações, foram selecionadas apenas as mais representativas das dificuldades-tipo do aprendente galego-falante, na impossibilidade de, no âmbito deste artigo, analisar exaustivamente todos os casos. O critério seguido foi o de selecionar duas conversações (4 participantes), nas quais mais ocorressem essas dificuldades-tipo sistematizadas por Rodríguez (1999) e se recorresse a um maior número estratégias de comunicaç-o, em simultâneo. O tema definido para as conversas (relativamente) espontâneas fora do contexto de sala de aula foi o das diferenças e rivalidades entre Lisboa e o Porto e/ ou entre cidades/ regiões do norte e do sul em todos os países. 4 S-o estas as atividades de interaç-o oral em análise neste artigo. Selecionaram-se duas conversas. Uma com a duraç-o de 5: 03 minutos e que encurtámos para 2: 25 minutos. Outra, tem a duraç-o de 4: 32 minutos, encurtá- -mo-la para 3: 25 minutos. Ambas foram transcritas com identificaç-o das mais 4 Conversas poder-se--o ouvir em: https: / / goo.gl/ 3jVd8q e https: / / goo.gl/ 3Kxx6U. <?page no="185"?> 186 Carla Sofia Amado importantes particularidades fonéticas no Anexo II, intituladas de “Conversa 1” e “Conversa 2”, respetivamente. 5 6.5.1 Principais dificuldades fonéticas identificadas a partir das atividades de produç-o oral 6 O âmbito da fonética é, no caso dos galego-falantes, aquele que oferece sempre maior dificuldade. Os aprendentes apresentam deficiências cristalizadas na componente fonética da interlíngua, através do recurso a uma entoaç-o mais aportuguesada. No Anexo II é possível verificar a transcriç-o das duas conversas em análise. • Fonema lábio-dental fricativo sonoro [v] do português e inexistente no galego, sendo substituído por [b]: exemplos: Euro[b]is-o para Eurovis-o ; Lis[v]oa para Lisboa . • Fonema linguo-dental fricativo sonoro [z] do português e que falta no galego, sendo substituído por um som aproximado de [s]: exemplos: Gali[s]a para Galiza ; Eurovi[s]-o para Eurovis-o . • Fonema palatal fricativo sonoro [ʒ], que falta no galego, língua que detém apenas o fonema palatal surdo [ʃ]: exemplos: ho[ʃ]e para hoje ; [ʃ]ente para gente . • Fonema africado palatal surdo do galego [t͡ʃʲ], que, em português, equivale ao fonema prepalatal fricativo surdo [ʃ]: exemplos: [t͡ʃʲ]ove e [ʃ]ove para chove . • Fonema interdental fricativo surdo do galego [θ]: exemplo: tzim para sim . • Nasalizaç-o: exemplos: berán para ver-o ; [tɐ̃mvẽĩ ̯ ] e [tɐ̃mbẽĩ ̯m] para também . • Realizações peculiares de <nh> e <lh>: exemplo: vella [beiʎa] para velha [veʎɐ]. • Numeral e pronomes femininos grafados com <nh>: exemplo: nunha para numa ( em + uma ). • Distinç-o entre “a” aberto [a] e “a” fechado [ɐ], assim como <e> [i] e <é> [ɛ]: exemplos: [majʃ] e [maʃ] para mas [mɐʃ]; [ɛ] para e . 5 Transcriç-o completa de ambas as conversas no Anexo II deste artigo. 6 Terminologia usada a partir leituras do conjunto de artigos do Centro Virtual Camões (2006), “A pronúncia do português europeu”, acessível em: http: / / cvc.instituto-camoes.pt/ cpp/ acessibilidade/ capitulo2_1.html [08.03.2018]. <?page no="186"?> Diagnóstico da comunicaç-o oral do aluno galegofalante 187 6.5.2 Principais dificuldades morfossintáticas, semânticas e lexicais identificadas a partir das atividades de produç-o oral • Plurais dos nomes acabados em <-o>: exemplos: os berais e os verais para os verões . • Morfologia verbal: perfeitos irregulares e presentes com conjugações agramaticais: exemplos: di para diz , din para dizem , dixo para disse ; estan para est-o . • Por norma, o aprendente, ao n-o saber conjugar um verbo, recorre à conjugaç-o do galego para formas regulares em que só difere a terminaç-o n e ao castelhano para formas irregulares, mais desconhecidas. • Formas de futuro e condicional com pronome mesoclítico substituídas por formas com pronome enclítico e criações que seguem a mesma lógica: exemplos: fase para faz-se; falanse para falam-se. • Transferência de partículas de uso prepositivo/ adversativas: exemplo: aún que para ainda que . • Fixaç-o do léxico comum galego-português, assim como neologismos e castelhanismos flagrantes: exemplo: competência para concorrência . • Confus-o de vocábulos próximos e reducionismo vocabular - uso repetido, ampliações, restrições e decalques: exemplos: pescado para peixe ; de donde para de onde . • Variaç-o de vocábulos devido a fenómenos fonéticos: exemplo: prefiren para preferem . 6.5.3 Principais recursos a estratégias de comunicaç-o • Lexical: exemplo: competência para concorrência . • Gramatical: exemplo: veio a menos para tornou-se menor . • Fonológica: exemplo: [ʎ]o…, [ʃ]…, [t͡ʃʲ]ove muito para chove muito . • Marcadores discursivos: exemplos: bueno para bem ; o sea para ou seja . • Repetiç-o: exemplo: em… em… em… qual cidade para em que cidade . • Auto-correç-o: exemplos grafados: máis en minha opinión para na minha opini-o . <?page no="187"?> 188 Carla Sofia Amado 7 Conclusões e perspetivas Conforme reportámos, a grande proximidade lexical e semântica, fonológica e sintática entre o português e o galego (e o castelhano) alimentam no aprendente uma falsa sensaç-o de fluência linguística em português. O aprendente é muitas vezes induzido em erro, outras vezes encontra estratégias que, através de transferências, ou lhe facilitam a produç-o ou a prejudicam (dando origem a uma interlíngua). Do nosso ponto de vista e de acordo com a breve análise levada a cabo até ao momento, n-o se pode atribuir apenas à interferência advinda da intercompreens-o possibilitada por duas línguas t-o próximas a causa da fraca fluência em português do aluno galego-falante. Influi aqui também, por um lado, a inadequaç-o de metodologias específicas de ensino neste contexto t-o concreto, n-o podendo, de acordo com a nossa opini-o, o docente de português na Galiza seguir os mesmos métodos e usar os mesmos materiais que aplica nos contextos de ensino de Português Língua Estrangeira ou Português Língua Segunda. Por outro lado, consideramos que há questões de ordem motivacional que podem e devem ser trabalhadas pelo corpo docente, como a aposta no trabalho intercultural, já que, para além das proximidades linguísticas existem proximidades culturais entre a Galiza e Portugal, mas também diferenças que, recorrendo à literatura, à música, ao cinema e às artes em geral, se podem explorar e, desse modo, contribuir para o alargamento da competência linguístico-cultural do aprendente galego-falante. Pretendemos, nas próximas fases deste estudo, após uma análise aprofundada de todas as conversações já gravadas, proceder, ent-o, à sistematizaç-o completa de todas as dificuldades ocorridas e, de seguida, centrar-nos no desenvolvimento e realizaç-o de atividades promotoras da oralidade do aluno galego-falante em português, atividades, cuja aplicaç-o faremos por ir avaliando. Barbosa da Silva, Eliane. 2002. “Bloqueios do aprendiz de espanhol/ LE: os heterossemânticos”, in: Congreso Brasileño de Hispanistas , 2. S-o Paulo: Associaç-o Brasileira de Hispanistas. Disponível em: www.proceedings.scielo.br/ scielo.php? script=sci_arttext&pid=MSC0000000012002000100020&lng=en&nrm=abn; acedido a 25.02.2019. Calvo Capilla, María Carolina. 2009. “O efeito da língua materna na aquisiç-o de línguas próximas”, in: Revista Intercâmbio dos Congressos Internacionais de Humanidades , 12, 1-12. Conselho da Europa. 2001. Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas: Aprendizagem, Ensino, Avaliaç-o . Porto: Asa. Ferreira, Giovana Marinho / Bergsleithner, Joara Martin. 2017. “Estratégias de comunicaç-o e tarefas orais no ensino e aprendizagem em LI”, in: Linguagem & Ensino , 20/ 1, <?page no="188"?> Diagnóstico da comunicaç-o oral do aluno galegofalante 189 209-240. Disponível em: www.rle.ucpel.tche. br/ index.php/ rle/ article/ view/ 1607; acedido a: 25.02.2019. Rodríguez, Alfredo Maceira. 1996. “Galego e português modernos: um estudo comparativo”, in: Revista Philologus , 6, , 33-41 Disponível em: www.filologia.org.br/ revista/ 06/ index.pdf; acedido a: 25.02.2019. Rodríguez, José Luís. 1999. “Reflexões sobre o ensino do português para galego-falantes”, in: Juan M. Carrasco González / María Jesús Fernández García / Maria Luísa Trindade Madeira Leal (ed.): Actas do Congreso Internacional de Historia y Cultura en la Frontera. 1er Encuentro de Lusitanistas Españoles (Cáceres, 10, 11 y 12 de noviembre de 1999) . Cáceres: Universidad de Extremadura, 1097-1116. Anexo I-- Lista de símbolos, acrónimos e interjeições Símbolo/ acrónimo/ interjeiç-o Significado # para marcar palavra incorretamente grafada, cuja grafia tentou ir de encontro à forma como a mesma foi pronunciada : para marcar pausas e interrupções (—) para facilitar a compreens-o, entre parêntesis encontra-se a palavra corretamente grafada ou alguma explicaç-o [—] para indicar realizaç-o fonética da forma como determinada palavra ou som foram pronunciados pelo estudante aprendente E1-4 para E1 - Estudante 1; E2 - Estudante 2; E3 - Estudante 3; E4 - Estudante 4 (gal) para galego / língua galega (pt) para português / língua portuguesa (esp) para espanhol / língua castelhana eh(hhhhh) para pausa sonora enquanto o estudante aprendente formula a sua próxima oraç-o ou pensa na próxima palavra a ser dita hum para estratégia de pausa, vulgarmente conhecida por “ umming ”, pode significar concordância mh para pausa sonora, pode expressar dúvida ou admiraç-o h- para pausa sonora, pode expressar incompreens-o nah para expressar negaç-o <?page no="189"?> 190 Carla Sofia Amado itálico para expressões estrangeiras: anglicismos, castelhanismos, galeguismos Anexo II - Transcriç-o do corpus: conversas analisadas Conversa 1 7 E1 - Olá, Ana! Pois: este fim de semana teve lugar o festival de Euro[b]is-o e (em) [ki] ganhou Portu[ɡaw] com a canç-o amar pelos doi[z], que eu acho que é muito bonita, ehhhh eu gosto muito do Salvador Sobral porqueeee creio que é uma pessoaaaa de verdade que #di coi[s]aaas hum muito importantes como [ki] a músicaaaaa: deve seeeeer,: deve teeeer sentimentos [ɛ] (e) ter #contido e n-o ser só: como ele #dixo fast food music ehhhh, que eu penso que é muito importante. E2 hum hum… Ent-oooo o ano [ki] vem a Eurovi[s]-o será cele[v]rada em Portugal eeee nós gostaríamos muito de ir. E1 - [θ]im (sim). E2 - Mais: , más: em: em: em: qual #cidadi achas tu que será a Eurovi[s]-o? E1 - : #[B]a a ha[b]er problema[z]. E2 - #Si. Acho [ki] t[ɐ̃ĩ ̯ʃ] raz-o por[ki]: hum… há uma #vella #rivalidadi entre as #cidadis mais importantes do país [ki] [ʃ]on ( son gal -; s-o): Lis[v]oa e o Porto e esta ri[b]alidadi hum: fa[z]e [faz-se] #así (esp) n[ũɡɐ] (numa) competência eh: [ki] #si #estabeleci por[ke] eh: : a Lis[v]oa #fui sempre aaaa capital do país e hum: teve muita, muito privilégiooo das classes sociais alta[ʃ]: p[uuuu]r: porque: tinha ali a corte eeee as institui[sõʃ] mais importantes do país, #más P[u]rto (Porto) foi sempre uma #cidadi muito importante a nív[ɛ]l 7 Acessível em: https: / / goo.gl/ 3jVd8q. <?page no="190"?> Diagnóstico da comunicaç-o oral do aluno galegofalante 191 económico por[ke] era hummm #muy (esp) #importanti ponto [pɾɔʃ] negócios eh dado a sua situaç-o e a sua condiç-o de porto marítimo e flu[b]ial: h---: E1 - É um pouco o mesmo que passa aqui na Gali[s]a: E2 - hum hum E1 - … #cu as (com as) cidades de Vigo ééé (e) a Corunha E2 - Sim. E1 - …porquêe sempre #hubo (gal) (houve) #una ri[b]alidade entre as duas cidades que [kirjɐ̃] (queriam) ser: pois: mais importante da Gali[s]a. E2 - hum hum. Esta #rivalidadi é muito #paricida (parecida) [purki] (porque) as duas cidades [kũpɨtjɐ̃] (competiam) a nív[ɛ]l, a nív[ɐ]l [tɐ̃mvẽĩ ̯], [tɐ̃mbẽĩ ̯m] (também) económico… ent-o: : : a cidade da Corunha eh: era muito importante por ser p[u]rto (porto) comercial, #más eh: a mesma condiç-o tinha Vigo, foram os polos da industrializaç-o da Gali[s]a, é: , espe[ʃ]ialmente Vigo que cre[ʃs] eu (cresceu) muito nos último[ʃ] 50 ano[ʃ], aaa: devido à: industrializaç-o #mentres (esp) que a Corunha eh: sempre #tivo (gal) institui[ʃ]ões tam[v] ém: [purki] foi aaa: sede institucional doooo dooo do da Coroa de Espanha durante muito[ʃ] [ʃ]éculo[ʃ] (séculos) na Galiza: eee assim est[ɐ̃] as coi[ʃ]as. É uma rivalidade muito parecida porque [tɐ̃mbẽĩ ̯m] (também) hááá muitaaa #rivalidadi aaaa nív[ɛ]l fute[v]olístico… E1 - Subret[o]do, nív[ɛ]l futebolístico. E2 - Si. Tantooo o Celta de Vigooo como o Deportivo da Corunha, com[ɔ] (como) Benfica e o #equipo do Porto eeee e: N-o sei: é assim muito parecido tudo. E1 - Entreeee o Celta de Vigo e a Corunha, eh: o Deportivo da Corunha, #hai (esp) uma #ribalidadi, muito grande, sempre, no futebol, eh: por causa de de sempre do que [ki] (aqui) chamamos o clássico, o clássico galego, #más (esp) <?page no="191"?> 192 Carla Sofia Amado eh: nos últimos anos eu creio que isto é é #beo (gal) (para veio; no sentido de tornou-se) a menos, penso. E2 - Nah. N-o acredito eh: Creio que n-o. N-o. #En Vigo sente-se muito a #rivalidadi e na Corunha [tɐ̃mbẽĩ ̯m] (também) E1 - Sim. Na… Nestes últimos dias #incluso (esp) #co a (gal) (com a) com o partidooo: do Celta que #estuvo (esp), estivo (gal) #a punto (esp.) de ganhar a Europa League , creio que é. Eu penso que é isso. E2 - hum. Há muita rivalidade #inda ho[ʃ]e. Conversa 2 8 E3 - Olá. Bom dia. Eu chamo-me Santiago Torres. E4 - Eh. Bom dia. Eu sou a Ester Perez. E3 - #Imos (gal) tratar a diferença entre o norte e o sul da península e partimos de Madrid como centro. E4 - #Má… #primeo (primeiro)… [b]amos a falar do clima da penín[s]ula. eh: Eu tenho que #decir (esp) que os #berais, os #verais (verões) #del sur (esp) s-o mais calorosos e come[sɐ̃] (começa) antes que no norte. [tɐ̃mbɛm] (também) é certo que as temperaturas durante todo o ano #son (gal) #más (esp) suaves [ɛ] (e) #aos in[b]er, os in[b]ernos #no #son (gal) (s-o) [tɐ̃] frios, #aun que (esp), eh: #aum… #aumas #beces (algumas vezes) #también (esp) lho… tsch., [ʃ]ove muito. E3 - [ɛ] (e) aqui o clima no norte é muito mais frio que no sul, [ʃ]ove muito durante todo o in[b]erno [ɛ] (e) n-o temos #un climo #muy #estable (esp) (um clima muito estável). Durante o [bɛrɐ̃m] (ver-o) #non (esp) é [ke] temos #un [bɨrɐ̃m] (ver-o) #muy #caleoroso, #en muitas #ocasións (esp), #en dias #y #más, [ʃ]ove. eh: #En definitiva (esp) #no temos #un clima #muy #estable (esp). (repetiç-o) E4 - Ah. De[b]ido ao clima que há no sul da.., do país eh: #es…, esta zona #tenen (gal), [tẽ] (tem) mais turismo durante todo o ano [purke] os e[ztr-ʒ]eiros (estrangeiros) #gostan #mucho (esp) das praias, como há #buen (esp) tempo e as 8 Acessível em: https: / / goo.gl/ 3Kxx6U. <?page no="192"?> Diagnóstico da comunicaç-o oral do aluno galegofalante 193 temp[ɛ]raturas #sa, #no s-o #muy (esp) baixas [ɛ] (e): podem ir à praia durante hum a maior parte do ano. (repetiç-o) E3 - O turismo no norte é muito mais caro que no sul. Também é muito mais na[s]ional. É um tipo de turismo #muy (esp) dif[ɛ]rente. Aqui #basa-se (baseia-se) mais nas casas ruraaais, a [ʃ]ente (gente) aproveita o in[b]erno frio [ɛ] (e)… #si… é #van… (esp) #si… #o sea : ehhh… #si… #o sea… #prefiren (gal) (preferem) o norte [ɛ] (e) a montanha, [ɛ] (e) no sul é muito mais dif[ɛ]rente [purke] #prefiren (gal) a praaaia. E4 - E está mais #[ʒ]eno ( lleno - esp -, cheio) de estran[ʒ]eiros, #así (esp) que a #gente (esp.) prefere ir para o norte estar [ku] a (com a) família e [o] #con o[z]amigos. E3 - É aqui [tɐ̃mɐĩ̯] (também) [ɛ] (e): temos o caminho de Santiago e a [ʃ] ente (gente) também o aproveita muito [purke] [ɛ] (e): dá muito turismo tanto nas caças [ɛ] (e): como nos #hostais (gal), [ɛ] (e): que vai #dende #Francia #ata #Galicia (gal). [ɛ] (e): [b]ai (vai) por todo o norte [ɛ] (e) isso pro[b]oca [ɛ] (e): #una #gran demanda (esp) de turismo. E4 - Ah! No referido a #las #lengu…, às línguas temos que #decir (esp) que há… há #una #gran (esp) diferença entre [ɛ] (e)… #el (esp), o número de línguas que #falanse (gal) no norte [ɛ] (e) no sul. [ɛ] (e) no sul fala[z]e sobretudo o #castelau, [ɛ] (e) m[a]s #hai (esp) muita [b]ariedade nos dialectos. [ɛ] (e) muitas [beseʃ] [ɛ] (e): os dialetos s-o muito diferentes #es muito complicado [ɛ] (e) saber de donde #son (esp) as pe[z]oas. E3 - Aqui no norte #hai (esp) muita [b]ariedade [ɛ] (e) #con #respecto (esp) às línguas que no sul. A partir do #castul-o temos outros idiomas como o galego, o catal- o o euskera. Muita [ʃ]ente (gente)… Muita [ʃ]ente (gente) #prefire(n) … #o sea… (esp) para a [ʃ]ente (gente)… [ɛ] (e) #dín (gal) (dizem) [kɛ] o galego, o catal- o o #euskera #son (esp) idiomas ofi[z]iais #peró (esp) para #otras [ɛ] (e) #son (esp) dialectos, é como uma #batalla (gal) entre grupos no que uns #prefiren (gal) [kɛ]… #o sea… [kɛ] p[a] (para) eles e #son #unas (esp) línguas oficiais [o] (ou) p[a] (para) outras dialectos. E4 - Ah finalmente falamos da comida do país [ɛ] (e): #aun que (esp) eu #défen… #définda (defenda) a posiç-o do sul tenho que #decir #però (esp) a comida do norte, #máis #en minha #opinión (esp), na minha opini-o, eh, a fruta do sul #es <?page no="193"?> (esp) muito mais boa que #da… #da… norte, [ɛ] (e) muita da fruta que se come no norte é #traída (gal) do sul. E3 - Si. (esp) A comida no norte, por [eʃe͂pu] (exemplo), na minha opini-o, #si gustame mais que a do sul, temos mais n-o sei, como por [eʃe͂plu] (exemplo), como pescado fresco na Gali[z]a, [ɛ] (e) temos como diferentes tipos de comidas. Eu prefiro a do norte #ca do #sur (gal). <?page no="194"?> Uma Abordagem Didática Plurilíngue para a Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste Karin Noemi Rühle Indart 1 Introduç-o Timor-Leste tem uma história antiga e recente de transiç-o de línguas oficiais e instrucionais. Todas as grandes mudanças políticas em Timor-Leste representaram mudança de língua oficial, que afetaram diretamente as políticas educativas e o funcionamento do sistema educacional. As diferentes fases de políticas educativas em Timor-Leste também tem acompanhado seus períodos históricos mais marcantes. Segundo Gonçalves (2010, 126sq.): A primeira fase colonial portuguesa até 1975 compreendeu a introduç-o da Língua Portuguesa e do currículo ocidental; era uma educaç-o de caráter elitista, pois n-o havia educaç-o pública e massificada, persistindo o analfabetismo em 90 % da populaç-o até essa data. Seguiu-se a ocupaç-o Indonésia (1975-1999), em que a Indonésia investiu substancialmente na educaç-o pública. Mesmo assim, em 1999, Timor ainda estava muito atrás de outras províncias da Indonésia em termos de número de estudantes matriculados e de requisitos nacionais de educaç-o básica obrigatória de nove anos para crianças de idade compreendida entre os sete e os 15 anos. O sistema era ineficiente e sem qualidade. O terceiro período da UNTAET ( United Nations Transitional Administration for East-Timor ), de 1999 a 2002, encontrou o sistema educativo totalmente destruído: 90 % das escolas n-o funcionavam e 80 % dos professores (n-o- -timorenses) de todos os níveis de ensino deixaram o território. Só em 2001 a maioria das escolas voltou à normalidade com professores voluntários, normalmente de idade mais avançada e que ainda falava português. Porém, se o número de professores timorenses capacitados para docência em 2001 era muito pequeno para a demanda do sistema, o número de professores com domínio suficiente em Língua Portuguesa era ainda muito menor. Portanto, tornar-se membro da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), foi uma estratégia para receber apoio no envio de professores de Língua Portuguesa ou de professores que pudessem ensinar todos os níveis e matérias em Língua Portuguesa a toda a geraç-o de crianças que a desconhecia quase completamen- <?page no="195"?> 196 Karin Noemi Rühle Indart te. O início da implementaç-o da língua no sistema de educaç-o com a ajuda da cooperaç-o portuguesa e brasileira, mesmo que de forma muito precária, aconteceu muito antes da sua oficializaç-o na Constituiç-o em 2002. 1.1 Cooperaç-o Portuguesa Já em 1999 a primeira tomada de posiç-o portuguesa no que toca à participaç-o no processo de transiç-o em Timor Lorosa’e e ao apoio ao ensino da língua portuguesa em Timor Lorosa’e foi a criaç-o do Gabinete de Apoio à Transiç-o em Timor-Leste (GATTL) (Antunes 2003, 123). Segundo este autor “o Governo português indicou ao Banco Mundial a sua preferência pelo apoio aos projetos” no sector educativo ainda no governo transitório da UN em 2000. Estas ajudas passaram a ser bilaterais (e por isso diretas ao governo leste-timorense) a partir do momento em que Portugal decidiu envolver diretamente as instituições portuguesas no processo de (re)introduç-o da língua portuguesa (ibid., 125). Foi feito um especial esforço de investimento financeiro do GATTL para o sistema de educaç-o, “de um total a roçar 20 milhões de euros, a maior fatia (60,5 por cento) dos financiamentos que, em 2003, Portugal est[ava] a destinar a Timor, envolv[ia] a quest-o da língua” (ibid., 123). Antunes (ibid., 128sq.) lista os projetos da GATTL em ordem de prioridade: apoio técnico e financeiro à estrutura de administraç-o escolar; recenseamento das crianças e jovens em idade escolar; organizaç-o curricular de ensino básico e secundário; concepç-o de manuais escolares e materiais didáticos; apoio à elaboraç-o de uma lei de bases do sistema educativo; formaç-o de professores; ensino da língua portuguesa em matérias disciplinares; apoio à reestruturaç-o do ensino superior; apoio à criaç-o de um Instituto de Língua Portuguesa e Língua Tétum; apoio a Biblioteca da Universidade de Díli; Ensino de Língua Portuguesa - formaç-o em português como língua estrangeira para a populaç-o em geral; oferta de cursos através de rádio, televis-o e do vídeo; apoio à elaboraç-o de um dicionário Português-Tétum; cursos extracurriculares de aperfeiçoamento da língua portuguesa para estudantes universitários, docentes da língua portuguesa e funcionários da administraç-o pública; distribuiç-o de dicionários e gramáticas; bolsas de estudo para timorenses; criaç-o de um Centro Cultural Português. <?page no="196"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 197 1.2 Cooperaç-o Brasileira O Brasil veio a comprometer-se com auxílio ao sistema de educaç-o formal apenas depois da oficializaç-o da Língua Portuguesa, já durante a governaç-o timorense. Antes, porém, algumas iniciativas pontuais foram implementadas, como o Centro de Promoç-o Social, Formaç-o Profissional e Desenvolvimento Empresarial de Becora em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI, promovida pelo ABC/ MRE (Agência Brasileira de Cooperaç-o/ Ministério das Relações Exteriores) com a colaboraç-o direta do SENAI, inaugurado em 21 de maio 2001 (Gusm-o 2010, 78). Assim como projetos de alfabetizaç-o de adultos - Alfabetizaç-o Solidária - e educaç-o à distância - o Telecurso - implementados no âmbito da educaç-o n-o-formal. O envolvimento do Ministério de Educaç-o do Brasil só aconteceu em 2003 com a Miss-o de Especialistas Brasileiros em Educaç-o - MEBE para realizar assessoria internacional. Na realidade o acordo de cooperaç-o técnica para o projeto de Formaç-o de Professores em Exercício aconteceu em 20 de maio de 2002, mas foi promulgado apenas em 19 de janeiro de 2005 (ibid., 79sq.). Sobre esse projeto, em 2002 o, ent-o, presidente Fernando Henrique Cardoso comprometeu-se com Xanana Gusm-o a enviar 250 professores para Timor-Leste, 50 por ano. Em 2003 foram enviados seis professores especialistas para auxiliar no Plano de Desenvolvimento do Currículo Nacional, na definiç-o da Lei Básica da Educaç-o Nacional e a assistência na formulaç-o de políticas de melhoria da preparaç-o de professores em Língua Portuguesa (cf. Bormann / Silveira 2007). Em 2004 Ramos Horta voltou a pedir cooperaç-o nas áreas de legislaç-o, currículo e administraç-o escolar e cinco doutores nas áreas referidas foram enviados. Entendeu-se que a ida desses profissionais seria importante para o governo timorense, a fim de servir também de contraponto aos consultores dos organismos internacionais em Timor que, vez ou outra, buscavam retomar a quest-o da língua, contra a vontade das autoridades locais (Spagnolo 2011a, 13). Só em 2005 foram enviados os primeiros 50 professores prometidos para “capacitar professores timorenses no âmbito da nova grade curricular e no ensino do português e estruturar o serviço auto-suficiente de qualificaç-o dos professores por meio da transferência do Proformaç-o” (ibid., 14). Para o governo brasileiro cabia aos professores selecionados a “execuç-o do ensino da língua portuguesa para docentes de diversos níveis das escolas timorenses”. Em solo timorense as funções dos professores brasileiros foram ampliadas para: • colaborar com a comiss-o de conteúdos mínimos curriculares do Ministério da Educaç-o e Cultura/ Timor-Leste, na construç-o de currículos nacionais para os ensinos primário, secundário, superior e técnico profissional, com o <?page no="197"?> 198 Karin Noemi Rühle Indart objetivo de criar novos cursos e de formar professores de diferentes níveis e disciplinas na língua portuguesa; • colaborar com a Universidade Nacional Timor Lorosa’e na formaç-o inicial de professores, no desenvolvimento da pesquisa científica e em atividades afins; • capacitar professores do ensino primário, pré-secundário e secundário, nas diversas áreas do conhecimento, em língua portuguesa; • implementar o projeto de reestruturaç-o do Instituto de Formaç-o Contínua de Professores - IFCP 1 em seus aspectos pedagógicos, administrativo e físico; • capacitar n-o docentes no âmbito do MEC 2 / RDTL; • organizar os professores por áreas de conhecimento, disciplinas e nível de ensino, por meio de estudo que identifique os profissionais; construç-o dos núcleos de aprendizagem e ensino por área de conhecimento; organizaç-o de eventos de caráter nacional que envolvam diretamente professores e estudantes timorenses e de estratégias que permitam uma inter-relaç-o das diversas áreas ou disciplinas; • estruturar um corpo de profissionais timorenses para exercer a funç-o de professor formador e vincular esses profissionais ao IFCP; • colaborar com o setor de educaç-o de jovens e adultos; • produzir material pedagógico institucional para o ensino pré-secundário; • organizar bibliotecas (ibid., 15sq.). 2 Concorrência de Variantes da Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o Timorense 2.1 Nichos de Atuaç-o Nos anos iniciais da administraç-o da independência Timor-Leste recebeu ajuda de diversos países e também de variados organismos internacionais. Tal diversidade de auxílio trouxe uma gama distinta de assessores com diferentes modelos políticos e institucionais, como expõem Silva / Simi-o (2007b, 15): A escolha dos modelos para a formaç-o de instituições basilares do Estado era, aliás, frequentemente condicionada pela nacionalidade dos cooperantes. [ ] o predomínio de assessores portugueses e de países da CPLP no Ministério da Educaç-o produzia 1 IFCP - Instituto de Formaç-o Contínua de Professores tornou-se em 2011 em INFORDE- PE - Instituto Nacional de Formaç-o de Docentes e Profissionais da Educaç-o. 2 O MECJD - Ministério da Educaç-o, Cultura, Juventude e Desporto, ministério criado pelo primeiro governo pós-independência foi dividido posteriormente e tornou-se MEC - Ministério da Educaç-o e Cultura. Nova reestruturaç-o aconteceu e atualmente é denominado ME - Ministério de Educaç-o. Mantemos as designações originais das citações, mas no texto damos preferência ao nome atual. <?page no="198"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 199 um sistema educacional latinizado. A distribuiç-o das nacionalidades dos assessores em diferentes setores correspondia às prioridades de cada país doador e ao volume de recursos doados, o que criava outra das consequências imponderáveis: se o país doava 90 % dos recursos para o setor, julgava-se no direito de indicar igual proporç-o de assessores de sua nacionalidade. A Cooperaç-o Portuguesa atuou preferencialmente na área de educaç-o, principalmente por causa da escolha de língua oficial e como auxiliou o Ministério da Educaç-o desde seu início, influenciou amplamente as políticas e planejamentos deste ministério. Todas as ações por esta cooperaç-o desenvolvidas eram consideradas como ações de (re)introduç-o de Língua Portuguesa, pois “quando Portugal envia professores […] independente da disciplina que v-o lecionar, sempre estar-o a colaborar com o processo de ensino da língua portuguesa” (Antunes 2003, 123). A (re)introduç-o da Língua Portuguesa via sistema de educaç-o era uma política ambiciosa e os objetivos iniciais da cooperaç-o “foram sendo alvo de reapreciaç-o, conforme a evoluç-o no terreno”. No entanto, a n-o execuç-o da maioria dos projetos emergenciais trouxe certo desânimo em diversos timorenses (ibid., 129). A principal dificuldade apontada por Antunes, autor e cooperante português, é didática, uma vez que “a língua portuguesa em Timor Lorosa’e é, para a maioria da populaç-o, uma língua estrangeira”. E sua reflex-o afirma que, “talvez por isso muitas vezes tenham surgido enormes dificuldades aos docentes portugueses, já que esse pressuposto n-o era consciente e os docentes n-o se prepararam para ele” (ibid., 128). Nesse sentido, a primeira aç-o foi enviar formadores de língua portuguesa. Fariam reciclagem de 300 professores de primário e outra equipa ensinaria língua portuguesa para jovens licenciados, alunos universitários e outros quadros timorenses. Segundo depoimento dos professores portugueses, porém, é necessário ser muito flexível, saber fazer muito teatro e ter consciência que ensinar português durante dois meses e meio a pessoas que dominam duas línguas como o Tétum e o Bahasa Indonésio, que s-o idiomas muito simples em termos gramaticais e até vocabulares, é quase impossível (ibid., 131). Antunes complementa, que “esta capacidade crítica acaba por se estender aos materiais que estavam a ser utilizados”. Em raz-o à essa realidade específica de Timor-Leste, para Antunes, além dos professores enviados para ensinar, Portugal também deveria ter investido em especialistas que analisassem as variáveis de ensino de língua portuguesa em Timor e o improviso n-o fosse a estratégia principal. Em avaliaç-o às outras tarefas da GATTL já referidas o cooperante destaca que no ano letivo de 2003-2004 o currículo adaptado à realidade local ainda n-o estava implementado. A produç-o e distribuiç-o de livros era limita- <?page no="199"?> 200 Karin Noemi Rühle Indart da. Os professores para Ensino pré-secundário e Secundário foram espalhados pelo país nos primeiros anos e “essa miss-o foi uma das que melhores resultados se colheu” (ibid., 130). Foram enviados 42 professores de português em janeiro de 2000, 60 em julho e 150 em outubro. O envio de 150 professores por ano e o fornecimento de manuais escolares aconteceu desde 2000. O problema, a nosso ver, é que a este esforço financeiro, n-o produziu resultados visíveis. Voltamos a referir que, com uma boa política de planificaç-o linguística e, acima de tudo, com a preparaç-o de uma didática específica para o português em Timor Lorosa’e, teria sido possível chegar a esta altura com mais passos na direç-o que todos desejam (ibid., 134). Em 2003 o governo timorense decidiu que os 150 professores espalhados pelos distritos fariam formaç-o de professores em exclusivo, deixando a lecionaç-o nas escolas para docentes timorenses. Uma das grandes barreiras enfrentadas na formaç-o de professores timorenses de língua portuguesa e em língua portuguesa era a ausência dos formandos nas aulas. Em um caso extremo, “dos 60 professores inscritos nas aulas de uma das professoras em Díli apenas dois [iam] às aulas” (ibid., 140). No relatório oficial da cooperaç-o declara-se que, de acordo com as entrevistas realizadas no terreno, a coordenaç-o entre a Cooperaç-o Portuguesa e as cooperações de outros Países foi caracterizada pela sua inexpressividade, em parte devido a alguma limitaç-o na capacidade de resposta dos Serviços do IPAD em TL, mas também, possivelmente, por falta de orientações claras nesse sentido - aliás, no terreno parece predominar um certo isolacionismo entre os parceiros nacionais, mesmo onde uma estreita coordenaç-o seria de todo desejável, como acontece nas assessorias jurídicas junto aos Ministérios (IPAD 2007, 59). Mesmo com avaliações bastante negativas, os acordos e prioridades da Cooperaç-o Portuguesa com Timor-Leste no relatório apresentado pelo Ministério de Negócios Estrangeiros em maio de 1999 mantêm-se e esta cooperaç-o com Portugal foi um importante contributo claramente expresso pela liderança política timorense (cf. Lunardi 2014). Apesar da persistência em relaç-o aos pressupostos originais, Lunardi aponta as várias fases da cooperaç-o na área do ensino da língua portuguesa: A primeira fase foi do ano letivo 2000/ 2001 ao de 2002/ 2003, cujo principal objetivo era lecionar a disciplina de português aos alunos dos ensinos pré-secundário e secundário. Nesta fase, apenas, uma pequena parte do horário dos docentes portugueses foi dedicada à formaç-o de professores e da populaç-o. Foram abrangidos 45.000 alunos e 4.000 docentes e populaç-o, em cada um dos anos letivos. A segunda fase foi do ano letivo 2003/ 2004 ao de 2006/ 2007, cujo principal objetivo era ministrar cursos de formaç-o a professores e funcionários públicos. Segundo as chefias do projeto, hou- <?page no="200"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 201 ve uma mudança de estratégia e que se passou da lecionaç-o à formaç-o, porque os alunos apenas contactavam com a língua portuguesa no horário da disciplina, já por si reduzido, sendo as restantes matérias ministradas em Tétum ou Língua Indonésia . Nesta fase, a totalidade do horário letivo dos docentes era dedicada à formaç-o de professores, funcionários públicos e populaç-o em geral. Os cursos eram organizados por níveis: I, II, III e Preparaç-o para o BE, com 6 horas semanais cada. Na terceira fase, a grande diferença em relaç-o à segunda, passa pelo PRLP que oferecia ajuda de custos aos formadores timorenses que participassem da formaç-o, para ministrar aulas aos níveis iniciais, em que os alunos ainda n-o comunicavam em português. Estes eram acompanhados semanalmente fora das aulas, por professores portugueses, na preparaç-o das aulas, desde os materiais às estratégias e metodologias a utilizar. A quarta fase corresponde ao ano letivo de 2009 cujo principal objetivo era dar continuidade à formaç-o de professores em exercício de funções nos vários graus de ensino; à formaç-o de funcionários públicos e populaç-o; à formaç-o inicial de professores através do apoio ao Curso das Séries Iniciais na UNTL (Universidade Nacional Timor Lorosa’e); à formaç-o de funcionários dos organismos internacionais (Lunardi 2014, 97sq.). Independente das dificuldades enfrentadas, na opini-o desta cooperante brasileira, desde muito tempo que os cidad-os portugueses vem exercendo um papel influente no setor educativo pelo fato histórico e a escolha da língua, boa parte dos consultores e assessores internacionais do ME-TL s-o portugueses. Isso tem uma significativa influência nos rumos da educaç-o do país (Lunardi 2014, 98). A Cooperaç-o Brasileira na área da educaç-o foi posterior à Cooperaç-o Portuguesa e muito gradativa, como podemos observar no relato abaixo de uma autoridade timorense: Agora saiba que a Cooperaç-o Brasileira também veio muito cedo. E estavam responsáveis pela alfabetizaç-o. E na altura havia qualquer coisa com alfabetizaç-o solidária. […] Para pelo menos dar a dimens-o da potencialidade dos países de língua portuguesa. Mas foi aqui um trabalho muito fino, no meu ponto de vista. Porque depois veio o SENAI para essas coisas do trabalho técnico. Supunha que terá havido entre Portugal e Brasil esse tipo de coordenaç-o, que à Portugal deveria ser encarregue por setores muito cruciais na educaç-o formal etc. E que Brasil ia colaborar com a parte mais informal, n-o-formal da educaç-o. A alfabetizaç-o, a formaç-o técnica profissional, isto que deveria fazer. E a inclus-o do Brasil, Cooperaç-o Brasileira no ensino formal veio muito depois. […] entrou com um grupo que veio ajudar na organizaç-o do Congresso… depois liderar, tomar parte nos grupos de trabalho e a elaboraç-o dos currículos, uma vers-o inicial, provocar discussões. Depois veio os 50 [professores]. Depois veio a oferta de bolsas. Depois vem a integraç-o aqui na UNTL. Agora até a pós-graduaç-o (Indart 2011, anexo 5). <?page no="201"?> 202 Karin Noemi Rühle Indart O início da Cooperaç-o Brasileira na área de educaç-o deu-se com a visita de Fernando Henrique Cardoso em janeiro de 2001 para reafirmar o interesse brasileiro em cooperar com o país e garantir o seu direito à independência (cf. Gusm-o 2010). Já neste mesmo ano a Cooperaç-o Brasileira começou os projetos de alfabetizaç-o de adultos e a formaç-o de professores e alunos com recursos da educaç-o à distância (telecurso). Segundo, Gusm-o o primeiro - Alfabetizaç-o Solidária - apresentou bons resultados, porém o segundo, necessitava de tecnologia de comunicaç-o que n-o existia no momento. Sendo esse também um dos projetos propostos pela GATTL que nunca chegou a ser realizado, Antunes comenta que “tivemos o conhecimento de um projeto brasileiro na área do tele-ensino que, pelos materiais que pudemos visionar e observar (vídeos e manuais) e por já se encontrar em regime experimental, nos pareceu muito adequado” (Antunes 2003, 128sq.). A pedido de autoridades timorenses a Cooperaç-o Brasileira também deveria prestar assessoria ao ME e enviar especialistas em educaç-o. A partir do envio dos primeiros assessores em 2003 o auxílio, o espaço de discuss-o e decis-o das políticas e planejamentos educacionais passa a ser dividido entre as Cooperações Portuguesa e Brasileira - espaço exclusivo da Cooperaç-o Portuguesa até ent-o. Integrantes do primeiro grupo de assessores Bormann / Silveira (2007, 235), narram: O contexto educacional em Timor-Leste, por ocasi-o da chegada de nossa miss-o, ainda estava se organizando. O Ministério da Educaç-o Cultura Juventude e Desporto (MECJD 3 ) apresentava-se bem estruturado. Era o maior ministério da administraç-o pública em número de funcionários. Além da estrutura pública, organizada com recursos de doadores internacionais, havia também diversos organismos n-o-governamentais que atuavam na área da educaç-o. As autoras (ibid., 244) acrescentam que No âmbito do MECJD, onde tínhamos nossa sala de trabalho, a maioria dos timorenses com os quais trabalhávamos tinha o amplo domínio da língua portuguesa. Acreditamos que o MECJD tenha estabelecido, como política para a formaç-o de seus quadros, a exigência de que seus servidores tivessem habilidade para se comunicarem nas duas línguas oficiais (português e tétum), dando assim legitimidade ao previsto na Constituiç-o da RDTL. Para Bormann / Silveira (ibid., 247) “o Brasil e, mais notadamente, Portugal têm concentrado esforços no sentido de enviar profissionais da educaç-o para atuarem na melhoria da qualidade do ensino em língua portuguesa no país”. De 3 Vide nota de rodapé 2. <?page no="202"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 203 fato, a cooperaç-o foi ampliada a partir de 2005 para esse propósito. Ao invés de enviar apenas assessores para o ME, Brasil passa a auxiliar na formaç-o de professores em exercício e logo depois na formaç-o inicial na universidade pública. Para isso, recrutaram 50 professores de diversas áreas de ensino. O ensino da disciplina de Língua Portuguesa, porém, é de exclusividade da Cooperaç-o Portuguesa neste primeiro momento. Ainda assim, a presença de professores brasileiros na sala de aula, abre espaço para a discuss-o de diferentes abordagens metodológicas e principalmente diversidade de variantes de língua portuguesa, uma vez que devido a amplitude geográfica do Brasil, coexistem diferentes variantes do chamado português brasileiro e entre os professores cooperantes essa diversidade estava representada, para além da óbvia diferença entre a ‘variante portuguesa e brasileira’ da mesma. De certa forma, inconscientemente esse contato entre variantes viria a iluminar a possibilidade de assumir um português diferente do padr-o europeu, inicialmente inquestionável, no sistema de educaç-o timorense e mais especificamente na sala de aula dos professores que ainda n-o dominavam esse padr-o. Como a disciplina de língua portuguesa era ministrada apenas por cooperantes portugueses aos professores em exercício, a Cooperaç-o Brasileira, mais uma vez, assume o ensino da língua em diferentes setores da educaç-o (alfabetizaç-o de adultos, ensino técnico e ensino universitário) e com uma abordagem metodológica diferenciada. Nesse sentido, cria em 2007 o ELPI - Ensino de Língua Portuguesa Instrumental: um projeto específico para oferecer cursos de ensino de português como segunda língua para profissionais de diferentes áreas e níveis de proficiência, bem como elaborar e/ ou selecionar materiais didáticos apropriados, inclusive com recursos multimídia, quando possível (Spagnolo 2011b, 166). Inicialmente ELPI oferecia cursos de 10-12 semanas para turmas de 15-20 alunos, nos níveis básico, intermediário e avançado. “Pela localizaç-o do ELPI e pelo volume da demanda, o projeto acabou dando prioridade a professores e alunos da UNTL, em particular àqueles que cursavam ou pretendiam cursar a pós-graduaç-o” (ibid., 167). Outra colaboraç-o da Cooperaç-o Brasileira, mesmo que indireta, ao sistema de educaç-o timorenses s-o as várias pesquisas e artigos publicados por seus cooperantes, acrescentando um elemento (auto)crítico para o desenvolvimento de ambas as cooperações. Lunardi (2014, 98), por exemplo, analisa a formaç-o em exercício de professores de matemática e física (em língua portuguesa) e conclui, A estrutura usada até 2012 de formaç-o contínua de professores é baseada no modelo da época de colonizaç-o portuguesa com formações realizadas nas três paradas anuais <?page no="203"?> 204 Karin Noemi Rühle Indart do sistema escolar. Este modelo requer com urgência de reconfiguraç-o que deve ser feita pelos professores, INFORDEPE 4 , ME-TL, UNTL, outras Universidades privadas, órg-os que auxiliam na formaç-o de professores, cooperações internacionais. Sempre foi visível o descontentamento dos professores que a cada nova formaç-o desse tipo realizavam protestos, o que culminou em um outro tipo de organizaç-o no ano de 2013 conforme novo calendário de ensino teve uma parada anual com dois meses de formaç-o contínua com os professores do EB [ensino básico] distribuídos nos distritos e os do ESG [ensino secundário geral] na capital de Díli. Esta formaç-o foi ministrada para todos os segmentos educativos. O modelo do qual a autora fala era o Bacharelato Noturno, também denominado de Emergência, no âmbito do Programa de Qualificaç-o de Docentes e Ensino da Língua Portuguesa no Timor-Leste. Este Bacharelato de Emergência foi concebido em 2004, pela especialista em educaç-o, Dra. Rosa Menezes, a pedido do ent-o Ministro da Educaç-o, Dr. Armindo Maia, para ser implementado no INFP (Instituto Nacional de Formaç-o de Professores). O programa “foi aprovado pela UNTL, após uma discuss-o alargada às Cooperações Brasileira e Portuguesa, pois estas forneceram os recursos humanos que ministraram estas formações” (Lunardi 2014, 99). Porém, os diplomas de bacharéis profissionalizados em serviço foram certificados e atribuídos pela referida UNTL em duas cerimônias apenas em 2009 e em 2010 (cf. Martins 2011; Lunardi 2014). Em simultâneo à formaç-o de professores em exercício duas instituições portuguesas foram responsáveis pelas reformas curriculares do ensino básico e secundário geral - Universidades do Minho e de Aveiro, seguindo suas referências filosóficas e pedagógicas específicas. Nesta reestruturaç-o curricular podemos identificar a inserç-o do CTS, a mudança do ensino centrado no professor para os alunos, as práticas experimentais, a reorganizaç-o dos conteúdos curriculares, as metas de aprendizagem, entre outros pontos (Lunardi 2014, 97sq.). Já em publicaç-o de pesquisadora portuguesa afirma-se que O papel das cooperações portuguesa e brasileira caracteriza-se por ser, essencialmente, bilateral e s-o vistas como entidades de formaç-o de docentes, cujas prioridades s-o capacitar os recursos humanos timorenses em língua portuguesa, nomeadamente nas áreas da educaç-o e da justiça, promovendo assim a língua portuguesa (Martins 2011, 96). Martins reforça o papel de ambas as cooperações para o desenvolvimento do sistema de educaç-o, citando outros autores. 4 Vide nota de rodapé 1. <?page no="204"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 205 A presença de Portugal e do Brasil na reconstruç-o de Timor-Leste tem estado orientada no sentido de ajudar a desenvolver o sistema educacional timorense. Portugal é um dos cinco maiores doadores, financeiramente falando, de Timor-Leste (Neves, apud Martins 2011, 96). “Portugal tem desempenhado um papel fundamental no desenho das políticas educacionais de Timor-Leste, antes mesmo da independência” (Carneiro, apud Martins 2011, 96). A autora resume as reais realizações de ambas as cooperações: Portugal apoia o sistema educativo timorense com vários projetos. A saber: a FUP - Fundaç-o das Universidades Portuguesas; o Instituto Camões; o PRLP-PCLP; cooperaç-o técnica na área que trabalhava diretamente com o Ministro da Educaç-o e UNTL; elaboraç-o de currículos, programas de todos os níveis de ensino n-o superior e superior. […] O Brasil, por seu lado, aprovou o Programa de Qualificaç-o de Docentes e Ensino da Língua Portuguesa no Timor-Leste, pelo Decreto n. o 5274, de 18 de Novembro de 2001, tendo como principal objetivo promover a integraç-o educacional e cultural com a mais jovem naç-o do mundo, em virtude do seu ingresso na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). A cooperaç-o bilateral brasileira dividiu-se pela UNTL (bacharelato para o ensino préprimário e primário, licenciaturas e pós-graduações, ensino, pesquisas), pelo IFCP (bacharelato noturno - ciências exatas - e PROFEP), pelo Ministério da Educaç-o (construç-o de currículos nacionais, organizaç-o de bibliotecas, educaç-o formal e n-o formal, técnico-profissional, organizaç-o de seminários sobre a educaç-o, entre muitas outras atividades. Na área da profissionalizaç-o em serviço n-o podemos deixar de destacar o Programa de Formaç-o de Professores em Exercício na Escola Primária de Timor-Leste - PROFEP Timor (Martins 2011, 98). 2.2 Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) Analisaremos agora mais especificamente o contexto universitário. A única instituiç-o pública de ensino superior é a Universidade Nacional Timor Lorosa’e e justamente por pertencer ao Estado, recebeu maior atenç-o dos programas de ensino de ou em língua portuguesa de ambas cooperações. Já em 2001 FUP (Fundaç-o das Universidades Portuguesas) iniciou sua colaboraç-o com a universidade. O programa original era recrutar docentes das diversas áreas para ensinar alunos universitários finalistas, mas segundo um dos professores cooperantes, dias antes de partirem, o CNRT decidiu que todos iriam ensinar português. Esta experiência inicial de professores portugueses serviu também para analisar a realidade. Estes docentes tiveram muitas dificuldades porque n-o iam preparados para lecionar língua portuguesa como uma língua estrangeira. Se aceitarmos que um docente de língua portuguesa como <?page no="205"?> 206 Karin Noemi Rühle Indart língua materna já teria algumas dificuldades, imaginamos as que foram sentidas por professores de outras áreas (Antunes 2003, 131). A segunda colaboraç-o do ME de Portugal foi o curso de iniciaç-o em língua portuguesa para cerca de 1500 alunos do ano propedêutico. O curso foi direcionado principalmente para os futuros alunos dos cursos que FUP passou a implementar nas áreas de Economia, Gest-o, Agricultura, Formaç-o de Professores e Informática. O mais significativo auxílio à língua portuguesa na universidade e também no sistema educativo aconteceu em 2003 quando IC (Instituto Camões) promoveu com a cooperaç-o da FUP o desenvolvimento de um Bacharelato e Licenciatura em Língua Portuguesa com três saídas profissionais: ensino, traduç-o/ interpretaç-o e jornalismo (Antunes 2003). Outro dos níveis de atuaç-o do IC é o das chamadas disciplinas gerais. Trata-se de assegurar uma disciplina de língua portuguesa (que tem caráter obrigatório) a todos os alunos de todos os cursos e todos os anos da Universidade. Naturalmente os objetivos desta disciplina s-o mais relacionados com a optimizaç-o da competência comunicativa dos alunos. Na esmagadora maioria dos casos, trata-se de alunos sem qualquer contato com a língua portuguesa, sendo o nível mais comum o da iniciaç-o (ibid., 139). Mais recentemente em 2014 o Instituto Camões também fez parceria com o Centro de Língua Portuguesa para recrutar professores desta língua para atuarem na universidade. O Centro de Língua Portuguesa é, hoje, uma estrutura orgânica dependente do Instituto Nacional de Linguística da UNTL, sob a direç-o do Prof. Doutor Benjamim de Araújo Corte-Real. É constituído por docentes internacionais contratados pela UNTL e agentes de cooperaç-o do Camões-I.P., todos com larga experiência em ensino do português e com sólida formaç-o nas áreas da literatura, da linguística, da didática e do português língua n-o materna. Entre os docentes contam-se os que têm experiência (dentro e fora de Portugal) de ensino básico e secundário, os que vêm com experiência de ensino superior e os que já acumulavam experiência de ensino em Timor-Leste na formaç-o de professores e de alunos de diferentes níveis de ensino. Este leque de experiências tem-se revelado, seguramente, como uma mais-valia para o trabalho desenvolvido pelo CLP ao longo deste tempo e para a consecuç-o do seu plano de aç-o (www.untl.edu.tl/ pt/ ensino/ centros/ centro-da-lingua-portuguesa). Segundo a página da instituiç-o, A atividade do CLP centra-se, sobretudo, dentro da UNTL, na formaç-o de alunos e de professores, em estreita colaboraç-o com a Faculdade de Educaç-o, Artes e Humanidades (FEAH), em particular com o Departamento de Língua Portuguesa e com o Departamento de Formaç-o de Professores do Ensino Básico. Neste contexto, contam-se, <?page no="206"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 207 como exemplos, a lecionaç-o de diversas unidades curriculares da FEAH; o desenvolvimento de projetos de caráter científico e pedagógico; ações formativas sobre língua portuguesa e sobre metodologias de ensino a professores; formaç-o de língua portuguesa a funcionários administrativos, bolseiros e alunos de programas de pós-graduaç-o e pesquisa da UNTL; atividades de promoç-o e divulgaç-o da língua portuguesa na academia e a produç-o e constante atualizaç-o de materiais pedagógico-didáticos vocacionados para os diferentes públicos a que se dirige a aç-o do Centro de Língua Portuguesa (www.untl.edu.tl/ pt/ ensino/ centros/ centro-da-lingua-portuguesa). A pedido do próprio governo timorense a Cooperaç-o Brasileira passa a apoiar também o nível superior de ensino. Segundo a diretora do IFNP de Timor em 2006, Embora haja ajuda de Cooperaç-o Brasileira na formaç-o em serviço, o ideal seria se essa parceria se dedicasse diretamente à formaç-o inicial de professores como uma nova perspectiva no futuro da educaç-o e ao mesmo tempo evitar que haja mais contratos de professores leigos menos habilitados (Gusm-o 2010, 4). Na verdade, a Cooperaç-o Brasileira atuou na UNTL desde a chegada dos primeiros 50 professores em 2005, embora inicialmente de forma bastante dispersa, como descreve o coordenador no momento: “projetos semiestruturados, como métodos n-o definidos ou padronizados e infraestrutura instável” ou ainda “atividades isoladas” na participaç-o em “comissões ou grupos de trabalho, assessorias, ajuda ao Programa de Estudante-Convênio de Pós-Graduaç-o (PEC-PG), cursos de Português e Feira de Ciências” (Spagnolo 2011a, 54). A característica peculiar da Cooperaç-o Brasileira ficou logo destacada e as ações dos cooperantes sempre primaram pela capacitaç-o dos docentes timorenses. Assim, quase que acidentalmente, o envolvimento de maior impacto foi o de preparar e enviar docentes universitários para continuarem seus estudos em universidades brasileiras com bolsa integral e acompanhamento de progresso. Com a ajuda de cooperantes com experiência em pós-graduaç-o, o coordenador entrou em contato com departamentos e orientadores de universidades brasileiras. Alguns cooperantes também orientaram candidatos na definiç-o do projeto de pesquisa e sobre a documentaç-o necessária a ser entregue na embaixada. Além disso, ofereceram aos candidatos a bolsas cursos da variante brasileira da língua portuguesa, assim como de cultura brasileira para melhor prepará-los para a adaptaç-o necessária (Spagnolo 2011a). A presença da Cooperaç-o Brasileira na universidade pública provocou uma exposiç-o de docentes e alunos a outras variantes da língua portuguesa, tal qual já havia ocorrido no Instituto de Formaç-o Contínua de Professores. Essa exposiç-o, porém, alargou-se quando os próprios docentes timorenses retornaram titulados das instituições de ensino superior do Brasil, dominando, mais ou menos, a variante brasileira, considerada <?page no="207"?> 208 Karin Noemi Rühle Indart ainda “n-o-padr-o” em Timor, uma vez que mesmo n-o assumindo abertamente, o ensino de língua portuguesa no país seguia o padr-o europeu. Também neste período o reitor da UNTL insistiu com a coordenaç-o da Cooperaç-o Brasileira que esta se responsabilizasse por criar cursos de pós-graduaç-o para os docentes da própria universidade e outros funcionários do ME. Em 2007, após muitos meses de pedido e negociaç-o aconteceu finalmente a implantaç-o da Pós-Graduaç-o na UNTL iniciando pela lato sensu . “No total, inscreveram-se cerca de 90 candidatos. A primeira etapa da seleç-o consistiu na prova de português (gramática e interpretaç-o de textos) organizada e corrigida pela equipe do Elpi” (Spagnolo 2011b, 158). Além dos três cursos: Educaç-o e Ensino, Gest-o Universitária e Educaç-o Ambiental, por solicitaç-o do reitor da UNTL, elaboramos também o projeto de um curso de Ensino de Língua Portuguesa, pois ele vislumbrava as possibilidades de apoio da Cooperaç-o Portuguesa, conforme previsto nos termos do Projeto IV, o que acabou n-o se efetivando, face às limitações de formaç-o dos professores portugueses que atuam na UNTL, quase todos também sem formaç-o necessária para tal, uma vez que muitos deles, assim como professores timorenses, só possuem a graduaç-o (Santos 2011b, 183). Santos esclarece que houve tentativa de inserir professores da FUP no programa e reuniões com membros da Embaixada Portuguesa, da Fundaç-o das Universidades Portuguesas - FUP, da UNTL e do PG-UNTL ocorreram, “mas inúmeras dificuldades burocráticas se colocaram como entrave a vinda de professores de Portugal com tal perfil desejado” (id.). Ainda assim, a coordenaç-o do programa convidou professores portugueses a integrarem-se no trabalho. Todos os professores orientadores eram membros da Cooperaç-o Brasileira em Timor-Leste (como já dissemos) que, com a colaboraç-o de professores da Fundaç-o das Universidades Portugueses - FUP e de professores mestres e doutores da Universidade Nacional Timor Lorosa’e - UNTL, compuseram as bancas públicas de defesa de monografias (ibid., 192). Além do programa de pós-graduaç-o, no nível de graduaç-o a partir do segundo grupo de cooperantes brasileiros, a cooperaç-o trabalhou de forma mais articulada com os departamentos de Matemática, Física, Química e Biologia, e com alunos, em programas de iniciaç-o científica (cf. Spagnolo 2011b). Também nesse nível de apoio, todos os cooperantes brasileiros tinham que ter titulaç-o mínima de mestres. O perfil de professores brasileiros é bastante distinto do perfil dos professores portugueses, por essa raz-o. Assim, puderam contribuir n-o apenas com a introduç-o da língua portuguesa como língua de instruç-o neste <?page no="208"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 209 nível de educaç-o, como também introduzir a pesquisa como um componente importante no âmbito universitário. 2.3 Conflitos entre Cooperações Segundo autoridade timorense envolvida nos planejamentos linguísticos do ME timorense, desde o início do auxílio de brasileiros no sistema de educaç-o, os nichos de atuaç-o foram bem divididos, dando a impress-o que a medida que a Cooperaç-o Brasileira avançava para outros setores mais formais invadia um espaço até ent-o exclusivo da Cooperaç-o Portuguesa: penso que a psicologia da cooperaç-o na altura era de dizer assim, em termos mais concretos Portugal deve merecer essa parte da educaç-o formal e o Brasil deve ainda estar nos contornos. Trabalhar nos aspectos técnicos, assessorias e tal e tal, mas na educaç-o tem que ser Portugal. Que parecia, era a preferência dos timorenses. N-o é que os timorenses queriam que os brasileiros viessem mais fortemente e Portugal impedisse, n-o! Eu penso que a liderança timorense ia buscar em Portugal nesse setor de educaç-o, educaç-o formal. Mas que depois se apercebeu que era preciso nesse caso o Brasil. O que vejo que até agora é assim. Essa harmonia continua e ainda bem. Agora o Brasil intervêm mais, mas sem causar desconserto (Indart 2011, anexos 5) 5 . Mesmo quando a Cooperaç-o Brasileira atuava apenas no ME enviando assessores apareceram os primeiros sinais de que a aceitaç-o da mesma por cooperantes portugueses que já assessoravam o ministério n-o seria t-o rápida ou fácil, como testemunham Bormann / Silveira (2007, 237): Ressaltamos a presença, nos dois últimos encontros de discuss-o do texto da proposta de lei, de dois técnicos portugueses que estavam também no MECJD para a elaboraç-o de uma proposta de lei orgânica para o ministério. Em alguns momentos, houve discordância de opiniões entre o grupo brasileiro e os técnicos portugueses. Cada uma das partes queria defender a permanência de aspectos estruturais da educaç-o semelhantes a seus países. Autoridades timorenses perceberam de início que as diferenças entre as cooperações poderiam fragilizar o trabalho de ambas. Armindo Maia, ministro da educaç-o, quando chegaram os primeiros 50 professores brasileiros, declarou: “o trabalho que está a ser realizado pela miss-o brasileira é muito bem feito, excelente mesmo”. Mas ressaltou ainda a necessidade cada vez maior da integraç-o Brasil/ Timor/ Portugal. “Vamos trabalhar juntos”, concluiu Armindo Maia (apud Falc-o 2005, 1). Também as primeiras assessoras brasileiras alertaram que, “a 5 Discurso retirado de entrevista concedida para dissertaç-o: Política e Planejamento Linguístico em Timor-Leste: um estudo avaliativo. <?page no="209"?> 210 Karin Noemi Rühle Indart favor da construç-o das capacidades timorenses referentes à educaç-o, seria importante que a Cooperaç-o Brasileira e a Cooperaç-o Portuguesa mantivessem diálogos e compartilhassem experiências” (Bormann / Silveira 2007, 250). Por essa raz-o as autoras (ibid., 236) acrescentam: Salientamos que a implementaç-o da língua portuguesa vem sendo apoiada e estimulada, principalmente por Brasil e Portugal; a partir daí devemos considerar uma complexa rede de relações entre agências de cooperaç-o internacional, a própria naç-o e os diferentes intelectuais timorenses e estrangeiros que intervêm no processo do ensino da e em língua portuguesa. Os diretores do ME timorense também sentiram as mesmas dificuldades em acolher os cooperantes brasileiros, como declara Gusm-o (2010, 74), “os técnicos e responsáveis pelos diversos setores do MEC n-o estavam preparados para receber novas intervenções devido a outros problemas mais urgentes como a organizaç-o de quadros, das infraestruturas”. Além disso, os contratos eram de apenas seis meses e n-o era possível adquirir um conhecimento mais profundo da realidade de Timor. A falta de preparo antecipado prejudicou o trabalho de cooperaç-o como um todo. Em 2004 o grupo MEBE n-o sabia o que deveria fazer. N-o houve coordenaç-o entre as duas partes de cooperaç-o Brasil - Timor sobre as tarefas dos enviados. Alguns deles se envolveram na formaç-o continuada de professores. […] O mesmo aconteceu com os 50 professores enviados pela CAPES para ajudar na reintroduç-o da Língua Portuguesa e no ensino das disciplinas exatas nas escolas secundárias que careciam de professores. […] O envio foi sem um estudo de viabilidade e coordenaç-o com o MEC Timor. Apenas se baseava nos pedidos dos líderes e sem objetivos concretos (ibid., 74sq.). Se para o ME em Timor o papel da Cooperaç-o Brasileira n-o estava claro, para o ME brasileiro o objetivo maior da Miss-o CAPES sempre foi o ensino da língua portuguesa e cada novo coordenador reforçou essa convicç-o (cf. Falc-o 2005). Ajustes nos acordos e na coordenaç-o do ME e de ambas cooperações foram realizadas e as duas cooperações bilaterais brasileira e portuguesa passaram a trabalhar basicamente na formaç-o inicial e contínua de professores, cujas prioridades eram a de capacitar os recursos humanos timorenses em português. “A presença do Brasil e de Portugal na reconstruç-o de Timor-Leste está orientada no sentido de desenvolver o sistema educacional timorense pelo aporte da língua portuguesa” (Lunardi 2014, 92). Isso significa que os espaços de atuaç-o das duas cooperações já n-o estavam mais divididos e o ensino da língua portuguesa como disciplina já n-o era mais de exclusividade dos cooperantes portugueses como havia sido nos primeiros anos de implementaç-o da língua no sistema de <?page no="210"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 211 educaç-o. A quest-o que se apresenta, ent-o, tanto em publicações de professores portugueses, como de professores brasileiros é que mesmo supostamente trabalhando nos mesmos projetos o diálogo entre as cooperações continuava ser mínimo. A brasileira Lunardi (ibid.,100sq.) afirma que a estruturaç-o fragmentada do BE [Bacharelato de Emergência], com a parte inicial lecionada pelos portugueses nos distritos e parte final e específica para ciências exatas e da natureza ministrada pelos brasileiros em Díli, acabou por gerar uma situaç-o de desconforto entre as cooperações, pois os professores brasileiros deslocavam-se numa ou outra ocasi-o aos distritos, mas por um curto período de tempo, para fazer alguma outra formaç-o específica. A partilha estanque tem claras desvantagens a nível de interligaç-o entre as partes, de um lado os professores portugueses que ensinavam as disciplinas gerais, mas com um objetivo maior de instrumentalizar o português nestes professores timorenses e, do outro lado a parte específica ministrada pelos docentes brasileiros, que tinham que formar professores das áreas de ciências exatas e da natureza em tempo recorde, sendo que os mesmos chegavam nesta fase com enormes dificuldades de compreens-o, escrita e fala no português. Com isso posto, é difícil quando duas cooperações desenvolvem atividades paralelas com objetivos semelhantes sem haver sequer o diálogo mínimo para que possa ocorrer avanços. No caso do BE, n-o ficou garantida a transmiss-o e articulaç-o no processo de ensino e aprendizagem, quer de conhecimentos teóricos, quer práticos para a melhor qualificaç-o dos professores timorenses. Esta situaç-o fica evidente no Relatório de Avaliaç-o do Projeto de Reintroduç-o da Língua Portuguesa (PRLP) em Timor-Leste 2003-2009, publicado em Dezembro de 2010 (p. 79) afirmando a propósito do BE que n-o tem existido a articulaç-o efetiva e contínua com a Cooperaç-o Brasileira, a acompanhar o processo formativo de cada turma ou atividade . Para a autora (ibid., 127), a maior barreira para o diálogo era a distância física entre os cooperantes de ambas nacionalidades, uma vez que “as disciplinas da cooperaç-o portuguesa eram dadas nos distritos e, numa fase posterior, os professores timorenses vinham a Díli, ao ex-INFPC para realizar a formaç-o específica por dois semestres com a Cooperaç-o Brasileira”. A assessora portuguesa reitera Um ponto relevante é a colaboraç-o intercooperações portuguesa e brasileira. Apesar de a nível institucional estar bem definido o campo de aç-o de cada uma delas, a nível de ligaç-o entre os seus membros no terreno sempre houve bastante desconhecimento das atividades desenvolvidas por estes. Esta situaç-o era ainda mais sentida, porque os professores brasileiros se remetiam essencialmente ao ensino em Díli, deslocando-se numa ou outra ocasi-o aos distritos, mas por um curto período de tempo, para fazer alguma formaç-o específica. A partilha estanque tem claras desvantagens a nível de interligaç-o entre o lecionado pelos professores brasileiros e os professores portugueses quando desenvolvem atividades paralelas com objetivos semelhantes - BN - pois <?page no="211"?> 212 Karin Noemi Rühle Indart n-o fica garantida a transmiss-o e articulaç-o no processo de ensino e aprendizagem, quer de conhecimentos teóricos, quer práticos para a melhor qualificaç-o dos professores timorenses. Esta situaç-o é identificada no Relatório de Avaliaç-o do Projeto de Reintroduç-o da Língua Portuguesa (PRLP) em Timor-Leste 2003-2009, publicado em Dezembro de 2010 (página 79) afirmando a propósito do BN que n-o tem existido a articulaç-o efetiva e contínua com a Cooperaç-o Brasileira, a acompanhar o processo formativo de cada turma ou atividade (Martins 2011, 98sq.). O desconhecimento das realizações da Cooperaç-o Brasileira por parte da Cooperaç-o Portuguesa acabou gerando um preconceito em relaç-o a forma de atuaç-o dos professores brasileiros. Se por um lado, havia autocrítica, havia também um certo desdém em relaç-o a distinta abordagem de ensino dos brasileiros, como podemos observar abaixo: Conforme a opini-o de Magalh-es […] o governo português enviou um grande número de professores para Timor-Leste […]. Mas, nos primeiros anos, os cursos e as ações de formaç-o foram feitas com poucos critérios e com resultados relativamente modestos. Só numa segunda fase é que o esforço foi centrado na preparaç-o de professores timorenses, tendo, a partir daí um efeito multiplicador muito maior. O Brasil também deu algum contributo para a formaç-o em Português, por vezes com recurso à música e outras maneiras de aprendizagem informais (Magalh-es, apud Lunardi 2014, 93). Lunardi considera o uso da express-o “aprendizagens informais” equivocada e sustenta que na realidade os cooperantes brasileiros seguem linhas pedagógicas diferenciadas, assim como os trabalhos produzidos pela comunidade acadêmica brasileira tem construído análises interessantes sobre a educaç-o em Timor-Leste que busca uma perspectiva n-o tradicional do ensino. Segue ainda em defesa aos seus companheiros de cooperaç-o: [Talvez] essa vis-o minimalista que outros sujeitos podem ter do trabalho desenvolvido pelos cooperantes brasileiros na formaç-o de professores e ensino de língua portuguesa, aconteça pelo desconhecimento dos projetos desenvolvidos pelo Brasil na área educativa, os quais ocorrem desde 2004, nos vários níveis de ensino. Ao meu ver o que acontece, é que infelizmente, há falta de definiç-o das demandas e articulaç-o por ambas as partes, Timor-Leste e Brasil. Isto acaba por caracterizar as missões brasileiras, como grupo de professores colaboradores que vieram atender necessidades pontuais e por vezes nada efetivas para os timorenses. A maturidade desta relaç-o precisa ser alcançada criando pontos de referência para que tanto os timorenses, como os brasileiros consigam reconhecer-se durante este processo. A exemplo do que vem sendo construído com outras cooperações, mas tomando o cuidado em manter as características que fazem esta parceria, entre professores timorenses e brasileiros, quando acontece ser t-o elogiada e frutífera (Lunardi 2014, 92sqq.) <?page no="212"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 213 Martins, por sua vez, defende a busca da Cooperaç-o Portuguesa por seu próprio espaço justificando ser essa a vontade dos dirigentes timorenses nos primeiros anos de cooperaç-o. Um outro aspeto que deverá ser tido em conta, foi levantado por um dos entrevistados quando expressou que na sua opini-o de timorense gostaria de ver as cooperações portuguesa e brasileira com espaços de atuaç-o mais definidos no ME. Na opini-o deste informante, a educaç-o formal deveria ser da responsabilidade de Portugal apoiar a educaç-o n-o formal ficar no âmbito do Brasil. Curiosamente, esta vontade de ver a educaç-o dividida em dois campos de cooperaç-o, relembrou-nos dos paradigmas que est-o por detrás da formaç-o e da educaç-o. Se esta vontade se concretizasse, seria em nossa opini-o muito positivo, porque Portugal e o Brasil têm fundamentos teórico-filosóficos na formaç-o de professores diferentes (Martins 2011, 172sq.). Essa afirmaç-o de diferenças nos leva a analisar mais do que a diferença de variantes de língua portuguesa e a concorrência entre elas no sistema de educaç-o timorense, mas a diversidade de abordagens e metodologias de ensino entre as duas cooperações. 2.4 Abordagem de Ensino Se em um primeiro momento muitos dos professores brasileiros eram apenas graduados, como era o caso dos cooperantes portugueses, a medida que a cooperaç-o foi mais e mais inserida no ensino universitário esse perfil mudou. Os professores enviados posteriormente n-o apenas tinham maior titulaç-o, também tinham mais interesse e experiência em pesquisas, investigações científicas e um conhecimento teórico mais alargado. N-o há dificuldade em observar que o discurso e a prática dos professores brasileiros em Timor de forma geral é progressista. Ensino tradicional era algo a ser evitado e alternativas metodológicas deveriam ser adaptadas ou criadas em contexto timorense. “O mergulho na cultura local e o aprendizado mútuo formaram o alicerce do aprendizado construído coletivamente” (Scherl 2007, 264). Timor-Leste n-o teve muita experiência com metodologias participativas. Os métodos de ensino tinham como referência o modelo colonial português e o paradigma do país invasor, Indonésia. Ambos os países adotaram no território a metodologia clássica, onde o professor tem o papel indiscutível e único de transferência do conhecimento. Essa metodologia continua sendo utilizada, de maneira geral, tanto na educaç-o formal quanto na educaç-o n-o-formal. A metodologia clássica entrava em contradiç-o com a nossa perspectiva, refletida em Paulo Freire, de que: “Ninguém educa ninguém. Ninguém educa a si mesmo. As pessoas se educam entre si, mediatizadas pelo mundo” (ibid., 263). <?page no="213"?> 214 Karin Noemi Rühle Indart Muito além do ensino de língua ou da alfabetizaç-o o que os professores brasileiros se propuseram a fazer foi apresentar um novo paradigma de educaç-o, um novo modelo de ensino a ser reproduzido em Timor. O sucesso de seu trabalho era medido pela continuidade desse novo paradigma por parte dos professores timorenses por eles capacitados, como certifica Scherl (ibid., 268): “É difícil avaliar neste momento sua sustentabilidade a longo prazo. Particularmente num contexto em que há falta de referência de modelos participativos, já que a prática educacional mais encontrada é a de modelos tradicionais”. Se a abordagem progressista dos brasileiros é observada no discurso sobre a educaç-o em geral, também podemos a encontrar no ensino de língua em específico: Utilizamos o conceito de fala, audiç-o, leitura e escrita, como práticas sociais e lugares de confrontos, possibilitando meios para a reflex-o sobre a estrutura e o sentido do texto, quer oral, quer escrito, como um processo interativo, além de dar ênfase às relações de poder que s-o estabelecidas no contexto social, a partir do domínio da leitura (Bormann / Silveira 2007, 249). A ênfase nunca é no ensino puramente estrutural e sim na língua como instrumento de comunicaç-o. Assim, o aspecto oral nunca é menor ou menos importante: É preciso afastar o discurso que diminui o valor e as possibilidades que residem dentro de cada ser humano. O ser humano, por excelência, é ser da linguagem, e n-o do alfabeto. O alfabeto é apenas um entre muitos elementos que compõem a linguagem que estrutura o ser humano” (ibid., 250). Por essa raz-o, o ensino de língua voltado para a gramática padr-o também é criticado por esses professores: Até ent-o, apesar de ter sido desenvolvido um trabalho para o ensino da língua portuguesa direcionado aos professores, os resultados apresentados ainda eram tímidos. Esse fato talvez se justifique porque o ensino da língua portuguesa vinha sendo pautado na gramática padr-o, de forma fragmentada, com a qual os timorenses s-o pouco familiarizados, pois muitos nunca tiveram acesso a gramáticas da língua portuguesa (ibid., 250). É essencial entender que as práticas ditas “informais” dos cooperantes brasileiros s-o propositais, fruto da abordagem crítica de ensino. Se de um lado, os professores portugueses tem dificuldades em reconhecer essas práticas como efetivas, os professores brasileiros tendem a julgar o ensino tradicional e padronizado de língua como ultrapassado e fora de contexto. <?page no="214"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 215 Mais importante que as divergências metodológicas e linguísticas dos cooperantes estrangeiros s-o as expectativas dos próprios professores timorenses em formaç-o. Entregue ao final de uma capacitaç-o para professores de língua portuguesa em forma de carta, um professor timorense 6 diz: Obrigado a Portugal e Brasil por terem colaborado com Timor-Leste no aspecto do ensino nestas primeiras fases; o que nos falta agora é pistas para uma metodologia do ensino do português como língua n-o materna e que essas pistas venham a condizer com a situaç-o real de Timor nesta primeira fase de aprendizagem. O mesmo professor critica o material didático adaptado para Timor afirmando que “os textos s-o muito compridos e bicudos na sua compreens-o” para seus alunos iniciantes em língua portuguesa e salienta a importância do aprendizado tanto escrito como oral. Os argumentos deste professor demonstram uma preocupaç-o muito além do ensino estrutural da língua e integra o componente metodológico à capacitaç-o de língua em si. Em entrevista um diretor de departamento na Faculdade de Educaç-o Artes e Humanidades da UNTL sustenta igualmente o desejo de que o ensino de língua nunca se limite a aprendizagem somente da língua, mas que através da língua se aprenda tanto a estrutura quanto o conteúdo da matéria. Este diretor compara ambas cooperações no nível universitário e afirma que a Cooperaç-o Portuguesa “tem boa intenç-o de assegurar o crescimento da Língua Portuguesa, porém na realidade o rendimento de estudo sempre demostra resultado insatisfatório no nível disciplinar”. Os professores brasileiros menos preocupados com um padr-o específico de língua “ajudam o departamento de forma mais realística e satisfatória no nível disciplinar ministrado, s-o mais contextualizados de que rígidos nos aspectos do conteúdo”. 2.5 Ensino de Língua Portuguesa e Coexistência de Diferentes Variantes Passamos finalmente a discutir o que seria língua portuguesa padr-o para o contexto timorense. Nunca declaradamente, mas implícito sempre esteve nos discursos das autoridades timorenses de que o padr-o que deveria ser ensinado nas escolas deveria ser o padr-o europeu. Em Setembro de 2009 o Acordo Ortográfico foi ratificado através resoluç-o do Parlamento Nacional da República Democrática de Timor-Leste. Timor-Leste tornou-se, assim, o quinto Estado membro da CPLP a ratificar o documento. Apesar da existência no território de um contingente de professores brasileiros, o governo oficialmente 6 Carta de Antonio Angelo Correia, Baucau em Capacitaç-o de Professores de Língua Portuguesa em 2005. <?page no="215"?> 216 Karin Noemi Rühle Indart segue as regras gramaticais do português europeu e utiliza as normas do Acordo Ortográfico de 1945 (https: / / pt.wikipedia.org/ wiki/ Português_de_Timor-Leste). Nos pareceu que essa escolha de variante nunca foi questionada nos primeiros anos de independência, apesar de uma vez ou outra alguma autoridade nacional reconhecer que seria impossível o tétum, língua nacional e cooficial, n-o influenciar o padr-o europeu a ponto de evoluir para uma variante timorense própria. “O português vai vencer em Timor, mas os portugueses ter-o de compreender que será uma língua muito diferente da que falam. Será um português timorense. O tetuguês” (Ramos-Horta, apud Moura 2007, 3). Como já abordado anteriormente, foi a presença da(s) variante(s) de língua portuguesa brasileira quem levantou esta quest-o no nível da sala de aula e da capacitaç-o docente, ou seja, daqueles que de fato implementam as políticas definidas na macrodimens-o do ME. A esse respeito protestou um dos coordenadores da Cooperaç-o Brasileira: O Timor está tentando se encaminhar, está buscando apoio das pessoas e na última fala do Ministro ficou claro: a língua é o português. Mas ninguém disse se é o português do Brasil, de Moçambique, de Portugal ou da CPLP. É língua portuguesa! Ficou no imaginário das pessoas que o português tem que ser o português de Portugal. N-o, isso n-o está definido. Em lugar nenhum está escrito isso. É do pluralismo que vai surgir um Timor. Até brinco dizendo que eles v-o falar tetunguês (Lameira 2005, 3). Do ponto de vista dos cooperantes portugueses, essa coexistência de variantes é negativa para o processo de aprendizagem da língua em Timor. O assunto é abordado por Martins, quando sugere que as duas cooperações trabalhem em ambientes e projetos distintos. A quest-o da norma linguística n-o foi levantada pelo entrevistado, mas é preciso tê-la em consideraç-o. Apesar de todos falarmos e escrevermos em português, temos consciência que obedecem a normas linguísticas diferentes e para um adulto fluente n-o causa dificuldades de maior, mas para um aprendente complica o processo de aprendizagem (Martins 2011, 171sq.). Uma vez observado que os professores brasileiros nunca menosprezavam sua variante em detrimento da variante europeia que lhe deu origem, sentiram-se os professores timorenses encorajados para assumirem uma postura menos discriminatória quanto a formaç-o em curso da variante nacional do português. Isso se deu principalmente entre aqueles professores universitários que de fato dominavam a língua, mas sabiam que n-o se encaixavam inteiramente na norma padr-o europeia. Como veremos a seguir nos discursos dos docentes da UNTL, <?page no="216"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 217 atualmente, est-o inteiramente conscientes da diversidade de variantes encontradas no mesmo meio acadêmico e n-o encaram essa realidade como negativa. Curiosamente, a discuss-o acadêmica sobre a existência ou n-o de uma variante timorense de língua portuguesa encontra-se fora de Timor-Leste. Existem pesquisadores como Albuquerque (2006) da Universidade de Brasília que argumentam que a língua portuguesa utilizada pelos professores e alunos ainda aprendentes desta já possuem características suficientemente regulares para certificar uma variante. Já Batoréo (2009, 8) da Universidade Aberta de Lisboa afirma que Na Universidade de Díli, a investigaç-o linguística vai no sentido de aprofundamento do conhecimento do Tétum e doutras línguas locais, enquanto em Portugal faltam projetos de investigaç-o sobre a variante do Português falada em Timor. Será que o futuro do Português em Timor irá no sentido de crioulizaç-o, tal como preconiza, pragmaticamente, o presidente de Timor-Leste, falando da fus-o das duas línguas? Afonso da Universidade de Exeter, por sua vez, é mais reticente e declara que o desenvolvimento do português em Timor-Leste depende da nova geraç-o “urbana e educada”. Essa geraç-o “vai liderar a potencial transformaç-o do Português falado em Timor-Leste numa variante da língua equivalente à brasileira” porém, “as inovações têm de se tornar estáveis e frequentes”. Segundo a acadêmica, Timor-Leste n-o é considerado como falan[te de] uma variante do Português porque n-o registou uma “nativizaç-o” da língua, ou seja, uma produç-o pelos falantes de “inovações” linguísticas, que, ironizou, muitos podem considerar erros. Esta evoluç-o, registada no Brasil e também em outros países como Angola e Moçambique, n-o aconteceu em Timor Leste devido ao domínio indonésio durante 27 anos, que levou à quase erradicaç-o do uso do português (Afonso 2015, 1). A linguista ainda adverte, Todavia, a evoluç-o do Português em Timor-Leste vai ser também condicionada pela sua popularidade em relaç-o à outra língua oficial do país, o tetum, e aos idiomas dos países vizinhos, a Austrália e a Indonésia. O desenvolvimento do português vai depender da relaç-o com as outras línguas e a concorrência com as outras línguas endógenas, o inglês e o indonésio (id.). <?page no="217"?> 218 Karin Noemi Rühle Indart 3 Abordagem Didática Plurilíngue e a Valorizaç-o da Variante Timorense em Formaç-o Para melhor compreendermos a dinâmica atual no contexto da universidade pública, entrevistamos quatro docentes timorenses e dois alunos dos departamentos de Língua Portuguesa e Formaç-o de Professores para o Ensino Básico. Ambos departamentos foram criados por incentivo de Portugal ou Brasil e contaram com um amplo auxílio de ambas as cooperações nos primeiros dez anos de existência, mas hoje já est-o quase totalmente nacionalizados, tanto na docência das matérias como na direç-o e administraç-o dos departamentos. Os seis entrevistados tiveram experiência como alunos ou de co-docência com professores de ambas nacionalidades e responderam a uma simples pergunta: em sua opini-o, quais s-o as características didáticas dos professores portugueses e quais s-o as características didáticas dos professores brasileiros. As respostas s-o obviamente uma generalizaç-o, como os próprios entrevistados deixaram claro. Todas as respostas foram organizadas segundo técnica de análise de conteúdo (Vala 1986; Quivy / Campenhoudt 5 2008) para ent-o fazermos uma análise de ocorrência e inferirmos a(s) característica(s) mais marcante(s) de cada uma das nacionalidades. Utilizamos aqui uma abordagem qualitativa (Biklen / Bogdan 1991) para esta análise. A característica dos professores portugueses mais citada (13 vezes) foi a exigência, expressa por palavras como: exigentes (4), rígidos (1), rigorosos (1), duros (1), apertam (1), reprovaç-o (1), atenç-o máxima (1), menor tolerância (1), tem que ter (2). Essa exigência está associada principalmente com a gramática padr-o (8 vezes), mas também com a pronúncia (2), o domínio do léxico (1), o domínio da fala <?page no="218"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 219 (1). Ainda um entrevistado usa os termos rígidos e duros como característica de personalidade. As características dos professores brasileiros mais citadas (14 vezes) foram a sociabilidade e afetividade, expressa por palavras como: espírito de partilha e trabalho conjunto (5), aproximar (2), sociais (2), familiaridade (2), espírito de amizade (2), amáveis (1). Em comparaç-o com a exigência dos professores portugueses, alguns entrevistados destacaram a tolerância dos professores brasileiros utilizando a express-o negativa n-o exigem. Eles n-o exigem correç-o de normas em relaç-o à língua (2), n-o s-o rigorosos e exigentes em termos de gramática da língua (1), n-o tem muitas exigências para trabalhar com estudantes de nível baixo de proficiência (1). Outro entrevistado expressa a n-o exigência em termos positivos como: flexíveis, tolerantes, pertinentes ao nível de conhecimento mínimo dos jovens timorenses no domínio em língua portuguesa. <?page no="219"?> 220 Karin Noemi Rühle Indart É essencial aqui destacar que para os professores portugueses a exigência é sinônimo de excelência e por tanto, uma característica positiva. E de fato, podemos testemunhar essa busca por um resultado excelente do domínio de língua portuguesa por parte dos professores portugueses que trabalham na UNTL. Para os entrevistados timorenses, ora a express-o exigência é usada com um significado de bom trabalho (2 entrevistados) e ora como algo neutro (1 entrevistado) e ainda ora como extremamente negativo (3 entrevistados). Para os entrevistados que consideram a exigência negativa esta característica n-o leva em consideraç-o o contexto linguístico específico de multilinguismo, a realidade do contexto educacional ainda em desenvolvimento em Timor. Especialmente estes entrevistados, mas n-o apenas estes, destacam a característica flexível dos professores brasileiros, pois n-o comparam os estudantes universitários timorenses com os estudantes universitários brasileiros e por isso n-o justificam a falta de desempenho dos alunos baseados no baixo nível de proficiência destes, mas sim nas metodologias n-o apropriadas para o contexto timorense. Os professores brasileiros também tem suas exigências, mas elas est-o ligadas as suas próprias práticas didáticas. Podem n-o exigir domínio da norma padr-o, mas segundo dois entrevistados, exigem mais do conteúdo e do significado dos trabalhos dos alunos e procuram corrigir seus alunos e colegas timorenses no uso concreto da comunicaç-o e n-o em aulas de explicaç-o gramatical. A maior tolerância da norma também está diretamente ligado à maior tolerância em relaç-o à forma diferenciada com que o aluno timorense se expressa, segundo outra entrevistada, pois é costume dos brasileiros aprenderem logo de início a língua tétum, local, nacional e cooficial. A tendência dos professores brasileiros é n-o imprimir seu próprio padr-o e incentivar o desenvolvimento de uma variante local. É também importante salientar que a cultura timorense é voltada a relacionamentos e possivelmente por essa raz-o a característica de sociabilidade e afetividade dos professores brasileiros foi destacada nas entrevistas. Mesmo em um ambiente acadêmico, onde o aspecto intelectual e lógico poderia ser mais enfático prevalecem as expectativas pelo aspecto emotivo e relacional. É possível que num primeiro momento os professores brasileiros n-o sejam mais sociáveis porque reconhecem essa express-o cultural timorense, porém, est-o apenas reproduzindo em Timor uma característica cultural brasileira. Como esta se assemelha à característica cultural local, acabam tendo mais facilidade de adaptaç-o ao contexto sem grande esforço. Por observaç-o e convívio, n-o acreditamos que os professores portugueses n-o se empenhem para se contextualizarem ou n-o se preocupem em serem pertinentes a realidade local, apenas parecem ter mais dificuldades e menor naturalidade para o fazer. Os entrevistados também descreveram as metodologias de ensino mais frequentes em cada cooperaç-o. A metodologia dos professores portugueses é <?page no="220"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 221 descrita como expositiva e baseada na leitura de texto. Eventualmente utilizam filmes. Dois dos entrevistados sublinham que estes professores falam e explicam a matéria nas aulas e “n-o d-o muito espaço para que os estudantes possam expressar as suas ideias”, assim como, se apressam em corrigir a fala dos alunos a ponto de os inibir à comunicaç-o em língua portuguesa. Também n-o há interaç-o entre alunos e professores portugueses fora da sala de aula. Porém, apesar de todos os entrevistados reconhecerem o apego destes professores à sua forma padr-o também admitem que existe um esforço para oferecer ajuda aos alunos em dificuldade e de forma compreensível e estratégica. Um dos entrevistados usa a express-o excelente para as aulas de língua portuguesa com professores portugueses, reafirmando que a exigência dos mesmos pode ser interpretada como busca por excelência. A metodologia de ensino de língua dos professores brasileiros é descrita como adaptada e participativa. Os entrevistados citaram várias técnicas utilizadas por estes professores: ‘contaç-o’ de histórias (2), trabalho em grupo (2), discuss-o (1), diálogo (1), participaç-o ativa dos estudantes (1), power-point (2), análise de fotos, situações, figuras (1). Essas técnicas demostram a tendência a uma didática n-o expositiva e centralizada nos alunos. Uma das entrevistadas explica que os professores brasileiros utilizam “uma pedagogia construtiva que usa mais o diálogo do que o depósito - só para preencher a cabeça dos estudantes”, declarando o quanto as ideais pedagógicos de Paulo Freire est-o presentes na abordagem desses professores. <?page no="221"?> 222 Karin Noemi Rühle Indart O aspecto mais revelador apresentado nas entrevistas é o fato de os professores brasileiros demostrarem preocupaç-o maior em serem didaticamente exemplares. O que estes desejam n-o se limita à transmiss-o ou discuss-o do conteúdo da matéria, mas principalmente serem motivadores de práticas pedagógicas diferenciadas, progressistas, contextualizadas e principalmente n-o tradicionais. Segundo uma das entrevistadas os brasileiros tentam mudar as práticas pedagógicas tradicionais da universidade e socializar práticas construtivas, pois colegas timorenses s-o responsáveis pela formaç-o de futuros professores e seus alunos ser-o os futuros professores do sistema de educaç-o. Mais uma vez fica evidente que a abordagem e o paradigma de educaç-o das duas cooperações s-o distintas. Isso implica em práticas e resultados diferentes como podemos observar no discurso dos entrevistados. O fato dos professores portugueses esperarem como resultado do trabalho a excelência no domínio da estrutura da língua portuguesa faz com que n-o se sintam confortáveis no uso livre da língua por parte dos alunos. Provavelmente por essa raz-o as práticas resumem-se em atividades que exponham os alunos apenas à língua padr-o ou a variante europeia, como textos e filmes. Já os professores brasileiros mais preocupados com a comunicaç-o através da língua, seja do conteúdo da matéria, seja da didática de ensino, n-o apresentam barreiras para o uso de atividades que deixem os alunos menos presos a ‘estrutura correta’ da língua e pratiquem a comunicaç-o, seja oral, seja escrita. Notamos que as atividades citadas acima mostram que a prática oral é privilegiada nas aulas dos professores brasileiros, sejam em discussões teóricas, sejam em ‘contações’ de lendas timorenses. Podemos inferir que a variante utilizada nessas aulas é híbrida, pela exposiç-o que esses alunos tem das duas diferentes variantes de seus professores estrangeiros, do contato cada vez maior com professores timorenses que dominam a língua portuguesa nestes departamentos, mas também porque ao deixar os alunos se comunicarem livremente, incentivam o desenvolvimento de uma variante local determinada por essa nova geraç-o de professores timorenses educados pós-independência. 4 Conclus-o Para finalizarmos reafirmamos que as comparações entre cooperações feitas neste artigo s-o generalizações, como deixa claro a diretora do Departamento de Língua Portuguesa da UNTL: Tivemos vários professores brasileiros e portugueses que n-o tem uma metodologia, um modelo próprio do português ou do brasileiro […] há professores que utilizam <?page no="222"?> A Língua Portuguesa no Sistema de Educaç-o em Timor-Leste 223 modelos conforme a necessidade para os alunos timorenses. Eu acho que isto varia de professor para professor. 7 Porém, é possível encontrar tendências claras em ambas cooperações que refletem as teorias, as abordagens educacionais e n-o menos relevante a cultura de seus países de origem. Assim constatamos que no contexto universitário os professores portugueses est-o mais propensos a uma didática monolíngue em que o domínio da variante europeia da língua portuguesa seja o principal objetivo da sua docência. Os professores brasileiros, por sua vez est-o mais predispostos a práticas plurilíngues e muito menos engajados em definir um padr-o linguístico para a língua portuguesa em Timor, promovem meios para que os próprios timorenses o façam e provocam o questionamento da própria norma padr-o idealizado no sistema de educaç-o timorense, assim como fomentam novas práticas didáticas para o aprendizado da língua. Concluímos que a excelência do trabalho dos professores portugueses somado à contextualizaç-o do ensino de língua dos professores brasileiros trazem muitos benefícios à universidade, pois as características das cooperações n-o necessariamente se contradizem, mas em nossa opini-o complementam-se. O mesmo aluno é exposto ao rigor de domínio estrutural e lexical de alguns professores e posteriormente é convidado a sentir-se a vontade com o conhecimento já adquirido para se comunicar livremente com ele nas aulas de outros professores. Se seus professores portugueses privilegiaram a língua escrita formal, seus professores brasileiros os encorajam a contar histórias, conversar e cantar com um sotaque e uma estrutura nova e criativa. Uma cooperaç-o n-o diminui a importância da outra, adiciona o que falta e agrega valor mútuo, por tanto que o alvo comum seja o desenvolvimento da língua portuguesa em Timor e n-o a concorrência entre elas. 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Além da quest-o clássica Que português ensinar e aprender? referindo-se às duas variedades padr-o de Portugal e do Brasil, novas perspetivas enfocam o conjunto global das variedades lusófonas e as outras dimensões de variaç-o linguística. Neste volume reúnem-se contributos que abordam a temática em contextos de ensino secundário e superior na Alemanha, em Portugal, na Galiza e em Timor-Leste. Reflexões teóricas, estudos empíricos, análises de manuais e propostas didáticas demonstram a extens-o do discurso sobre as variedades no ensino de PLNM. Romanistische Fremdsprachenforschung und Unterrichtsentwicklung 14 RFU 14 Romanistische Fremdsprachenforschung und Unterrichtsentwicklung 14 ISBN 978-3-8233-8221-8 Christian Koch / Daniel Reimann (eds.) As Variedades do Português no Ensino de PLNM Christian Koch Daniel Reimann (eds.) As Variedades do Português no Ensino de Português Língua N-o Materna 18221_Koch_Reimann_Umschlag.indd Alle Seiten 10.07.2019 10: 02: 07